quinta-feira, 13 de abril de 2023

Pensamento do Dia

 


Ódio acima de tudo


Não é um problema simples. O que está acontecendo nas escolas reflete o que está acontecendo na nossa sociedade, de estímulo ao ódio, à violência, ao armamento
Camilo Santana, ministro da Educação

Ricos em recursos naturais e socialmente pobres

A província mineral dos Carajás, um conjunto de serras situadas no sudeste do Estado do Pará, é a maior do mundo, uma benção que a natureza ofereceu a nós brasileiros. É rica em ferro, manganês, níquel, zinco, cobre, ouro, prata, bauxita, cromo, estanho, tungstênio e urânio. As jazidas de ferro constituem a maior reserva de alto teor desse elemento no mundo.

Até 1997 era explorada pela estatal Cia. Vale do Rio Doce (CVRD), um projeto que poderia ser a redenção do Brasil, tornando-nos um protagonista mundial na área mineral, além de possibilitar o desenvolvimento de uma indústria nacional. Na ânsia de privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso, a CVRD foi vendida pelo ínfimo valor de R$ 3,3 bilhões, passando a denominar-se apenas Vale. Algumas fontes afirmavam que ela valia R$ 100 bilhões.

Não foi considerado o valor do potencial das reservas minerais, mas tão somente a infra-estrutura. Na verdade, entregamos de graça um patrimônio nacional dos mais valiosos – as reservas minerais –, ricas em elementos estratégicos para o desenvolvimento do País. Um verdadeiro crime de lesa pátria. Os governos do PT, assim como os que se seguiram, não tiveram coragem para rever a concessão dessas imensuráveis jazidas.

Mas a perda do Estado brasileiro com a venda da CVRD não foi somente econômica. A privatização dela marcou o fim do controle estatal sobre a mineração no País.

Em 2022, o valor de mercado da Vale alcançou cerca de R$ 452 bilhões. Nesse ano, a Vale registrou um lucro líquido de R$ 95,9 bilhões e, em 2021, R$ 121,2 bilhões. Em 2023, a Vale prevê produzir e exportar cerca de 320 milhões de toneladas de minério de ferro, 175 mil toneladas de níquel e 370 mil toneladas de cobre.

Os números são impressionantes, mas quase nada dessa riqueza gerada pela exploração dessas valiosas reservas minerais beneficiam os brasileiros.

Na realidade, Carajás constitui um enclave estrangeiro em nosso território. Infelizmente, o gigantismo e o impacto socioambiental do projeto Carajás não aponta para uma Amazônia e um Brasil justo, democrático, participativo e sustentável. Ao contrário, a extração dos minérios constitui um projeto para fora, que objetiva extrair minério local e transformar em riqueza para atender interesses alóctones.

O mais escandaloso disso tudo é que nós, brasileiros, por meio de nossos governantes, de ontem e de hoje, apoiamos a colonização de parte de nosso território, nos auto-condenando a sermos eternos exportadores de commodities, ao sabor do interesse dos mercados globais. Não se registra o mínimo esforço para fortalecimento de nosso parque industrial que, ao contrário, vem declinando nas últimas décadas.

Doamos nossos recursos minerais e as nossas terras férteis para serem explorados para atender demandas externas, transformando os produtos gerados em commodities de alto valor, que vão gerar emprego e renda nos países importadores. E ainda concedemos a eles isenções tributárias, subsídios e créditos facilitados.

Por força da Lei Kandir, os produtos primários e semi-elaborados destinados à exportação, a exemplo do minério, são isentos de recolhimento do ICMS. No caso do Estado do Pará, há ainda incentivos fiscais da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) para empreendimentos instalados no território. Toda essa generosidade tributária faz com que a mineração contribua com apenas 6% da receita própria do Estado.

Não satisfeita com todas as benesses que recebeu do Estado brasileiro, a Vale ainda pratica uma possível evasão fiscal, que alcança cerca de R$ 6,0 bilhões anuais, segundo estudo do Instituto Justiça Fiscal – IJF. Isso decorre de um subfaturamento praticado pela Vale, ao simular a venda de minérios para uma subsidiária na Suiça. Daquele país os minérios são reenviados para China e Japão, ao preço do mercado. Ao declarar um valor menor, a Vale paga menos impostos no Brasil.

Na área do agronegócio, a situação não é muito diferente. Doamos nossas férteis terras para que um pequeno grupo de empresas produza commodities para o mercado global e deixem para nós a degradação ambiental do solo e das águas e um rastro de pobreza.

Também nesse setor, a riqueza produzida no Brasil fica nas mãos de um pequeno grupo. Recente pesquisa realizada pela revista Forbes aponta que da lista global de 2.640 bilionários 15 são do agronegócio brasileiro. O grupo é dono de uma fortuna que soma cerca de R$ 285 bilhões.

É preciso que exerçamos a soberania sobre os nossos recursos naturais.

O Estado tem que exercitar o controle para fazer com que a sociedade brasileira participe dos resultados gerados pela exploração de nossos recursos naturais, especialmente os minérios.

O sistema

Os funcionários não funcionam. Os políticos falam mas não dizem. Os votantes votam mas não escolhem. Os meios de informação desinformam. Os centros de ensino ensinam a ignorar. Os juízes condenam as vítimas. Os militares estão em guerra contra seus compatriotas. Os policiais não combatem os crimes, porque estão ocupados cometendo-os.

As bancarrotas são socializadas, os lucros são privatizados.

O dinheiro é mais livre que as pessoas. As pessoas estão a serviço das coisas.

Eduardo Galeano, "O livro dos abraços"

Após 100 dias de governo, celebremos a volta da civilidade

Estamos lendo, nestes dias, que o atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva, ao contrário de outros governos, não conseguiu emplacar uma nova marca nos seus primeiros 100 dias. Bom, para começar, me parece mais adequado dizer que já se passaram mais de 160 dias de Lula 3, lembrando que ele assumiu logo depois das eleições, quando Jair Messias Bolsonaro, de birra, recusou-se a governar o pais. E foi melhor assim, pois até então vínhamos tendo um desgoverno.

Dizem que Lula só relançou seus antigos programas – como o Bolsa Família e o Minha casa, minha vida – e nada de novo. Bom, acredito que estes foram reativados não por falta de novas ideias, mas pela persistência de problemas antigos. Por outro lado, acho que Lula lançou sim uma nova marca: a da união e reconstrução. Pois encontrou um país desarrumado, uma administração desarrumada, com as contas públicas totalmente desarrumadas. Desde então, se esforçou para colocar ordem na casa – uma tarefa que ainda vai demorar muito para ser concluída.

Por outro lado, Lula encontrou um cenário completamente diferente do de seu primeiro governo. O ano de 2023 não é o de 2003. Falta o boom das commodities, que deixou o Brasil rico naquela época. Falta o entusiasmo da sociedade brasileira que, em 2002, elegeu Lula por uma ampla vantagem sobre um adversário "amigável", José Serra. Em 2022, o Brasil, violentamente polarizado, deu a Lula a vitória por uma margem mínima sobre Bolsonaro.


Outra grande diferença: o Congresso de 2003 não era essa bacia de tubarões famintos por emendas e orçamento secreto como o atual. Até agora, a real força de Lula no Congresso ainda não foi testada. Não sabemos o placar da briga entre Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, não sabemos como o Centrão se rachará e quem ficará ou não na oposição. Em relação ao Congresso como um todo, só sabemos que há uma oposição bolsonarista que veio para gritar e tumultuar. E já a ouvimos.

E last but not least, Lula teve que enfrentar uma resistência violenta de golpistas, que culminou nos ataques do dia 8 de janeiro, em Brasília. Parece-me que os acontecimentos daquele dia até ajudaram Lula a desmontar o circo bolsonarista e juntar as forças democráticas num exorcismo político para expulsar os espíritos malignos. Por enquanto funcionou. Bolsonaro parece estar mais preocupado com seus processos na Justiça do que em lidar com a oposição.

De resto, economia e tal: "o mercado" já se tranquilizou com o esforço da equipe de Fernando Haddad em propor um caminho razoável para arrumar as contas. E Lula parece já ter entendido que bater de frente com Roberto Campos Neto para obrigá-lo a baixar a Selic não funciona. E que tampouco faz sentido comprar brigas desnecessárias com a turma de Sergio Moro. Ignorá-lo será mais saudável para o presidente.

Agora só falta ajustar a política externa, a meu ver. É preciso focar os pontos fortes do Brasil: liderar as negociações globais sobre políticas ambientais e o combate às mudanças climáticas. Se Lula realmente quer ganhar o Prêmio Nobel da Paz, que não mire a Ucrânia, mas os problemas na América Latina, onde o Brasil deveria assumir uma liderança. Aqui, Lula tem o lastro político para negociar o fim pacífico da ditadura na Nicarágua, ajudar Gustavo Petro a desarmar as guerrilhas na Colômbia, buscar uma solução para o caos no Haiti e lutar por avanços democráticos na Venezuela e em Cuba.

Gozo eterno e amplo: a banalização do esperma

O tema não compete ainda na mídia com a agenda de Lula na viagem à China, com a mudança da meta da inflação, e nem com a simulação do ataque dos chineses à Taiwan. Mas já é possível navegar em catálogos digitais como instruções sobre contratar barrigas de aluguel, fertilização in vitro, comprar ou vender sêmen humano com potencial para alterar estruturas familiares, a composição étnica de uma comunidade ou transformar as relações sociais no mundo. Em alguns países esses temas já são tratados em políticas públicas.

Instala-se vagarosamente no mercado uma rede internacional de comércio de órgãos humanos, da qual o Brasil participa, e que faz, por exemplo, do esperma humano um produto de consumo. Os bancos de sêmen, com fornecedores regulares, a preço que varia entre US$ 35 a US$ 80 por amostra, já movimentam por ano US$ 4,5 bilhões, com projeções para chegar a US$ 5,7 bilhões nos próximos quatro anos. Os clientes são casais inférteis ou aqueles que perderam entes queridos nesses conflitos bélicos internos e externos.

Concomitante, a ficção tem avançado muito para além disso, assustando quem toma dela conhecimento. O comércio de esperma, responsável pela reprodução humana artificial, trafega por um caminho tortuoso, em que inclui a formação até de combatentes do tipo robocop ou assemelhado. Sim, vale o ceticismo, mas não se pode esquecer que o imaginário de Júlio Verne envolvia viagens submarinas e aéreas, foguetes espaciais e outras tecnologias que só existiam na sua cabeça.


Nada disso devia ser novidade. Desde as alianças entre Deus e Abrão, essas questões já eram debatidas. Agar, serva de Sara, esposa de Abraão, com o consentimento prévio de todos, teve sua barriga usada pelo patriarca, e com ele gerou um primeiro filho, Ismael, provocando posteriormente um problema enorme nas relações familiares. Fugiu para o deserto, e lá encontrou Deus que mandou retornar para ter novos filhos com Abraão, por meio dos quais, prometeu, surgiriam grandes nações, que seriam os árabes. Por outro lado, assegurou à Sara dar-lhe também um filho, Isaac, do qual emergeria uma enorme descendência, proveniente dos gêmeos Esaú e Jacó, patriarca dos israelitas.

Embora o caso de Abrão tenha sido historiografado em relatos bíblicos, no livro de Gênesis, ele foi sacralizado por religiosos como uma evidência da existência e do poder de Deus, distinguindo o fato da vida cotidiana do homem comum. Mas, a roda da cultura gira e a civilização não para. Vai e volta, e a cada esquina se transforma. A mídia trouxe o tema para as telinhas, abrindo espaço para a retomada da questão na contemporaneidade. Enquanto desfrutava de plena autonomia, as televisões trabalharam esses assuntos em novelas e, pasme-se, até em programas de humor ácido.

Agora foi a vez da Folha de São Paulo, numa reportagem de Patrícia Figueiredo, levantar, numa viagem à Dinamarca, a questão da expansão do comércio de espermas humanos no mundo, assunto tabu ao qual vem a se somar à barriga de aluguel e, a alternativa moral da fertilização in vitro. Não escapa, entretanto, dos ficcionistas a ideia da formação, em um futuro não muito distante, de um exército de proveta, que lança nas frentes de batalha apenas as copias dos indivíduos reais ou outros gerados tecnologicamente em laboratórios, a exemplo da ideia do Frankstein.

Assim, enquanto meia dúzia de líderes políticos insanos enviam milhares de jovens para morrer brutalmente nas guerras, ignorando dramáticos apelos da sociedade e de seus familiares, as mudanças culturais vão vagarosamente fazendo a roda do tempo mover-se, e bater de frente com ética abrangente, que vai desde o respeito à vida humana, até às condenações religiosas e criminais. A masturbação ampla, uma dessas práticas decorrentes da comercialização do esperma, para algumas religiões é pecado, para determinadas sociedades é imoral; e o seu comércio é algo repugnante, considerado criminoso por segmentos mais conservadores.

Há, como se percebe, um retorno aos tempos de Abraão, que teve um punhado de filhos com a serva Agar, de tal forma que constituíram nações. Nas condições que vem sendo dadas nos dias de hoje, um único sujeito pode ser o pai também de milhares de filhos em vários países ou em um único ou em uma mesma comunidade. Daí a Dinamarca - um dos mais procurados - limitar em 200 o número de espermas de um mesmo sujeito a ser comercializado. Já se espera por um comércio clandestino. Num mundo em que o desemprego cresce, há centenas de pessoas sobrevivendo à custa da venda de sêmen: em agonia e gozo eterno.

A procura revela uma preferência, constatada pela repórter da Folha, pelo sêmen provenientes de alguns países - nórdicos, por exemplo -, e não em outros, expondo uma incubada tendência eugênica - coletividades humanas, baseada em leis genéticas - que ressuscita a ideia de uma raça melhor ou superior, tão em moda na ciência do início do século passado. Depois do napalm, da bom atômica e dos mísseis nucleares transoceânicos, nada impede a um dirigente maluco desses pretender mesmo constituir um exército de proveta ou de uma única raça. Hitler, copiado em diversas frentes, tentou isso.

Nos países da América, no Brasil inclusive, as escravas africanas deram muitos filhos aos patrões à força ou por submissão. Casos de barriga de aluguel não foram poucos, prática que não desapareceu totalmente com a Abolição. Estendeu para as mulheres brancas, as famosas polacas, mulheres imigrantes do norte da Europa. Cristino Gomes da Silva Cleto, conhecido como Corisco, o cangaceiro apelidado de” Diabo Louro", procedia de uma origem dessas.

Na expectativa de não se expor tanto, mais recente, mais de mil brasileiras contrataram serviços de clínicas de barrigas de aluguel na Ucrânia, para fertilização in vitro e, com a invasão russa, passaram a viver o drama de não poder ver os filhos, alguns em plena gestação e outros sendo criados por lá. Na Ucrânia existe uma política pública de barriga de aluguel. As famílias brasileiras, sobretudo aquelas que lidam com o problema da infertilidade, impedidas de entrar no país, chegaram a recorrer ao governo para ajudar a buscar os "nossos bebês...'"

Não se sabe exatamente quantas brasileiras estão com filhos em barrigas de aluguel na Ucrânia hoje, nem em quais clínicas. São ao todo dezesseis, e bastante procuradas por mulheres de todo o mundo. Essas coisas não devem espantar, porque um grande número de países tem avançado nessa direção. No Brasil, fornecer esperma ou barrigas de aluguel é possível desde que autorizada pela Anvisa. Em 2022 foram importadas por aqui 1.079 amostras de sêmen humano.

A tecnologia como descaminho

Uma das características da estruturação social contemporânea é o endeusamento da tecnologia e da automação que, sem linhagem cultural ou moral, vende a ideia de que seus produtos são cadinho glorioso a serviço da felicidade humana. Há coisas que a tecnologia implica, mas não inclui. Não sendo nem aristocrática nem popular, a tecnologia, como ordem deformadora, cavalga a sociedade como tormenta que inflama sem compensar a renovação que promete.

Chamar o artificial de inteligência prolonga de forma majestosa a conotação pejorativa da expressão. O labirinto desta inteligência degenerativa acelera o descaminho humano rumo ao viver à revelia numa época de derrota, medo e impotência. Devoradora da política, da cultura e da economia, a tara por algoritmo fará do cérebro um aterro sanitário, lixão onde a IA acumulará sua espécie de poluição plástica.

Comandando um poder sem igual na História, a inovação como aspiração nervosa por êxito imediatista e amoralidade do triunfo é automatismo sem origem e destino moral elevado. Podemos até supor que não há virtude em começar pobre e ficar rico criando tais invenções. Pois o modo de enriquecer que não exige virtude ou a ela leva não tem expressão moral. Êxito predatório que aumenta a arrogância, servidão, crime e individualismo.


A necessidade, como estado emocional de carência, é da categoria da vida psicológica e tem papel modesto na hierarquia das satisfações. Valoriza-la demais é entregar sua personalidade a aplicativos, aumentando a frustração, a dominação. A teoria da necessidade não deve ser associada à ideia da obrigatoriedade, pelo perigo de se instalar de forma opressiva na pessoa. Resistir a este abuso pode fazer o ser humano mais feliz.

A invencionice é mania velha que permite a falsificação de preferências. A moda do comportamento artificial se espalha como fato corriqueiro em que um especialista se acha mais importante do que o caso que analisa. Na medicina em que a ausculta do paciente não importa; na cirurgia plástica que faz o rosto sem alma; no juiz virtual locutor de sentença que não escreveu; na advocacia do pedigree que piora o caso para cobrar mais pela cara do cliente; na arquitetura que só sabe fazer projeto para foto de revista, e não moradia para conforto e convivência; e entre procuradores, os novos detetives, que simulam situações falsas para criar réu ilegal – são situações inventadas e desagradáveis.

A cobiça por degenerar voz e sentimento para comércio íntimo de signos faz da química do invencionismo doença, falácia dos sentidos. Oposto ao fato central na história dos povos, que desenvolveram por necessidade natural várias línguas, sem terem inventado nenhuma. Na indústria militar, cresce a ilusão da guerra limpa, como se matar a distância fosse eticamente superior a dar uma facada à queima roupa. Na espionagem, impera a obscenidade.

O abuso de tecnologias e robôs tira o ser humano do centro das decisões e torna o trabalho mera ferramenta que atrapalha. Na escada do progresso, benefícios financeiros não deveriam conter desejos superiores aos benefícios sociais. Diminuir custos, aumentar lucros e a produtividade sem se preocupar com a melhoria da performance e da criatividade humanas é tipo maléfico de automação, que pode produzir inesperados prejuízos. Nada será engenhoso se não puder ser controlado por humanos com capacidade de compreender, intervir e corrigir máquinas e sistemas tecnológicos. A escravidão tecnológica em curso amplia a manipulação da vida e tem sido uma grande fonte de ofensas, golpes e ações ilegais. Até nos conceitos filosóficos mínimos da boa educação, a ênfase e o uso abusivo dos sistemas autônomos contribuem para o indivíduo falar mal e se comportar pior.

A automação dá celebridade ao distraído, faz o mundo homogêneo sem ser coeso, amplia rotina, cria uma espécie de irresponsabilidade organizada sem sensibilidade pública. A interação artificial é bezerro de ouro que rouba da inteligência a faculdade de aprender e duvidar, cega a razão para onde derivam e convergem todas as coisas. A ética dos fundamentos da robótica anda a passos lentos. Quando perceber que adorar o bezerro é o caos, já terá criado a pessoa-pastel e o mundo às voltas com crimes frutos de tais invenções.

Considerar algumas invenções inúteis não é escândalo. No movimento da vida, nem todas as rodas precisam rodar. A boa necessidade contribui para diminuir o sofrimento humano, valoriza as coisas sem usar necessidades desnecessárias. É abjeta a invenção que quer instituir o mundo em bases inumanas. Tornar o diálogo silencioso, falar pelo outro, sem o outro, tornar o pensamento espúrio e o raciocínio insignificante são imprecações sem máscara.

Não é gênio quem ridiculariza a ética. Negócio sem poesia, a IA te empresta o barco para o afogar no mar. Nem alivia a tensão entre o real e o possível nem reconcilia sua utilidade com o elevado sentido da necessidade. Afinal, o que é mais sublime, a fé ou a descrença? Saturado até o tédio por tanta invenção idiota, ofereço minha dúvida na esperança de não ter razão.