domingo, 15 de outubro de 2017

Quando ninguém mais sonha com eles

Algumas famílias começam a manifestar que estão “espantadas”, como escreveu um professor de filosofia nas redes sociais, porque seus filhos estão indo para a extrema-direita. A notícia publicada dias atrás, neste jornal, de que 61% dos seguidores de Jair Bolsonaro são jovens despertou o mesmo alarme. Isso nos leva a perguntar o que está acontecendo com esses jovens e o que estamos oferecendo a eles.

Estarão despertando velhos, antes de terem tido tempo para sonhar?
Imagem relacionada
É realmente muito triste descobrir que, em vez de serem como sua idade exigiria, de vanguarda, modernos, pacifistas, abertos ao mundo, os jovens parecem preferir a retaguarda dos mais conservadores e autoritários. Estarão despertando velhos, antes de terem tido tempo para sonhar? De quem é a culpa?


Minha esposa Roseana, apaixonada por educação, me lembrou, a este propósito, do documentário concebido por Ricardo Henriques e Thiago Borba e dirigido por Cacau Rhoden, que aborda a questão da educação nas escolas públicas brasileiras, onde são formados 85% dos jovens.

O título do filme, Nunca me sonharam, é uma frase do estudante Felipe Lima, de Nova Olinda, no interior do Ceará. Foi pronunciada sem um sujeito, talvez para que nós o coloquemos. Quem, segundo ele, nunca o sonhou? Quem não foi capaz de interpretar suas esperanças para o futuro, de apostar nele? O que está o empurrando para a velha direita castradora de sonhos?

Terão sido os pais, distraídos ou muito ocupados, que não entenderam que seus filhos precisavam ser ouvidos e principalmente aceitos com seu mundo quando estão se abrindo para a vida, às vezes hostil e cruel, às vezes capaz de oferecer novas utopias já que as velhas não entusiasmam mais?

Serão os políticos, os educadores, a sociedade, que não sabem fazer os jovens sonharem, ou pior, que estão fazendo murchar aquilo que há de melhor e mais genuíno dessa idade, como a criatividade, a rebeldia, o desejo de se superar, a vontade de mudar o mundo?

Nesse mesmo documentário, uma jovem, sentada na escada de uma escola da periferia de São Paulo, se pergunta “se sobrará alguma coisa desta sociedade para a sua geração”, A pergunta embute a dolorida constatação de que eles já não acreditam que saberemos lhes proporcionar algo capaz de entusiasmá-los na idade que têm.

É a sociedade que parece hoje desprovida de ideias transformadoras a serem transmitidas para essa geração. Não nos esqueçamos de que os jovens, apesar de sua energia vital, são um cristal frágil perante um futuro desconhecido que lhes causa medo. São um diamante bruto que precisa ser lapidado com delicadeza e cuidado para que não se quebre antes de poder brilhar.

A psicologia nos ensina que quando os pais ou a escola esmagam a sensibilidade do jovem com marteladas do tipo “você não sabe de nada” ou “logo a vida vai ensinar você”, estamos condenando-o à sua própria sorte. Acharemos estranho, então, descobrir mais tarde que, em meio a essa solidão, a vida os está empurrando para o conformismo e a aceitação acrítica de uma sociedade que os utiliza em vez de convertê-los em protagonistas da mudança? Faço minhas, aqui, as palavras que o escritor Marcos Faustini, especialista nas periferias, dirigiu, em um artigo publicado no jornal O Globo, ao jovem que inspirou o título do filme Nunca me sonharam: “Se nunca te sonharam, teu sonho é livre, sonhe você e o Brasil. O país precisa de novos personagens com outros sonhos. Não desista”

Belo programa para algum candidato a presidente que prometa aos jovens novos horizontes dos quais tenham desaparecido os demônios do escândalo de corrupção que tantos políticos estão lhes oferecendo. Que saiba ajudá-los a projetar a construção de uma sociedade na qual não se ofereça a eles, que são o futuro do país, o prato de comida rançoso dos desiludidos. Que os torne protagonistas de um Brasil regenerado capaz de lhes abrir espaços para poderem voltar a sonhar em liberdade.

Por Aécio, Cármen Lúcia ignorou Cármen Lúcia

Os arquivos do Supremo Tribunal Federal guardam um voto antológico da ministra Cármen Lúcia. Foi proferido em 22 de agosto de 2006. A íntegra da peça está disponível aqui. Nela, a atual presidente da Suprema Corte indeferiu o pedido de liberdade de um deputado estadual de Rondônia acusado de corrupção. Para manter o personagem atrás das grades, a ministra desconsiderou sua imunidade parlamentar. Sustentou a seguinte tese:

“Imunidade é prerrogativa que advém da natureza do cargo exercido. Quando o cargo não é exercido segundo os fins constitucionalmente definidos, aplicar-se cegamente a regra que a consagra não é observância da prerrogativa, é criação de privilégio. E esse, sabe-se, é mais uma agressão aos princípios constitucionais, ênfase dada ao da igualdade de todos na lei.”

Resultado de imagem para cármen Lúcia charge
A posição da ministra prevaleceu na Primeira Turma do Supremo por 3 votos a 2. E o então deputado José Carlos de Oliveira, acusado de comandar uma quadrilha que desviara R$ 50 milhões dos cofres estaduais, ficou preso. Na última quarta-feira, decorridos 11 anos, surgiu no plenário da Suprema Corte uma outra Cármen Lúcia.

Irreconhecível, esta ‘Cármen do B’ rasgou, por assim dizer, o voto memorável de 2006. Fez isso ao desempatar em 6 a 5 o julgamento que transferiu para o Legislativo a última palavra sobre sanções cautelares que impeçam deputados ou senadores investigados criminalmente de exercer o mandato. A nova Cármen Lúcia ignorou a antiga para beneficiar diretamente o tucano Aécio Neves, afastado do mandato de senador.

A Cármen Lúcia antiga servira de inspiração para o colega Teori Zavascki que, antes de morrer num acidente aéreo, deu à luz o voto que resultou, no ano passado, no afastamento do então deputado federal Eduardo Cunha do mandato e da presidência da Câmara. Teori escorou parte do seu arrazoado nas posições da ex-Cármen. Foi seguido pela unanimidade dos ministros do Supremo.

O julgamento da semana passada foi motivado justamente por uma ação movida por três legendas que integravam a milícia parlamentar de Eduardo Cunha: PSC, PP e Solidariedade. Alegaram que o Supremo não poderia suspender o mandato de congressistas senão com o aval da respectiva Casa legislativa. Sustentaram que, por analogia, deveria ser observado o artigo 53 da Constituição.

De acordo com este artigo, deputados e senadores só podem ser presos “em flagrante de crime inafiançável.” Nessa hipótese, o processo tem de ser enviado ao Senado ou à Câmara em 24 horas. Deputados e senadores têm a prerrogativa de confirmar ou revogar a prisão. Agora, graças ao voto de minerva da neo-Cármen e do recuo da banda mutante do Supremo, os parlamentares poderão revogar também sanções cautelares (alternativas à prisão) aplicadas contra eles.

A Constituição estadual de Rondônia reproduz o artigo 53 da Constituição federal. Por isso, a defesa do então deputado José Carlos de Oliveira, preso por ordem do Superior Tribunal de Justiça, batera às portas do Supremo. Pedira a revogação da prisão, sob o argumento de que não havia flagrante. Reclamava, de resto, que o encarceramento do deputado não fora submetido à apreciação da Assembleia Legislativa rondoniense.

Cármen Lúcia deu de ombros. Realçou em seu voto que o caso de Rondônia era excepcional. O esquema de corrupção envolvia 23 dos 24 deputados estaduais com assento na Assembleia. Escreveu: “Como se cogitar, numa situação de absoluta anomalia institucional, jurídica e ética, que os membros daquela Casa poderiam decidir livrememte sobre a prisão de um de seus membros…?”

Graças à decisão de Cármen Lúcia de virar a si mesma do avesso, as punições impostas a Aécio serão analisadas pelo Senado em sessão marcada para terça-feira. O grão-tucano precisa dos votos de 41 dos 81 senadores para ter de volta o mandato e o direito de sair de casa à noite. Há no Senado 35 polítícos encalacrados na Lava Jato. Mas a nova Cármen Lúcia não enxerga em Brasília a mesma “situação de absoluta anomalia institucional, jurídica e ética” que via em Rondônia.

No voto sobre Rondônia, Cármen Lúcia escreveu: “…Aceitar que a proibição constitucional de um representante eleito a ter de submeter-se ao processamento judicial e à prisão sem o respeito às suas prerrogativas seria um álibi permanente e intocável dado pelo sistema àquele que pode sequer não estar sendo mais titular daquela condição…”

Nada pode ser mais prejudicial à Justiça do que veredictos que variam conforme as circunstâncias e a importância do personagem envolvido. Com o auxílio da sua presidente, o Supremo Tribunal Federal atentou contra a segurança jurírica ao tratar Aécio Neves com uma benevolência que sonegara ao ex-deputado estadual José Carlos de Oliveira e ao ex-presidente da Eduardo Cunha.

Teoria do Caos

Para quem acha que o mundo está acabando, em meio a furacões, terremotos, aquecimento global, Trump, Temer e Lava Jato, tenho boas notícias. Tudo isso tem uma lógica divina. Como “Deus escreve certo por linhas tortas”, estamos apenas vivendo em um período torto da escrita divina. Somos meros fractais, partes ínfimas que alteram o todo.

Um efeito “El Ninho” civilizatório. Pequenos e insignificantes caracteres de uma tuitada de um presidente, pode encher nosso céu de luzes crepusculares de morte atômica. Talvez, cumpra-se a profecia, e o fogo espalhará sua força, trazendo luz às trevosas relações humanas.

Resultado de imagem para teoria do caos

Não sei se é do conhecimento de todos, mas o universo tende a um fenômeno chamado “entropia”. Ou desorganização, para desespero dos perfeccionistas e organizados. Por isso, me interessei pela teoria do caos. Pois é um alento saber que atrás de uma rachadura na parede, movimentos da bolsa de valores, ou o desenho que as ondas deixam nas areias em suas marés, coisas altamente irregulares, podem ser matematizadas por equações chamadas “não lineares” (não se preocupem com esses detalhes, pois isso é coisa para o pessoal de exatas).

Enfim, por mais caótico que algo pareça ser, encontraremos alguma fração, mesmo invisível aos nossos olhos, altamente organizada.

Ok, parece complicado, mas vamos no popular mesmo: tudo tem uma lógica divina. Somos uma experiência cósmica que tem tudo para dar certo, ainda que aparentemente dê errado.

Como na teoria de Gaia, em que nosso planeta é um ser vivido regido por leis próprias e, de vez em quando, congela por milhares de anos, vira vulcões que exala atmosfera de gases tóxicos, ou é habitado por dinossauros, ou deixa um ser narcisista, egocêntrico, metido a Deus, achar que é “o cara” e dando poder a ele, transforma-o em demônio vendedor de almas, com depósitos na Suíça e delata os demais parceiros de inferno, guiados por almas honestas, que passeiam de pedalinho em lagoa de empreiteiras.

Mas ainda bem que a sopa de letrinhas de partidos feitos do barro de santos ocos, pode ser vomitado em ordem alfabética. E santos de vestais do Supremo dizem amém. Pensando bem, não entendi nada da Teoria do Caos...

Imagem do Dia

A nossa geração

Há poucos dias foi lançada a edição de 2017 do Índice Global de Competitividade, um estudo amplo e profundo realizado pelo Fórum Econômico Mundial. Ao longo de 393 páginas foram analisados os principais indicadores econômicos e sociais de cada país. Dentre eles, evidentemente, os índices de corrupção - afinal, quem investiria de forma séria em um país corrupto?
Estabeleceu-se, pois, a relação dos dez países mais afetados por esta praga. Em 10º lugar situou-se o México. Em 9º, o Iêmen. Na 8ª colocação, El Salvador. Na 7ª, a Nigéria. Seguiu-lhe o desvatado Haiti, na 6ª posição. E eis que surge, então, logo abaixo, o Brasil! Sim, somos o 5º país mais corrupto do planeta!

Após superarmos os países que acima listei, verifiquei que apenas fomos derrotados neste pouco honroso embate para o Chade, a República Dominicana, o Paraguai e a Venezuela. Que vergonha, Brasil!


Fiquei a pensar em 2010, quando o Conselho Nacional de Inteligência dos EUA lançou um fascinante relatório sobre como estaria o mundo em 2025. Uma obra notável pelo nível de detalhes - considerou variáveis que vão desde o papel das mulheres na política do Oriente Médio até os eventuais conflitos gerados pela escassez de água doce.

Sobre o Brasil, previram que a partir de 2020 seria um dos maiores exportadores de petróleo e de produtos agrícolas do planeta - o que poderia significar o início de um ciclo de desenvolvimento sustentável e de longo prazo que nos levaria a padrões de vida próximos aos do dito "1º Mundo".

A expressão "poderia" não foi utilizada à toa. Registrou-se que, para que todo este ingresso de recursos fosse corretamente aproveitado, seria necessária a redução dos índices de criminalidade de rua e corrupção - sob pena de desperdiçarmos a maior parte das riquezas e começarmos a seguir rumo a um país seriamente desigual e conflituoso.

Pois é. Nossa geração falhou. Quase que silenciou no embate com os maus. Permitiu a impunidade dos corruptos. Foi covarde, omissa, em diversos momentos conivente até. Transfere para as gerações seguintes o 5º país mais corrupto do mundo. Para piorar, deixamos nosso agronegócio cada vez mais entregue a estrangeiros, assim como nosso petróleo - bem como o melhor do nosso parque industrial e de nossa infraestrutura.

Que a história nos seja misericordiosa!

Pedro Valls Rosa

A Rocinha e o Camboja

A invasão da Rocinha, há alguns dias, por cem homens fortemente armados assustou moradores e motoristas que passavam no entorno. Entre os invasores, certamente, havia adolescentes. Meninos trabalhando no tráfico de drogas é cena comum no Rio de Janeiro, e é raro a opinião pública fazer qualquer defesa deles.

Na mesma semana estreou em um canal de streaming o novo filme de Angelina Jolie, que narra a guerra civil do Camboja sob a perspectiva de uma menina recrutada como soldado e obrigada a lutar na linha de frente do exército. Aqui a empatia é imediata: como não se sensibilizar com a história de uma criança obrigada a realizar atrocidades?

Resultado de imagem para crianças armadas

Nas favelas cariocas, há décadas, crianças e adolescentes são cooptados pelo tráfico de drogas, considerado uma das piores formas de trabalho infantil pela Organização Internacional do Trabalho. Obrigados a realizar todo tipo de ato para proteger o território, muitas vezes são algozes de quem desafia o domínio da facção, que os faz reféns sem que eles se deem conta. Por que não despertam a mesma empatia que a menina cambojana?

A Anistia Internacional estima que existam aproximadamente 300 mil crianças-soldado em todo o mundo. Mas um adolescente carioca que trabalhe em uma boca de fumo não entra nessa conta. A expressão se aplica apenas a países que vivam situação de conflitos armados oficialmente declarados. Com facções se enfrentando diante de uma polícia acuada e desorganizada e um Exército que mobiliza 500 homens em busca de uma pistola, o Rio vive uma situação de guerra — só não oficialmente declarada.

Em tempos de discussão acerca da redução da maioridade penal, falta reconhecer que essa guerra existe e vitima principalmente a camada mais pobre da população, que dia a dia vê seus filhos engrossarem as fileiras de facções criminosas, tornando-se crianças-soldado. E que as soluções mágicas sempre prometidas jamais funcionaram na cidade maravilhosa no nome, mas um inferno cada vez maior para quem vive aqui.

“A melhor maneira de proteger as crianças dos conflitos armados é prevenindo esses conflitos”, disse Graça Machel, ex-representante especial da ONU para crianças e conflitos armados, por ocasião do 20º aniversário da Resolução 51/77 (1997) da Assembleia Geral sobre a proteção e os direitos das crianças que se encontram em meio a conflitos. Para o secretário-geral da ONU, António Guterres, uma educação de boa qualidade e um trabalho produtivo e decente são a chave para a paz e o desenvolvimento. Isso deveria valer para as crianças cariocas.

Reduzir a idade penal — sob o pretexto de combate à impunidade — é premiar quem, nas últimas décadas, com políticas equivocadas e corrupção em praticamente todos os setores, permitiu o surgimento de nossas crianças-soldado. Romper o ciclo de violência em que esses adolescentes estão inseridos é o verdadeiro desafio. No Camboja, a guerra civil acabou. Na Rocinha, parece estar longe do fim.

Maria Carmem de Sá, coordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro

Supremo, mas nem tanto

O Supremo Tribunal Federal não é mais tão supremo assim. No longo julgamento de quarta-feira, a corte estabeleceu que o Congresso poderá derrubar suas decisões que envolvam parlamentares. O direito à última palavra, que pertencia aos ministros, foi graciosamente cedido aos deputados e senadores.

A decisão significa um alívio para a classe política ameaçada pela Lava Jato. Agora os investigados poderão se livrar da Justiça sem ter a obrigação de desmentir gravações, delações e malas de dinheiro. Basta manter o apoio da maioria dos colegas, que ganharam uma licença para salvar os amigos no plenário.
 Ao amputar o seu próprio poder, o Supremo se curvou aos coronéis do Senado. Na semana passada, eles se rebelaram contra as medidas que o tribunal impôs ao tucano Aécio Neves. O motim convenceu a ministra Cármen Lúcia a negociar. O resultado da negociação é a vitória dos rebelados, com o apoio decisivo do governo e da presidente do Supremo.


Não é a primeira vez que a estratégia funciona. Em dezembro passado, o senador Renan Calheiros se insubordinou contra uma decisão que o afastava da presidência do Senado. A pretexto de evitar um conflito institucional, o Supremo aceitou ser desacatado. Saiu menor da crise, como voltou a acontecer nesta quarta.
Em nome da conciliação, Cármen Lúcia sacramentou o novo recuo. Ao desempatar o julgamento, ela disse que concordava com o relator Edson Fachin em “quase tudo”, mas cedeu ao Senado no essencial. Sua confusão ao explicar o próprio voto reabriu o debate no plenário e escancarou a divisão do tribunal.

Ao oferecer a Aécio a salvação que negou a Eduardo Cunha, o Supremo confirmou que suas decisões podem variar de acordo com a influência política do réu. O julgamento reforça a ideia de que a Justiça brasileira ainda segue a máxima de George Orwell em “A Revolução dos Bichos”: todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros.