terça-feira, 15 de outubro de 2019
Governo errático amplia paraíso da elite do funcionalismo
Começou a ser desvendado um dos mistérios da República —a folha de pagamentos dos 11,4 milhões de servidores da União, dos estados e municípios.
O enigma da gestão de pessoal no setor público custa R$ 300 bilhões por ano e foi estudado pelo Banco Mundial, uma das instituições multilaterais moldadas no fim da Segunda Guerra pelos economistas John M. Keynes, britânico, e Harry Dexter White, americano, reputado como informante da antiga União Soviética.
Os resultados já obtidos são limitados na área federal — não incluem o Banco Central e a Abin —e a apenas seis dos 27 governos regionais (Alagoas, Maranhão, Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Norte e Santa Catarina).
Mesmo assim, jogam luz sobre a balbúrdia instalada por interesses políticos e corporativos na folha de pagamentos. E mostram como tem sido manipulada para iniquidades.
Existem 321 carreiras em 25 ministérios, administradas a partir de 117 tabelas salariais. Esse catálogo prevê 179 formas de pagamento. Contaram-se 405 tipos de gratificações, 167 delas “por desempenho” e extensíveis aos aposentados. Há, ainda, 105,5 mil cargos de chefia.
Dessa confusão nasceu uma elite burocrática: 44% dos servidores recebem mais de R$ 10 mil mensais. Estão no topo da pirâmide de renda. Em estados como Alagoas, eles têm renda média 60 vezes maior que a dos trabalhadores do setor privado.
Mais da metade (53%) desse grupo ganha entre R$ 10 mil e R$ 33,7 mil por mês. E 1% vai além, com supersalários. Nas carreiras jurídicas um iniciante ganha mais de R$ 20 mil.
O Ministério da Economia abriu as portas na última quarta-feira para apresentar esses dados, justificando uma reforma nesse paraíso. Horas depois, no plenário da Câmara, a vice-líder do PSL, deputada Bia Kicis, anunciou o apoio do presidente a uma aliança com o PT, PCdoB, PSOL, entre outros, para criação de nova carreira no funcionalismo, a da Polícia Penal. Será a 322ª na folha de pessoal.
O governo Bolsonaro ameaça chegar à perfeição: constrói pela manhã aquilo que enterra à tarde.
O enigma da gestão de pessoal no setor público custa R$ 300 bilhões por ano e foi estudado pelo Banco Mundial, uma das instituições multilaterais moldadas no fim da Segunda Guerra pelos economistas John M. Keynes, britânico, e Harry Dexter White, americano, reputado como informante da antiga União Soviética.
Os resultados já obtidos são limitados na área federal — não incluem o Banco Central e a Abin —e a apenas seis dos 27 governos regionais (Alagoas, Maranhão, Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Norte e Santa Catarina).
Mesmo assim, jogam luz sobre a balbúrdia instalada por interesses políticos e corporativos na folha de pagamentos. E mostram como tem sido manipulada para iniquidades.
Existem 321 carreiras em 25 ministérios, administradas a partir de 117 tabelas salariais. Esse catálogo prevê 179 formas de pagamento. Contaram-se 405 tipos de gratificações, 167 delas “por desempenho” e extensíveis aos aposentados. Há, ainda, 105,5 mil cargos de chefia.
Dessa confusão nasceu uma elite burocrática: 44% dos servidores recebem mais de R$ 10 mil mensais. Estão no topo da pirâmide de renda. Em estados como Alagoas, eles têm renda média 60 vezes maior que a dos trabalhadores do setor privado.
Mais da metade (53%) desse grupo ganha entre R$ 10 mil e R$ 33,7 mil por mês. E 1% vai além, com supersalários. Nas carreiras jurídicas um iniciante ganha mais de R$ 20 mil.
O Ministério da Economia abriu as portas na última quarta-feira para apresentar esses dados, justificando uma reforma nesse paraíso. Horas depois, no plenário da Câmara, a vice-líder do PSL, deputada Bia Kicis, anunciou o apoio do presidente a uma aliança com o PT, PCdoB, PSOL, entre outros, para criação de nova carreira no funcionalismo, a da Polícia Penal. Será a 322ª na folha de pessoal.
O governo Bolsonaro ameaça chegar à perfeição: constrói pela manhã aquilo que enterra à tarde.
Premiados com Nobel de Economia fazem perguntas muito simples sobre a pobreza
Quais são as causas da pobreza? São constrangimentos contextuais, como a má dotação de recursos naturais? Ou ela é fruto da escolha de indivíduos que decidiram não progredir?
Não há resposta para essas perguntas no extenso programa de pesquisas premiado com o Nobel de Economia de 2019.
Abhijit Banerjee e Esther Duflo, do MIT (Massachusetts Institute of Technology), e seu colega Michael Kremer, de Harvard, se recusam a dar asas a teorias abrangentes e às vezes militantes sobre o atraso relativo que afeta centenas de milhões no planeta.
As questões que eles propõem são bem mais simples, embora a ambição do projeto não o seja.
Por que as pessoas não colocam os filhos para dormir envoltos em redes que os protejam do mosquito da malária mesmo se o investimento é irrisório diante dos ganhos econômicos que essa ação promoverá ao longo da vida?
Oferecer de graça ou a preço subsidiado o equipamento fará grande diferença na adesão a ele?
Por que mães não completam o ciclo de vacinas de seus filhos e não adotam outras tecnologias gratuitas ou subsidiadas de prevenção que elevam o bem-estar de modo perene?
Por que crianças pobres passam vários anos frequentando a escola, mas não aprendem nada? Algo a ver com a organização das turmas e os objetivos do sistema de ensino?
Por que um vendedor de frutas, que se submete a juros diários de 5% (mais de 50 milhões por cento ao ano) cobrados pelo seu fornecedor, não deixa de tomar duas xícaras de chá por dia e assim poupa o suficiente para declarar independência do agiota em três meses?
Por que agricultores não usam fertilizantes disponíveis e perdem a chance de catapultar a produtividade da terra?
Faz diferença, para a criação de uma menina, entregar o dinheiro de um programa do governo ao avô ou, alternativamente, à avó?
Onde está o pulo do gato dos programas de microcrédito? No constrangimento comunitário para que o indivíduo cumpra religiosamente suas obrigações? Ou no barateamento do custo de cobrança de instituições financeiras?
A explosão dos pequenos empréstimos revela um grande potencial empreendedor subaproveitado ou está mais associada à carência de opções para o sustento familiar?
Para responder a essas questões, redes de pesquisadores nas quais se destaca o trio agraciado com o Nobel amiúde se valem de metodologia análoga à que é utilizada para testar novos medicamentos.
Comparam grupos semelhantes, definidos aleatoriamente.
Um deles será submetido à intervenção que se quer avaliar, e o outro será o parâmetro para saber se o efeito estudado ocorreu e, em caso afirmativo, em que medida.
A resposta típica só é válida naquele contexto.
Lavradores do oeste do Quênia não conseguem coordenar-se para comprar fertilizantes quando têm dinheiro, logo após a colheita. Quando necessitam do insumo, perto do plantio, estão sem nenhum tostão.
Ao receberem transferência de renda do governo, avós sul-africanas, integrantes de grandes núcleos familiares que incluem crianças, tendem a proteger mais o bem-estar das netas mulheres. Quando são os avôs os titulares do benefício, isso não acontece.
Na Índia, a falta crônica de funcionários nos postos de saúde, aliada a certos traços culturais, estimula o recurso a curandeiros e charlatães, a custos muito superiores e resultados muito ruins para as próprias famílias pobres.
Mas a proliferação de estudos em várias regiões do mundo, com metodologia comparável e sujeita à crítica dos colegas, vai tecendo aos poucos alguns achados mais frequentes.
A pobreza parece estar associada a uma incerteza profunda.
A tendência, demasiadamente humana, de valorizar desproporcionalmente o presente sobre o futuro fica exacerbada nesses ambientes.
A poupança, o seguro, o crédito, as ações preventivas de saúde e os esforços de educação —invenções que amortecem as intempéries vindouras— acabam desfavorecidos mesmo quando são economicamente viáveis.
A boa notícia é que a política pode desenhar intervenções que ataquem com sucesso essa deficiência no plano concreto.
Agregue os alunos por sua condição de conhecimento e os faça evoluir devagar.
Ofereça vale-fertilizantes aos lavradores quando eles têm dinheiro, pague às mães para vacinarem seus filhos, coíba o absenteísmo dos profissionais de saúde e educação.
Só não saia a implantar ou cortar programas sem observar a melhor ciência disponível. Isso em geral aumenta a pobreza.
Abhijit Banerjee e Esther Duflo, do MIT (Massachusetts Institute of Technology), e seu colega Michael Kremer, de Harvard, se recusam a dar asas a teorias abrangentes e às vezes militantes sobre o atraso relativo que afeta centenas de milhões no planeta.
As questões que eles propõem são bem mais simples, embora a ambição do projeto não o seja.
Oferecer de graça ou a preço subsidiado o equipamento fará grande diferença na adesão a ele?
Por que mães não completam o ciclo de vacinas de seus filhos e não adotam outras tecnologias gratuitas ou subsidiadas de prevenção que elevam o bem-estar de modo perene?
Por que crianças pobres passam vários anos frequentando a escola, mas não aprendem nada? Algo a ver com a organização das turmas e os objetivos do sistema de ensino?
Por que um vendedor de frutas, que se submete a juros diários de 5% (mais de 50 milhões por cento ao ano) cobrados pelo seu fornecedor, não deixa de tomar duas xícaras de chá por dia e assim poupa o suficiente para declarar independência do agiota em três meses?
Por que agricultores não usam fertilizantes disponíveis e perdem a chance de catapultar a produtividade da terra?
Faz diferença, para a criação de uma menina, entregar o dinheiro de um programa do governo ao avô ou, alternativamente, à avó?
Onde está o pulo do gato dos programas de microcrédito? No constrangimento comunitário para que o indivíduo cumpra religiosamente suas obrigações? Ou no barateamento do custo de cobrança de instituições financeiras?
A explosão dos pequenos empréstimos revela um grande potencial empreendedor subaproveitado ou está mais associada à carência de opções para o sustento familiar?
Para responder a essas questões, redes de pesquisadores nas quais se destaca o trio agraciado com o Nobel amiúde se valem de metodologia análoga à que é utilizada para testar novos medicamentos.
Comparam grupos semelhantes, definidos aleatoriamente.
Um deles será submetido à intervenção que se quer avaliar, e o outro será o parâmetro para saber se o efeito estudado ocorreu e, em caso afirmativo, em que medida.
A resposta típica só é válida naquele contexto.
Lavradores do oeste do Quênia não conseguem coordenar-se para comprar fertilizantes quando têm dinheiro, logo após a colheita. Quando necessitam do insumo, perto do plantio, estão sem nenhum tostão.
Ao receberem transferência de renda do governo, avós sul-africanas, integrantes de grandes núcleos familiares que incluem crianças, tendem a proteger mais o bem-estar das netas mulheres. Quando são os avôs os titulares do benefício, isso não acontece.
Na Índia, a falta crônica de funcionários nos postos de saúde, aliada a certos traços culturais, estimula o recurso a curandeiros e charlatães, a custos muito superiores e resultados muito ruins para as próprias famílias pobres.
Mas a proliferação de estudos em várias regiões do mundo, com metodologia comparável e sujeita à crítica dos colegas, vai tecendo aos poucos alguns achados mais frequentes.
A pobreza parece estar associada a uma incerteza profunda.
A tendência, demasiadamente humana, de valorizar desproporcionalmente o presente sobre o futuro fica exacerbada nesses ambientes.
A poupança, o seguro, o crédito, as ações preventivas de saúde e os esforços de educação —invenções que amortecem as intempéries vindouras— acabam desfavorecidos mesmo quando são economicamente viáveis.
A boa notícia é que a política pode desenhar intervenções que ataquem com sucesso essa deficiência no plano concreto.
Agregue os alunos por sua condição de conhecimento e os faça evoluir devagar.
Ofereça vale-fertilizantes aos lavradores quando eles têm dinheiro, pague às mães para vacinarem seus filhos, coíba o absenteísmo dos profissionais de saúde e educação.
Só não saia a implantar ou cortar programas sem observar a melhor ciência disponível. Isso em geral aumenta a pobreza.
Essas trevas da pré-história
No mundo pequeno da cidade pequena (onde as sementes da transformação só podem ser plantadas pelos heróis ou profetas) , as pessoas vivem o mesmo drama universal que enfrentamos nas cidades grandes: a infindável luta contra a intolerância, contra as trevas, nesta nossa amargurada pré-História da HumanidadeRodolfo Konder, "A memória e o esquecimento"
Uma ideia para os partidos: mais democracia
Eis que Jair Bolsonaro está às voltas com o problema costumeiro dos presidentes da República. Para consolidar e ampliar a dominância sobre o cenário político, precisa de um, ou mais de um, partido para chamar de seu, e precisa que este(s) lutem por capilaridade nos processos eleitorais.
Proprietários regra geral eternos, pois inexiste na legislação mecanismo que os obrigue a praticar democracia interna. Eis um motivo, talvez o principal, para tantos partidos: a única garantia de quem tem projeto próprio é ser dono de legenda. Assim é a vida de quem faz política no Brasil.
O sintomático na guerra interna do PSL é inexistir qualquer proposta de resolver a disputa no voto. Nos Estados Unidos seria assim. Ali todas as candidaturas são decididas em primárias.
Ali foi possível Barack Obama derrotar no voto Hillary Clinton. Ali foi possível Donald Trump tratorar todo o establishment republicano.
É curioso que apesar de toda a conversa no Brasil sobre reforma política ninguém proponha uma lei que obrigue os partidos a praticar democracia interna. Curioso e compreensível. Essa mudança não virá nem do Executivo nem do Legislativo.
É uma maneira simples de resolver imbróglios como este do PSL. Uma ideia simples e ingênua. Analistas políticos também deveriam ter o direito a, digamos, pelo menos uma ingenuidade anual.
O bom de ser considerado "do bem" é poder fazer tudo que faz quem é "do mal", sem entretanto deixar de ser considerado alguém "de bem". Quem duvida deve comparar os vieses da abordagem nas crises venezuelana, equatoriana e de Hong Kong.
E tudo começa pela eleição municipal. É nela que se elegem os cabos eleitorais dos deputados federais, sem quem o presidente da República, aí sim, está arriscado a virar rainha da Inglaterra, ou a sofrer coisas ainda piores.
A política brasileira é peculiar. Aqui o sujeito não chega ao poder por ter um partido forte, mas precisa usar o poder para construir um partido forte, sem o que fica ainda mais sujeito a instabilidades, dada a entropia do sistema.
Nenhum presidente eleito desde a democratização contava com, ou conseguiu eleger junto, uma legenda hegemônica, e todos usaram o poder da caneta para alavancar, depois, gente para lhes dar sustentação. Aliás foi, e é, a fonte dos grandes escândalos nacionais.
Administrações partidárias são complicadas sempre, ainda mais com a massa de recursos proporcionada no Brasil pelo financiamento público. É muito poder. Todo mundo depende do proprietário, ou proprietários, de partido.
Proprietários regra geral eternos, pois inexiste na legislação mecanismo que os obrigue a praticar democracia interna. Eis um motivo, talvez o principal, para tantos partidos: a única garantia de quem tem projeto próprio é ser dono de legenda. Assim é a vida de quem faz política no Brasil.
O sintomático na guerra interna do PSL é inexistir qualquer proposta de resolver a disputa no voto. Nos Estados Unidos seria assim. Ali todas as candidaturas são decididas em primárias.
Ali foi possível Barack Obama derrotar no voto Hillary Clinton. Ali foi possível Donald Trump tratorar todo o establishment republicano.
É curioso que apesar de toda a conversa no Brasil sobre reforma política ninguém proponha uma lei que obrigue os partidos a praticar democracia interna. Curioso e compreensível. Essa mudança não virá nem do Executivo nem do Legislativo.
Já que o Judiciário está curtindo legislar, talvez ele pudesse dar um empurrão. E há argumentos. Se os partidos se financiassem apenas com dinheiro privado seria razoável ninguém meter o bedelho no funcionamento. Mas não é o caso, principalmente depois que passaram a receber montanhas de dinheiro público.
O partido só deveria poder lançar candidato nos municípios onde tivesse diretório eleito em convenção com voto direto e secreto. De preferência eletrônico. Comissão provisória não deveria ser suficiente. E todos os candidatos deveriam ser escolhidos em primárias.
É uma maneira simples de resolver imbróglios como este do PSL. Uma ideia simples e ingênua. Analistas políticos também deveriam ter o direito a, digamos, pelo menos uma ingenuidade anual.
O bom de ser considerado "do bem" é poder fazer tudo que faz quem é "do mal", sem entretanto deixar de ser considerado alguém "de bem". Quem duvida deve comparar os vieses da abordagem nas crises venezuelana, equatoriana e de Hong Kong.
Combate à pobreza é o ponto central
O economista Abhijit Banerjee é indiano-americano, cresceu em Calcutá. Esther Duflo é franco-americana. Eles fundaram o Laboratório de Ação contra a Pobreza no MIT onde trabalham. Os dois são casados e têm diversos trabalhos juntos em economia do desenvolvimento e combate à pobreza. Michael Kremer é professor de economia do desenvolvimento e economia da saúde em Harvard e é pesquisador associado a um centro de inovação para a ação das nações sobre a pobreza.
Os três se complementam, fizeram trabalhos juntos, tanto acadêmicos quanto de avaliação direta de políticas públicas. Duflos e Kremer estudaram, por exemplo, o impacto da oferta de escola secundária gratuita em Gana. Ela estudou o efeito do saneamento básico. A ideia principalmente do casal Banerjee-Duflo é usar o modelo de experimentos focalizados para estudar o combate à pobreza de forma ampla. Kremer fez inicialmente estudos no Kenya em meados dos anos 1990. Banerjee e Duflo fizeram pesquisas em Mumbai e Vadodara na Índia. Em outra análise, o casal verificou o impacto do acesso à infraestrutura no desenvolvimento da China. Esses trabalhos se transformaram no método padrão em economia do desenvolvimento.
A teoria de Kremer sustenta que as tarefas de produção executadas conjuntamente — em um ambiente em que várias pessoas com aptidões diferentes e complementares cooperam — elevam a produtividade. Essa complementariedade de aptidões seria, segundo ele, a chave da produtividade.
O comitê disse que eles juntos reestruturaram totalmente a economia do desenvolvimento e têm tido um claro impacto no combate à miséria no mundo. Principalmente “porque usam métodos de pesquisa experimental para identificar as políticas de intervenção mais efetivas para combater a pobreza”, segundo escreveu o jornal “Financial Times”.
Esther Duflo em entrevista ontem disse que o objetivo deles “é garantir que a luta contra a pobreza esteja baseada em evidências científicas”. Um dos estudos do trio mostra que apenas disponibilizar material escolar e os livros às crianças pode não ser suficiente para um bom aprendizado, que ocorre de forma mais eficiente com um ensino mais individualizado, mais feito sob medida.
Houve um tempo em que políticas de combate à pobreza não eram consideradas temas centrais na economia. Hoje, a economia se volta cada vez mais para a redução da pobreza e da desigualdade como forma não apenas de corrigir as distorções criadas pelo capitalismo, mas como única maneira de garantir aumento da produtividade e desenvolvimento. A escolha do Nobel de 2019 faz parte da tendência de instalar cada vez mais esse tema no centro do debate. Além disso, o comitê do prêmio ressaltou a forma com que os três sempre abordaram a questão: com métodos científicos de desenvolvimento de políticas, e com testes de avaliação da eficiência da política adotada.
O que impressiona nos três laureados ontem é a dispersão das áreas para as quais eles levaram seus estudos, que pode ser desde educação e saúde, segurança no trânsito, ação policial, saneamento, garantia de água potável, papel dos influenciadores e combate a determinados dogmas do ultraliberalismo. Em uma aula magna, chamada “aulas Tanner”, Duflo contesta a ideia de que o assistencialismo reduza a liberdade das pessoas.
Duflo é a segunda mulher a ganhar o Nobel de economia e a pessoa mais jovem laureada com o prêmio na área. Tem 46 anos. Banerjee, com 58, e Kremer com 54 anos, são também relativamente jovens para o Nobel.
Combate à pobreza é dever moral das sociedades civilizadas, mas o que os três laureados de ontem estimulam com seus trabalhos é a busca da forma mais eficiente, e cientificamente testada, de alcançar esse objetivo. E isso não por benemerência, mas sim porque essa é a questão central do desenvolvimento.
O lado negro da mancha
É impressionante a urucubaca desse governo Boçalnaro. Por menos que o governo faça, cada vez mais o país fica mais sujoAgamenon Mendes Pedreira
Bolsonaro, católico ou evangélico?
Não me lembro de ter visto o presidente Jair Bolsonaro numa missa católica desde que assumiu o poder – com exceção do último sábado, 12 de outubro, dia de Nossa Senhora da Aparecida. Chegou ao Santuário Nacional da Padroeira sob vaias e aplausos, acenou ao público do pátio, sentou-se com a comitiva perto do altar central da Basílica, leu um trecho da Bíblia. Sua presença parecia uma resposta à inescusável ausência na canonização de Irmã Dulce, no Vaticano, presidida pelo papa Francisco.
Nenhum sorriso no rosto de Bolsonaro ao cumprimentar o arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes, que na homilia da manhã havia criticado “o dragão do tradicionalismo” e “a direita violenta e injusta”. À tarde, na presença do presidente, Dom Orlando adaptou sua fala, ao afirmar, com razão e sensatez, que “dragões atacam de tudo que é lado; atacam a igreja, atacam as religiões...esses dragões são as ideologias (...), interesses pessoais, tanto da direita quanto da esquerda”. A verdade, disse o arcebispo, é que liberta.
Da missa, onde comungou, Bolsonaro foi para o estádio do Pacaembu ver o jogo de seu Palmeiras contra o Botafogo. Ouviu gritos de “mito” e xingamentos. Venceu por 1 a zero. Foi um sábado discreto. Felizmente para todos.
Neste ano de 2019, Bolsonaro foi fotografado em inúmeros cultos evangélicos ao lado de sua esposa evangélica, ajoelhou-se diante de Edir Macedo, chorou, levou o fundador da Igreja Universal para o desfile de 7 de Setembro, festejou a bancada evangélica e prometeu nomear um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal.
Mas afinal, Bolsonaro é católico ou evangélico? Muitos leitores me escreveram após minha última coluna no GLOBO, "Bolsonaro contra Deus e o mundo". Uns me diziam que o presidente é católico e que não foi ao Vaticano por causa dos “padres comunistas” do Sínodo da Amazônia, já que Bolsonaro não anda lá com muito crédito entre ambientalistas. Diziam também que, “se o papa não gosta de Bolsonaro, por que ele iria ao Vaticano?” É um ponto.
Eu me pergunto o que faz de alguém católico ou evangélico. Fui batizada, fiz a primeira comunhão, mas me tornei agnóstica ao longo da vida. Acho nociva a associação que os políticos do Brasil – uma república laica por determinação da Constituição – fazem com a religião. Qualquer religião. Por oportunismo ou não, há uma excessiva presença de Deus até em votações no Congresso. Cheira a hipocrisia ou exagero.
Antes de começar a campanha presidencial no ano passado, Bolsonaro foi batizado na igreja Assembleia de Deus e manteve uma rotina de cultos e celebrações evangélicas nos fins de semana ao lado de Michelle, fiel da Igreja Batista Atitude. Em 2016, Bolsonaro postou nas redes sociais um vídeo em que é batizado nas águas do Rio Jordão, em Israel, pelo pastor Everaldo, em companhia dos três filhos.
A socióloga Christina Vital, professora e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF), disse no ano passado à revista EPOCA que Bolsonaro se apresenta como católico mas se comporta como evangélico, ao afirmar que é presidente por “missão divina”, apostando assim na “ambiguidade religiosa”.
Traduzindo as palavras da socióloga para o português coloquial, eu diria que Bolsonaro parece ser católico na teoria e evangélico na prática. O fato de alguém se declarar católico no Brasil ou em qualquer país – ter sido batizado e feito a primeira comunhão – não garante que continuará a ser católico para o resto da vida. Muitos, por convicção, por casamento ou por oportunismo, se convertem a uma outra religião. Tornam-se praticantes de outras igrejas.
Numa entrevista em 2011, há oito anos portanto, o então deputado pelo PP do Rio de Janeiro Jair Bolsonaro respondeu a perguntas de leitores da revista EPOCA. Duas perguntas eram sobre a laicidade do Estado e sua religião. “O Estado é laico, mas seu povo não. A religião é fato de união dos povos e não pode ser dissociada da família, dos bons costumes e da moralidade. Acredito em Deus, essa é a minha religião. Sou um católico que, por 10 anos, frequentou a Igreja Batista”, disse Bolsonaro.
Em muitas ocasiões, ele repetiu “O Estado é laico, mas nós somos cristãos”. Verdade dupla. Não há perseguição a outras crenças. E a maioria absoluta é de católicos e evangélicos. Causa espécie, no entanto, que, na semana da votação da Reforma da Previdência, um culto especial na Câmara dos Deputados comemorasse o 42° aniversário da Igreja Universal, a mais poderosa denominação evangélica.
“Lucas, versículo 6.36: ‘Senhor, tem misericórdia de nós’”, leu no celular o ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni. “Muitos são chamados, poucos os escolhidos. Deus escolheu o mais improvável. Salvou-o de um atentado terrível”. Onyx chamou, nesse momento, Bolsonaro: “Aqui está o eleito. Simples, alegre, humilde e sobretudo temente a Deus”. Hoje, há mais de uma centena de parlamentares evangélicos, um em cada seis. Nunca foram tão influentes no Planalto.
Não apoio parlamentares por sua religião ou por sua ausência de fé - e sim por suas pautas e ações políticas, por sua retidão de princípios, por sua coerência e capacidade de escutar todos os segmentos da sociedade -, o que sempre foi raro, desde que me conheço por gente. Para se afirmar como um estado de valores republicanos e laicos, sem essa mistura explosiva de política com padres e pastores, e com presidente ou parlamentares chorando em templos ou igrejas, o Brasil deveria vetar cerimônias do tipo citado acima na Câmara ou no Senado. Isso é inadmissível, por exemplo, em países como a França ou a Grã-Bretanha. O Congresso não é fórum religioso.
O presidente Bolsonaro, seja ele católico ou evangélico no íntimo, não importa, deveria começar a pensar na população como um todo. Até agora, isso não aconteceu. O mais importante para o brasileiro, de todas as classes sociais, é o respeito aos direitos humanos, o acesso à educação de qualidade e a uma saúde digna, a um emprego honesto e bem remunerado, a uma segurança que aponte para a paz e não para a guerra. Que todos sejamos contemplados, como cidadãos, independentemente de orientações sexuais, crenças religiosas ou convicções ideológicas. Mas seria exigir muito. Um milagre, talvez?
Nenhum sorriso no rosto de Bolsonaro ao cumprimentar o arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes, que na homilia da manhã havia criticado “o dragão do tradicionalismo” e “a direita violenta e injusta”. À tarde, na presença do presidente, Dom Orlando adaptou sua fala, ao afirmar, com razão e sensatez, que “dragões atacam de tudo que é lado; atacam a igreja, atacam as religiões...esses dragões são as ideologias (...), interesses pessoais, tanto da direita quanto da esquerda”. A verdade, disse o arcebispo, é que liberta.
Da missa, onde comungou, Bolsonaro foi para o estádio do Pacaembu ver o jogo de seu Palmeiras contra o Botafogo. Ouviu gritos de “mito” e xingamentos. Venceu por 1 a zero. Foi um sábado discreto. Felizmente para todos.
Neste ano de 2019, Bolsonaro foi fotografado em inúmeros cultos evangélicos ao lado de sua esposa evangélica, ajoelhou-se diante de Edir Macedo, chorou, levou o fundador da Igreja Universal para o desfile de 7 de Setembro, festejou a bancada evangélica e prometeu nomear um ministro “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal.
Mas afinal, Bolsonaro é católico ou evangélico? Muitos leitores me escreveram após minha última coluna no GLOBO, "Bolsonaro contra Deus e o mundo". Uns me diziam que o presidente é católico e que não foi ao Vaticano por causa dos “padres comunistas” do Sínodo da Amazônia, já que Bolsonaro não anda lá com muito crédito entre ambientalistas. Diziam também que, “se o papa não gosta de Bolsonaro, por que ele iria ao Vaticano?” É um ponto.
Eu me pergunto o que faz de alguém católico ou evangélico. Fui batizada, fiz a primeira comunhão, mas me tornei agnóstica ao longo da vida. Acho nociva a associação que os políticos do Brasil – uma república laica por determinação da Constituição – fazem com a religião. Qualquer religião. Por oportunismo ou não, há uma excessiva presença de Deus até em votações no Congresso. Cheira a hipocrisia ou exagero.
Não importa que Bolsonaro, como presidente, tenha ou não crença ou fé. Não importa que seja católico ou evangélico. Pegou mal sua desistência de última hora de ir a Roma para a canonização de Irmã Dulce, a primeira santa brasileira, a Santa baiana dos pobres e necessitados. Um presidente da República deve estar acima de debates religiosos e de interesses de bancadas evangélicas. Faz parte de seu papel. Faz bem ao Brasil e a sua imagem tradicional de país que respeita a diversidade religiosa. Esse é um país com fé. E que abraça religiões de procedência africana, da mesma forma que pentecostais, neopentecostais e outras.
Mas, voltando à questão de origem, Bolsonaro é católico ou evangélico? Todos sabem como o presidente, antes mesmo de ser eleito, se aproximou dos evangélicos, seja por influência da esposa Michelle ou da força do “voto do cajado”, com a influência dos pastores sobre os eleitores. Um em cada quatro eleitores brasileiros se diz evangélico.
Mas, voltando à questão de origem, Bolsonaro é católico ou evangélico? Todos sabem como o presidente, antes mesmo de ser eleito, se aproximou dos evangélicos, seja por influência da esposa Michelle ou da força do “voto do cajado”, com a influência dos pastores sobre os eleitores. Um em cada quatro eleitores brasileiros se diz evangélico.
Antes de começar a campanha presidencial no ano passado, Bolsonaro foi batizado na igreja Assembleia de Deus e manteve uma rotina de cultos e celebrações evangélicas nos fins de semana ao lado de Michelle, fiel da Igreja Batista Atitude. Em 2016, Bolsonaro postou nas redes sociais um vídeo em que é batizado nas águas do Rio Jordão, em Israel, pelo pastor Everaldo, em companhia dos três filhos.
A socióloga Christina Vital, professora e pesquisadora da Universidade Federal Fluminense (UFF), disse no ano passado à revista EPOCA que Bolsonaro se apresenta como católico mas se comporta como evangélico, ao afirmar que é presidente por “missão divina”, apostando assim na “ambiguidade religiosa”.
Traduzindo as palavras da socióloga para o português coloquial, eu diria que Bolsonaro parece ser católico na teoria e evangélico na prática. O fato de alguém se declarar católico no Brasil ou em qualquer país – ter sido batizado e feito a primeira comunhão – não garante que continuará a ser católico para o resto da vida. Muitos, por convicção, por casamento ou por oportunismo, se convertem a uma outra religião. Tornam-se praticantes de outras igrejas.
Numa entrevista em 2011, há oito anos portanto, o então deputado pelo PP do Rio de Janeiro Jair Bolsonaro respondeu a perguntas de leitores da revista EPOCA. Duas perguntas eram sobre a laicidade do Estado e sua religião. “O Estado é laico, mas seu povo não. A religião é fato de união dos povos e não pode ser dissociada da família, dos bons costumes e da moralidade. Acredito em Deus, essa é a minha religião. Sou um católico que, por 10 anos, frequentou a Igreja Batista”, disse Bolsonaro.
Em muitas ocasiões, ele repetiu “O Estado é laico, mas nós somos cristãos”. Verdade dupla. Não há perseguição a outras crenças. E a maioria absoluta é de católicos e evangélicos. Causa espécie, no entanto, que, na semana da votação da Reforma da Previdência, um culto especial na Câmara dos Deputados comemorasse o 42° aniversário da Igreja Universal, a mais poderosa denominação evangélica.
“Lucas, versículo 6.36: ‘Senhor, tem misericórdia de nós’”, leu no celular o ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni. “Muitos são chamados, poucos os escolhidos. Deus escolheu o mais improvável. Salvou-o de um atentado terrível”. Onyx chamou, nesse momento, Bolsonaro: “Aqui está o eleito. Simples, alegre, humilde e sobretudo temente a Deus”. Hoje, há mais de uma centena de parlamentares evangélicos, um em cada seis. Nunca foram tão influentes no Planalto.
Não apoio parlamentares por sua religião ou por sua ausência de fé - e sim por suas pautas e ações políticas, por sua retidão de princípios, por sua coerência e capacidade de escutar todos os segmentos da sociedade -, o que sempre foi raro, desde que me conheço por gente. Para se afirmar como um estado de valores republicanos e laicos, sem essa mistura explosiva de política com padres e pastores, e com presidente ou parlamentares chorando em templos ou igrejas, o Brasil deveria vetar cerimônias do tipo citado acima na Câmara ou no Senado. Isso é inadmissível, por exemplo, em países como a França ou a Grã-Bretanha. O Congresso não é fórum religioso.
O presidente Bolsonaro, seja ele católico ou evangélico no íntimo, não importa, deveria começar a pensar na população como um todo. Até agora, isso não aconteceu. O mais importante para o brasileiro, de todas as classes sociais, é o respeito aos direitos humanos, o acesso à educação de qualidade e a uma saúde digna, a um emprego honesto e bem remunerado, a uma segurança que aponte para a paz e não para a guerra. Que todos sejamos contemplados, como cidadãos, independentemente de orientações sexuais, crenças religiosas ou convicções ideológicas. Mas seria exigir muito. Um milagre, talvez?
Eventual recuo do STF fará da perda do foro privilegiado um superprivilégio
A perspectiva de mudança na regra que autorizou a prisão de larápios condenados na segunda instância não vai apenas abrir as celas de corruptos e algo como 190 mil criminosos de todo tipo. Além de soltar gente como Lula e José Dirceu, a eventual meia-volta da Suprema Corte vai restaurar a tranquilidade de políticos que perderam o foro privilegiado — Aécio Neves e Michel Temer, por exemplo.
No ano passado, o Supremo havia aprovado a restrição do foro privilegiado. Ficaram na Suprema Corte apenas os processos referentes a crimes praticados por parlamentares e autoridades no exercício do mandato e relacionados à função pública. Ex-presidente, Temer viu seus processos criminais descerem para a primeira instância. Ao trocar o Senado pela Câmara, Aécio também perdeu o foro do Supremo no caso em que é acusado de extorquir Joesley Batista, da JBS, em R$ 2 milhões.
Pois bem, Temer, Aécio e todos os outros que perderam a mamata do foro estão nesse momento prestes a migrar do inferno para o paraíso. O encarceramento de condenados em duas instâncias representou uma reviravolta. Além de levar à cadeia gente que se imaginava invulnerável, inverteu-se a lógica dos recursos. Preso, o condenado manteve intacto o direito de recorrer. Mas o interesse pela postergação dos julgamentos tinha deixado de ser um grande negócio. A abertura das celas restabelece a lógica da procrastinação.
Com a restauração do velho ambiente propício à impunidade, a restrição do foro privilegiado, que parecia o fim de um privilégio, vai virar um superprivilégio. Quem é julgado no Supremo não tem a quem recorrer. Com o fim da prisão em segundo grau, um corrupto empurrado para a primeira instância passa a dispor de todo o manancial de recursos judiciais disponíveis nas quatro instâncias do Judiciário brasileiro. Com sorte e dinheiro para contratar bons advogados, nenhum larápio irá preso no Brasil acima de um certo nível de poder e renda.
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