terça-feira, 9 de junho de 2015

Ai de ti, Brasil!*

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Ai de ti, Brasil, eu te mandei o sinal, e não recebeste. Eu te avisei e me ignoraste, displicente e conivente com teus malfeitos e erros. Ai de ti, eu te analisei com fervor romântico durante os últimos 20 anos, e riste de mim. Ai de ti, Brasil! Eu já vejo os sinais de tua perdição nos albores de uma tragédia anunciada para o presente do século XXI, que não terá mais futuro. Ai de ti, Brasil – já vejo também as sarças de fogo onde queimarás para sempre! Ai de ti, Brasil, que não fizeste reforma alguma e que deixaste os corruptos usarem a democracia para destruí-la. Malditos os laranjas e as firmas sem porta.

Ai de ti, Miami, para onde fogem os ladrões que nadam em vossas piscinas em forma de vagina e corcoveiam em “jet skis”, gargalhando de impunidade. Malditas as bermudas cor-de-rosa, barrigas arrogantes e carrões que valem o preço de uma escola. Maldita a cabeleira do Renan, os olhos cobiçosos de Cunha, malditos vós que ostentais cabelos acaju, gravatas de bolinhas e jaquetões cobertos de teflon, onde nada cola. Por que rezais em vossos templos, fariseus de Brasília? Acaso eu não conheço a multidão de vossos pecados???

Ai de vós, celebridades cafajestes, que viveis como se estivésseis na Corte de Luís XIV, entre bolsas Chanel, gargantilhas de pérola, tapetes de zebra e elefantes de prata. Portais em vosso peito diamantes em que se coagularam as lágrimas de mil meninas miseráveis. Ai de vós, pois os miseráveis se desentocarão, e seus trapos vão brilhar mais que vossos Rolex de ouro. Ai de ti, cascata de camarões!

Tu não viste o sinal, Brasil. Estás perdido e cego no meio da iniquidade dos partidos que te assolam e que contemplas com medo e tolerância? Cingiram tua fronte com uma coroa de mentiras, e deste risadas ébrias e vãs no seio do Planalto. Ai de vós, intelectuais, porque tudo sabeis e nada denunciais, por medo ou vaidade. Ai de vós, acadêmicos que quereis manter a miséria “in vitro” para legitimar vossas teorias. Ai de vós, “bolivarianos” de galinheiro, que financiais países escrotos com juros baixos, mesmo sem grana para financiar reformas estruturais aqui dentro. Ai de ti, Brasil, porque os que se diziam a favor da moralidade desmancham hoje as tuas instituições, diante de nossos olhos impotentes. Ai de ti, que toleraste uma velha esquerda travestida de moderna. Malditos sejais, radicais de cervejaria, de enfermaria e de estrebaria – os bêbados, os loucos e os burros –, que vos queixais do país e tomais vossos chopinhos com “boa consciência”. Ai de vós, “amantes do povo” – malditos os que usam esse falso “amor” para justificar suas apropriações indébitas e seus desfalques “revolucionários”.

Ai de vós, que dizeis que nada vistes e nada sabeis, com os crimes explodindo em vossas caras.

Ai de ti, que ignoraste meus sinais de perigo e só agora descobriste que há cartéis de empresas que predam o dinheiro público, com a conivência do próprio poder. Malditas sejam as empresas-fantasma em terrenos baldios, que fazem viadutos no ar, pontes para o nada, esgotos a céu aberto e rapinam os mínimos picuás dos miseráveis.

Malditos os fundos de pensão intocáveis e intocados, com bilhões perdidos na Bolsa, de propósito, para ocultar seus esbulhos e defraudações. Malditos também empresários das sombras. Malditos também os que acham que, quanto pior, melhor.

A grande punição está a caminho. Ai de ti, Brasil, pois acreditaste no narcisismo deslumbrado de um demagogo que renegou tudo que falava antes, que destruiu a herança bendita que recebeu e que se esconde nas crises, para voltar um dia como “pai da pátria”. Maldito esse homem nefasto, que te fez andar de marcha à ré.

Ai de ti Brasil, porque sempre te achaste à beira do abismo ou que tua vaca fora para o brejo. Esse pessimismo endêmico é uma armadilha em que caíste e que te paralisa, como disse alguém: és um país “com anestesia, mas sem cirurgia”.

Ai de vós, advogados do diabo que conseguis liminares em chicanas que liberam criminosos ricos e apodrecem pobres pretos na boca do boi de nossas prisões. Maldita seja a crapulosa legislação que vos protege há quatro séculos. Malditos os compradiços juízes, repulsivos desembargadores, vendilhões de sentenças para proteger sórdidos interesses políticos. Malditos sejam os que levam dólares nas meias e nas cuecas e mais ainda aqueles que levam os dólares para as Bahamas.
Ai de vós! A ira de Deus não vai tardar...

Sei que não adianta vos amaldiçoar, pois nunca mudareis a não ser pela morte, guerra ou catástrofe social que pode estar mais perto do que pensais. Mas, mesmo assim, vos amaldiçoo.

Ai de ti, Brasil!

Já vejo as torres brancas de Brasília apontando sobre o mar de lama que inundará o Cerrado. Já vejo São Paulo invadida pelas periferias, que cobrarão pedágio sobre vossas Mercedes. Escondidos atrás de cercas elétricas ou fugindo para Paris, vereis então o que fizestes com o país, com vossa persistente falta de vergonha. Malditos sejais, ó mentirosos, vigaristas, intrujões, tartufos e embusteiros! Que a peste negra vos cubra de feridas, que vossas línguas mentirosas sequem e que água alguma vos dessedente. Ai de ti, Brasil, o dia final se aproxima.

Se vossos canalhas prevalecerem, virá a hidra de sete cabeças e dez chifres em cada cabeça e voltará o dragão da Inflação. E a prostituta do Atraso virá montada nele, segurando uma taça cheia de abominações. E ela estará bêbada com o sangue dos pobres, e em sua testa estará escrito: “Mãe de todas as meretrizes e mãe de todos os ladrões que paralisam nosso país”. Ai de ti, Brasil! Canta tua última canção na boquinha da garrafa.

Arnaldo Jabor
(*) Homenagem a Rubem Braga

Desemprego na veia


Queremos todos os brasileiros empregados. Precisamos assegurar empregos para aquela parte da população "que é a mais frágil" explicava a presidente Dilma Rousseff quando, ainda em seu primeiro mandato, examinava a desoneração das folhas de pagamentos das empresas por meio da redução de encargos sociais e trabalhistas que incidem sobre o custo da mão de obra. Esses encargos são armas de destruição em massa das oportunidades de emprego no Brasil. Sua redução protegeria milhões de empregos formais na economia, com custos mais baixos para as empresas e melhores salários para os trabalhadores. A guerra mundial por empregos, a nossa gradual desindustrialização pela perda de competitividade e por excesso de impostos, bem como nossa rápida desaceleração econômica, explicavam a tentativa de proteger a criação de empregos por meio da redução dos encargos.

Agora, a necessidade de implementar o ajuste fiscal leva o governo à tentativa de aprovar na Câmara de Deputados a reoneração das folhas de pagamento. É devastador o impacto dos encargos sociais e trabalhistas sobre a geração de empregos formais na economia brasileira. O excesso de impostos que incidem diretamente sobre o uso da mão de obra tornou-se um mecanismo sistêmico de exclusão social, dando origem a um gigantesco mercado de trabalho informal, com dezenas de milhões de trabalhadores que, por sua vez, não contribuem para a previdência social. O atual sistema funciona como se tivéssemos de condenar ao desemprego por toda a sua vida um trabalhador brasileiro para que outro possa desfrutar um emprego formal e usufruir os benefícios previdenciários.

A cumplicidade dos economistas com a reoneração das folhas, essa injeção de desemprego na veia, é inaceitável, pois o silêncio dos especialistas permite a perpetuação de uma enorme injustiça: são exatamente os mais frágeis, os menos preparados, que se tornam vítimas das demissões. Um cínico explicaria a insensibilidade dos economistas por sua remuneração sob forma de dividendos ou pagamentos a suas pessoas jurídicas. Um político diria que é mais fácil aumentar impostos sobre os mais fracos do que cortar gastos públicos. Um economista de boa estirpe indicaria a mãe de todos estes males: é por ignorância que não ousamos as reformas.

#eu quero luz

Cultura é tudo o que acontece ao nosso redor. E não tem nada a ver com política cultural. A reflexão é da chilena Maria Paulina Sotto Labbé, 50 anos, que diz-se dedicada “à investigação cultural”.

Simplificando o pensamento e a definição de Maria Paulina, podemos refletir que aqui, agora, estamos cercados da cultura de descrença e da raiva, que gera desânimo e infelicidade para todo lado.

Ah, não tem jeito mesmo!

Volta o sonho de mudar de país, que embalou e levou tantos nos anos 90. De novo, quem pode vai. Quem não pode sonha ir e inveja os que vão. Lá é muito melhor do que está aqui. Particularmente se esse lá for os Estados Unidos, que saíram da crise e voltam a vender o velho sonho de fazer a América. (Longe, principalmente do PT. O demo do momento).

A maioria que fica emburra. Revoltada e gritona, não aceita as diferenças nem na ficção das novelas, da publicidade. (Aliás, a chilena lembra que a publicidade é quem mais modela os gostos culturais. Ou seja, os reacionários têm boa mira).

Ta ruim na rua, em casa não quero ver nem saber de nada que me incomode. E dá-lhe nariz torcido para tudo – da administração Dilma aos homos do Boticário. Cruzes!

Ai cabendo muitas raivas (in)contidas – da perda do sagrado direito de ter uma empregada doméstica a custo baratinho ao medo da violência crescente. Da roubalheira à inflação. Tudo atribuído ao governo, qualquer que fosse ele.

Como não confiamos nem admiramos os que respondem pelos comandos da sociedade também desprezamos, desdenhamos e, principalmente, abominamos seus ditos e desditos. E tome cultura de resmungos e lamentos de tudo e por tudo. Até da santa democracia – a permissiva, a que “possibilita” tantas afrontas à família, à religião, à moral e aos bons (?) costumes.

Aff! Há uma multidão cobrando proibições. Afinal, proibir, determinar na lei ou na marra “assim, isso não pode” é muito mais fácil do que encarar, debater, confrontar para ganhar ou para perder. Ou, até sem aceitar, conviver com o que não se aprova.

É a cultura feia do momento argh, aflorado neste 2015. De lascar! Tem viés autoritário, quer conter e negar o que, sorry, já mudou. É reacionária e tem cara de passado. Não oferece futuro. Só chafurda no ruim. (E eu não estou falando de política, mas de costumes, comportamentos.)

Ai de nós se não reagirmos.

Mas vem a chilena singela e vai dizendo que a cultura é misteriosa e que nunca vamos conseguir decifrá-la completamente. Lembra, em entrevista curta, que o direito à beleza e à cultura (essas coisas fluidas que nos cercam) não foi incorporado à Declaração Universal de Direitos Humanos. O que foi corrigido, em 1972, na Convenção dos Direitos Sociais e Culturais.

Conta que no Chile, pós-ditadura, foram criados “espaços públicos para agregar jovens”, pois pensavam que a insegurança e a desconfiança, consequências da ditadura, fariam com que os jovens chilenos nunca mais voltassem a conversar com desconhecidos e assim trocar ideias, anseios.

“Os espaços públicos servem para isso. Eles facilitaram que movimentos contraculturais se fortalecessem”, contou e reforçou o conceito da força criativa.

Quem sabe saímos do escuro para espaços de criatividade, para reinventar bonito o que anda feio. E, apesar dos nossos pesares, da raiva, da frustração e do medo, criar. Feito os livrinhos da moda, colorir e desenhar saídas. E sair por elas. Com direito à beleza.

Ajuste inibe investimentos na sobrecarregada área de saúde

Sem dinheiro, prefeitos preveem diminuir investimento em novos equipamentos públicos

Apontada pela população como o pior problema do país em diversas pesquisas, a área da saúde, vítima de um financiamento já insuficiente, pode sofrer uma piora com efeitos a longo prazo no atual cenário de crise política. Aliada ao ajuste fiscal do Governo federal, a diminuição na arrecadação local já tem levado gestores municipais, os principais responsáveis pela atenção básica (como pronto-socorro, posto de saúde e Samu), a repensarem os investimentos em novos equipamentos já planejados, assim como vem acontecendo na área da educação.

No final do mês passado, o Governo federal anunciou que o país terá quase 70 bilhões de reais a menos do que o programado neste ano para investir, 11,77 bilhões de reais deles na saúde. Apesar de garantir que programas essenciais como a atenção básica, a vacinação obrigatória e o programa Mais Médicos não serão afetados, já é possível saber que é menor a previsão de gastos gerais com programas e ações de saúde (o que, de fato, é aplicado em atendimento de saúde; exclui, por exemplo, itens como investimento em saneamento básico feito com verba do ministério).

Enquanto em 2014 a verba do órgão para esses programas e ações foi de 92,2 bilhões de reais, neste ano ela deverá ser de 91,5 bilhões. O ministério diz, no entanto, que o valor, que foi reduzido pelo ajuste fiscal, pode aumentar no decorrer do ano. A maior parte dessa verba é transferida para Estados e municípios, que fazem a maior parte do atendimento da população.

“O primeiro sintoma desse processo é a resistência de muitos gestores em fazer qualquer investimento. Investimento de hoje significa a ampliação dos gastos no futuro”, explica Fernando Monti, secretário municipal da Saúde de Bauru (interior de São Paulo) e presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems). “Se a construção de uma unidade de saúde custa 5 milhões de reais, o município vai ter que gastar mais 5 milhões de reais por ano para conseguir mantê-la”, exemplifica.

Vale tudo por uma agenda positiva


Dilma está prestes a reforçar a agenda positiva com um Plano de Investimento em Logística, "o maior já visto no país", como não poderia deixar de ser vindo do PT, sempre jogando pra galera, Falam em mais de R$ 100 bilhões em concessões, que antigamente eram apelidadas pejorativamente pelos petistas como privatizações. Tudo esquecendo que o mesmo PIL foi lançado em 2012 com previsão de R$ 200 bi.

Segundo o ministro Edinho Silva, da Secom, também serão depois anunciados mais planos em energia e no projeto Banda Larga para Todos sem esquecer a Agricultura Familiar e uma nova fase do programa Minha Casa Minha Vida. Vão inundar a agenda positiva para tentar navegar em águas próprias.

Verdadeiramente, em tempos de crise político-econômica, será um banho para deixar qualquer brasileiro orgulhoso de ser governado pelo PT, e dando graças por ter uma presidência de fazer inveja a qualquer país em qualquer momento da história antiga e até vindoura. De cantar grandeza o PT não morre. A garganta petista é mesmo profunda e sem fundo.

Por trás de tanta maravilha é que mora o perigo. A entrada dos bilhões é para cobrir o rombo bilionário do desastroso primeiro mandato com farta distribuição de dinheiro e muita corrupção. Não tem nada com uma nova etapa como apregoam. Precisam rapidamente cobrir o buraco e garantir o trocado para não mexerem no "imexível".

Até agora só cortaram na carne... dos outros. Estão empurrando com a barriga para não mexerem no essencial: a redução dos ministérios e o exército comissariado de 20 mil cargos no Executivo e que supera os 700 mil nos governos estaduais e municipais. Todos devidamente abastecidos pelo dinheiro do contribuinte que trabalha.

Essa gente arreganha os beiços, zurra bem alto e dá seus coices, pois imbecilidade não tem cor, credo, educação nem classe social, por isso aplaude com as patas a cretinice que impera no país e até garante a bandidagem em cargos. É esse que o tal PIL vai tentar tirar da reta. Quanto aos bilhões, é coisa de somenos importância. Servem apenas com seus zeros para engambelar os otários e contribuintes, os zerados de poder.

O que te faz feliz

Edinho Silva anunciando o recriado PIL

E os ministros de qualquer Estado sempre foram iguais. Blá, blá, falam, falam sem chegar a lugar nenhum, e deixam-te feliz e enganado.
Cesare Pascarella (1858-1940), La Scoperta de l'America

Matemática na iminência do tiro


Na iminência do tiro... E você perder a vida. Deixar filhos órfãos, viúva, pais e parentes aos prantos a pedirem Justiça. Mais um a protagonizar os programas bang-bang de TV brasileira e a fazer crescer a assustadora estatística comparável aos países em guerra. Das 50 cidades mais violentas no mundo, um terço fica no Brasil. O 11º mais inseguro. Em torno de 50 mil homicídios por ano. Grosso modo, 3% cometidos por menores; 1.500; inimputáveis por crimes. E se prega tanto quanto à impunidade como causa maior da violência.

Números de somenos, pois que só um basta para quem o perdeu, sob a barbárie do criminoso com cinco, seis, entradas e saídas no sistema carcerário. A lamentar e condenar,menores, maiores, pretos, brancos, amarelos, indígenas, homossexuais, héteros, pelos assassinatos cometidos seja contra menores, maiores, pretos, brancos, amarelos, indígenas, homossexuais ou héteros.

Dia desses no programa bang-bang que reproduz a realidade um comerciante teve a loja assaltada por dois bandidos, um com 25 anos e outro com 17. Rendida a funcionária e diante do inesperado encontro com o dono da loja, pouco dinheiro, coleta de produtos de informática e natural nervosismo presente, houve reação e troca de tiros.

Na vida, diferente dos filmes, onde o mocinho sempre vence, morre mais gente d​e bem, trabalhadores, do que os bandidos. No caso, os bandidos perderam. Os “dois se foram”, e o mocinho foi preso em flagrante, acusado por homicídio doloso. Ele que escapara da morte e defendera a funcionária em confronto com criminosos de arma em punho e encapuzados. Não só preso, mas colocado na cela com outros bandidos por 24 horas. Ele que se apresentara espontaneamente na delegacia. Um dos mortos era procurado pela polícia e a loja já fora assaltada por oito vezes.

Em pauta o número de disparos. Alega o comerciante que o bandido fez três disparos; aponta duas marcas nas paredes e outra no livro dilacerado. O delegado na mesma reportagem, diz que foi somente um e completa... Se tivesse feito um ou dois disparos... Tiros nas costas... Na cabeça. Para a polícia ele não agiu em legítima defesa e teve a intenção de matar os dois assaltantes.

Imagina você armado, a tentar preservar a sua vida e da funcionária, após oito assaltos, com a mente a desenrolar incontáveis cenas de atrocidades praticadas pelos bandidos de um modo geral, da dentista queimada viva porque só tinha 30 reais ao ciclista morto a facadas. Ter que contabilizar o número de tiros na ciranda da morte, na busca de abrigo e condições de revidar e se contrapor a dois bandidos, e de aferir se o tiro vai atingir a cabeça ou as costas dos invasores do seu local de trabalho. Faça-me o favor!

Embora não tão simplista a divisão da sociedade se dá entre o assaltante, invasor, o cidadão de bem e a polícia, sob o império da lei. A entender que criminoso não é somente o que mata com pistola ou faca, mas o que usa a caneta em benefício próprio, desvia recursos públicos que seriam destinados para a construção de redes de esgoto, assistência médica nos postos de saúde e hospitais, na malha viária, etc onde morrem milhares de cidadãos. E também na construção de presídios, onde dignamente deve permanecer o apenado longe da sociedade que despreza, mas na esperança de que um dia a ela se reintegre.

A sociedade entende a situação do policial no enfrentamento diário com bandidos de toda a espécie, do que o mata com requintes de crueldade por identificá-lo como agente da lei, às quadrilhas fortemente armadas, por vezes com poder de fogo acima do oferecido pelo Estado.

Do psiquismo que os envolve nessa luta de guerrilha urbana onde o bandido ataca onde não se espera e foge para as áreas de homizio nas favelas e periferias, também desprezadas pelo poder público. O “onde” com milhares de oportunidades, do colar no pescoço de uma senhora ao celular de um jovem estudante, do aposentado que retira o salário parco surripiado pelo fator previdenciário e o perde no assalto na esquina. Etc... Etc...

A sociedade percebe que o policial é alvo dos bandidos, mas o cidadão é o objetivo e também tem o direito de se defender e receber a proteção do Estado.

Pelo fim dos privilégios

Chamou a atenção a notícia da troca de carros do Superior Tribunal Militar. A modernização da frota, que implica a compra de 17 sedãs ao custo unitário de R$ 116 mil, passaria despercebida em outras épocas. Senão despercebida, pelo menos rotineira, nada digno de registro além do burocrático. Em tempos de crise, porém, o fato traz à tona velha questão que precisa ser enfrentada com determinação.


Trata-se de privilégios que fincam raízes no setor público. Carro com motorista talvez seja o mais simbólico. Mas não é o único. A ele se somam cartões corporativos, residências oficiais, combustível, garçons, elevadores privativos, verbas de representação. Difícil encontrar justificativa para a manutenção de mordomias ultrapassadas que, além de onerar o erário, servem de mau exemplo para as três esferas do poder.

Estados e municípios reproduzem as benesses com a naturalidade de quem dá bom dia ao entrar no elevador ou diz até logo ao se despedir. Prefeituras que sobrevivem à custa do Fundo de Participação dos Municípios não abrem mão de benefícios anacrônicos usufruídos em âmbito estadual e federal. ONGs que recebem dinheiro proveniente de impostos cobrados dos contribuintes também sofrem o contágio do mau exemplo. Instituições que embolsam contribuições parafiscais não ficam atrás.

A Constituição diz que todos são iguais perante a lei. A prática do setor público, porém, teima em provar que se trata de princípio que não pega. No século 21, nada mais retrógrado do que sustentar o modelo de casa grande e senzala. Quem ostenta o cartão de autoridade se vacina contra o povo. Isola-se. Não usa transporte público, não se trata em hospital público, não se satisfaz com a segurança pública, não matricula os filhos em escola pública. Até o tratamento muda. O democrático senhor cede lugar ao aristocrático excelência.



Crise, dizem os chineses, é oportunidade. As agruras por que passa a economia obrigam o governo a cortar gastos. Educação, saúde, saneamento, mobilidade sofrem na carne e nos nervos a redução no orçamento. As vítimas são estudantes, enfermos, trabalhadores - pessoas que constroem o futuro da nação. Dilma Rousseff, primeira mulher a presidir o país, pode deixar marca capaz de diferenciá-la dos antecedentes. Acabar com os privilégios é passo importante para sintonizar o país com a contemporaneidade.

O tempo se encarregou de relegar ao passado práticas que fizeram sentido em determinado contexto, mas se tornaram inaceitáveis com as mudanças da sociedade. É o caso da escravidão, da homofobia, da corrupção, da discriminação da mulher, da intolerância étnica, cultural e religiosa. É o caso, também, dos privilégios no serviço público. Como o Estado não planta dinheiro, sustenta mordomias com o meu, o teu, o nosso trabalho. Passou da hora de dar o salto para o século 21.



Formação de leitores passa por binômio educação-cultura

Jornada de Passo Fundo, coordenada por Tania Rosing, foi cancelada após 34 anos

Quando o foco é educação, sentimo-nos, enquanto educadores, desafiados a desencadear um conjunto de ações, aparentemente simples, com o intuito de formar leitores, capazes de atuar com autonomia e com um apurado senso crítico nas práticas sociais. Contemporaneamente, apresentam-se cada vez mais dimensões e segmentos que devem ser dominados pelos diferentes atores sociais. Não apenas sendo preparados para refletir individualmente sobre as formas de participar em diferentes grupos com a manutenção de suas identidades, mas também sendo estimulados a compreender no coletivo o que se vê, sem deixar de identificar o que não se vê e subjaz a cada ação, a cada manifestação, a cada contexto, em distintas situações do cenário humano. Para isso, precisamos de leitores.
De nada adianta viver sem buscar insistentemente o entendimento, no contexto do binômio educação-cultura, das manifestações culturais que determinam a essência e a significação da presença humana no mundo. Faz-se necessário envolver cada um e todos na busca do sentido e da essência de suas presenças e distintas participações na sociedade, pelo viés do binômio educação-cultura em sintonia. É fundamental que as pessoas se tornem leitores.

Nesta perspectiva, ocorre a possibilidade de desenvolverem, de forma diferenciada, suas sensibilidades, com estímulo ao desenvolvimento do gosto literário. É imprescindível transformarem-se em leitores literários. E mais: cada sujeito amplia o entendimento sobre si mesmo e nas relações com os outros, passando a valorizar manifestações artístico-culturais.

Apreciar a música desde a sua dimensão clássica até a música popular, entender a singularidade da participação direta numa plateia de teatro, ampliar as relações entre literatura e cultura, enquanto frequentadores de museus e de centros culturais, enquanto apreciadores da pintura, da escultura, da dança, dos produtos audiovisuais, da fotografia em suas dimensões plurais. Todas essas possibilidades impõem a formação de leitores com o potencial de entendimento das diferentes linguagens que integram cada manifestação da arte e da cultura não a partir de ações eventuais, mas no contexto de uma movimentação cultural.

Palavras sábias do inesquecível filósofo e dramaturgo Alcione Araújo reforçam esse posicionamento: “Siamesas, educação e cultura se completam. A percepção do mundo — objetiva e subjetiva — se deve à ação simultânea — subjetiva e objetiva — da educação e da cultura".

As Jornadas Literárias de Passo Fundo, ao longo de mais de três décadas, promoveram uma movimentação cultural sustentada pelo binômio educação-cultura, acrescentando, nos últimos tempos, a dimensão da tecnologia. Entendíamos a necessidade de sustentar o processo de formação de leitores pela lógica da ciência, ao lado da preocupação com o desenvolvimento da sensibilidade, da subjetividade pela valorização, pelo entendimento e pela vivência das artes.

Estávamos e continuamos preocupados em contribuir com o desenvolvimento e o aprimoramento de crianças, jovens e adultos, propondo vivências leitoras interdisciplinares, multiculturais, multimidiais. A complexidade do mundo em que vivemos impõe ao desenvolvimento da formação escolar, da formação acadêmica uma dimensão humanista em que se vivencia Educação e Cultura. Em termos da formação literária e do gosto pelas manifestações da arte, da cultura, entende-se que estas, sem perder a sua essência, podem ser veiculadas e o que é melhor, apreciadas em diferentes mídias.

O processo de aprimoramento humano requer não apenas esforços, crença, dedicação, mas recursos financeiros. Não se promove educação-cultura-tecnologia sem dinheiro. Não é menor falar de dinheiro. Defende-se o desenvolvimento do ser humano em sua essência. Isto basta. O que está proibido é deixar de sonhar. Sonhar o possível, mas principalmente o impossível. Não desejamos acordar desse sonho o protagonista que é o ser humano em busca da perfeição pela leitura, pela leitura ampla, pela leitura expandida. Ruídos podem acordar esse sujeito.

Devemos, enquanto educadores, acalentar esse homem, essa mulher, esse jovem, essa criança para que, pelo sonho, aprimorem-se. Esta foi nossa luta nos 34 anos em que lideramos as Jornadas Literárias de Passo Fundo.

Tania Rosing (criadora e coordenadora geral das Jornadas Literárias de Passo Fundo entre 1981 e 2015)