terça-feira, 25 de outubro de 2016

Dona de água no Tocantins, Odebrecht Ambiental entra na mira da Lava-Jato

Cheiros de coco queimado, terra seca, suor e esgoto juntam-se para formar um retrato opaco da vida do lavrador José Vieira da Silva, de 72 anos, em Carrasco Bonito, interior do Tocantins. Ele e a esposa, dona Deusamar, contam com uma ligação de água no terreiro da casa de pau a pique para lavar roupa e fazer comida para dois. Moram na zona rural de uma cidade de 3,2 mil habitantes, mas no fim de mês a conta de água na porta de casa parece de cidade grande: chega a R$ 50.

— No interior do Maranhão tinha isso, não. Lá a gente apanha água e num gasta. Não é que nem aqui — lamenta o agricultor, que há cinco anos mudou-se com a esposa para uma cidade onde o reajuste da tarifa de água avança sem crise (10,9%, em 2015, e 17,1%, em 2016).

— A água que Deus deu pra gente foi de graça. Tem vizinho de casa igual a nossa, que paga é R$ 100 todo mês — completa dona Deusamar, que ganha um terço deste valor semanalmente, como quebradeira de coco babaçu.

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Saneatins, a "propeitária" da água
Quem leva um naco da aposentadoria do seu José não é a prefeitura de Carrasco Bonito nem o governo do Tocantins: é a Odebrecht Ambiental, por meio de sua empresa Saneatins, concessionária de água de 47 cidades do estado (ou 80% da população). Apenas no ano passado, ela faturou mais de meio bilhão de reais nos contratos com consumidores e governo. Documentos da Lava-Jato trazem os primeiros indícios do preço pago para garantir a supremacia da água justamente onde ela parece fazer mais falta.

Uma planilha apreendida pela Polícia Federal mostra que contratos da Odebrecht com três fornecedoras — a DAG Construtora, SPE Sanear e Construtora Saga — serviam para viabilizar pagamentos de interesse do grupo baiano, como doações eleitorais e pagamentos em espécie. A concessionária de água da Odebrecht no Tocantins é citada. As três empresas são vinculadas a pagamentos da Saneatins ao lado de uma observação: “terrenos, pagamentos diversos e 450.000 (espécie)”.

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Rio e terror

Venho por esta colocar minha colher na sopa de bode preto que o Rio virou. Espero que se interrompam os desastrosos anos de populismo sinistro que nos afligem.

O Rio é hoje um labirinto bárbaro de corrupção e ineficiência burocrática; estamos diante de uma cidade quebrada, onde a violência assume aspectos cada vez mais ousados, assimilando táticas de terrorismo aprendidas na TV, pois perceberam que são invencíveis pelos métodos tradicionais de polícia.

A barbárie, a corrupção e a estupidez ganharam contornos tão “originais” no Rio, quase uma cultura separada, que só gestos corajosos, até temerários, podem ajudar. Não há jurisprudência para os crimes atuais. São pavorosamente novos. Temos de conter as consequências, tentando reparar as causas. Não se pode tratar esses horrores com a lentidão dos procedimentos comuns. Novas formas de combate têm de surgir.

Hélvio(Foto)
Agora, vai sair da Secretaria de Segurança do Rio o mais competente líder contra o crime que tivemos até hoje: José Mariano Beltrame. Fez tudo que era possível na criação das UPPs, mas acabou travado pela resistência do atraso, que não melhorou os morros com medidas de avanço social. Entre outros problemas internos da polícia, Beltrame também foi prejudicado pela displicência de juízes que irresponsavelmente soltam os presos perigosos caçados com dificuldade. Lembram do Elias Maluco que assassinou com espada o repórter Tim Lopes? Estava em “liberdade condicional”.

Acho que temos de entrar nas favelas, não com festinhas odontológicas provisórias, mas para ficar, integrar. Lembram-se da ideia das favelas-bairro? Era uma ideia muito boa e, claro, esquecida. Demora muito? Sim. Mas, se já levamos cem anos armando essa bomba, leva tempo para desativá-la.

A única mudança que a política “correta” fez até hoje foi trocar o nome “favela” para “comunidade”. Tirando uns trenzinhos ou elevadores de morro, continua tudo na mesma lama.

Enquanto procurarmos uma “solução” para o crime no Rio, não haverá solução. Não haverá solução enquanto não entendermos que todos somos parte do problema. Nós é que temos de nos reformar, subverter nossas cabeças, nossas polícias, nossos poderes. Mas fazer como? A máquina do Estado sozinha não dá conta. Creio que deveria haver uma campanha nacional para atrair investimentos para o Rio. Creio que tinham de ser criados “grupos executivos” desenhados por homens como o coronel José Vicente da Silva, do Instituto Fernand Braudel, ou Luiz Eduardo Soares, que fizessem um “bypass” eficiente cortando o labirinto burocrático podre, como fez JK.

“Solução” é um conceito obsessivo e superado; só um processo amplo, multidisciplinar, um processo lento, caro, poderá minorar esta tragédia imunda que nos aflige, caindo de 500 favelas abandonadas e financiadas pela cocaína. O problema é que não há capacidade de regeneração dos tradicionais vícios cariocas. O sistema não está apto a se autocriticar, a se renovar. A complexidade é muito maior do que o simplismo das providências. Quem vai regenerar essa m*rda? O bispo Edir Macedo, por meio de seu preposto Crivella, o irmãozinho do Garotinho, que escondeu que foi em cana por expulsar com armas uns pobres diabos de um terreno da Igreja Universal, aquele supermercado da fé que cobra dízimo até no cartão? A opinião pública teria de rejeitar isso. Mas não vai.

Isso porque nós ainda falamos dos criminosos como se fossem “desviantes” de nossa moral, como gente que se “perdeu” da virtude e caiu no “mundo do mal”. Mas o que surgiu foi uma nova sociedade periférica, feita de fome, rancor e desejo de consumo. E criativa; o funk é o hino dos excluídos.

Houve uma sinistra “modernização” na violência da miséria e um envelhecimento do poder público.

Não adianta defendermos a “normalidade” de nosso sistema, pois não há normalidade alguma. Estamos no fundo da vergonha; hoje, tem gente que ainda discute se as milícias são “boas” ou “más”, se criminosos do “bem” matando os do “mal” resolvem nosso vazio policial ou se viriam mais vagabundos para o asfalto. As milícias vão votar no bispo. A que ponto chegamos...

As causas da violência sempre estiveram aí, como uma bomba de retardo, uma mina enterrada. Só agora ficou visível. Os criminosos estão expondo ao país nossa absurdíssima incompetência.

Temos de aprender com os criminosos suas táticas, pois eles têm a mesma vantagem dos terroristas – não têm rosto e ninguém sabe de onde vêm. Eles são microempresas privadas, filiais da multinacional do pó. Eles já têm até mísseis antiaéreos. Eles agilizam métodos de gestão; nós trabalhamos com administração do século XIX. Eles são rápidos e criativos. Eles estão no ataque; nós, na defesa. Nós nos horrorizamos com eles. Eles riem de nós. Eles lutam em terreno próprio; nós, em terra estranha. Eles se reproduzem sem parar, com mais adeptos jovens mergulhados na miséria. Já é até um “bom programa” descer e matar com faca para roubar bicicletas. A droga e as armas vêm de fora – eles são “globais”; nós somos regionais. Eles não temem a morte. Nós morremos de medo.

Precisamos de uma urgente autocrítica de nossa ineficiência. A população tem de ser convocada para participar ativamente, por exemplo agora, votando contra o Bispo do Mal.

Se não agirmos (como?), ficaremos no velho vício da reclamação ou em inócuos abraços pela paz, de roupa branca, em volta da Lagoa. A luta contra o crime não é mais uma luta policial; não é mais a Lei contra o Pecado; tornou-se um problema de Estado-Maior, sim. A situação tem de ser estudada profundamente – trata-se de um problema nacional, de Estado, trata-se de uma calamidade pública ainda não assumida, como um terremoto ignorado.

Não é luxo, é básico

É duro ver assuntos estratégicos para o futuro econômico do país sendo tratados como entraves ao nosso desenvolvimento. Olhamos a realidade através de um espelho que, se por um lado, reflete a realidade, por outro inverte a leitura da imagem. O meio ambiente sempre é tratado como “café com leite” nas esferas de governo. Porém, enquanto a riqueza do solo e os ciclos de chuva são a matéria-prima para o crescimento de nossa economia, seguimos desmatando e envenenando nossos biomas. Se a qualidade e a quantidade de água são determinantes para a saúde da população, a crise hídrica e a falta de tratamento de esgoto é real em grande parte das casas brasileiras.

Banksy um grande artista de rua, seus trabalhos são realmente incríveis e…:
Banksy 
O que preocupa é o avanço do caos ambiental. A realidade é de baías, rios e lagoas contaminados por esgoto e lixo, manguezais aterrados, costões rochosos ocupados e crescimento urbano desordenado. No campo, os números não mentem: a Mata Atlântica, onde vive mais de 70% da população brasileira, tem cerca de 90% de sua área desmatada. A questão não é só de preservação, mas de enormes quantidades de terra onde se produz pouco mais que capim. Nem bem áreas produtivas, muito menos um ambiente natural. Não parece razoável trocar uma das maiores biodiversidades do planeta, fonte de riquezas ainda hoje desconhecidas, por pastos pouco produtivos. E, se pensarmos nas áreas de alto rendimento no Centro-Sul do país, onde 50% do Cerrado foram desmatados, são atividades agropecuárias que dependem diretamente do regime de chuvas da Amazônia, bioma que perdeu 20% de suas florestas nos últimos 50 anos.

Os compromissos assumidos pelo Brasil — internamente com o Código Florestal para a restauração de 21 milhões de hectares, e internacionalmente com o Acordo de Paris de restaurar 12 milhões de hectares até 2030 — nos oferecem uma oportunidade única de reflorestar o país.

No ano passado lançamos a campanha Da Pé, parceria entre o programa Um Pé de Quê? e a Fundação SOS Mata Atlântica para a recuperação de 1,33 quilômetros de matas ciliares às margens do Rio Una, na bacia do Rio Paraíba do Sul, que abastece os estados de SP, RJ e MG. Por meio de financiamento coletivo, impactamos mais de 3,6 milhões de pessoas e arrecadamos R$ 400 mil que foram revertidos no plantio de 20 mil mudas de árvores nativas da Mata Atlântica. Agora, tornamos a campanha anual e a segunda fase está no ar arrecadando recursos para dois novos plantios: em Taubaté (SP) e no Parque Nacional da Tijuca, no Rio.

Morando num país com nome de árvore e numa cidade com nome de rio, acredito que a natureza tem o poder de restaurar os tecidos sociais. Se uma floresta regula o clima de uma região, água limpa e farta é saúde para todos. Conviver com os ciclos de vida traz conhecimento e valores na educação dos nossos filhos. Um rio limpo é opção de lazer, o que promove a integração social e a segurança. Uma praia limpa vibra a economia de uma região. Não é “apenas uma questão de meio ambiente”. É a nossa economia, saúde, segurança e educação. Não é luxo, é condição básica.

Estevão Ciavatta

Surge na Câmara projeto de 'Fundo de Financiamento da Democracia': R$ 3 bi ao ano

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Será instalada nesta terça-feira a comissão da Câmara sobre a reforma política. Na véspera, foi protocolada a primeira proposta a ser debatida. Prevê a criação de uma novidade chamada “Fundo de Financiamento da Democracia” (FFD). Destina 2% da arrecadação líquida do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) aos partidos políticos. Isso equivale a cerca de R$ 3 bilhões anuais. A cifra supera em mais de quatro vezes o atual Fundo Partidário, que custará R$ 724 milhões ao Tesouro Nacional em 2016. A verba bancaria o funcionamento das legendas e a participação de cada uma delas nas campanhas eleitorais —de vereador a presidente.

O autor do projeto é o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG). Ele entregou cópias ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e ao colega Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), que presidirá a comissão. A íntegra pode ser lida aqui. Pestana levantou a contabilidade oficial das eleições municipais de 2012 (R$ 5,2 bilhões) e do pleito geral de 2014 (R$ 4,8 bilhões). Concluiu que R$ 10 bilhões são suficientes para financiar as eleições a cada quadriênio. Adicionou à cifra mais R$ 2 bilhões para manter as portas dos partidos abertas. E fechou a conta: R$ 12 bilhões a cada quatro anos —ou R$ 3 bilhões por ano.

Pelo projeto, o novo fundo será “a única fonte de financiamento das atividades partidárias e das campanhas eleitorais”. Fica proibida “qualquer outra forma de financiamento, ainda que privada.” O FDD é subdividido em dois: o “FDD Geral” e o “FDD de Preferência Partidária”. Na sua declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física, o contribuinte poderá destinar 70% dos 2% que irão para o novo fundo ao partido de sua preferência. Se não indicar nenhuma predileção partidária, o dinheiro vai para o “FDD Geral”.

A proposta prevê também que apenas os partidos com representação na Câmara terão acesso à verba pública, em montante proporcional ao tamanho de cada bancada. Legendas como o PSTU e o PCO, que hoje beliscam pedaços do Fundo Partidário mesmo sem eleger um mísero deputado federal, não beberiam na nova fonte. De resto, o texto criminaliza o caixa dois e impõe regras de transparência. Obriga os partidos a divulgar suas receitas e despesas na internet até 15 dias depois de cada lançamento. Determina que a aplicação do dinheiro será esmiuçada em planos anuais aprovados pelo diretório nacional de cada partido.

Lula, o intocável

O ex-presidente Lula da Silva não aceita ser julgado pelas cortes do Judiciário, mas somente pelo tribunal da história. Diante da iminência de ter de esclarecer, sob juramento, por que recebeu tantos favores de amigos empreiteiros e por que, sob seu governo, nasceu e floresceu o maior esquema de corrupção da história do País, o chefão petista, na falta de uma resposta plausível a essas questões, pretende convencer o País de que seu caso é parte de um ataque generalizado às “conquistas sociais” que o período petista supostamente protagonizou. Ou seja, Lula quer ser visto não como um cidadão com direitos e deveres como todos os demais brasileiros, e sim como a encarnação dos pobres em geral, de modo que obrigá-lo a prestar contas à Justiça seria o equivalente a criminalizar os menos favorecidos.

Nem é preciso enfatizar o quanto de autoritário há nesse pensamento. Os piores ditadores da história contemporânea tinham como estratégia confundir-se com o povo, transformando todos aqueles que pretendiam fazê-los responder por seus crimes em “inimigos do povo”. Além disso, colocavam-se acima e além das instituições. Houve época em que até se faziam adorar como deuses. Mais modesto, Lula tem-se limitado a exaltar a pureza cristalina de sua alma. Ele, que nunca foi exatamente um democrata, parece ter decidido enveredar de vez por esse caminho autoritário, que ofende as instituições democráticas, como se estas estivessem a serviço de conspiradores hostis aos pobres e desvalidos.

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Talvez desesperado ante a perspectiva cada vez mais real de ser preso e enfrentar o frio da carceragem de Curitiba, do qual se queixou o deputado cassado Eduardo Cunha, Lula mandou seus amigos criarem um movimento nacional para defendê-lo. Conforme reportagem do Valor, os petistas acreditam que não basta responder aos processos nos tribunais – Lula é réu em três ações penais. Para eles, é preciso defender também seu “legado”, por meio de uma campanha que inclui a criação de comitês estaduais pró-Lula.

Nem mesmo a reconstrução do PT – que depois de ter sido massacrado nas eleições municipais corre o risco de sofrer uma debandada de parlamentares e enfrenta uma feroz luta interna de chefetes que disputam seus caquinhos – tem precedência sobre o mister de salvar Lula da cadeia. Gilberto Carvalho, boneco de ventríloquo do chefão petista, mandou avisar: “Antes de nos preocuparmos com a sucessão no PT, temos de nos mobilizar em defesa do Lula”.

Nessa mobilização, Lula, como sempre faz quando se sente acuado, prometeu percorrer o País, “mas não em sua defesa pessoal, e sim na dos direitos que ajudou a conquistar e que o atual governo quer extinguir”, explicou o ex-ministro Gilberto Carvalho, que articula a campanha. “Além do processo de criminalização do Lula e do PT, há um movimento para retirar direitos da população”, disse Carvalho.

Com isso, está dada a senha para ligar a defesa de Lula à defesa dos pobres, como se aquele e estes fossem uma coisa só. A estratégia é dizer, na forma de slogans, que “justiça para Lula” é o mesmo que “justiça para todos”. Na mesma linha, segundo planejam os marqueteiros, os simpatizantes do chefão petista sairão às ruas bradando, ao mesmo tempo, “tirem as mãos dos nossos direitos” e “tirem as mãos de Lula”.

Pode-se esperar, portanto, um recrudescimento do desrespeito de Lula e dos petistas ao Judiciário. Anda a pleno vapor sua campanha de desmoralização do Brasil no exterior, por meio de petições e denúncias esdrúxulas em que seus advogados questionam a lisura dos magistrados de todas as instâncias, com o indisfarçável propósito de criar um clima para, na undécima hora, se não houver alternativa, conseguir que algum regime amigo lhe dê asilo.

No front interno, Lula gravou um vídeo em que diz que os procuradores que o denunciaram são “reféns da imprensa” e os convidou a refletir sobre isso. Já o também denunciado Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, pediu ao juiz Sergio Moro, em sua defesa prévia, que “supere a imagem mental já construída sobre os fatos”. Ou seja: para essa gente, só quem está sob influência da imprensa ou se deixa levar por preconceitos é capaz de apontar o dedo para a “viva alma mais honesta deste país”.

Passadas as eleições. a vigilia

As eleições que terminam no próximo domingo não vão deixar saudades. Nunca se viu, independentemente da cidade, partidos, grau de instrução dos pretendentes e idade, tanta falta de educação da quase totalidade de seus candidatos. Muitos deles, recém-engajados na atividade político-partidária, têm-se aplicado em não se confundirem com políticos militantes. O político, e nisso muito têm colaborado os desdobramentos alcançados pela operação Lava Jato, é a figura que nenhum candidato quis ser e esse mesmo perfil está renovado nesse segundo turno dessas eleições. Tudo, menos ser confundido com um político.

Os debates travados, especialmente os dos candidatos à prefeitura de BH, lavaram no ar a roupa suja de Alexandre Kalil e João Leite, que ambos, quando não negassem os defeitos que lhes foram apontados, cuidaram de denunciar sua maior de presença no adversário alvejado. Ser chamado de ladrão, frouxo, postema, marica, medroso, sonegador de impostos, burro, frangueiro, estúpido foram algumas das características elencadas.


Em algum momento, para asseverar defeitos, candidatos foram acusados de serem milionários. Não se sabe em que lugar do mundo ser rico possa significar um defeito, senão em virtude da forma ou comportamento de quem adquiriu tal característica. Ladrões, corruptos, traficantes de droga, espertalhões, são tipos que o Código Penal se incumbe de qualificar com propriedade; para esses há enquadramento próprio, extraído no justo processo legal e ao seu final a lei lhes reserva penas, quando transitadas em julgado as sentenças condenatórias dos tribunais. Mas não está nos códigos que ter motos, carros, apartamentos em Orlando, Paris ou em Codó, no Maranhão, seja crime ou que não faça merecedor do voto aquele que desses legalmente disponha.

Mais ainda, as investigações das últimas operações da Polícia Federal trouxeram à luz figuras até então pouco usuais quando a questão fosse atribuir propriedades de bens no uso de homens públicos. Apartamentos, sítios, iates, fazendas, automóveis de luxo, saldos em contas bancárias geralmente movimentadas em paraísos fiscais muitas vezes pertencem a amigos. A generosidade, o desprendimento, o desinteresse pela coisa, são atitudes louváveis e muito possíveis. Alguém, nesse mundo de Deus, tem amigos que assim mereçam ser chamados. Porque nós não os tenhamos não quer dizer que não existam; e se não têm seus nomes revelados, certamente é pelo apreço à discrição, ao anonimato, ao carinho dos apelidos, esses últimos tomados para dar titularidade às contas bancárias onde estão economias muitas vezes de uma vida. O ex-deputado Eduardo Cunha, por exemplo, que o diga.

Mas a questão, para não fugirmos das eleições, é a absoluta e incontestável falta de propostas. Elas sim, se não existirem, farão falta, para transformar o quadro de miséria em que se acham as prefeituras brasileiras, todas angustiadas pelo alto custo da máquina pública, pela falta de qualidade dos seus gastos, pela fraude, pelo despreparo quase generalizado de seus administradores. A isso sim, devemos ter atenção, sem perdermos o compromisso com a indignação e o protesto, sempre que se revelarem uma ameaça e desrespeito a nossa cidadania.

'Duelo' de arte

Bangus e Carandirus

Não pensava mais em escrever sobre prisões. Elas escrevem por si próprias. Mas é importante combater o esquecimento. As prisões são um outro lado do mundo, muros cinzentos, uma guarita, o sentinela. Não posso reclamar da minha passagem. A Ilha Grande, com toda a sua carga de sofrimento, era um lugar bonito, com água de qualidade e um silêncio entrecortado pelos ruídos do mato. Na volta ao Brasil, resolvi seguir o conselho do escritor norte-americano Henry Thoreau. Segundo ele, todo cidadão deveria visitar as prisões do lugar onde vive, pois é um forte indicador do nosso nível de avanço social.

Visitei o máximo que pude, de Pedrinhas, no Maranhão, aos presídios do Sul, passando por Bangus e Carandirus no Sudeste. Observo, pelas sessões do STF, que o ministro Gilmar Mendes também as conheceu bem: organizou mutirões e visitou as prisões brasileiras quando presidente do Conselho Nacional de Justiça. Quando o ouço falar no tema diante de ministros que talvez não conheçam bem o estado das prisões, sinto-me representado. É mais uma pessoa lembrando a gravidade, para mim, de uma bomba-relógio que estamos empurrando para as novas gerações.

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As cadeias falaram, então é preciso falar delas, neste momento de crise política e econômica. O primeiro episódio foi a morte do suspeito de ligações com os terroristas do Isis, um homem de 36 anos, Valdir Pereira da Rocha, numa cadeia de Várzea Grande (MT).

Quando os suspeitos foram presos na Operação Hashtag, antes da Olimpíada, critiquei o ministro da Justiça e o governo Temer por não cuidarem da questão do terrorismo com a seriedade e o profissionalismo que ela demanda. O ministro da Justiça isentou o governo de culpa, afirmando que o preso pediu para ser transferido para lá, para ficar perto da família, o que é razoável como política para condenados, mas não para um suspeito de terrorismo.

Nem todos os presos podem escolher em que presídio devem ficar. Se isso fosse levado ao pé da letra, haveria uma debandada em Curitiba. Não é, no entanto, o argumento principal que baseia a minha crítica ao governo Temer e sua incompreensão de certos fatos globais.

A política de manter fanáticos religiosos na prisão comum foi usada na França e com o tempo se constatou que muitos novos terroristas foram convertidos na própria cadeia onde cumpriam pena. É uma questão de segurança da sociedade. Mas também é uma questão de segurança do próprio suspeito de terrorismo. Embora não tenha lido ainda o inquérito sobre a morte de Valdir, terroristas que matam a esmo, até crianças, não têm grande popularidade entre os presos.

Mas os conflitos no presídio de Roraima, com dez mortos, e no de Franco da Rocha (SP), com fuga em massa, embora não tenham ligação entre si, mostram que o problema de segurança, que se supunha resolvido com a prisão de criminosos, explode e se expande do interior das próprias prisões.

Em outros artigos já mencionei o que me parece o erro fundamental: pensar que o problema está resolvido com a prisão dos condenados. Não há um trabalho de inteligência articulado, não há capacidade de prevenção, algo que os ingleses fazem com rigor.

Todos se esqueceram das prisões. PT, então, foi um fracasso retumbante. Simplesmente ignorou a gravidade da crise penitenciária Prometeu alguns novos presídios e pronto. Hoje o partido, com tantos dirigentes presos, já está em dívida com o sistema, que faz mais por eles do que recebeu do PT ao longo dos anos. É verdade que alguns deputados petistas se interessaram e organizaram caravanas pelos presídios e manicômios judiciários. Viajei com Marcos Rolim visitando manicômios e com Domingos Dutra, alguns presídios, incluído o de Pedrinhas. Ambos foram deputados do PT e saltaram do barco.

Surgiram relatórios basicamente centrados nos direitos humanos. Hoje, porém, acho que é uma visão incompleta. A questão da segurança pública a partir das tramas urdidas nas prisões coloca um desafio especial que passa por presídios decentes. Eles bem que poderiam ser anexados às multas dos empreiteiros. Hoje eles têm tudo para construir bons presídios.

No entanto, ela não se esgota nas condições de prisão. Em tempo de smartphones as relações dentro e fora do presídio passam a ser mais uma variável no enigma que parecia esgotado com a perda da liberdade. As pessoas poderiam dizer que é um raciocínio oco, pois existem os bloqueadores: pronto, solucionado o problema. Mas quem acredita mesmo nos bloqueadores do Brasil, se volta e meia explode um motim precisamente porque os carcereiros apreenderam os celulares nas celas? Ninguém iria amotinar-se apenas pelos games.

O governo Temer herdou uma situação calamitosa, que ele não percebeu depois de tantos anos ao lado do PT. Não tem condições de abrir novas frentes, sobrecarregado pela agenda econômica. A única saída é uma espécie de intercâmbio das pessoas que conheceram as prisões brasileiras, seja por visitas de ofício ou experiências familiares, e todas conversem sobre como desmontar essa bomba.

Ideias dispendiosas são inviáveis no momento. Será preciso pôr a cabeça para funcionar. É preciso demonstrar que a inércia custa mais caro. Já vi motins causando prejuízo de R$ 2 milhões, por uma economia de R$ 5 mil numa comida intragável.

Quanto mais esquecermos os presídios, mais falarão por si próprios. E eles não falam nada quando nos lembramos deles, inclusive de monitorá-los. Ou, então, falam como os presidiários de Linhares, em Juiz de Fora, que aprenderam a bordar a exportam seus trabalhos para a Europa e o Japão, por intermédio de uma jovem empresária.

As prisões do Brasil e da Venezuela têm algo em comum: tornaram-se um inferno maior durante os anos de populismo de esquerda. Quando Thoreau falava em visitar as cadeias para conhecer o nível da sociedade, tratava de um tema mais amplo. Conhecer as cadeias do Brasil revela muito sobre o governo que dirigiu o País por 13 anos.

A fadiga dos metais

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Magalhães Pinto era senador, havia deflagrado o golpe de 1964 como governador de Minas e permanecia candidato à presidência da República sem a menor chance na disputa com os generais. Perdeu a paciência quando viu que Ernesto Geisel seria o próximo presidente, imposto pelo regime castrense. A sagaz raposa subiu à tribuna do Senado e surpreendeu com duas iniciativas. Naquele ano, 1973, comemorava-se mais um aniversário do Manifesto dos Mineiros, do qual havia sido um dos signatários, trinta anos antes, de protesto contra a ditadura do Estado Novo. Solenemente, Magalhães puxou da caneta e anunciou estar reassinando aquele documento e ocupando a liderança da oposição.

Ao mesmo tempo, alertou os militares para o fenômeno que se alastrava pelo país: a fadiga dos metais. Referia-se ao que muitas vezes se verificava em aviação: uma aeronave estava perfeita, aprovada em todos os testes, sem um mínimo parafuso fora do lugar, mas, de repente, explodia. Era a fadiga dos metais, que se negavam a continuar voando. Assim acontecia com o regime imposto pelos quartéis. Não dava mais para aguentar a ditadura.

Por que se lembram aqueles episódios trágicos que redundaram, anos depois, na volta do Brasil à democracia?

Porque a fadiga dos metais chegou ao PT e aos companheiros do Lula. Não dá mais para aguentar a permanência dos atuais detentores do poder. O que falta das eleições municipais, domingo, completará a derradeira fase da rejeição nacional ao domínio do PT. O partido dos trabalhadores perdeu as condições de liderar os destinos da nação, da mesma forma como os generais haviam perdido o comando, apesar de insistirem ainda por algum tempo. Resta saber, agora, que tipo de aeronave servirá para transportar o Brasil. E com que tripulação...

Milagre das cartas pode baixar o preço dos três manuscritos de Lula em 70 anos

Em julho de 2010, deslumbrado com pesquisas que conferiam ao presidente da República o título de campeão mundial de popularidade, Luis Fernando Verissimo tornou a mostrar-se um mestre na arte de escrever de joelhos. “Acho que os historiadores do futuro terão dificuldade em entender o contraste entre essa quase unânime reprovação do Lula pela grande imprensa e sua também descomunal aprovação popular”, agachou-se. “O que vai se desgastar com isto é a ideia da grande imprensa como formadora de opinião”.

Passados pouco mais de seis anos, a profecia soprada pela sabujice tem a mesma consistência que um cálculo de Gui Mantega, um pronunciamento de Marisa Letícia ou um falatório em dilmês castiço. O que os historiadores do futuro terão dificuldade em entender é o contraste entre a quase unânime vassalagem prestada a Lula por “intelectuais e artistas” e a também descomunal reprovação dos brasileiros ao chefe do maior esquema corrupto da história.

O que vai se desgastar com isso é a ideia de que todo escritor profissional é capaz de identificar um analfabeto funcional disfarçado de guia genial dos povos. O mais bisonho dos inscritos no Enem ficará espantado se souber que Lula produziu três manuscritos em 70 anos. E qualquer reprovado com louvor na prova de redação se imaginará uma sumidade em português depois de apresentado ao conteúdo dos documentos que denunciam um foragido do sistema de ensino.

Nos oito anos em que governou o Brasil, o estadista de cabaré que acha leitura pior que exercício em esteira escreveu exatamente 19 palavras, agrupadas na folha de papel que se vê abaixo. Confira o segundo manuscrito do inimigo jurado de vogais e consoantes, desenhado em dezembro de 2005:


As anotações no pedaço de papel publicado na primeira página do Globo se dividem em dois tópicos. O primeiro é um lembrete: “Tem demandas do Conselho que precisa ser discutido”. (Não é fácil juntar numa só frase um verbo inadequado, um erro de concordância e dois assassinatos do plural. Lula conseguiu). O item 2 informa que o chefe de governo acabou de receber uma notícia boa (“Pnad”) e duas ruins: “PIB – Zé Dirceu”. Os dedos de Lula encobrem parcialmente o nome do companheiro despejado meses antes da chefia da Casa Civil.

O terceiro manuscrito demoraria mais de cinco anos para ser rabiscado: a preciosidade só se materializou em 28 de janeiro de 2011, no auditório da Universidade Federal de Viçosa, interior de Minas Gerais. Depois de entregar o título de doutor honoris causa ao ex-presidente que nunca leu um livro nem aprendeu a escrever, a reitora Nilda Soares convidou-o a desenhar o nome no Livro de Ouro que registra a passagem de visitantes ilustres. Por achar que uma assinatura era pouco para um doutor, Lula retribuiu a homenagem com o documento histórico acima reproduzido. Segue-se a transcrição, sem correções nem retoques:

“Para os amigos e amigas da UFV com agradecimento pelo trabalho prestado ao povo brasileiro com educação de qualidade, garantindo ao povo brasileiro a certeza de bons profissionais para atender o desenvolvimento do nosso querido Brasil. Abraços do amigo Lula. Sem medo de ser feliz”.

Abstraídos o buquê de redundâncias, as vírgulas guilhotinadas e a profundidade da mensagem (tão rasa que, na imagem de Nelson Rodrigues, uma formiga poderia atravessá-la com água pelas canelas), a platitude parida com 45 palavras eleva-se à categoria de texto literário se confrontada com o manuscrito de estreia, abaixo reproduzido: “Ao querido Dogival com a esperança que em um futuro bem proximo possa compreender a nossa luta. Abraço do titio Lula. Cubatão 07/11/81″

Ao rabiscar as 22 palavras, Lula fez mais que cumprimentar o sobrinho aniversariante. Também fuzilou uma preposição, degolou três vírgulas, demitiu um acento agudo e confirmou que quem foge da escola tem letra de calouro de curso de alfabetização. Não é pouca coisa — mas não é tudo: como os outros dois, o manuscrito parido em Cubatão é uma ararinha-azul da caligrafia, uma preciosidade que nos leilões do futuro será disputada a socos e pontapés por colecionadores de raridades.

Tomara que Dogival tenha guardado o pedaço de papel. É provável que ele se sinta injustiçado ao saber que o tio andou fazendo para ajudar o primo Taiguara Rodrigues. Com o patrocínio da Odebrecht, o camelô de empreiteira transformou um instalador de vidraças em empresário internacional e, com meia dúzia de negociatas, fez do sobrinho pobretão um milionário. É improvável que Dogival vá tão longe quanto Taiguara. Mas a venda do manuscrito só não lhe garantirá uma velhice sem preocupações financeiras se o senador Marcelo Crivella disse a verdade no vídeo em que jura ter visto o torturador do idioma escrevendo cartas de próprio punho.

“Recorri ao inesquecível presidente Lula, que Deus o abençoe e salve sua alma, nosso grande presidente, e ele disse: ‘Como é que eu posso ajudar, Crivella?'”, contou o agora candidato a prefeito do Rio. “E eu falei: ‘Presidente, me dá uma carta sua, me apresentando aos presidentes destes países onde as igrejas estão com problemas’. E ele me deu! Ele escreveu cartas! Com a mão! Ele dizia assim: ‘Ô, presidente. Olha, presidente’ — por exemplo, de Barbados, onde tinha uma igreja onde os pastores estavam sendo expulsos — ’em nome das boas relações entre o Brasil e a sua nação, peço que atenda o senador. É meu amigo. E vejo a situação dos brasileiros que aí se encontram'”.

Se isso efetivamente aconteceu, Crivella testemunhou um milagre de estarrecer o mais cético fiscal da Santa Sé. Caso as cartas existam, merecem ser prontamente repatriadas pelo Itamaraty e reunidas pelo Ministério da Educação num livro tamanho família, com capa dura, arabescos dourados ─ e um caprichado prefácio de Verissimo, naturalmente.

Paisagem brasileira

Milton Passos, Ponte dos Contos, Ouro Preto

Renan esperneia à medida que o cerco se fecha em torno dele

Nada de desabafo espontâneo. Nem de afirmações provocadas no calor da hora por perguntas embaraçosas que o surpreenderam.

Por sinal, foram poucas as perguntas no ato que Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, batizou de entrevista coletiva.

Convocados os jornalistas ao seu gabinete, Renan ditou declarações com base em um documento que consultou todo o tempo.

Então chamou o ministro Alexandre Moraes, da Justiça, de “chefete de polícia” e de “ministro circunstancial”.

Chamou de “juizeco” o juiz de primeira instância que autorizou a prisão de agentes da Polícia do Senado na última sexta-feira.

Disse que a Polícia Federal valeu-se de “métodos fascistas” para invadir o Senado e cumprir a decisão do “juizeco”.

Lamentou que tal coisa tivesse acontecido, “um espetáculo inusitado que nem a ditadura (militar de 64) ousou fazer”.

Anunciou que entrará, hoje, no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma ação para defender as prerrogativas da Polícia Legislativa.

E, por fim, do alto da indignação estudada, sapecou: “Tenho ódio e nojo a métodos fascistas”.

Plagiou a célebre frase de Ulysses Guimarães dita na sessão de promulgação da Constituição de 1988:

- Eu tenho ódio e nojo à ditadura.

O desempenho de Renan não traiu a revolta do presidente de uma instituição que se sentiu ultrajada. Não.

Até ontem, pelo menos, apenas dois senadores reclamaram da prisão dos agentes da Polícia do Senado. Os demais silenciaram.

O desempenho de Renan traiu o seu próprio medo de, em breve, tornar-se a bola da vez do Judiciário.

A situação dele, ali, só piora. Renan responde a oito processos no STF. O mais antigo foi finalmente liberado para ser julgado.

Seis processos têm a ver com a roubalheira na Petrobras que o beneficiou, segundo denúncia da Procuradoria Geral da República.

A prisão de agentes da Polícia do Senado poderá envolvê-lo em mais um rolo: o de tentar proteger colegas encrencados com a Lava Jato.

Foi Renan que autorizou a Polícia do Senado a fazer varreduras em gabinetes e casas de senadores visitadas pela Polícia Federal.

A Polícia do Senado foi até lá à procura de equipamentos de escuta eventualmente plantados pelos agentes federais. Não encontrou.

Renan ameaça pôr em votação no Senado um conjunto de medidas que limitem a ação da Polícia Federal e do Ministério Público.

Por suposto, advoga em causa própria.

Em busca de soluções

A medida provisória que promove a reforma do ensino médio oferece muitas soluções para a dramática situação da nossa educação, principalmente naquele nível de ensino.

É incrível como perseguimos o péssimo hábito de construir leis e portarias que jamais chegam a ser aplicadas.

A LDB, decorrente da Constituição de 1946, somente foi sancionada em 1961. Entretanto, em 1968, o governo publicou o Decreto-Lei 5540, que reformou o capitulo referente à educação superior, quando ainda sequer havíamos cumprido o preconizado na LDB.A reforma de Francisco Campos, dos anos 30, foi alterada na década de 40, pela "reforma Capanema", do ministro da Educação no Governo Vargas.

O fato é que estamos discutindo mudanças da educação básica há décadas, sem qualquer conclusão e sem medidas efetivas.

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Alguns dos aspectos abordados na medida provisória merecem uma discussão mais profunda e, dentre estes, destaco inicialmente a do aumento da carga horária para sete horas diárias.

Há um equívoco de alguns, ao entenderem que as sete horas diárias são de aulas, quando na verdade, são de atividades variadas, capazes de permitir melhor formação para os nossos estudantes, incluindo estudos orientados, práticas laboratoriais, visitas a museus, espetáculos artísticos e práticas esportivas, por exemplo. Entretanto, seja no ensino público ou no privado, haverá muitas dificuldades para a sustentabilidade financeira deste aumento de carga horária, que acarreta ampliação do regime de trabalho dos professores, ou contratação de outros, construção de novas instalações, pois teremos estudantes por mais tempo na escola, e aquisição de equipamentos para laboratórios, entre outras.

No caso do ensino público, considerando a dramática situação econômica dos estados, em geral responsáveis pela oferta do ensino médio, torna-se imperiosa a presença do governo federal repassando recursos que assegurem a viabilidade da proposta. Isto implica uma priorização, na área econômica, do apoio ao ensino médio, para que sejam superados os entraves financeiros, que ora vivemos.

Quanto ao ensino privado, se o aumento de carga horária para sete horas resultar em mensalidades mais altas, haverá perda de alunos e uma grande migração para o setor público, já incapaz de atender às demandas verificadas.

Uma solução possível será a de estender o modelo da "subvenção econômica" que, na década passada alavancou muitas empresas. Várias receberam recursos, não reembolsáveis (a fundo perdido), para a realização e concretização de seus projetos.

Se as escolas apresentarem projetos inovadores, estarão contribuindo fortemente para o melhor desempenho dos nossos estudantes, quando do ingresso no mercado de trabalho ou nos cursos superiores. Por isso, merecerão o financiamento.

Outro aspecto inadiável é o da formação de professores, na medida em que insistimos em cursos de licenciatura e de pedagogia inteiramente defasados para a sociedade do conhecimento, onde as novas tecnologias da informação e da comunicação, a transversalidade dos conhecimentos, os processos ensino-aprendizagem, que impõem o trabalho em grupo, e as práticas investigativas são parâmetros determinantes do êxito.

Finalmente, parece-me urgente a institucionalização dos processos avaliativos em todos os níveis da educação, uma vez que é preciso que os professores entendam que, como em todas as profissões, há entre eles aqueles que são bons, os muito bons e os medíocres. Reformas estruturantes na educação, ciência e tecnologia impõem uma cultura de avaliação permanente, uma das poucas formas de promover melhorias contínuas.

O debate que começa a ser travado no âmbito do Congresso Nacional permitirá a busca de soluções para as questões aqui mencionadas, que se constituem numa pequena parte da grande tarefa de reformar a educação brasileira.

Espero que a medida provisória, devidamente ajustada, já permita mudanças efetivas no próximo ano letivo. O país precisa dela para que alcancemos mais rapidamente a eliminação das disparidades que enfrentamos.

Por que o Brasil gasta mais de R$ 420 milhões por ano com Supremo Tribunal Militar em tempos de paz

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As Forças Armadas do Brasil contam com cerca de 350 mil militares na ativa e uma justiça especializada que funciona há 208 anos e vai consumir R$ 430 milhões dos cofres públicos este ano.

Somente o Superior Tribunal Militar (STM), a mais alta corte responsável por julgar recursos de crimes previstos no Código Penal Militar e oficiais generais das Forças Armadas, tem 15 ministros e orçamento de R$ 419,5 milhões para 2016.

Se comparado com o Supremo Tribunal Federal, que custa R$ 554,7 milhões por ano, o STM tem quatro ministros a mais, orçamento 25% menor e uma produtividade atípica para os padrões do açodado e moroso judiciário brasileiro.

Enquanto a corte militar julga, em média, 1.200 processos por ano, o Supremo dá cerca de 8 mil decisões por mês. Os ministros do STM levam, em média, oito meses para dar uma sentença. No STF, ações penais demoram cerca de cinco anos e meio para chegar a uma decisão final, conforme levamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Mas por que o Brasil, mesmo em tempos de paz, mantém uma justiça especializada em julgar crimes cometidos contra as Forças Armadas e por seus representantes?

"Estamos tratando de segurança e defesa. São em sua maioria situações especiais. A justiça militar tem que ser rigorosa e severa e, quando se trata de militar, é razoável que eles sejam julgados por seus próprios pares", defende Maria Elizabeth Teixeira Rocha, ministra do STM e ex-presidente da corte militar.

Ela pondera que uma jurisdição não pode ser medida apenas por quanto custa por ano. Afirma ainda que o problema não é o STM julgar poucos processos, mas as outras cortes estarem tão assoberbadas.

"A Justiça militar é uma Justiça pobre. Não consigo ver essa desproporcionalidade como falam", observa Rocha.

Cerca de 85% do orçamento de 2016 aprovado para o STM está comprometido com pagamento de pessoal e encargos sociais. Dos R$ 355,5 milhões reservados para o fim deste ano, 49% serão gastos com aposentados e pensionistas, conforme dados do STM.

Para a cientista política Maria Celina D'Araújo, professora da PUC-Rio, a existência dessa estrutura em tempos de paz é um forte indicativo do prestígio que os militares desfrutam na sociedade brasileira.

"É um custo benefício que não vale a pena. Não faz sentido, é uma estrutura cara e pesada demais", avalia a professora.

A Justiça Militar da União é a mais antiga do país. Foi instituída em 1808, pouco depois de Dom João desembarcar no Brasil. A partir de 1934, deixou de ser um braço do Executivo e passou a fazer parte do Poder Judiciário.

Suas principais atribuições foram alteradas pela Constituição de 1988 e por uma lei assinada pelo então presidente Fernando Collor em 1992.

Tem duas instâncias: 20 auditorias militares e uma auditoria de correição; e o STM como corte superior. Julga apenas atos relacionados às normas, ao patrimônio e administração da Aeronáutica, Exército e Marinha, e crimes cometidos por civis contra as Forças Armadas, em áreas sob seu comando ou contra seus representantes em serviço.

Crimes cometidos pela Polícia Militar não são analisados por essa estrutura do Judiciário federal. Eles são julgados pela Justiça estadual - apenas Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo ainda mantêm cortes especializadas para policiais e bombeiros militares.

Um levantamento inédito feito pelo STM identificou que casos de uso, tráfico e porte de drogas nas Forças Armadas aumentaram 300% em dez anos. Cerca de 95% dos flagrados são jovens soldados temporários e recrutas de 18 anos.

Os crimes de deserção (abandono da Força), estelionato - em sua maioria golpes aplicados por civis na tentativa de fraudar a Previdência militar - e furto respondem pela maioria dos processos, segundo o mesmo estudo.

"Muitos são crimes que poderiam facilmente ser julgados pela justiça comum, não são exclusivos da carreira militar. Além disso, muitas das infrações, como as de obediência, são tratadas na esfera administrativa, fazem parte da 'justiça do comandante' e são resolvidas dentro do próprio quartel", salienta a professora Maria Celina D'Araújo, defensora de criar varas especializadas em crimes militares junto à Justiça estadual e federal.