quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Brasil ainda não sabe a razão?


Haddad é Lula (sem tornozeleira)

Haddad é Lula. E está à solta. Assim é no mundo do crime: você derruba um chefe, eles põem outro no lugar ─ e o negócio segue em frente.

Depois de três décadas de crise de identidade, o Partido dos Trabalhadores enfim chegou à perfeição: deu ao Brasil o primeiro candidato a presidente escolhido na cadeia. Agora o PCC sabe quem é que manda.


Representante do maior assalto já perpetrado no mundo democrático ocidental, Fernando Haddad disse que recebeu uma missão “do Lula”: olhar nos olhos do povo e construir um país diferente. A melhor maneira de construir alguma coisa aqui, responderia o povo, começa com a devolução do dinheiro que vocês nos roubaram.

Nada feito. Não tem devolução, só gastança. Dilma Rousseff, por exemplo, notória regente da segunda metade do assalto, não só está solta (é a maior vergonha da Lava Jato, sem dúvida), como lidera a campanha mais cara para o Senado ─ superando inclusive vários presidenciáveis.

Contando ninguém acredita.

O Brasil não quer falar disso. Talvez você se lembre, caro leitor, no auge da explosão da Lava Jato, com tubarões petistas sendo presos em série até a deposição da companheira presidenta, o que projetavam os que projetam: o PT nem terá candidato em 2018; talvez sequer exista mais.

Pois bem, aí está: os que projetam estão projetando o PT no segundo turno.
O Brasil virou isso: um lugar onde todo mundo fica tentando adivinhar o que vai acontecer e se dispensa de pensar.

Foi assim que chegamos à primeira eleição presidencial após o assalto petista… sem discutir o assalto petista. A campanha simplesmente não trata disso ─ e o respeitável porém distraído público resolveu comprar esse lunático dilema esquerda x direita.

Eis o furo de reportagem: é isso que se discute na campanha sucessória de 2018 ─ essa falsa pantomima ideológica. Agora tirem as crianças da sala: até aqui, o debate eleitoral falou mais de ditadura militar (meio século atrás) do que de petrolão.

O que fazer com o Brasil? Botar em cana por vadiagem? Já que Lula canta de galo e protagoniza o debate de dentro da cadeia, melhor soltá-lo e botar o Brasil no seu lugar. Chega de intermediários.

Se o Brasil não sofresse de amnésia profunda e falta de juízo, Fernando Haddad não teria coragem nem de se candidatar a vereador pelo PT. Mas ele está por aí dizendo que “é Lula” ─ dizendo que “é” um condenado a 12 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, que responde a mais meia-dúzia de processos de onde provavelmente virá uma boa ampliação de sua temporada no xadrez.

Seria uma vergonha, mesmo para quem não tem um pingo dela. E sabe por que não é, Brasil? Porque você está aí muito ocupado em adivinhar o que vai acontecer, enquanto se entretém lendo essas pesquisas que colecionam erros clamorosos às vésperas de todas as eleições.

Você não se importa: será que o Lula vai ser preso? Não acredito. Será que o Lula vai ser candidato? Talvez. A ONU mandou liberar…

Pare com esse jogo fútil, Brasil. Se olhe no espelho. A quadrilha que te humilhou e te jogou na maior recessão da sua história está aí, sambando na sua cara. Tome juízo. Deplore esse escárnio.

Não posso, responde você. Eles me disseram para parar com a onda de ódio…
Deixa de ser tolo, Brasil. O PT plantou o ódio na população como truque propagandístico – Lula está há duas décadas ensinando o povo a não acreditar na Justiça, na imprensa livre e nas instituições de seu país. É a incitação contra o inimigo imaginário para semear o “nós contra eles”: há uma elite demoníaca pronta para devorar tudo e eu vou salvar vocês dela, etc, etc.

Foi por trás desse véu que o PT, ele mesmo, devorou tudo – e continua aí, vendendo a salvação.

O fenômeno Bolsonaro é parte da reação, às vezes cega, às vezes furiosa, a essa impostura. E a tentativa de assassinato do candidato é o desfecho óbvio desse “nós contra eles” que Lula e o PT plantaram muito bem plantado.
O autor do atentado foi filiado por sete anos ao PSOL, o partido pacifista que incendeia museu, barbariza o patrimônio público e privado e protege black blocassassino. Apontar e repudiar esses picaretas que te sugam o sangue é disseminar o ódio, Brasil?

Acorda, companheiro. Antes que seja tarde.

Assim como os cães

Nas batalhas da vida, aprendi o básico: a curvar-me diante dos inimigos, a falar sua língua e a reverenciar os seus deuses. Não tendo talento para a glória nem audácia para a conquista, fiz o que me convinha: tornei-me dócil e, se não pude erguer espadas nem troféus, consegui ao menos a honra de encher o cálice dos vencedores e - para quem acha essa uma tarefa vil - digo que tenho sido invejado por isso. Não sendo um vitorioso, sou visto ao lado deles e às vezes recebo tanto afeto quanto o que dedicam a seus cães. Quando morrer, talvez me caiba uma sepultura tão digna quanto a de um desses soberbos animais que alegram e enobrecem seus donos.
Raul Drewnick

Escolha o molho

A liberdade de eleições permite que você escolha o molho com o qual será devorado
Eduardo Galeano

Um voto impossível

Vamos falar francamente: eleger Fernando Haddad é absolver Lula e condenar a Lava-Jato; eleger Bolsonaro é absolver o capitão da direita radical e populista e condenar a tolerância política e moral.

Um candidato é a soma do que fala, do que falou e de seu comportamento pessoal e político. Mas é também a imagem que os seguidores fazem de seu líder.


No caso do PT, claro, o líder é Lula, e não Haddad. Sua vitória seria a revanche não apenas contra os promotores e juízes da Lava-Jato, mas contra uma operação legal e institucional que flagrou o maior escândalo corporativo do mundo. Não é exagero. Não se encontra por aí um modelo de corrupção tão organizado, envolvendo praticamente todos os órgãos do governo.

Com Haddad/Lula eleito, tudo isso seria um não acontecimento ou, como dizem, uma invenção das elites reunidas no Judiciário, na mídia, nas empresas e nos bancos — tudo para massacrar os pobres.

No caso de Bolsonaro, sua vitória, como dizem o candidato e seus seguidores, seria o triunfo sobre os canalhas, que é como se referem aos adversários. E sobre uma grande conspiração.

Bolsonaro e seus seguidores veem em toda parte uma armação de comunistas, ateus, infiéis, amigos dos bandidos e corrompidos moralmente, todos contra o homem comum. Desconfiam da urna eletrônica, das pesquisas eleitorais, da mídia. Gostam das Forças Armadas e das polícias, mas desconfiam da Polícia Federal se esta não demonstrar que o atentado contra Bolsonaro também foi parte de uma grande conspiração.

Não é por acaso que os dois extremos — lulistas e bolsonaristas — têm um mesmo alvo. Para os petistas, a mídia é golpista e dominada pelas elites reacionárias. Para os bolsonaristas, é dominada por uma esquerda imoral.

É claro que não podem estar falando da mesma coisa. Estão falando da imagem que cada lado tem da imprensa, formando-se duas imagens necessariamente falsas. A mesma mídia não pode ser ao mesmo tempo elitista e comunista.

Vai daí que a opinião dos outros não tem a menor importância para esses dois extremos. Muito menos a prática democrática da controvérsia e da diversidade.

A esta altura, perguntarão os leitores: mas os eleitores de Bolsonaro e Lula/Haddad são todos assim?

Há muitos que são. Sim, há extremistas e intolerantes entre nós. Mas isso não explica tudo.

No lado do PT, muitos eleitores votam pela lembrança de bons anos do governo Lula. De fato, emprego, salários e crédito cresceram de modo expressivo. Não foi uma obra do lulismo, mas uma combinação clássica de estabilidade econômica (neoliberal!) e uma onda externa favorável. Todos os países emergentes se deram bem — e até melhor que o Brasil. Nenhum emergente, por exemplo, passou pela dura recessão gestada aqui pelos governos Lula e Dilma. O lulismo, ao final, entregou desemprego.

Nesse aspecto, o impeachment de Dilma foi até uma sorte. Livrou Lula do peso do governo, permitiu que sua intensa propaganda passasse para a oposição e convencesse muita gente de que foi tudo culpa dos golpistas. Mentir foi a tática. Como essa agora de dizer que a ONU considerou legítima a candidatura de Lula, quando há apenas um parecer dado por dois membros (alinhados à esquerda) de um comitê acessório formado por não diplomatas.

Mais uma vez, o lulismo contou com a incompetência e as hesitações do centro político e liberal.

No lado de Bolsonaro, muitos eleitores simplesmente estão fartos do governo, do excesso de impostos e da falta de serviços públicos, dos políticos corruptos eternamente no poder e, sim, da imposição do chamado politicamente correto. Reparem: muitos eleitores dessa direita são liberais no sentido de achar que cada um se comporta como quer. Mas não apreciam quando a agenda progressista é imposta por meio de leis e obrigações.

Também aqui, o centro liberal — nos costumes e na política — não soube contar e colocar sua história.

E assim chegamos a uma eleição em que uma agenda é tirar Lula da cadeia e anular a Lava-Jato. A outra é prender Lula e todos os demais canalhas.

Imagem do Dia


Por que não?

Findo o inverno da “eleição sem Lula é fraude” e do “Lula livre”, pois se esgotaram os esforços para driblar a Lei da Ficha Limpa nas altas instâncias do Judiciário, chegou a primavera do “ele não”. Com a chapa de direita do capitão reformado do Exército e deputado federal Jair Bolsonaro no topo das pesquisas de intenção de voto, excluído o ficha-suja Lula, condenado a 12 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, resta à esquerda e ao soit-disant “centro democrático” o podre expediente de desacreditar o eleitor a pretexto de desqualificar o candidato. As pesquisas os assustam muito: o político do baixo clero, de pífia atuação parlamentar, formando chapa com um general boquirroto da legenda de aluguel de propriedade do usuário do monotema eleitoral do “aerotrem”, Levy Fidelix, pode ganhar o pleito já em 7 de outubro, no primeiro turno, edificilmente não disputará o segundo, ou seja, não está de todo afastada a possibilidade de chegar à Presidência da República pelo voto popular.

Para evitar o desfecho previsível e anunciado, mas nem por isso inexorável, um exército de corneteiros do apocalipse se pôs em marcha. A cantora baiana Daniela Mercury desafiou sua colega Anitta, que havia caído em pecado ao “seguir” amiga declarada eleitora do capitão demolidor, a negar-lhe apoio. Temendo as consequências do assédio, a outra se declarou, correndo,adepta do #elenao, hashtag da moda. “Quero deixar claro para vocês, se ainda não ficou, que eu não apoio o candidato Bolsonaro”, postou a cantora. Ciro Gomes, natural de Pindiamonhangaba, cidade paulista onde nasceu Geraldo Alckmin, e suserano da República de Sobral, colou na camisa do líder nas pesquisas o rótulo de “protofascista”. O PSDB parece disposto a liderar uma campanha para reformar a Constituição e proibir simpatizantes do venezuelano Hugo Chávez de disputarem eleições no Brasil, à exceção do PT de Lula, Dilma e Haddad, é claro. ACM Neto, presidente do DEM, prefeito de Salvador e timoneiro da nave tucana, que faz água em mar turbulento, foi além, ao sugerir que “eleição não pode ficar entre prisão e facada”. Marina Silva, adepta de panos quentes, filosofou: no primeiro turno, o eleitor pode votar no candidato do coração e deixar para evitar um desafeto na rodada definitiva.

O Estado apurou que um grupo de “artistas, advogados, ativistas e empresários articula um manifesto contra a candidatura de Jair Bolsonaro”. Segundo Renata Agostini, uma versão preliminar do manifesto conta com cerca de 150 assinaturas, entre elas as de Maria Alice Setúbal, educadora e acionista do Itaú Unibanco, protagonista da campanha de Dilma contra Marina em 2014; do economista Bernard Appy, que foi secretário de Política Econômica do governo Lula; do empresário Guilherme Leal, sócio da Natura e financiador de campanhas de Marina; de Caetano Veloso, ex-devoto do “Lula livre” e eleitor declarado de Ciro; do advogado e professor da FGV Oscar Vilhena; e do médico Drauzio Varella.

Segundo a reportagem, “o documento intitulado Pela democracia, pelo Brasil não indica apoio à candidatura do Partido dos Trabalhadores (PT) nem de qualquer um dos adversários do deputado, mas afirma ser necessário um movimento contra o projeto antidemocrático do candidato do PSL”. Reza o texto: “É preciso dizer, mais que uma escolha política, a candidatura de Jair Bolsonaro representa uma ameaça franca ao nosso patrimônio civilizatório primordial (sic). É preciso recusar sua normalização, e somar forças na defesa da liberdade, da tolerância e do destino coletivo entre nós (sic)”. O documento diz que o País já teve em Jânio Quadros e Fernando Collor de Mello “outros pretensos heróis da pátria, aventureiros eleitos como supostos redentores da ética e da limpeza política”, mas que acabaram levando o Brasil ao “desastre”. E, em apelo às trágicas lembranças da 2.ª Guerra Mundial, os autores do relambório proclamam: “Nunca é demais lembrar, líderes fascistas, nazistas e diversos outros regimes autocráticos na história e no presente foram originalmente eleitos, com a promessa de resgatar a autoestima e a credibilidade de suas nações, antes de subordiná-las aos mais variados desmandos autoritários.”

Ao contrário de Bolsonaro, Jânio chegou à Presidência da República após ter sido eleito e cumprido mandatos na Câmara Municipal e na Prefeitura de São Paulo, no governo do Estado e no Congresso Nacional. Renunciou ao cargo mais alto e, depois, disputou o governo paulista e foi, de novo, eleito eempossado prefeito da maior cidade do País. Qual dos 150 eventuais signatários da cartilha citada tem a apresentar a seus prosélitos tantas demonstrações de apreço popular? Talvez tais manifestantes nem saibam, mas, consultando a Wikipédia, saberão que Fernando Collor “foi prefeito de Maceió de 1979 a 1982, deputado federal de 1982 a 1986, governador de Alagoas de 1987 a 1989 e o 32.º presidente do Brasil, de 1990 a 1992. Renunciou à Presidência da República em 29 de dezembro de 1992, horas antes de ser condenado pelo Senado por crime de responsabilidade, perdendo os direitos políticos por oito anos. Posteriormente, voltou às disputas eleitorais e, desde 2007, é senador por Alagoas”. Ou seja, as instituições continuaram funcionando.

Talvez não tivessem como encontrar notícias de que o desastre que ora vivemos e que pode resultar até na vitória de seu adversário preferencial foi provocado pelos catastróficos desgovernos do presidiário Lula e da futura senadora pelo PT de Minas, Dilma Rousseff. Com o auxílio luxuoso do vice Temer, que ajudou o poste de Lula a chegar à Presidência e, depois, beneficiou-se da incúria, incompetência e inabilidade da titular da chapa que derrotou o tucano Aécio Neves em 2014.

Os responsáveis pela “advertência” sobre os malefícios que podem advir de uma eventual (e não inevitável) vitória de Bolsonaro têm todo o direito de votar em quem bem entenderem e até mesmo de encontrar bons motivos para convencerem quem não os acompanha de que deveriam fazê-lo. O que não devem é se comportar como se fossem revisores universais da soberania popular ou, o que é pior, tentar tutelar a decisão do cidadão diante da urna. Cobrar de Jânio, Collor, Lula, Dilma, Temer e até de Aécio pela traição que cometeram no exercício do cargo público para o qual foram eleitos ou derrotados é lícito, válido e pode ser explicitado. Tentar censurar o eleitor enganado pelos erros de quem os ludibriou é nefanda má-fé de quem pratica esse ato vil, de mera covardia cívica.

Caso diferente é o de representantes de seis centrais sindicais que divulgaram, no sábado, 22 de setembro, nota de repúdio ao mesmo Bolsonaro. Sob o título Sindicalistas contra o projeto fascista de Bolsonaro, representantes da Força Sindical, das Centrais dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Brasil (CTBs), da Nova Central Sindical, da Intersindical e daConlutas a nota classifica Bolsonaro como “antitrabalhadores” e repudia o candidato do PSL “por sua postura antidemocrática, intolerante com minorias, que faz apologia da violência, e pela sua conivência com práticas repugnantes, como a defesa de torturadores”. Para os sindicalistas, a eleição de Bolsonaro pode representar “ameaça de retorno a (sic) ditadura militar”. A argumentação se insere na liberdade permitida pela luta política, da qual o marketing negativo faz parte, como, aliás, a propaganda dos partidos no rádio e na televisão exibe sem pudor nem justa causa.

Detalhe interessante no caso é que a Central Única dos Trabalhadores (CUT), braço sindical do PT de Lula, Dilma e Haddad, não subscreveu o documento, a exemplo da União Geral dos Trabalhadores (UGT). A ausência tem motivo político: ao contrário do “Centrão”, ao qual se associa parte da esquerda viúva do presidiário de Curitiba, o partido deste tem noção de que está no jogo e se dispõe a disputá-lo para ganhar ou perder. No caso de derrotada por Bolsonaro, o que temem seus adversários da dita “terceira via” (risos gerais no salão), e talvez tenham razões que nós outros desconhecemos para tanto, os petistas sabem que logo ocuparão o confortável camarote da oposição. Dele combaterão à luz dos holofotes as catástrofes que profetizam Alckmin, Ciro e Marina, ao lado da pretensa censora de biografias Paula Lavigne. E, então, tirarão proveito, como já o fizeram antes, dos erros dos adversários, o que tornará lana caprina a culpa deles mesmos nos desastres provocados pelos próprios desgovernos.

Ou seja: ele não? Por que não?, cantarolava o signatário Caetano…

Nulo também diz o que pensa

Por um voto em branco, você está dizendo que você tem uma consciência política, mas você não concorda com qualquer um dos partidos existentes
José Saramago

Taí o que eles queriam

O grande cabo eleitoral na boca de se ir às urnas é o medo. Como lá atrás, o eleitor segue o que manda o cabresto, não mais do coronel, mas do triunvirato oligárquico da política, do empresariado e da mídia.

O Brasil foi às urnas para eleger o Caçador de Marajás, filho dileto do coronelismo político, com apoio do empresariado, para acabar com o privilégio das elites. Essas continuaram se fartando à tripa forra. E os marajás aumentaram em número e mamaram com mais vigor.

Depois apostou no Pai dos Pobres, pelego visceral de privilégio até em camburão da ditadura (nunca ia na caçamba). Por trás dos out-doors sobre o fim da miséria, a farra era megalomaníaca. A bica estava sempre aberta para as elites, principalmente dos banqueiros e mídia, enquanto pingava migalhas para a miserabilidade. Com imensa generosidade, multiplicou os milionários entre amigos, padrinhos, parentes e outros assemelhados das "esquerdas", que no Brasil são milhares de bocas famintas por dinheiro.

Agora chega-se ao dilema entre o coturno e a sacolinha, entre o verde e o vermelho, o que dá marrom. É a cor do futuro: "barro". 

O candidato Gandola significaria o poder ser tomado pelos militares via voto democrático. É o que alardeiam como profecia. Mas as instituições, segundo tanto gostam de vangloriar-se, não estão sólidas? Ou não estariam assim tão democráticas? Se até mesmo o "Comandante", ex-ministro da Casa Civil de Lula, condenado, mas desfilando em noites de autógrafos, já declarou que o adversário seria apenas um "Temer, mais redicalizado", o que temer, sem trocadilho? Vai se ter medo de quê quando as Forças Armadas foram sempre bem aquinhoadas (e muito bem nos governos petistas)?

Talvez o "golpe militar" seja mais um fantasma camarada que a criatividade do comissariado tenha transformado em dragão. Mas por mais que ponha fogo pela ventas não assará criancinhas como se profetiza. Há muitas décadas de pensamento separando as Forças de hoje das de 1964, porque o mundo é outro.

O candidato Poste, incensado pelo esquerdismo caiçara, que tem como patrono um presidiário, não está muito longe de fazer estrago como o possível adversário. Se um acena com o militarismo, o outro hasteia o autoritarismo populista, que se instalou com a fartura de dinheiro para comprar seus mercenários. Entre o coturno pisando o Planalto, preferem um país comandado da cadeia de Curitiba ou gerenciado por um ex-presidiário indultado, e não eleito. Um acinte a qualquer Estado de Direito tão perigoso quanto o tacão do coturno.

Os dois são farinha do conservadorismo que ainda governa "pelo povo e para o povo" a preços de mercado negro. São representantes de governos de crime. Na calada dos porões, um matou; outro assaltou. As caras que devem liderar nas urnas carregam passados de vergonha dos ideários que defendem. Medíocres máscaras. O medo é implantado para manter a polarização que tanto agrada aos poderes para melhor manter sob o relho os assustados.

O Brasil que se quer está bem longe, e cada vez mais, de se tornar realidade. Talvez bem lá na frente se possa fazer alguma mudança, mas tem que se começar agora fazendo faxina nas cabeças. 
Luiz Gadelha

Sucessão escancara falta de quadros da política

De todas as evidências que a sucessão de 2018 escancara, a mais incômoda é a absoluta falta de quadros da política nacional. O líder das pesquisas, Jair Bolsonaro, era até ontem um deputado com 27 anos de mandato e nenhuma obra relevante a exibir. O vice-líder é Fernando Haddad, um ex-prefeito cujo mandato o eleitor de São Paulo se recusou a renovar, impondo-lhe uma derrota de primeiro turno.

O país está de novo às voltas com uma disputa do tipo PT versus anti-PT. A diferença é que o eleitor anti-petista se deslocou da centro-deireita para a extrema-direita. Incompetência do PSDB. Há 16 anos fora do Planalto, o tucanato não conseguiu oferecer esperança que justificasse o seu retorno. Aécio, a oferta de 2014, virou lama. Alckmin, a aposta de 2018, está na posição do jogador que corre o risco de levantar da mesa de pôquer sem dinheiro para o táxi.

O PT celebra a ascensão meteórica de Haddad como um renascimento. Nada mais ilusório. Depois de dois mega-escândalos e um impeachment, tudo o que o petismo foi capaz de oferecer foi um novo poste. O único líder do partido com luz própria está na cadeia. Sofrerá novas condenações. Ainda que eleja mais um preposto, Lula talvez não consiga mais disputar eleições. Costuma-se dizer que o brasileiro não sabe votar. Mas a verdade é que o eleitor não pode escolher o que não está na vitrine.

Pensamento do Dia


A ansiedade e o medo dominam a reta final da campanha política

Inicio estas linhas com meu coração pulsando mais rápido do que o normal. Os problemas se acumulam – na família, entre amigos e no país. Nem a beleza do dia, coberta pelo céu azul-profundo, consegue acalmar o animal raivoso que também habita dentro de mim. Enfrento o papel em branco, mas não sei ao certo o que quero dizer ou transmitir, para mim ou para você, leitor, a quem dirijo este desabafo.

Quisera, por exemplo, poder iniciar estas linhas sem me preocupar com informações, pesquisas, análises, notícias falsas, redes sociais, entrevistas, colunas, programas políticos (na televisão e no rádio) etc., mas, sobretudo, com os medos que, neste instante, insistem em dominar meu corpo inteiro, contendo, enfim, meu já contido verbo.

Quisera, quem sabe, retirar de minhas costas esse peso para o qual também contribuí. Sei que essas tarefas são quase impossíveis. Tento, então, driblar o sentimento (ou ressentimento?) de decepção que, em cada eleição, também toma conta de mim. Entro em todas elas cheio de esperanças, mas a realidade logo me deixa atônito. E o ânimo, para recuperá-la, além de dobrado, é escasso. Mas não dou o braço a torcer, ainda que seja eu o último a crer em meu sofrido país.

É provável que esteja dizendo bobagem, mas as eleições deste ano são parecidas com muitas outras, especialmente com a de 1989. Aliás, essa aparente bobagem já foi dita por gente graúda. E você sabe no que deram aquelas eleições, polarizadas pela insensatez. Salvou-as, após, um mineiro que, na Presidência, soube ser conciliador.

O que hoje estranha e causa medo não é, em si, a polarização que se avizinha cada vez mais. A democracia leva sempre à polarização. Refiro-me àquela polarização insensata, quase diabólica, movida a ódio. Ela poderá nos levar a escolher entre um preso (ou nosso Poder Judiciário não vale nada?) e um esfaqueado. Um quer eleger mais um “poste”, um representante seu, não seu candidato. Por meio dele, quer manter-se vivo e ativo, como se fosse apenas uma “ideia”. O outro é um político que, ao longo de 28 anos, na Câmara dos Deputados, verbalizou barbaridades. Qual, então, merecerá nosso voto, leitor? Tenho medo de que a vitória de qualquer deles só nos traga mais desgosto.

Nesta reta final, nossa política está tão vazia de propostas com um mínimo de princípio, meio e fim que muitas famílias proibiram, terminantemente, nas reuniões que habitualmente realizam, qualquer conversa sobre política. Esse intragável assunto está suspenso pelo menos até o próximo dia 7, se não chegarem à conclusão de que essa proibição deva continuar até o segundo turno.

Finalmente, na realidade, e para nos deixar ainda mais ansiosos, nada está decidido, segundo o cientista político Lúcio Rennó (UnB): “A eleição está aberta e será definida pelo grau de abstenção e pelo que acontecer na reta final. Em 2014”, lembra Rennó, “duas semanas antes, poucos imaginavam que Marina não estaria no segundo turno”.

Que Deus fortaleça nossa sociedade civil e a ajude a afastar – de um lado e de outro – o perigo de golpe que paira no ar contra ela. Que nenhum deles, sobretudo o do PT, faça com que se cumpra a profecia de Luiz Felipe Pondé: “Se Lula ganhar as eleições, o Brasil terá um retrocesso ao Paleolítico, sem querer ofender nossos ancestrais”.

Nosso país está em perigo! Não provoquemos seus 206 milhões de habitantes. O inferno poderá estar aqui, perto de nós.

Elefante em casa

O Estado brasileiro é paquidérmico, corporativo, ineficiente e caro. Destaco a necessidade da Reforma da Previdência, que contempla dois problemas fundamentais. O primeiro é a desigualdade. O País precisa de uma regra única. Alguns se aposentam com pouco mais de 50 anos de idade, recebendo mais de R$ 20 mil por mês e acumulando pensão e aposentadoria, enquanto outros recebem um salário mínimo de benefício.

A reforma precisa atingir a todos, incluindo os funcionários públicos, privados e os militares. O segundo problema é a sustentabilidade. O Brasil está envelhecendo e gasta-se de 13% a 14% do PIB com a previdência, percentuais semelhantes ao da Alemanha, onde a população já envelheceu
Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas

Intolerância

Quando comecei a trabalhar em jornal, época em que os dinossauros caminhavam felizes sobre a Terra e vocês ainda não eram nascidos, havia censura. Havia departamentos de censura, um conselho superior de censura e um monte de censores para povoá-los e brandir a tesoura: cidadãos que acordavam de manhã cedo, tomavam banho, tomavam café, escovavam os dentes e iam para o escritório para censurar o trabalho alheio. Ganhavam bem para fazer o que o povo faz hoje de graça na internet. Eu não tenho nenhuma saudade daqueles tempos mas, pensando bem, acho que preferia aqueles censores estatutários às hordas linchadoras do Facebook.

Aquela censura era escancarada e despertava o melhor em todos nós, que a desafiávamos escrevendo nas entrelinhas, buscando figuras de retórica e modos de dizer as coisas sem dizer. Enfrentá-la era um desafio cotidiano, uma adrenalina constante. Descobrir as pistas espalhadas pelos jornais em forma de receitas de bolo e previsões do tempo era emocionante, romances e filmes censurados ganhavam o tempero apimentado da proibição.

Havia heroísmo em desafiar a censura, não em exercê-la.

Dona Solange, aquela, que chegou a inspirar música do Leo Jaime, mudou de sobrenome e foi viver no interior, zero orgulho da sua profissão. Os vizinhos, que a consideravam uma senhora reservada porém gentil, jamais desconfiaram do que ela fazia antes de se aposentar.

Os censores de redes sociais, ao contrário, se acham os reis — e rainhas — da cocada preta. Estão convencidos da grandeza da sua missão, certos de que lincham por motivos nobres. Seu ódio é puro e benfazejo, e suas vítimas deveriam se sentir gratas pelas lições. Só falam no imperativo:



— Calaboca!

— Leia!

— Estude!

— Aprenda!

— Silencie e respeite!

— Peça desculpas!

— Deixe de se fazer de vítima!

Palavras não tiram pedaço — mas tiram. O corpo sai inteiro de um ataque, mas a alma sai em frangalhos. E aí entra em cena algo muito pior do que a dona Solange: a autocensura. Nos tempos da censura, lutava-se para que opiniões e ideias sobrevivessem; hoje elas são abortadas antes de nascer. Não há glória em desafiar militantes raivosos, não há heroísmo em enfrentar ofensas disparadas por trás da tela.

A internet é um vasto território de absurdos sem resposta e de pensamentos silenciados, porque qualquer pessoa menos beligerante — quero crer a maioria de nós — prefere ficar calada a externar uma opinião que pode eventualmente ser mal interpretada — e será: na internet tudo o que pode (e tudo o que não pode) ser mal interpretado será sempre mal interpretado. Para que despertar as bestas do apocalipse? Melhor levantar e ir tomar um café, dar um telefonema, regar as plantas, passar batido.

_______

Um dos documentos importantes desse Museu da Intolerância é o texto em que Fabiana Cozza renuncia ao seu papel no musical sobre Dona Ivone Lara, e que acabou dando panos para as mangas até aqui no jornal. Ela foi massacrada por ativistas de movimentos negros por não ser suficientemente escura para o papel, e abre o seu desabafo, dirigido “aos irmãos”, com as suas credenciais genéticas: “Mãe: Maria Ines Cozza dos Santos, branca, Pai: Oswaldo dos Santos, negro, Cor (na certidão de nascimento): parda”.

Fabiana escreveu com sentimento e expôs as suas feridas, dilacerada pelo linchamento sofrido ao comemorar, dias antes, a felicidade com o convite para a produção:

“Renuncio por ter dormido negra numa terça-feira e numa quarta, após o anúncio do meu nome como protagonista do musical, acordar ‘branca’ aos olhos de tantos irmãos. Renuncio ao sentir no corpo e no coração uma dor jamais vivida antes: a de perder a cor e o meu lugar de existência. Ficar oca por dentro.”

Ler o que escreveram os inquisidores na sua página é de assustar mesmo, fere e ofende até a quem não tem nada a ver com a história. Não consigo imaginar o quanto aquelas palavras não magoaram Fabiana. Mas renunciar ao papel não pôs fim à violência — agora ela está sendo acusada de ter denunciado a agressividade dos agressores.

“Irmã vírgula, não somos irmãos. E nós pretos vírgula, pq vc não é preta. E pare de colocar os negros como raivosos por exigir que o certo fosse feito. Tinha mais q sair mesmo.”

_______

Fiquei horrorizada em ver tanta gente se sentindo autorizada a dizer quem o outro é, como o outro é, como o outro pode ou não se sentir. A Arte, enquanto isso, escondida num canto, cobrindo a cabeça de cinzas. Como se Dona Ivone Lara fosse só uma cor, como se o delicado trabalho de representá-la em toda a sua grandeza não envolvesse tanto mais. Fabiana Cozza conheceu Dona Ivone, cantou com ela, foi escolhida pela família para o papel. É negra, mas não é Pantone 321-2 C. Todos a ela.

_______

Sou branca (Pantone 58-6 C) e desqualificada de saída para entrar nessa discussão.

Mas aí é que está: todos deveríamos poder discutir tudo. Racismo não pode ser discutido só entre pretos ou só entre brancos, como feminismo não pode ser discutido só por mulheres. Ou lutamos pela inclusão de todos, e por todos os lados, ou vamos nos afastar cada vez mais, fechados nas nossas bolhas, ouvidos tapados para o outro, fervendo cada qual na sua ilha de ódio.
Cora Rónai