terça-feira, 23 de fevereiro de 2016
A sedução do mal
O povo brasileiro está aparvalhado diante da gigantesca roubalheira no país. Mas, para além do escândalo da opinião pública, precisamos entender por quê nossos políticos ladrões são tão vorazes e boçais. Como se formaram, em que escola de picaretagens estudaram, o que os move com tanta gula assaltando a Petrobras e fundos de pensão, roubando merendas escolares e remédios contra o câncer? Por que tanta sordidez? Há muitas razões socioeconômicas para explicar sua formação, sua evolução, mas há neles a prevalência da volúpia do mal. A sedução do mal.
Sinto nesses parlamentares o prazer de ir contra o senso comum, contra o que a maioria pensa. Há uma ética sádica de contrariar a população, de proteger uma obscuridade secreta, de defender o direito ao roubo; o direito à mentira como um bem precioso, um direito natural. Eles mentem com gargalhadas cínicas ou arranjam razões que os explicam: se vingam e roubam por uma infância humilhante, com mães lavadeiras ou prostitutas que trabalharam duro para eles subirem na vida.
Eles se banham na beleza de um “baixo maquiavelismo”, na lábia dos conchavos, e atribuem uma destreza de esgrima às chantagens e manipulações. “Esperteza” é um elogio muito mais doce do que “dignidade”. Eles curtem o frisson de se sentirem superiores aos medíocres honestos que se sentem dignos; eles acham que a mentira é um dom de seres superiores e a honestidade, uma fraqueza de servos.
A resistência espantosa de Eduardo Cunha em enfrentar o óbvio de queixo erguido se explica como um “bastião quase heroico” em defesa do personalismo colonial mais sujo. Cunha retrata, em nível violento e quase épico, as práticas tradicionais que eram mais matreiras, cheias de vaselina, comandadas por homens como Sarney e seus seguidores das hostes oligárquicas, que desejam a continuidade do atraso brasileiro para manter nossa paralisia no pântano colonial. Eles sabem, como ninguém, como é doce uma quadrilha, como é bela a confiança no fio do bigode, o trânsito cordial entre a lei e o crime. Eles se refazem como rabo de lagarto; vejam Renan, Collor, Roriz, Lobões, Maluf. São hábeis em criar um labirinto de “falsas verdades”, formando uma rede de desmentidos, protelações que desqualificam investigações. Por isso, descobrir a verdade hoje em dia é simples: a verdade está sempre no avesso do que eles negam.
A estupidez lhes fornece uma estranha forma de inteligência, uma rara esperteza para golpes sujos e sacos-puxados. Eles foram fabricados entre angus e feijoadas do interior, em pequenos furtos municipais, em conluios perdidos nas veredas dos grandes sertões. Vivem de sobras de campanha, de canjica de aniversários e água benta de batismos. E comemoram o maná que lhes caiu do céu: a milagrosa multiplicação de propinas em todos os entes do Estado. A tempestade de gorjetas que o lulopetismo nos doou.
Para eles, “interesse nacional” não existe. Quase todos vieram para lucrar; se não, qual a vantagem da política? Eles têm um tempo diferente do nosso. Eles são contra qualquer urgência, emergência, pois isso os faria servidores da sociedade, tudo que eles não querem ser. Para eles, a sociedade é muito apressadinha, por isso come cru. Detestam “governar”. Não é apenas preguiça – é por amor ao fixo, ao eterno.
É doce morar lentamente dentro daquelas cúpulas redondas verdes e azuis; eles querem viver seus mandatos com mansidão, pastoreando eleitores, sentindo a delícia dos ternos novos, dos bigodes pintados, das amantes nos contracheques, das imunidades para humilhar garçons e policiais.
Para eles, a única “democracia” é a poética camaradagem congressual, a troca de favores, sempre com gestos risonhos, abraçando-se pela barriga, na doce pederastia de uma sociedade secreta. A amizade é mais importante que esta bobagem de interesse nacional! A democracia é, para eles, apenas um pretexto para a zorra absoluta.
Para explicar suas mentes brasílicas, precisamos entender que em nossa história o atraso sempre foi um desejo, uma torta ideologia. Se a democracia se impusesse, se a transparência prevalecesse, como iriam ser felizes as famílias oligárquicas, com suas fazendas imaginárias, os rituais das defraudações, as escrituras e contratos superfaturados? Que seria da indústria da seca, não só da seca do solo, mas a seca mental, onde a estupidez e a miséria são cultivadas para o conforto da burguesia política? O que seria dos almoços gordurosos, das cervejadas de bermudão e gargalhadas? Que seria do “sistema” cafajeste e careta que rege o país?
Eles pouco se lixam ao serem chamados de “canalhas”, pois adoram o orgasmo de se sentirem “superiores” a xingamentos, superiores à ridícula moralidade da classe média. Sua única moralidade é vingar-se de inimigos, cobrar lealdade dos corruptores ativos, exigir pagamentos de propina em dia. Eles cultivam a secular beleza do clientelismo, onde um amigo vale mais que a dura impessoalidade dos cruéis saxões.
Por vezes, alguns “fracotes” têm uns “frissons” de honestidade, de responsabilidade política e berram discursos mais acesos no Congresso, mas tudo se dilui na molenga rotina dos quóruns, nas piadas dos cafezinhos, nas coxas de uma secretária que passa. Parecem defender conscientemente uma cultura e preservam 400 anos de patrimonialismo.
Para eles, país não se governa apenas por novos slogans da moda; são séculos de hábitos e cacoetes sagrados onde vicejam as cópulas entre o público e o privado, desde as capitanias hereditárias que existem até hoje – vejam o Maranhão ou Alagoas.
Na calada das noites de Brasília, nos goles de uísque do Piantela, eles sussurram euforicamente entre si: “Grande Lula! Que bem que ele nos fez! Nunca fomos tão sólidos e cínicos neste país, desde Cabral”!
Belo Monte e como não produzir energia no século XXI
Em 12 de dezembro de 2015, a represa de Belo Monte, no Brasil, começou a ser enchida. O projeto mais importante do programa energético da presidenta Dilma Rousseff também é um monumento a como não se deve produzir energia no século XXI. Além de seu alto custo, a represa está associada a casos de corrupção e a grandes impactos socioambientais.
Belo Monte seria a terceira maior represa do mundo. Foi construída no norte do Brasil, no rio Xingu, um afluente importante do Amazonas. Produziria, em média, apenas um terço da sua capacidade máxima. Vai inundar 516 km2 (o tamanho da cidade de Chicago) de floresta amazônica, áreas cultiváveis e zonas urbanas de Altamira, Pará.
Também em setembro, a casa da Dona Antônia Melo, em Altamira, foi demolida pela Norte Energia, consórcio construtor de Belo Monte. Antônia lidera o Movimento Xingu Vivo para Sempre que defende os direitos dos moradores da bacia do Xingu.
A de Antônia é uma das cerca de 3.000 famílias deslocadas por uma represa que afetará 40.000 pessoas no total, muitas delas indígenas.
No dia 24 de novembro de 2015, a autoridade ambiental autorizou a operação de Belo Monte, apesar do descumprimento de condições socioambientais essenciais e ignorando pareceres técnicos ambientais e da autoridade de proteção dos indígenas.
Desde 2011, quando começou a construção, várias comunidades indígenas sofreram graves danos à saúde, integridade, território e cultura. Isso piorou com a proximidade da operação da represa. Os serviços públicos, incluindo centros de saúde e cuidados infantis – já em si precários –, entraram em colapso. A violência cresceu exponencialmente: os assassinatos dobraram, acidentes de trânsito aumentaram 144% e a violência sexual e a prostituição explodiram, afetando crianças e adolescentes, sem que as denúncias sejam atendidas.
Embora tenham sido entregues mais de 2.600 casas para as famílias deslocadas, elas denunciam defeitos estruturais, falta de transporte público e serviços essenciais. As casas não têm esgoto, uma das condições da licença.
O discurso de Rousseff é um paradoxo com a realidade. Ela foi vítima da ditadura, mas agora usa recursos desse regime para implementar Belo Monte.
O Ministério Público Federal entrou com mais de 20 ações judiciais contra o projeto e juízes ordenaram a suspensão de suas obras em pelo menos seis ocasiões. Essas decisões foram anuladas a pedido do governo de Rousseff, aplicando a suspensão de segurança, instrumento legal ironicamente criado pela ditadura. A última vez foi em janeiro, quando a Justiça Federal suspendeu o enchimento da represa por descumprimento de obrigações relativas à proteção das comunidades indígenas. A decisão foi anulada dias depois.
A corrupção também atingiu o projeto. Segundo confessaram executivos das empresas Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, milionários subornos foram pagos para a sua implementação. A questão é parte da Lava Jato, a maior investigação contra a corrupção da história do Brasil.
Os impactos de Belo Monte foram denunciados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e às Nações Unidas. As respostas foram lentas ou inexistentes. Em abril de 2011, a CIDH pediu que o Brasil suspendesse as obras por falta de consulta livre, prévia e informada com as comunidades indígenas.
A reação brasileira foi contundente: retirou seu candidato para a CIDH, seu embaixador junto à OEA, parou de enviar suas contribuições anuais a esse organismo e começou um processo de “fortalecimento” do Sistema Interamericano que terminou reformando o regulamento da Comissão.
A CIDH deixou de pedir a suspensão das obras, mas apenas ações urgentes para proteger as comunidades indígenas afetadas. Em 2011, estas comunidades processaram o Brasil e quatro anos depois, em dezembro de 2015, a Comissão começou a avaliar o caso. Este organismo poderia priorizar o caso, tomar uma decisão logo e evitar mais danos.
Como diz dona Antônia, a luta continua. Rousseff ainda pode demonstrar que seu governo não vai tolerar a corrupção e que, ao contrário da ditadura, não despreza as normas. A CIDH e outras autoridades têm a oportunidade histórica de exigir o respeito pelos direitos humanos e ajudar que os países consigam um desenvolvimento que não sacrifique pessoas. Devem fazer isso logo, porque Belo Monte já está enchendo.
Astrid Puentes Riaño
Belo Monte seria a terceira maior represa do mundo. Foi construída no norte do Brasil, no rio Xingu, um afluente importante do Amazonas. Produziria, em média, apenas um terço da sua capacidade máxima. Vai inundar 516 km2 (o tamanho da cidade de Chicago) de floresta amazônica, áreas cultiváveis e zonas urbanas de Altamira, Pará.
“...o governo e a sociedade brasileiros não toleram e não vão tolerar a corrupção. A democracia brasileira se fortalece quando a autoridade assume o limite da lei como seu próprio limite. Muitos de nós lutamos para isso justamente quando as leis e os direitos foram atacados durante a ditadura...”, disse Rousseff na Assembleia Geral da ONU em setembro passado. Ela falou de incluir os “problemas das comunidades indígenas” nos compromissos climáticos do país.
Também em setembro, a casa da Dona Antônia Melo, em Altamira, foi demolida pela Norte Energia, consórcio construtor de Belo Monte. Antônia lidera o Movimento Xingu Vivo para Sempre que defende os direitos dos moradores da bacia do Xingu.
A de Antônia é uma das cerca de 3.000 famílias deslocadas por uma represa que afetará 40.000 pessoas no total, muitas delas indígenas.
No dia 24 de novembro de 2015, a autoridade ambiental autorizou a operação de Belo Monte, apesar do descumprimento de condições socioambientais essenciais e ignorando pareceres técnicos ambientais e da autoridade de proteção dos indígenas.
Desde 2011, quando começou a construção, várias comunidades indígenas sofreram graves danos à saúde, integridade, território e cultura. Isso piorou com a proximidade da operação da represa. Os serviços públicos, incluindo centros de saúde e cuidados infantis – já em si precários –, entraram em colapso. A violência cresceu exponencialmente: os assassinatos dobraram, acidentes de trânsito aumentaram 144% e a violência sexual e a prostituição explodiram, afetando crianças e adolescentes, sem que as denúncias sejam atendidas.
Embora tenham sido entregues mais de 2.600 casas para as famílias deslocadas, elas denunciam defeitos estruturais, falta de transporte público e serviços essenciais. As casas não têm esgoto, uma das condições da licença.
O discurso de Rousseff é um paradoxo com a realidade. Ela foi vítima da ditadura, mas agora usa recursos desse regime para implementar Belo Monte.
A corrupção também atingiu o projeto. Segundo confessaram executivos das empresas Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, milionários subornos foram pagos para a sua implementação. A questão é parte da Lava Jato, a maior investigação contra a corrupção da história do Brasil.
Os impactos de Belo Monte foram denunciados à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e às Nações Unidas. As respostas foram lentas ou inexistentes. Em abril de 2011, a CIDH pediu que o Brasil suspendesse as obras por falta de consulta livre, prévia e informada com as comunidades indígenas.
A reação brasileira foi contundente: retirou seu candidato para a CIDH, seu embaixador junto à OEA, parou de enviar suas contribuições anuais a esse organismo e começou um processo de “fortalecimento” do Sistema Interamericano que terminou reformando o regulamento da Comissão.
A CIDH deixou de pedir a suspensão das obras, mas apenas ações urgentes para proteger as comunidades indígenas afetadas. Em 2011, estas comunidades processaram o Brasil e quatro anos depois, em dezembro de 2015, a Comissão começou a avaliar o caso. Este organismo poderia priorizar o caso, tomar uma decisão logo e evitar mais danos.
Como diz dona Antônia, a luta continua. Rousseff ainda pode demonstrar que seu governo não vai tolerar a corrupção e que, ao contrário da ditadura, não despreza as normas. A CIDH e outras autoridades têm a oportunidade histórica de exigir o respeito pelos direitos humanos e ajudar que os países consigam um desenvolvimento que não sacrifique pessoas. Devem fazer isso logo, porque Belo Monte já está enchendo.
Astrid Puentes Riaño
O Lula real
A cada dia revelam-se mais detalhes da grande afeição que empreiteiras e empresas de telefonia nutrem pelo ex-presidente Lula. O País vai descobrindo que se fez um verdadeiro mutirão para oferecer-lhe um pouco de conforto e sossego após sua saída do Palácio do Planalto, em 2010. Os capítulos dessa história mostram não apenas a falta de escrúpulos de Lula na fruição dessas benesses, distribuídas entre os campos de Atibaia e a praia do Guarujá. Mais do que indicar os endereços de descanso do ex-presidente, essa história confirma quem é o verdadeiro Lula.
Com o que foi revelado até agora, cai por terra, por exemplo, a versão apresentada meses atrás pelo Instituto Lula – que funciona como assessoria de imprensa do ex-presidente – de que o pecuarista José Carlos Bumlai não seria tão amigo de Lula. “O Bumlai frequentava as festas e aniversários, mas não era ‘aquele’ amigo do Lula que todo mundo está falando”, disse o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, em novembro, por ocasião da prisão de Bumlai.
Essa alegada distância entre o ex-sindicalista e o pecuarista precisou ser revista, já que – diante da crescente dificuldade em explicar tudo bem explicado – José Carlos Bumlai deve assumir a responsabilidade pela reforma no sítio de Atibaia. A partir de agora, é o grande amigo a quem dona Marisa foi recorrer para conseguir que a casa estivesse ajeitada para o Natal de 2010 da família Silva.
De fato, Bumlai parece ter sido um bom amigo. Documentos apreendidos pela Polícia Federal revelam que uma empresa de estruturas metálicas prestou serviços a Bumlai, no sítio Santa Bárbara, em Atibaia, no valor de R$ 550 mil. Representante da empresa admitiu ter recebido R$ 40 mil em dinheiro do pecuarista.
Fica evidente que Lula não tem muitos escrúpulos em usufruir dos bens que lhe são ofertados, desde que a titularidade seja de terceiros. Também não tem grande dificuldade em usar para o mesmo fato a versão que for mais conveniente no momento.
Mostra também que a proximidade com Lula tem um alto preço. Quando as circunstâncias apertam, é preciso que cada um se sacrifique um pouco pelo grande líder. Tudo vale para blindar Lula. É Bumlai dizendo que a responsabilidade é dele e nunca tratou da reforma com o ex-presidente. É a versão de que foi dona Marisa quem procurou Bumlai, para pedir uma mãozinha, mas não comentou nada com o marido.
A receita é a mesma. Cada um reconhece que fez um pouco e, muito especialmente, reafirma em alto e bom som, de forma clara e inequívoca, que Lula de nada sabia, que Lula não tem celular, que Lula nunca tratou desses assuntos com ninguém, que Lula nem mesmo gostava do tríplex.
A partir daí, tenta-se construir a narrativa da perseguição política, como se tudo não passasse de intriga da oposição e da “mídia golpista”. Mas não é a oposição ou a imprensa que perseguem Lula. Ele é perseguido pelos seus atos. Ele é perseguido pela simples revelação do jeito tão próximo de se relacionar com empreiteiras e empresários envolvidos em escândalos.
Com as últimas revelações, confirma-se que o Lula mítico é muito diferente do Lula real. Faz inflamados discursos sobre a perversidade da elite e sua inveja diante de seu sucesso político, mas, ato contínuo, aceita, sem maiores problemas de consciência, os favores que lhe são prestados por essa mesma elite, por essa mesma gente que minutos atrás ele vergastava implacavelmente.
A evidência da disparidade entre a figura pública e o homem privado vem fazendo despencar sua popularidade. É isso o que vem minando dia a dia seu capital político, esse capital que por um bom tempo Lula julgou ser inesgotável, podendo ser esbanjado como bem lhe apetecesse. Lula finalmente começa a se dar conta de que não é uma lenda. É um homem de carne e osso que carrega as suas servidões e deve responder pelos seus atos.
Com o que foi revelado até agora, cai por terra, por exemplo, a versão apresentada meses atrás pelo Instituto Lula – que funciona como assessoria de imprensa do ex-presidente – de que o pecuarista José Carlos Bumlai não seria tão amigo de Lula. “O Bumlai frequentava as festas e aniversários, mas não era ‘aquele’ amigo do Lula que todo mundo está falando”, disse o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, em novembro, por ocasião da prisão de Bumlai.
Essa alegada distância entre o ex-sindicalista e o pecuarista precisou ser revista, já que – diante da crescente dificuldade em explicar tudo bem explicado – José Carlos Bumlai deve assumir a responsabilidade pela reforma no sítio de Atibaia. A partir de agora, é o grande amigo a quem dona Marisa foi recorrer para conseguir que a casa estivesse ajeitada para o Natal de 2010 da família Silva.
De fato, Bumlai parece ter sido um bom amigo. Documentos apreendidos pela Polícia Federal revelam que uma empresa de estruturas metálicas prestou serviços a Bumlai, no sítio Santa Bárbara, em Atibaia, no valor de R$ 550 mil. Representante da empresa admitiu ter recebido R$ 40 mil em dinheiro do pecuarista.
Fica evidente que Lula não tem muitos escrúpulos em usufruir dos bens que lhe são ofertados, desde que a titularidade seja de terceiros. Também não tem grande dificuldade em usar para o mesmo fato a versão que for mais conveniente no momento.
Mostra também que a proximidade com Lula tem um alto preço. Quando as circunstâncias apertam, é preciso que cada um se sacrifique um pouco pelo grande líder. Tudo vale para blindar Lula. É Bumlai dizendo que a responsabilidade é dele e nunca tratou da reforma com o ex-presidente. É a versão de que foi dona Marisa quem procurou Bumlai, para pedir uma mãozinha, mas não comentou nada com o marido.
A receita é a mesma. Cada um reconhece que fez um pouco e, muito especialmente, reafirma em alto e bom som, de forma clara e inequívoca, que Lula de nada sabia, que Lula não tem celular, que Lula nunca tratou desses assuntos com ninguém, que Lula nem mesmo gostava do tríplex.
A partir daí, tenta-se construir a narrativa da perseguição política, como se tudo não passasse de intriga da oposição e da “mídia golpista”. Mas não é a oposição ou a imprensa que perseguem Lula. Ele é perseguido pelos seus atos. Ele é perseguido pela simples revelação do jeito tão próximo de se relacionar com empreiteiras e empresários envolvidos em escândalos.
Com as últimas revelações, confirma-se que o Lula mítico é muito diferente do Lula real. Faz inflamados discursos sobre a perversidade da elite e sua inveja diante de seu sucesso político, mas, ato contínuo, aceita, sem maiores problemas de consciência, os favores que lhe são prestados por essa mesma elite, por essa mesma gente que minutos atrás ele vergastava implacavelmente.
A evidência da disparidade entre a figura pública e o homem privado vem fazendo despencar sua popularidade. É isso o que vem minando dia a dia seu capital político, esse capital que por um bom tempo Lula julgou ser inesgotável, podendo ser esbanjado como bem lhe apetecesse. Lula finalmente começa a se dar conta de que não é uma lenda. É um homem de carne e osso que carrega as suas servidões e deve responder pelos seus atos.
A queda de Dilma fica mais próxima, e o Brasil fica mais otimista
Tenho insistido aqui e em toda parte para Dilma Rousseff renunciar ao mandato. A situação do Brasil é muito difícil, mas pode melhorar. E melhora se a presidente deixar a cadeira, se o PT sair do poder. Falo em renúncia porque é o caminho mais curto. É o que mais economiza o sofrimento dos brasileiros.
Vejam o que aconteceu com os mercados ontem. É bem verdade que notícias sobre o petróleo e sobre a China ajudaram, mas o que mais contou foi a deflagração da 23ª fase da Operação Lava Jato, a Acarajé, que decretou a prisão provisória de João Santana, marqueteiro do PT.
Que cheiro ficou no ar? O de que o impeachment está mais forte e, de maneira ainda mais radical, quem sabe a cassação pelo TSE da chapa que elegeu Dilma. Em qualquer dos casos, a petista deixaria o poder. E, com ela, o ciclo de irresoluções e incompetência que toma conta do país.
Notem: ninguém é ingênuo. Seja pelo caminho do impeachment, com a ascensão de Michel Temer à Presidência, seja com a cassação da chapa — e aí duas possibilidades se abrem: ou nova eleição ou posse de Aécio Neves —, todos sabemos que a Operação Lava Jato e seus sobressaltos continuam.
Ocorre que, se é verdade que a dita-cuja causa alguma turbulência, é evidente que o país não está nessa pindaíba por causa dela. A Lava Jato não fez uma recessão de 4% no ano passado nem fará outra que pode até superar essa marca neste ano; a Lava Jato não derrubou a arrecadação; a Lava Jato não provocou desordem no Orçamento. A Lava Jato não responde pela desarticulação política que toma conta do Planalto.
Isso tudo estaria aí com ou sem operação. Isso decorre do mais genuíno modo petista de governar em tempos de vacas magras, especialmente sob a coordenação de Dilma Rousseff.
O barril do petróleo teve alta nesta segunda no mercado internacional. Seria normal esperar alguma valorização da Petrobras, mas não de 13% nas ações PN (sem direito a voto) e 16,14% na ON (com direito a voto). Não por acaso, a empresa está no epicentro do petrolão. Sempre que o mercado acha que a queda de Dilma fica mais próxima, a reação é positiva.
Esses dados, diga-se, desmentem em essência o programa político do PT que vai ao ar nesta terça. No seu ponto alto mais baixo, Lula transmite uma mensagem de otimismo, de fé no Brasil.
O Brasil tem, sim, fé, Lula! Tem fé de que vocês vão nos deixar em paz. A queda de Dilma e do PT não vai resolver todos os nossos males num passe de mágica. Mas nós nem conseguiremos equacionar o problema enquanto eles estiverem por aí.
Isso já não é mais uma opinião. É só matéria de fato.
Vejam o que aconteceu com os mercados ontem. É bem verdade que notícias sobre o petróleo e sobre a China ajudaram, mas o que mais contou foi a deflagração da 23ª fase da Operação Lava Jato, a Acarajé, que decretou a prisão provisória de João Santana, marqueteiro do PT.
Que cheiro ficou no ar? O de que o impeachment está mais forte e, de maneira ainda mais radical, quem sabe a cassação pelo TSE da chapa que elegeu Dilma. Em qualquer dos casos, a petista deixaria o poder. E, com ela, o ciclo de irresoluções e incompetência que toma conta do país.
Ocorre que, se é verdade que a dita-cuja causa alguma turbulência, é evidente que o país não está nessa pindaíba por causa dela. A Lava Jato não fez uma recessão de 4% no ano passado nem fará outra que pode até superar essa marca neste ano; a Lava Jato não derrubou a arrecadação; a Lava Jato não provocou desordem no Orçamento. A Lava Jato não responde pela desarticulação política que toma conta do Planalto.
Isso tudo estaria aí com ou sem operação. Isso decorre do mais genuíno modo petista de governar em tempos de vacas magras, especialmente sob a coordenação de Dilma Rousseff.
O barril do petróleo teve alta nesta segunda no mercado internacional. Seria normal esperar alguma valorização da Petrobras, mas não de 13% nas ações PN (sem direito a voto) e 16,14% na ON (com direito a voto). Não por acaso, a empresa está no epicentro do petrolão. Sempre que o mercado acha que a queda de Dilma fica mais próxima, a reação é positiva.
Esses dados, diga-se, desmentem em essência o programa político do PT que vai ao ar nesta terça. No seu ponto alto mais baixo, Lula transmite uma mensagem de otimismo, de fé no Brasil.
O Brasil tem, sim, fé, Lula! Tem fé de que vocês vão nos deixar em paz. A queda de Dilma e do PT não vai resolver todos os nossos males num passe de mágica. Mas nós nem conseguiremos equacionar o problema enquanto eles estiverem por aí.
Isso já não é mais uma opinião. É só matéria de fato.
Profeta Gushiken
No Brasil, o fundo de pensão como fonte de poder ou como potente agente de negociação nunca foi objeto de discussão nos sindicatos (...) Existe a possibilidade, não remota, de que este monumental volume de recursos, oriundos do sacrifício de milhões de trabalhadores, venha a se transformar num gigantesco pesadelo para estes mesmos trabalhadoresLuiz Gushiken, então presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, em cartilha do curso para formação de sindicalistas em Previdência Complementar .
Envelhecimento precoce
Na história dos partidos políticos do Brasil, o PT ocupa um lugar singular. Vinha das comunidades eclesiais de base, dos militantes da resistência armada que sobreviveram à tortura, prisão e exílio da ditadura, dos intelectuais das universidades comprometidos com o povo pobre – os ‘de baixo’, como os classificava Florestan Fernandes. Do novo sindicalismo, não pelego, cujo berço era o ABC paulista, dos movimentos populares contra a carestia, da afirmação das mulheres contra o machismo patriarcal, do movimento negro contra a discriminação. Uma novidade, que, com certa celeridade, foi conquistando a juventude e ganhando inserção social. O PT era portador de esperanças inéditas na República brasileira e representou uma nova forma de fazer política. Seu maior ‘marqueteiro’ era o publicitário e escritor Carlito Maia, criador do genial ‘OPTei!’.
"Quando a esquerda começa a contar dinheiro já deixou de ser esquerda”, dizia Carlito, que faleceu em junho de 2002 , antes de ver Lula lá. Ele foi atento observar da trajetória de muitos partidos de esquerda da segunda metade do século passado, que afrouxaram fronteiras programáticas e éticas. Começaram, para chegar ao poder, a praticar uma ‘realpolitik’, aliando-se a viscerais adversários. Passaram a praticar a ideia torta segundo a qual os fins justificam os meios. Confundiram a correta postura de firmeza estratégica e flexibilidade tática com acordos de bastidores onde tudo valia. Resultado: essa esquerda se descaracterizou.
Há dez anos, quando indagam a nós, do PSOL, sobre as razões de sairmos do PT, com Lula ainda na metade de seu primeiro mandato presidencial, respondíamos que nós não saímos do PT, o PT é que saiu de si mesmo. E completávamos: saímos para continuar praticando o que nele aprendemos. Ou, na metáfora que um camponês de um assentamento em Campos, no norte fluminense, nos ensinou, “mudamos de enxada para continuar o plantio”. Por óbvio, não para obter colheita patrimonial ou para colocar a máquina do estado para financiar campanhas milionárias e, assim, aliados ao grande capital, através de meios lícitos e ilícitos, reproduzir o sistema que proclamávamos contestar.
No poder da República, o PT implementou programas sociais que favoreceram alguma distribuição de renda em nossa sociedade injusta. Mas desmobilizou as forças sociais de mudança. Incluiu parcelas no consumo, mas não na consciência política, na elevação da cidadania participativa. Tornou-se cada vez mais assemelhado às outras grandes legendas.
Assim o PT chega aos seus 36 anos de existência como uma promessa que feneceu.
Ele é portador de uma doença letal que o fez perder, enquanto organização, sua condição de partido da transformação social. Como disse Guilherme Boulos, o jovem líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, “o PT está colhendo o que deixou de plantar”.
É pena. Vida e história que seguem.
"Quando a esquerda começa a contar dinheiro já deixou de ser esquerda”, dizia Carlito, que faleceu em junho de 2002 , antes de ver Lula lá. Ele foi atento observar da trajetória de muitos partidos de esquerda da segunda metade do século passado, que afrouxaram fronteiras programáticas e éticas. Começaram, para chegar ao poder, a praticar uma ‘realpolitik’, aliando-se a viscerais adversários. Passaram a praticar a ideia torta segundo a qual os fins justificam os meios. Confundiram a correta postura de firmeza estratégica e flexibilidade tática com acordos de bastidores onde tudo valia. Resultado: essa esquerda se descaracterizou.
Há dez anos, quando indagam a nós, do PSOL, sobre as razões de sairmos do PT, com Lula ainda na metade de seu primeiro mandato presidencial, respondíamos que nós não saímos do PT, o PT é que saiu de si mesmo. E completávamos: saímos para continuar praticando o que nele aprendemos. Ou, na metáfora que um camponês de um assentamento em Campos, no norte fluminense, nos ensinou, “mudamos de enxada para continuar o plantio”. Por óbvio, não para obter colheita patrimonial ou para colocar a máquina do estado para financiar campanhas milionárias e, assim, aliados ao grande capital, através de meios lícitos e ilícitos, reproduzir o sistema que proclamávamos contestar.
Assim o PT chega aos seus 36 anos de existência como uma promessa que feneceu.
Ele é portador de uma doença letal que o fez perder, enquanto organização, sua condição de partido da transformação social. Como disse Guilherme Boulos, o jovem líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, “o PT está colhendo o que deixou de plantar”.
É pena. Vida e história que seguem.
Ei! O Brasil não é um sítio em Atibaia
Ontem à noite assisti a um vídeo exibido há pouco mais de um ano, durante a última campanha eleitoral. Nele, Lula e Dilma conversam, em um jardim, sobre as maravilhas do país que ambos estão construindo. Lula afirma não haver no mundo lugar de oportunidades tão esplêndidas quanto o Brasil. Dilma se exclama ante a conduta da oposição, descrente, pessimista e incapaz de reconhecer tudo que o pré-sal, já no curto prazo, significaria para o desenvolvimento social e econômico do país. Postei o vídeo no meu site (www.puggina.org/videos).
O caráter dos dois mandatários que o PT vendeu como bons à carente e inculta sociedade brasileira já é objeto de uma certificação histórica. Dá para levar a ficha ao cartório, receber carimbo e colocar um selo. Nada que digam merece credibilidade porque todos os seus atos funcionam como jogo de cena ou cortina de fumaça. Visam a iludir ou a dissimular. Têm uma utopia para vender e uma realidade, bem diferente, para ocultar. Têm malfeitos a refutar, adversários a quem os atribuir e delatores a delatar.
O Brasil foi ingerido e metabolizado - talvez devesse dizer colonizado - pelo Partido dos Trabalhadores, que o vê como coisa sua. A organização considera nosso país uma espécie de sítio em Atibaia, onde outros pagam para que os seus se regalem. Não importa que o Brasil se dê mal, contanto que os companheiros se deem bem. Um dia, sabe-se lá quando, nossa pátria será apenas um osso roído e sugado para quem dele ainda quiser se ocupar. Como não lidamos com um governo, no conceito político dessa palavra, os ocupantes só cuidam de seus próprios interesses, de suas defesas, de lidar com seus advogados e, como sempre, de comprar apoios. Tudo para manter a posse e a pose. E os brasileiros? Ora, os brasileiros que se danem.
São duras estas palavras? Minha pergunta é outra: quais seriam então as palavras, diante do que vemos? Vocábulos gentis seriam compatíveis com a realidade nacional? O partido governante acabou com a política! Promoveu mutretas e agora apela às tretas, às milícias, com o objetivo de atemorizar a nação. Lembra, leitor, do "espetáculo do crescimento"? Estamos pagando a conta do roteirista, da iluminação, do som, dos fogos de artifício, da publicidade e dos efeitos visuais. Os atores do desastrado espetáculo, para não serem vaiados, só aparecem em ambiente cercado, para distribuir algum presente e dar a mão a beijar.
Em 1967, no III Festival da MPB, o cantor Sérgio Ricardo, após vários minutos de ininterruptas vaias, quebrou o violão e jogou-o ao público (ou no público). E foi embora. O governo brasileiro vive o apogeu do fracasso. Vaia sobre vaia. Tudo deu errado na Economia, na Educação, na Segurança, na Saúde. Em muitos indicadores, estamos recuando aos anos 90. Perdemos 13 anos em 13. E já não resta ao governo sequer aquele fragmento de dignidade que lhe imporia o dever moral de pedir desculpas, pegar o boné e tomar o rumo da porta.
Percival Puggina
As relações da Folha e da Odebrecht, na visão da ombudsman
O tema foi colocado oportunamente pela jornalista que ocupa o posto de ombudsman do jornal, em artigo na edição de domingo. Vera Guimarães Martins criticou a contradição de a Folha, que tem publicado reportagens acusando a Odebrecht da suspeita de participar do esquema que desencadeou um mar de corrupção na Petrobrás e também no exterior ao lado do ex-presidente Lula, ter aceitado a participação da empresa no patrocínio do ciclo de debates que marcou a passagem dos 95 anos do jornal.
Ao tomarem conhecimento da presença da Odebrecht, desistiram de participar da série de debates os jornalistas convidados Eurípedes Alcântara, diretor de redação da Revista Veja, Fausto Macedo, de O Estado de São Paulo, William Waack e Renata Lo Prete, ambos da Rede Globo. Está correta a decisão. A meu ver, de acordo com a ombudsman, a Folha de São Paulo deveria ter selecionado antecipadamente os patrocinadores, no sentido de evitar o surgimento de interpretações a respeito do assunto. Este, por sua vez, faz renascer um velho problema: jornalismo é jornalismo; publicidade é publicidade.
Eu me lembro, quando em 1959 comecei no Correio da Manhã, havia uma determinação expressa: este jornal, repetia o Correio da Manhã em todas as suas edições, não aceita matéria publicitária que não esteja caracterizada como tal. A determinação de Paulo Bittencourt, proprietário do CM, estendia-se ao impedimento absoluto de alguém da redação, a começar pelo redator chefe, participar de corretagem relativa à publicidade.
Eu era repórter. O redator chefe, grande jornalista, era Luiz Alberto Bahia; o chefe da reportagem, Alípio Monteiro. Aliás, por lembrar Luiz Alberto Bahia, que sucedeu Antônio Callado, foi o último grande redator chefe do Correio da manhã. A partir de sua substituição, em 1962, houve uma sequência de desastres, que culminou com a falência do jornal, em 74, nas mãos de Ari de Carvalho, que aparentemente o adquiriu do empresário Maurício Alencar, irmão de Marcelo Alencar, que mais tarde se tornaria prefeito e governador do Rio de Janeiro. Foi uma sequência de calamidades. Mas esta é uma questão do passado.
O artigo de Vera Guimarães Martins traz à tona um problema que deveria ser facilmente evitado por uma empresa do porte da Folha de São Paulo. Não quero dizer que houve cooptação. Claro que não. A FSP manteve sua linha de independência. Mas, suponho, passou tal objetivo por parte da Odebrecht. Mais um equívoco dos muitos que cometeu, um deles patrocinando palestras do ex-presidente Lula nos países em que executava ou queria realizar empreendimentos.
Por sua dimensão e quadros técnicos, a Odebrecht não precisava agir assim. Tampouco deveria. Afinal de contas, estamos num regime de livre empresa. Por que então, condicionar aplicações de capital, o que poderia fazer livremente, a financiamentos do BNDES? Inclusive cabe a pergunta: tais créditos liberados, a juros cobrados pelo Banco, estão sendo quitados dentro dos prazos contratuais? Não estou dizendo que o grupo empresarial, o maior privado do país, encontra-se em atraso. Estou apenas perguntando. O que deveria ter sido feito pelos integrantes do Ministério Público Federal.
Vejam os leitores como os fatos se encadeiam. Vera Guimarães Martins iluminou colocando um problema no centro do palco. Renasceu na minha memória a redação da Avenida Gomes Freire. O tempo passa, as lembranças ficam.
Ao tomarem conhecimento da presença da Odebrecht, desistiram de participar da série de debates os jornalistas convidados Eurípedes Alcântara, diretor de redação da Revista Veja, Fausto Macedo, de O Estado de São Paulo, William Waack e Renata Lo Prete, ambos da Rede Globo. Está correta a decisão. A meu ver, de acordo com a ombudsman, a Folha de São Paulo deveria ter selecionado antecipadamente os patrocinadores, no sentido de evitar o surgimento de interpretações a respeito do assunto. Este, por sua vez, faz renascer um velho problema: jornalismo é jornalismo; publicidade é publicidade.
Eu era repórter. O redator chefe, grande jornalista, era Luiz Alberto Bahia; o chefe da reportagem, Alípio Monteiro. Aliás, por lembrar Luiz Alberto Bahia, que sucedeu Antônio Callado, foi o último grande redator chefe do Correio da manhã. A partir de sua substituição, em 1962, houve uma sequência de desastres, que culminou com a falência do jornal, em 74, nas mãos de Ari de Carvalho, que aparentemente o adquiriu do empresário Maurício Alencar, irmão de Marcelo Alencar, que mais tarde se tornaria prefeito e governador do Rio de Janeiro. Foi uma sequência de calamidades. Mas esta é uma questão do passado.
O artigo de Vera Guimarães Martins traz à tona um problema que deveria ser facilmente evitado por uma empresa do porte da Folha de São Paulo. Não quero dizer que houve cooptação. Claro que não. A FSP manteve sua linha de independência. Mas, suponho, passou tal objetivo por parte da Odebrecht. Mais um equívoco dos muitos que cometeu, um deles patrocinando palestras do ex-presidente Lula nos países em que executava ou queria realizar empreendimentos.
Por sua dimensão e quadros técnicos, a Odebrecht não precisava agir assim. Tampouco deveria. Afinal de contas, estamos num regime de livre empresa. Por que então, condicionar aplicações de capital, o que poderia fazer livremente, a financiamentos do BNDES? Inclusive cabe a pergunta: tais créditos liberados, a juros cobrados pelo Banco, estão sendo quitados dentro dos prazos contratuais? Não estou dizendo que o grupo empresarial, o maior privado do país, encontra-se em atraso. Estou apenas perguntando. O que deveria ter sido feito pelos integrantes do Ministério Público Federal.
Vejam os leitores como os fatos se encadeiam. Vera Guimarães Martins iluminou colocando um problema no centro do palco. Renasceu na minha memória a redação da Avenida Gomes Freire. O tempo passa, as lembranças ficam.
A opção é a transparência
O gato do superávit fiscal primário em 2016 subiu no telhado. O adiamento da definição dos cortes e contingenciamentos de recursos públicos para março, prazo fatal para o envio ao Congresso pelo Executivo do relatório bimestral de despesas e receitas, é um sinal evidente de que será difícil manter a atual meta de 0,5% do PIB para o superávit primário de 2016.
Já não havia mesmo quem ainda acreditasse na possibilidade de o governo conseguir acumular receitas acima dos gastos neste ano, mesmo na modesta proporção da meta oficial. As projeções dos analistas de conjuntura apontam para um déficit entre 1% do PIB e 1,5% neste ano, e há controvérsias entre eles se será possível obter algum saldo positivo em 2017.
Uma das principais razões para essa descrença se localiza justamente naquele aspecto que serviu de motivo para o adiamento da divulgação dos números do contingenciamento de gastos: frustrações na arrecadação.
Mantendo o péssimo desempenho registrado ao longo de 2015, as receitas federais continuaram a recuar em janeiro de 2016, e esse resultado negativo teria pesado para convencer o governo de que os cortes de gastos deveriam ser maiores do que o inicialmente previsto. Pode ser isso, mas também pode ser que o governo tenha estendido o prazo para decidir sem corda no pescoço o caminho mais palatável para aprovar no Congresso um novo déficit primário para 2016.
É de se esperar que o governo não insista na ficção de que conseguirá cumprir qualquer meta de superávit este ano. Sem reformas fiscais mais abrangentes, esta é uma inviabilidade não só técnica, como principalmente política.
Há problemas estruturais a resolver tanto do lado das despesas quanto no das receitas. As despesas públicas apresentam tendências explosivas, ao mesmo tempo em que as receitas, dependentes em cerca de 70% da massa de salários e das vendas no comércio, ambas em retrocesso, indicam trajetória de encolhimento.
As receitas públicas, afetadas pela recessão forte e prolongada, estão de fato em queda livre. Recuaram 5% em termos reais em 2015, somando queda real de 10% nos dois últimos anos e já entraram em 2016 com mais uma perda, sempre em termos reais, de 5% no mês sobre o mesmo mês no ano passado. A carga tributária só não tem recuado de modo mais acentuado porque o PIB também está andando de marcha a ré.
No lado das despesas, são pelo menos dois penosos obstáculos a serem superados. Um deles diz respeito à dinâmica insustentável dos gastos, com amplo destaque para a Seguridade Social — Previdência e assistência social —, que responde por metade das despesas primárias.
O outro tem a ver com o generalizado engessamento legal das destinações e com correções monetárias automáticas. Perto de 90% das despesas primárias federais se enquadra nesses casos.
Mesmo que nenhum desses complicadores estivesse presente, ainda assim, seria bastante complicado fazer do lado fiscal o que tem de ser feito, qual seja, produzir superávits em torno de 3% do PIB ao ano para pelo menos estabilizar a relação dívida pública/PIB.
Os déficits dos últimos anos, impulsionados também pelo longo ciclo de alta dos juros e de ações na área monetária para evitar maiores desvalorizações da taxa de câmbio, catapultaram a dívida pública bruta, que voou na direção de alcançar a marca 70% do PIB, quando se acendem os sinais de alerta vermelho da solvência, no caso de economias com o padrão da brasileira.
Nada nesse diagnóstico adverso é desconhecido. Em vários de seus aspectos, na verdade, já se formaram consensos. É hora, portanto, de optar pela transparência — o que significa deixar claro que, sem a tributação mais progressiva de rendas e patrimônios e a concomitante adequação de despesas às possibilidades de arrecadação, a necessária proteção dos socialmente mais frágeis acabará relegada aos baixos dos viadutos.
Já não havia mesmo quem ainda acreditasse na possibilidade de o governo conseguir acumular receitas acima dos gastos neste ano, mesmo na modesta proporção da meta oficial. As projeções dos analistas de conjuntura apontam para um déficit entre 1% do PIB e 1,5% neste ano, e há controvérsias entre eles se será possível obter algum saldo positivo em 2017.
Mantendo o péssimo desempenho registrado ao longo de 2015, as receitas federais continuaram a recuar em janeiro de 2016, e esse resultado negativo teria pesado para convencer o governo de que os cortes de gastos deveriam ser maiores do que o inicialmente previsto. Pode ser isso, mas também pode ser que o governo tenha estendido o prazo para decidir sem corda no pescoço o caminho mais palatável para aprovar no Congresso um novo déficit primário para 2016.
É de se esperar que o governo não insista na ficção de que conseguirá cumprir qualquer meta de superávit este ano. Sem reformas fiscais mais abrangentes, esta é uma inviabilidade não só técnica, como principalmente política.
Há problemas estruturais a resolver tanto do lado das despesas quanto no das receitas. As despesas públicas apresentam tendências explosivas, ao mesmo tempo em que as receitas, dependentes em cerca de 70% da massa de salários e das vendas no comércio, ambas em retrocesso, indicam trajetória de encolhimento.
As receitas públicas, afetadas pela recessão forte e prolongada, estão de fato em queda livre. Recuaram 5% em termos reais em 2015, somando queda real de 10% nos dois últimos anos e já entraram em 2016 com mais uma perda, sempre em termos reais, de 5% no mês sobre o mesmo mês no ano passado. A carga tributária só não tem recuado de modo mais acentuado porque o PIB também está andando de marcha a ré.
No lado das despesas, são pelo menos dois penosos obstáculos a serem superados. Um deles diz respeito à dinâmica insustentável dos gastos, com amplo destaque para a Seguridade Social — Previdência e assistência social —, que responde por metade das despesas primárias.
O outro tem a ver com o generalizado engessamento legal das destinações e com correções monetárias automáticas. Perto de 90% das despesas primárias federais se enquadra nesses casos.
Mesmo que nenhum desses complicadores estivesse presente, ainda assim, seria bastante complicado fazer do lado fiscal o que tem de ser feito, qual seja, produzir superávits em torno de 3% do PIB ao ano para pelo menos estabilizar a relação dívida pública/PIB.
Os déficits dos últimos anos, impulsionados também pelo longo ciclo de alta dos juros e de ações na área monetária para evitar maiores desvalorizações da taxa de câmbio, catapultaram a dívida pública bruta, que voou na direção de alcançar a marca 70% do PIB, quando se acendem os sinais de alerta vermelho da solvência, no caso de economias com o padrão da brasileira.
Nada nesse diagnóstico adverso é desconhecido. Em vários de seus aspectos, na verdade, já se formaram consensos. É hora, portanto, de optar pela transparência — o que significa deixar claro que, sem a tributação mais progressiva de rendas e patrimônios e a concomitante adequação de despesas às possibilidades de arrecadação, a necessária proteção dos socialmente mais frágeis acabará relegada aos baixos dos viadutos.
O Brasil sem esgoto eliminará o trimosquito Aedes aegypti?
O Brasil vive uma tragédia sem precedentes na história da humanidade: a epidemia de zika vírus – com repercussões de grande monta nos direitos reprodutivos das mulheres, que é a geração de bebês com a Síndrome do Zika Congênita (conjunto de agravos incuráveis que têm a microcefalia como fenótipo mais visível, com 5.280 casos notificados, dos quais 508 confirmados de microcefalia e/ou outras alterações do sistema nervoso central, e 837 descartados, (segundo dados acumulados até o dia 17 deste mês).
Até agora, a síndrome tem sido apontada como decorrente da infecção de gestantes pelo zika vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, que também causa dengue e chikungunya. A prevenção é única: erradicar o mosquito! No popular, “aí é que a porca torce o rabo”.
Eliminar o poderoso trimosquito não é da alçada apenas da consciência ecológica da população. Depende, sobretudo, de vivermos em lugares onde haja saneamento básico, direito constitucional que a Lei 11.445/2007 define como “o conjunto dos serviços, infraestrutura e instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais”.
Dados do Instituto Trata Brasil dizem que 35 milhões de brasileiros não têm água tratada, e, pela estimativa do IBGE em 19.2.2016, éramos 205.514.977 habitantes num país eminentemente urbano. Em 2010, apenas 15,65% da população vivia em área rural. Dados do IBGE de 2012: a população residente rural era 15% da população total: 195,24 milhões!
O Ministério das Cidades divulgou, em 16.2.2016, que “quase metade da população do Brasil não tem acesso à rede de esgoto” – cerca de 100 milhões de pessoas descartam seus dejetos nas ruas, a céu aberto, criando focos de Aedes aegypti sobre os quais a população não tem culpa nem poder de controle!
A “crença científica” do início das epidemias contemporâneas, de que o mosquito da dengue só gostava de água limpa, caducou! A descoberta de que “o inseto se reproduz em água com altos níveis de poluição, como o esgoto bruto” é de uma pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba, coordenada pelo biólogo Eduardo Beserra, que conclui: “Tinha-se a crença de que os mosquitos só se reproduziam em água limpa, mas já foram encontradas larvas em águas de esgoto. Eu já encontrei” (“Cuidado, o Aedes aegypti também consegue se reproduzir em água suja”, “Época”, 3.2.2016).
Lanço mão, outra vez, da pedagogia da repetição: “Hoje, no Brasil, a acumulação de lixo é praticamente igual a foco de proliferação do Aedes aegypti. Eis a foto da realidade do país que quer imputar às mulheres o maior tributo da epidemia de microcefalia: a injustiça reprodutiva!” (“O lixo do Carnaval diz muito até sobre injustiça reprodutiva”, O TEMPO, 9.2.2016).
Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, diz que “uma criança morre a cada três minutos por não ter acesso a água potável, por falta de redes de esgoto e de higiene... Hoje, não temos coleta de esgoto nem para metade da população brasileira”.
É o caos! As estratégias “campanhistas” em curso têm importância educativa, embora limitada. Falo da Mobilização Nacional contra o Aedes, capitaneada pelo governo federal, e da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016, com o tema Casa Comum: Nossa Responsabilidade.
Desde que me entendo por gente, ouço uma verdade da boca do povo: “Prefeito não faz esgoto porque esgoto não dá voto. É coisa que ninguém vê! Fica debaixo da terra”. Acho que o povo tem razão.
Até agora, a síndrome tem sido apontada como decorrente da infecção de gestantes pelo zika vírus, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, que também causa dengue e chikungunya. A prevenção é única: erradicar o mosquito! No popular, “aí é que a porca torce o rabo”.
Eliminar o poderoso trimosquito não é da alçada apenas da consciência ecológica da população. Depende, sobretudo, de vivermos em lugares onde haja saneamento básico, direito constitucional que a Lei 11.445/2007 define como “o conjunto dos serviços, infraestrutura e instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais”.
Dados do Instituto Trata Brasil dizem que 35 milhões de brasileiros não têm água tratada, e, pela estimativa do IBGE em 19.2.2016, éramos 205.514.977 habitantes num país eminentemente urbano. Em 2010, apenas 15,65% da população vivia em área rural. Dados do IBGE de 2012: a população residente rural era 15% da população total: 195,24 milhões!
O Ministério das Cidades divulgou, em 16.2.2016, que “quase metade da população do Brasil não tem acesso à rede de esgoto” – cerca de 100 milhões de pessoas descartam seus dejetos nas ruas, a céu aberto, criando focos de Aedes aegypti sobre os quais a população não tem culpa nem poder de controle!
A “crença científica” do início das epidemias contemporâneas, de que o mosquito da dengue só gostava de água limpa, caducou! A descoberta de que “o inseto se reproduz em água com altos níveis de poluição, como o esgoto bruto” é de uma pesquisa da Universidade Estadual da Paraíba, coordenada pelo biólogo Eduardo Beserra, que conclui: “Tinha-se a crença de que os mosquitos só se reproduziam em água limpa, mas já foram encontradas larvas em águas de esgoto. Eu já encontrei” (“Cuidado, o Aedes aegypti também consegue se reproduzir em água suja”, “Época”, 3.2.2016).
Lanço mão, outra vez, da pedagogia da repetição: “Hoje, no Brasil, a acumulação de lixo é praticamente igual a foco de proliferação do Aedes aegypti. Eis a foto da realidade do país que quer imputar às mulheres o maior tributo da epidemia de microcefalia: a injustiça reprodutiva!” (“O lixo do Carnaval diz muito até sobre injustiça reprodutiva”, O TEMPO, 9.2.2016).
Édison Carlos, presidente do Instituto Trata Brasil, diz que “uma criança morre a cada três minutos por não ter acesso a água potável, por falta de redes de esgoto e de higiene... Hoje, não temos coleta de esgoto nem para metade da população brasileira”.
É o caos! As estratégias “campanhistas” em curso têm importância educativa, embora limitada. Falo da Mobilização Nacional contra o Aedes, capitaneada pelo governo federal, e da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016, com o tema Casa Comum: Nossa Responsabilidade.
Desde que me entendo por gente, ouço uma verdade da boca do povo: “Prefeito não faz esgoto porque esgoto não dá voto. É coisa que ninguém vê! Fica debaixo da terra”. Acho que o povo tem razão.
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