terça-feira, 14 de fevereiro de 2017
Na revolução contra a corrupção, os romenos lutam pela chance que o Brasil perdeu
Meu país costuma ser um daqueles lugares sobre os quais as pessoas costumam sorrir ironicamente, às vezes disfarçando bem, outras vezes menos bem, quando ouvem que sou de lá. “Ah, você é da Romênia. O país do Drácula, né? Ah, e tem também aquela ginasta, não é? Nadia o que mesmo?” Bom, penso eu quando ouço, pelo menos não estou do Cazaquistão. Iam pensar que o Borat é meu primo. Mas, como todos os romenos, já estou acostumado. Se for entrar na Itália, o sorriso amistoso do oficial da fronteira acaba ao ver meu passaporte. Segue uma busca nervosa e prolongada no sistema para os meus possíveis antecedentes criminais. Nos Estados Unidos, quando um político americano fala “pelo menos não somos a Romênia,” nem fico muito chateado por conta disso. É um tipo de common sense knowledge, uma verdade tão bem enraizada que não faz quase nenhum sentido protestar. Não vai surtir efeito.
O trecho exato durante o qual John McCain referiu-se sobre a Romênia durante a eleição americana foi este: “Acredito que ainda temos as instituições que poderão cercear alguém que fosse exceder suas atribuições constitucionais. Temos um Congresso. Temos a Corte Suprema. Não somos a Romênia.” McCain estava se referindo à possível eleição de Donald Trump, tentando explicar por que, apesar de se opor a sua candidatura, ninguém deveria estar tão preocupado se ele vencesse. Desde então, as coisas parecem ter mudado um pouco. Trump controla o Congresso, onde tem conseguido confirmar até suas escolhas mais extremas. Com a confirmação de Neil Gorsuch na Suprema Corte, Trump terá também uma maioria republicana na Suprema Corte. E, então McCain? Com seu “pelo menos não somos a Romênia”. É chocante ver um dos senadores mais experientes dos EUA usar esse tipo de linguagem sobre um país aliado. Ainda mais sobre aquele país aliado que hospedará a defesa antibalística da Otan no contexto de uma Rússia cada vez mais beligerante nas suas portas...
Estamos vivendo tempos estranhos. Os países historicamente guardiões da democracia e dos valores progressistas – Estados Unidos, Inglaterra, e França – estão sendo transfigurados pela ascensão da extrema direita que, precisamos reconhecer, esta acontecendo como resultado de uma crise prolongada do mainstream político e principalmente da esquerda, que nunca conseguiu se adaptar bem e responder aos desafios de um mundo globalizado. Quando a maioria de um país vota para colocar no poder um governo contrário aos valores democráticos mais fundamentais, é preciso de um otimismo desbordante e uma ignorância completa do passado histórico para acreditar que tudo está ok, porque as instituições continuam sólidas.
Paradoxalmente, o que os romenos conseguiram nas ruas durante os últimos dez dias é exatamente o oposto da degradação democrática a que estamos assistindo nas chamadas democracias sólidas. Depois da revolução sangrenta que acabou com a ditadura comunista, a Romênia buscou construir as instituições que poderiam permitir sua integração na União Europeia. Para boa parte dos políticos responsáveis por esse esforço, a legislação e as instituições que estavam criando para o combate da corrupção eram, como costumam dizer os brasileiros, “pra inglês ver”. Mas a expectativa da impunidade começou a ser confrontada quando os jovens procuradores se mostraram implacáveis na aplicação da lei. Um primeiro ministro, os maiores magnatas de mídia, inúmeros deputados, senadores, e prefeitos acabaram presos. E, apesar do empenho da mídia subserviente a um partido político ou outro de denegrir essa luta, os romenos apoiaram este esforço de passar o país a limpo. Nos últimos anos, talvez porque passo a maior parte do tempo fora do país e por conta disso consigo perceber melhor as mudanças que acontecem à volta, a cultura popular parece ter evoluído. Costumava ser absolutamente natural oferecer propina a um policial por uma infração de trânsito – a expectativa era de que o policial aceitasse a propina antes que você continuava tranquilamente o seu dia. Não é mais assim. Se você for policial e solicitar propina, tem boas chances do cidadão que você parou se recusar a pagar ou até te denunciar. Se você for o autor do erro de trânsito, oferecer uma propina pode acabar complicando sua situação bem mais. A cultura cívica dos romenos evoluiu. Mas os seus líderes políticos parecem não ter reparado essa mudança ainda. E essa desconexão gerou as condições ideais para a maior explosão de protesto social já vista contra um Governo romeno eleito democraticamente.
O partido que governa hoje a Romênia, o PSD, tem muito em comum com o PMDB que hoje governa o Brasil (muito além da aparência de vampiro dos seus respectivos líderes). Como o PMDB, o PSD romeno se reivindica como um partido de origem centro-esquerdista e contra a ditadura, mas defende, de fato, valores sociais conservadores e políticas econômicas contrárias aos interesses dos mais pobres. Como o PMDB, o seu poder reside numa máquina clientelista extremamente bem estruturada pelo interior do país, com raízes no ordenamento político da antiga ditadura. Como o PMDB, o PSD não possui líderes de grande carisma. Mas nem precisa deles, pois tem seus Sarneys, Renans e Eunícios. E como o PMDB, essa máquina eleitoral do PSD tem resultados especialmente favoráveis quando as lideranças dos outros partidos mais sólidos de ponto de vista ideológico desapontam, como aconteceu na última eleição romena.
Quando amanheceu, o Governo acordou com o povo inteiro batendo à sua porta. Com toda sua maioria confortável no Congresso e mesmo controlando as duas redes de TV mais importantes do país, o PSD conseguiu levantar contra si, e de forma quase unânime, a sociedade toda. Centenas de milhares de pessoas saíram nas ruas não somente em Bucareste, mas em cidades grandes e pequenas pelo país inteiro. Em vez de jogar pedras nos policiais, os manifestantes ofereceram chá e louvaram o seu trabalho. “Estou com pena desses meninos que estão aqui no frio para defender uns bandidos sem vergonha”, contou uma avó para um repórter independente transmitindo ao vivo pelo Facebook. Novata na arte do protesto, a multidão romena inventa seu próprio repertório. Cada um tem seu cartaz. A maioria são bem divertidos. “Isso que acontece quando a gente vota sem ler os termos de uso”, está escrito em um. De repente, surge a ideia de iluminar o prédio do Governo com os flash dos celulares. Vamos jogar luz no que vocês estão fazendo, os manifestantes parecem dizer. Vamos mostrar para todo mundo a sua podridão e não poderão fugir. A rebelião ganha um nome. A revolução da luz. E todo mundo está surpreendido consigo mesmo. Como é que um ato tão miserável de um Governo corrupto pude resultar no final das contas numa experiência tão enaltecedora? Os romenos se sentem mais determinados, mais unidos e mais fortes do que nunca antes.
O Governo romeno acabou cedendo e retirou a lei infame. Os protestos cresceram mais ainda depois que isso aconteceu, mas aquela noite foi mais uma celebração coletiva para humilhar o Governo do que a tentativa derrubá-lo. A grande maioria das pessoas entendem que o partido que acabou de ganhar as eleições deveria ter mais uma chance para governar o país, desta vez fazendo o que prometeu em vez de atacar a luta contra a corrupção. Essa atitude moderada se deve em grande parte ao desapontamento com os outros partidos e líderes políticos. Para a maioria, não existe nenhuma garantia de que uma outra coligação partidária será muito mais confiável. A ideia predominante é a de que é preciso pressionar e fiscalizar todos os partidos. Uma sociedade que finalmente tem consciência do seu progresso moral pede uma classe política à altura dos seus novos valores. Ao “pelo menos não somos a Romênia” do McCain, os romenos agora podem responder exatamente o contrário. Sim, McCain, pelo menos somos romenos! Podemos não ter as melhores leis, instituições, Corte Suprema. Podemos ainda não termos nos livrado dos políticos corruptos que infernizam nossas vidas a cada dia que lemos jornais, mas temos uns aos outros e os nossos ideais de verdade, tolerância e justiça como fundamento do nosso futuro como nação. E isso é muito mais importante.
A revolução da luz ainda não venceu. Em momentos como esses, os manifestantes se sentem invencíveis e não se dão conta de que qualquer vitória de natureza coletiva é vulnerável ao desaparecimento da força que os uniu. Se conhecessem o Brasil, os romenos se dariam conta de que uma revolução da luz também parecia ter sido vencedora em sua versão tropical em junho de 2013. Os brasileiros também se sentiam unidos, orgulhosos, imparáveis. Acreditavam que poderiam parar a corrupção e ganhar finalmente o direito de serem governados de uma forma digna e transparente. Acabou sendo bem mais complicado. A parcialidade do Judiciário de um lado político ou do outro, a crescente polarização política e a constante manipulação pelos extremos que acontece nas bolhas das redes sociais acabou destruindo aquele precioso sentimento de união nacional, tão essencial para que a sociedade possa continuar mobilizada na defesa dos seus ideais. Alexandre de Moraes vai virar ministro do Supremo Tribunal Federal e ninguém está nas ruas. No Brasil, a revolução da luz parece ter sido uma alucinação numa noite de Carnaval.
Andrei Roman, criador da plataforma Atlas Político e do aplicativo Catalyst News.
O trecho exato durante o qual John McCain referiu-se sobre a Romênia durante a eleição americana foi este: “Acredito que ainda temos as instituições que poderão cercear alguém que fosse exceder suas atribuições constitucionais. Temos um Congresso. Temos a Corte Suprema. Não somos a Romênia.” McCain estava se referindo à possível eleição de Donald Trump, tentando explicar por que, apesar de se opor a sua candidatura, ninguém deveria estar tão preocupado se ele vencesse. Desde então, as coisas parecem ter mudado um pouco. Trump controla o Congresso, onde tem conseguido confirmar até suas escolhas mais extremas. Com a confirmação de Neil Gorsuch na Suprema Corte, Trump terá também uma maioria republicana na Suprema Corte. E, então McCain? Com seu “pelo menos não somos a Romênia”. É chocante ver um dos senadores mais experientes dos EUA usar esse tipo de linguagem sobre um país aliado. Ainda mais sobre aquele país aliado que hospedará a defesa antibalística da Otan no contexto de uma Rússia cada vez mais beligerante nas suas portas...
Estamos vivendo tempos estranhos. Os países historicamente guardiões da democracia e dos valores progressistas – Estados Unidos, Inglaterra, e França – estão sendo transfigurados pela ascensão da extrema direita que, precisamos reconhecer, esta acontecendo como resultado de uma crise prolongada do mainstream político e principalmente da esquerda, que nunca conseguiu se adaptar bem e responder aos desafios de um mundo globalizado. Quando a maioria de um país vota para colocar no poder um governo contrário aos valores democráticos mais fundamentais, é preciso de um otimismo desbordante e uma ignorância completa do passado histórico para acreditar que tudo está ok, porque as instituições continuam sólidas.
Paradoxalmente, o que os romenos conseguiram nas ruas durante os últimos dez dias é exatamente o oposto da degradação democrática a que estamos assistindo nas chamadas democracias sólidas. Depois da revolução sangrenta que acabou com a ditadura comunista, a Romênia buscou construir as instituições que poderiam permitir sua integração na União Europeia. Para boa parte dos políticos responsáveis por esse esforço, a legislação e as instituições que estavam criando para o combate da corrupção eram, como costumam dizer os brasileiros, “pra inglês ver”. Mas a expectativa da impunidade começou a ser confrontada quando os jovens procuradores se mostraram implacáveis na aplicação da lei. Um primeiro ministro, os maiores magnatas de mídia, inúmeros deputados, senadores, e prefeitos acabaram presos. E, apesar do empenho da mídia subserviente a um partido político ou outro de denegrir essa luta, os romenos apoiaram este esforço de passar o país a limpo. Nos últimos anos, talvez porque passo a maior parte do tempo fora do país e por conta disso consigo perceber melhor as mudanças que acontecem à volta, a cultura popular parece ter evoluído. Costumava ser absolutamente natural oferecer propina a um policial por uma infração de trânsito – a expectativa era de que o policial aceitasse a propina antes que você continuava tranquilamente o seu dia. Não é mais assim. Se você for policial e solicitar propina, tem boas chances do cidadão que você parou se recusar a pagar ou até te denunciar. Se você for o autor do erro de trânsito, oferecer uma propina pode acabar complicando sua situação bem mais. A cultura cívica dos romenos evoluiu. Mas os seus líderes políticos parecem não ter reparado essa mudança ainda. E essa desconexão gerou as condições ideais para a maior explosão de protesto social já vista contra um Governo romeno eleito democraticamente.
O partido que governa hoje a Romênia, o PSD, tem muito em comum com o PMDB que hoje governa o Brasil (muito além da aparência de vampiro dos seus respectivos líderes). Como o PMDB, o PSD romeno se reivindica como um partido de origem centro-esquerdista e contra a ditadura, mas defende, de fato, valores sociais conservadores e políticas econômicas contrárias aos interesses dos mais pobres. Como o PMDB, o seu poder reside numa máquina clientelista extremamente bem estruturada pelo interior do país, com raízes no ordenamento político da antiga ditadura. Como o PMDB, o PSD não possui líderes de grande carisma. Mas nem precisa deles, pois tem seus Sarneys, Renans e Eunícios. E como o PMDB, essa máquina eleitoral do PSD tem resultados especialmente favoráveis quando as lideranças dos outros partidos mais sólidos de ponto de vista ideológico desapontam, como aconteceu na última eleição romena.
Em inúmeros aspectos, então, o atual Governo romeno é uma miniatura do brasileiro. Depois de ganhar uma ampla maioria no parlamento nas eleições de outubro passado, o PSD sentiu-se suficientemente forte para acertar algumas contas pendentes com o Judiciário. Numa versão piorada da anistia do caixa dois do Brasil, o Governo que tinha acabado de ser instalado passou um decreto de emergência que alterava a definição de vários crimes de corrupção e dificultava a investigação dos delitos. Seguindo as novas normas, por exemplo, qualquer fraude denunciada depois de mais de seis meses de haver sido cometida não poderia mais nem sequer ser investigada. O decreto foi assinado durante a noite, às três horas da manhã. Não muito diferente do que se tentou no Congresso brasileiro pouco tempo atrás.A sociedade romena que finalmente tem consciência do seu progresso moral pede uma classe política à altura dos seus novos valores
Quando amanheceu, o Governo acordou com o povo inteiro batendo à sua porta. Com toda sua maioria confortável no Congresso e mesmo controlando as duas redes de TV mais importantes do país, o PSD conseguiu levantar contra si, e de forma quase unânime, a sociedade toda. Centenas de milhares de pessoas saíram nas ruas não somente em Bucareste, mas em cidades grandes e pequenas pelo país inteiro. Em vez de jogar pedras nos policiais, os manifestantes ofereceram chá e louvaram o seu trabalho. “Estou com pena desses meninos que estão aqui no frio para defender uns bandidos sem vergonha”, contou uma avó para um repórter independente transmitindo ao vivo pelo Facebook. Novata na arte do protesto, a multidão romena inventa seu próprio repertório. Cada um tem seu cartaz. A maioria são bem divertidos. “Isso que acontece quando a gente vota sem ler os termos de uso”, está escrito em um. De repente, surge a ideia de iluminar o prédio do Governo com os flash dos celulares. Vamos jogar luz no que vocês estão fazendo, os manifestantes parecem dizer. Vamos mostrar para todo mundo a sua podridão e não poderão fugir. A rebelião ganha um nome. A revolução da luz. E todo mundo está surpreendido consigo mesmo. Como é que um ato tão miserável de um Governo corrupto pude resultar no final das contas numa experiência tão enaltecedora? Os romenos se sentem mais determinados, mais unidos e mais fortes do que nunca antes.
O Governo romeno acabou cedendo e retirou a lei infame. Os protestos cresceram mais ainda depois que isso aconteceu, mas aquela noite foi mais uma celebração coletiva para humilhar o Governo do que a tentativa derrubá-lo. A grande maioria das pessoas entendem que o partido que acabou de ganhar as eleições deveria ter mais uma chance para governar o país, desta vez fazendo o que prometeu em vez de atacar a luta contra a corrupção. Essa atitude moderada se deve em grande parte ao desapontamento com os outros partidos e líderes políticos. Para a maioria, não existe nenhuma garantia de que uma outra coligação partidária será muito mais confiável. A ideia predominante é a de que é preciso pressionar e fiscalizar todos os partidos. Uma sociedade que finalmente tem consciência do seu progresso moral pede uma classe política à altura dos seus novos valores. Ao “pelo menos não somos a Romênia” do McCain, os romenos agora podem responder exatamente o contrário. Sim, McCain, pelo menos somos romenos! Podemos não ter as melhores leis, instituições, Corte Suprema. Podemos ainda não termos nos livrado dos políticos corruptos que infernizam nossas vidas a cada dia que lemos jornais, mas temos uns aos outros e os nossos ideais de verdade, tolerância e justiça como fundamento do nosso futuro como nação. E isso é muito mais importante.
A revolução da luz ainda não venceu. Em momentos como esses, os manifestantes se sentem invencíveis e não se dão conta de que qualquer vitória de natureza coletiva é vulnerável ao desaparecimento da força que os uniu. Se conhecessem o Brasil, os romenos se dariam conta de que uma revolução da luz também parecia ter sido vencedora em sua versão tropical em junho de 2013. Os brasileiros também se sentiam unidos, orgulhosos, imparáveis. Acreditavam que poderiam parar a corrupção e ganhar finalmente o direito de serem governados de uma forma digna e transparente. Acabou sendo bem mais complicado. A parcialidade do Judiciário de um lado político ou do outro, a crescente polarização política e a constante manipulação pelos extremos que acontece nas bolhas das redes sociais acabou destruindo aquele precioso sentimento de união nacional, tão essencial para que a sociedade possa continuar mobilizada na defesa dos seus ideais. Alexandre de Moraes vai virar ministro do Supremo Tribunal Federal e ninguém está nas ruas. No Brasil, a revolução da luz parece ter sido uma alucinação numa noite de Carnaval.
Andrei Roman, criador da plataforma Atlas Político e do aplicativo Catalyst News.
Voltar às ruas
Em Brasília são sempre 19 horas. Como na fatídica “Hora do Brasil”. Pontualmente — e com a monotonia habitual —, os locutores apresentam um relato diário das atividades dos Três Poderes. Falam de um Brasil imaginário. Tentam, com muito esforço, apresentar as atividades da demoníaca Praça dos Três Poderes. O Brasil pode estar vivendo uma guerra civil. Mas lá, em Brasília, tudo continua como se vivêssemos o melhor dos mundos.
Durante a semana que passou, os principais assuntos foram a designação de Alexandre de Moraes para a vaga do STF, as manobras para dificultar o andamento da Lava-Jato, a tentativa fracassada de (novamente) aprovar a anistia para os crimes eleitorais e as especulações em torno do nome do novo ministro da Justiça. A tragédia do Espírito Santo não sensibilizou a elite política. Foi tratada como algo irrelevante — ou de restrita importância. Afinal, qual vantagem poderia ser obtida? Isto poderia levar a algum ganho na estrutura de poder? Abriria possibilidade de um bom negócio?
Brasília ignorou o que estava ocorrendo no Espírito Santo. O medo, a fome, os saques, as mortes, os prejuízos do comércio. Tudo foi tratado com descaso, como se a inconstitucional greve dos policiais militares estivesse atrapalhando a rotina burocrática dos donos do poder. No Senado, o principal assunto foi a eleição de Edison Lobão para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça, enquanto a Câmara continuou conspirando contra a Lava-Jato, e o Planalto passou a semana blindando Moreira Franco.
O descaso com os trágicos acontecimentos do Espírito Santo é o retrato cristalino da elite política brasileira. As lideranças partidárias silenciaram, como o fizeram os ministros das cortes superiores, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Excetuando o ministro da Defesa, o governo ignorou o drama dos capixabas. O Ministério da Justiça — pasta que deveria ter papel ativo na solução da crise — se omitiu. O ministro interino mal apareceu na imprensa para dar seu ar da graça. E, pior, o Palácio do Planalto silenciou. Só se pronunciou — e timidamente — uma semana após o início do motim da PM capixaba.
O sofrimento da população foi ignorado. Nenhuma liderança nacional foi dar apoio ao governador Paulo Hartung. Contudo, foram a São Paulo e São Bernardo do Campo prestar solidariedade a um criminoso, organizador do maior esquema de desvio de recursos públicos da história da humanidade, quando da morte da sua esposa. Pior, o Planalto decretou três dias de luto oficial. E os 140 mortos no Espírito Santo? Não merecem nenhuma consideração? Por quê?
Somos governados por uma elite perversa e hipócrita. Interesse público? Nenhum. Brasília, na sua eterna indiferença com os destinos do Brasil, a cada dia dá mostras de que a República que nasceu da Constituição de 1988 já deu o que tinha de dar — e deu pouco, para o povo, entenda-se.
O que chama a atenção é a crença dos donos do poder de que os brasileiros vão assistir passivamente ao velho jogo do é dando que se recebe. Como se a luta vitoriosa pelo impeachment tivesse esgotado a capacidade de mobilização. Ledo engano. No final de 2015, poucos imaginavam que, seis meses depois, Dilma Rousseff estaria fora da Presidência da República. E isto só ocorreu pela pressão popular.
Para o bloco do poder, o impeachment encerrou a crise política. Errado. O impeachment somente destampou a panela de pressão. A crise vai se agravar após as revelações das delações da Odebrecht. E mais ainda pela resistência organizada na Praça dos Três Poderes contra a Lava-Jato.
Não vai causar admiração quando as ruas retomarem o protagonismo que tiveram tão recentemente. Há um sentimento de que Brasília está da tal forma carcomida pela corrupção, que só é possível esperar algum novo golpe contra os interesses populares. Neste clima dificilmente serão aprovadas as reformas. E, se forem, deverão ter um alto custo político.
A questão central é que a velha ordem quer se manter a todo custo no poder. E tem milhares de apoiadores — sócios menores e maiores — que vivem à sombra do saque do Estado. Usam, paradoxalmente, do estado democrático de direito para se defender. Ou seja, a lei, ao invés de proteger o Estado e a cidadania, acabou se transformando em instrumento que garante e protege os corruptos.
O risco de a crise política se transformar em crise social é grande. As finanças estaduais estão exauridas. Os serviços públicos estão sucateados. O desemprego é alto. E a falta de rápida e severa punição dos crimes de corrupção acaba desmoralizando as instituições e estimulando o desprezo pela democracia.
No horizonte, nada indica que a elite política tenha consciência da real situação do país. A crise não frequenta os salões de Brasília. Lá a vida continua bela — como sempre. É necessário desatar o nó górdio. Mais uma vez, este será o papel das ruas. O simples protesto individual é inócuo. Foi uma grande vitória derrotar o projeto criminoso de poder. Mas é ainda insuficiente. As forças de conservação são poderosas. Espertamente — e não é a primeira vez ao longo da nossa história — pegaram carona na indignação popular para se manter no novo bloco de poder. E são elas os principais obstáculos para a plenitude republicana.
Hoje, a grande tarefa é derrotar politicamente a Praça dos Três Poderes. O Brasil é melhor do que o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. E esta tarefa é da sociedade civil. Não será fácil. Mas é indispensável.
Marco Antonio Villa
Orquestra do Titanic
Nos últimos trinta anos o Brasil mudou. Depois de reconquistar a democracia, a sociedade evoluiu, os critérios do maléfico e do benéfico se agravaram, novos valores se incorporaram ao cotidiano das pessoas. Devagar, o país trilha o caminho inexorável da modernidade. As maneiras da política, no entanto, permanecem referidas na antiguidade.
Nada mais velho no front do Parlamento que as recentes eleições para as presidências da Câmara e do Senado, evidência da distância abissal entre a oferta dos métodos vencidos dos representantes e a demanda dos representados por meios mais avançados.
À semelhança dos músicos que entoavam as melodias do melhor tempo enquanto o Titanic afundava, deputados e senadores conduziram os processos de sucessão como se mal algum os acometesse nem ameaçasse. Falamos de uma espécie humana que não pode andar na rua, caminhar na praia, frequentar um restaurante ou entrar num avião sem o risco de levar uma invertida nas ventas.
O senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) e o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) elegeram-se com a tranquilidade dos cemitérios. Sem ocorrências relevantes, alheios à realidade de fora em que o carrinho sobe a montanha-russa vagarosamente, mas está prestes a desabar na toada da Operação Lava-Jato.
Eunício Oliveira é o 21º presidente do Senado desde a redemocratização, período no qual o posto foi ocupado dezesseis vezes por senadores filiados ao PMDB, considerados aqui os quatro mandatos de Renan Calheiros e José Sarney cada um, eleitos e reeleitos a despeito de escândalos, denúncias e processos.
Réu perante o Supremo Tribunal Federal, Calheiros foi aclamado líder do partido por seus pares que não encontraram em sua folha corrida impedimento algum. Além dele, nos últimos 32 anos dois presidentes do Senado (Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho) viram-se na contingência de renunciar ao cargo para não perder o mandato por quebra do decoro parlamentar.
Assim como seu colega do Senado, Rodrigo Maia é citado em delações decorrentes da Lava-Jato. Foi eleito com a sustentação do governo federal, presidido por Michel Temer, que é apontado por delatores como beneficiário do duto de propinas construído entre partidos e empreiteiras, alvo do Tribunal Superior Eleitoral em acusação de uso indevido de recursos na campanha presidencial de 2014.
O que significa o relato acima? Que as trocas nos postos não correspondem à mudança dos fatos. E fato é que a vida passou na janela, mas só o Congresso não viu. Pagará em breve o preço da indiferença aos postulados éticos. Cidadãos podem até não corresponder a esses critérios no cotidiano, mas esperam que seus representantes observem as regras da melhor conduta.
Com razão. Racionalidade cuja expressão é a busca do voto. Eleitor indiferente corresponde a eleito frouxo. Tal indiferença abre espaço para o que der e vier. Notadamente a representantes permeáveis ao que vier e der. Portanto, amigos leitores e caras leitoras, vamos ao nosso trabalho de cobrar, examinar e julgar.
Nada mais velho no front do Parlamento que as recentes eleições para as presidências da Câmara e do Senado, evidência da distância abissal entre a oferta dos métodos vencidos dos representantes e a demanda dos representados por meios mais avançados.
O senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) e o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) elegeram-se com a tranquilidade dos cemitérios. Sem ocorrências relevantes, alheios à realidade de fora em que o carrinho sobe a montanha-russa vagarosamente, mas está prestes a desabar na toada da Operação Lava-Jato.
Eunício Oliveira é o 21º presidente do Senado desde a redemocratização, período no qual o posto foi ocupado dezesseis vezes por senadores filiados ao PMDB, considerados aqui os quatro mandatos de Renan Calheiros e José Sarney cada um, eleitos e reeleitos a despeito de escândalos, denúncias e processos.
Réu perante o Supremo Tribunal Federal, Calheiros foi aclamado líder do partido por seus pares que não encontraram em sua folha corrida impedimento algum. Além dele, nos últimos 32 anos dois presidentes do Senado (Antônio Carlos Magalhães e Jader Barbalho) viram-se na contingência de renunciar ao cargo para não perder o mandato por quebra do decoro parlamentar.
Assim como seu colega do Senado, Rodrigo Maia é citado em delações decorrentes da Lava-Jato. Foi eleito com a sustentação do governo federal, presidido por Michel Temer, que é apontado por delatores como beneficiário do duto de propinas construído entre partidos e empreiteiras, alvo do Tribunal Superior Eleitoral em acusação de uso indevido de recursos na campanha presidencial de 2014.
O que significa o relato acima? Que as trocas nos postos não correspondem à mudança dos fatos. E fato é que a vida passou na janela, mas só o Congresso não viu. Pagará em breve o preço da indiferença aos postulados éticos. Cidadãos podem até não corresponder a esses critérios no cotidiano, mas esperam que seus representantes observem as regras da melhor conduta.
Com razão. Racionalidade cuja expressão é a busca do voto. Eleitor indiferente corresponde a eleito frouxo. Tal indiferença abre espaço para o que der e vier. Notadamente a representantes permeáveis ao que vier e der. Portanto, amigos leitores e caras leitoras, vamos ao nosso trabalho de cobrar, examinar e julgar.
Cidadania analfabeta
Os brasileiros precisam reavaliar urgentemente seu real entendimento sobre o significado da palavra derrota. A Nação ainda guarda prolongado luto, que lembra as viúvas ibéricas de antigamente, pela perda da Copa do Mundo em 1950 contra o Uruguai. O placar de 7 a 1 que nos foi imposto pela Alemanha na Copa de 2014 continua sendo uma flecha da vergonha vibrando no ar. Porém o País permanece imperturbável ante nosso fracasso perante a OCDE no quesito educação. Este, sim, mereceria o pranto derramado das melhores carpideiras.
A sigla OCDE identifica a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, com sede em Paris, que reúne 34 países e defende as bandeiras da democracia e da economia de livre mercado. Nasceu de uma iniciativa de nações europeias para colaborar na aplicação do Plano Marshall, criado pelo presidente Harry Truman (1884-1972) para reerguer o continente sobre os escombros da 2.ª Guerra Mundial.
Lá, na sua classificação relativa ao pagamento dos professores da educação básica, o Brasil aparece em penúltimo lugar. Despendemos constrangedores US$ 10.375 anuais como salário inicial. Talvez fosse melhor que já ficássemos em último, pois a indigência seria de tal ordem que a posição receberia o benefício da comiseração. Mas, não. Ganhamos da Tailândia, que paga pungentes US$ 1.500. Os dados estão à disposição de todos na web.
A julgar pela reação observada na população, a classificação não lhe parece dizer respeito. Aliás, o novo piso salarial para a categoria em 2017, que totaliza R$ 2.298,80, anunciado dias atrás pelo ministro da Educação, Mendonça Filho, foi recebido com idêntico descuido. Foi como se ouvíssemos a previsão do tempo sem chuvas e sem muito calor. Nem mesmo um dado positivo mexeu com os ânimos. Foi o fato de que, de 2009 para cá, houve um aumento gradativo dos vencimentos, cujo acumulado superou os índices de inflação. Trata-se de um sopro de esperança que supõe dias melhores. E, como aprendemos, a esperança é a última que morre. Portanto, fé no giz, no apagador e pé na tábua!
Sabemos, inexoravelmente, que níveis salariais caminham juntamente com a qualidade do trabalho requerido e esperado. Tal princípio, nesse particular, é confirmado pelos países bem resolvidos no assunto, particularmente a Coreia do Sul, decantada planetariamente como modelo de desenvolvimento ágil e consistente. Lá os professores iniciantes levam anualmente para casa US$ 28.591. A alfabetização contempla 97,9% da população.
Quanto a nós, ficamos com 91%, segundo informa o IBGE. A porcentagem sugere algo em torno de 18 milhões de analfabetos. (Nesse quadro o Nordeste é campeão absoluto. Em Alagoas são 19,66%; no Maranhão, 18,76%.) Mas, atenção: não estamos falando apenas de algarismos, como se um operador da Bovespa estivesse comunicando as cotações do dia. Atrás deles se encontra um contingente gigantesco de seres humanos que imprimem o polegar direito nos documentos a título de assinatura. Ou que, perplexos, veem sopas de letras diante dos seus olhos do mesmo modo que os letrados olham os ladrilhos de argila com a escrita cuneiforme dos sumérios.
Convém ressaltar que a promoção sul-coreana embute uma intenção essencial e estratégica: a prioridade na educação como alavanca de crescimento, atrelada à sua condição primordial de instrumento civilizatório. Trata-se de uma lição e de dever de casa que estamos fazendo com atraso e a duras penas, como tudo o que ganha ares de urgência.
Por ironia, sempre tivemos um espelho próximo para nos refletirmos, que é a vizinha Argentina. E aí emerge a figura do presidente Domingos Faustino Sarmiento, que governou o país de 1868 a 1874. A Argentina desfruta invejável situação no capítulo da alfabetização, com apenas 1,9% de analfabetos no conjunto dos 41,45 milhões de habitantes.
Domingos Sarmiento era um escritor de nomeada. Teria um status parecido com o do nosso José de Alencar. Mas abdicou da literatura durante seu período na Casa Rosada, conforme atestam duas proclamações que ficaram famosas. “Serei na presidência da República como sempre fui: antes de mais nada, mestre-escola” e “a escola é o centro da democracia e o baluarte contra a barbárie”. Fez uma espécie de pacto tácito com os argentinos no sentido de privilegiar a educação. Importou 65 professores dos Estados Unidos para criar o curso normal. Tornou obrigatório o curso primário. Criou 800 escolas e 100 bibliotecas. Os alunos saltaram de 30 mil para 100 mil.
Por essa época a população hermana era de 1,83 milhão de habitantes, 82% analfabetos. Sua atual taxa de alfabetização, de 98,1%, se situa entre as primeiras do planeta – não esquecer que a nossa, citada linhas atrás, é de 91%. Não por acaso, sua modesta casa de veraneio no delta do Rio Tigre (dois quartos) é protegida por um cubo blindado transparente para atestar o apreço que a Argentina lhe dedica.
Infelizmente, não tivemos a sorte dos nossos vizinhos. Nem prestamos atenção em algo portenho que tanto veneramos, que é a letra do tango Mano a Mano (1923): “Si precisás una ayuda, si te hace falta un consejo/ Acordate deste amigo (...)/ P’ayudarte en lo que pueda”...
Agora estamos com a batata quente nas mãos. A má remuneração dos professores não afeta somente uma categoria profissional. Atinge, sobretudo, a qualidade de vida e a boa formação dos futuros cidadãos brasileiros. O Censo Escolar de 2015 informa que não serão poucos. A rede pública nacional de educação básica tem 38,6 milhões de alunos.
Essa perspectiva perturbadora leva a dois outros versos, que abrem o poema No Meio do Caminho (1928), de Carlos Drummond de Andrade: “No meio do caminho tinha uma pedra/ Tinha uma pedra no meio do caminho”. Versejadores costumam ser proféticos.
A sigla OCDE identifica a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, com sede em Paris, que reúne 34 países e defende as bandeiras da democracia e da economia de livre mercado. Nasceu de uma iniciativa de nações europeias para colaborar na aplicação do Plano Marshall, criado pelo presidente Harry Truman (1884-1972) para reerguer o continente sobre os escombros da 2.ª Guerra Mundial.
A julgar pela reação observada na população, a classificação não lhe parece dizer respeito. Aliás, o novo piso salarial para a categoria em 2017, que totaliza R$ 2.298,80, anunciado dias atrás pelo ministro da Educação, Mendonça Filho, foi recebido com idêntico descuido. Foi como se ouvíssemos a previsão do tempo sem chuvas e sem muito calor. Nem mesmo um dado positivo mexeu com os ânimos. Foi o fato de que, de 2009 para cá, houve um aumento gradativo dos vencimentos, cujo acumulado superou os índices de inflação. Trata-se de um sopro de esperança que supõe dias melhores. E, como aprendemos, a esperança é a última que morre. Portanto, fé no giz, no apagador e pé na tábua!
Sabemos, inexoravelmente, que níveis salariais caminham juntamente com a qualidade do trabalho requerido e esperado. Tal princípio, nesse particular, é confirmado pelos países bem resolvidos no assunto, particularmente a Coreia do Sul, decantada planetariamente como modelo de desenvolvimento ágil e consistente. Lá os professores iniciantes levam anualmente para casa US$ 28.591. A alfabetização contempla 97,9% da população.
Quanto a nós, ficamos com 91%, segundo informa o IBGE. A porcentagem sugere algo em torno de 18 milhões de analfabetos. (Nesse quadro o Nordeste é campeão absoluto. Em Alagoas são 19,66%; no Maranhão, 18,76%.) Mas, atenção: não estamos falando apenas de algarismos, como se um operador da Bovespa estivesse comunicando as cotações do dia. Atrás deles se encontra um contingente gigantesco de seres humanos que imprimem o polegar direito nos documentos a título de assinatura. Ou que, perplexos, veem sopas de letras diante dos seus olhos do mesmo modo que os letrados olham os ladrilhos de argila com a escrita cuneiforme dos sumérios.
Convém ressaltar que a promoção sul-coreana embute uma intenção essencial e estratégica: a prioridade na educação como alavanca de crescimento, atrelada à sua condição primordial de instrumento civilizatório. Trata-se de uma lição e de dever de casa que estamos fazendo com atraso e a duras penas, como tudo o que ganha ares de urgência.
Por ironia, sempre tivemos um espelho próximo para nos refletirmos, que é a vizinha Argentina. E aí emerge a figura do presidente Domingos Faustino Sarmiento, que governou o país de 1868 a 1874. A Argentina desfruta invejável situação no capítulo da alfabetização, com apenas 1,9% de analfabetos no conjunto dos 41,45 milhões de habitantes.
Domingos Sarmiento era um escritor de nomeada. Teria um status parecido com o do nosso José de Alencar. Mas abdicou da literatura durante seu período na Casa Rosada, conforme atestam duas proclamações que ficaram famosas. “Serei na presidência da República como sempre fui: antes de mais nada, mestre-escola” e “a escola é o centro da democracia e o baluarte contra a barbárie”. Fez uma espécie de pacto tácito com os argentinos no sentido de privilegiar a educação. Importou 65 professores dos Estados Unidos para criar o curso normal. Tornou obrigatório o curso primário. Criou 800 escolas e 100 bibliotecas. Os alunos saltaram de 30 mil para 100 mil.
Por essa época a população hermana era de 1,83 milhão de habitantes, 82% analfabetos. Sua atual taxa de alfabetização, de 98,1%, se situa entre as primeiras do planeta – não esquecer que a nossa, citada linhas atrás, é de 91%. Não por acaso, sua modesta casa de veraneio no delta do Rio Tigre (dois quartos) é protegida por um cubo blindado transparente para atestar o apreço que a Argentina lhe dedica.
Infelizmente, não tivemos a sorte dos nossos vizinhos. Nem prestamos atenção em algo portenho que tanto veneramos, que é a letra do tango Mano a Mano (1923): “Si precisás una ayuda, si te hace falta un consejo/ Acordate deste amigo (...)/ P’ayudarte en lo que pueda”...
Agora estamos com a batata quente nas mãos. A má remuneração dos professores não afeta somente uma categoria profissional. Atinge, sobretudo, a qualidade de vida e a boa formação dos futuros cidadãos brasileiros. O Censo Escolar de 2015 informa que não serão poucos. A rede pública nacional de educação básica tem 38,6 milhões de alunos.
Essa perspectiva perturbadora leva a dois outros versos, que abrem o poema No Meio do Caminho (1928), de Carlos Drummond de Andrade: “No meio do caminho tinha uma pedra/ Tinha uma pedra no meio do caminho”. Versejadores costumam ser proféticos.
Férias, este privilégio
Nancy Carpenter |
O plano é simples: o sujeito agradece à vida pelo emprego que tem e tira férias, enquanto a senhora da foice não chega, porque a aposentadoria… essa não vem mesmo. Para ocupar uma parte das férias ele decide por curtir rapidamente, pois a senhora inflação também fez o seu trabalho, nosso poder de compra é o de uma sabiá travessa, pelo menos pra mim, que sou um homem banal, que pensa em mar durante as férias.
Meu destino de viagem rápida foi nosso litoral carioca. Onde estão as praias? Lá fui eu atrás de água salgada. Não demorei a captar no arco de minha visão a imagem da areia branca que eu adoro, adiante o azul do oceano. Besuntado de filtro solar, fora raios UVA e UVB, quis mergulhar na água límpida.
Senti a civilização aí. Dei-me conta do celular, carteira, chave de casa. Olha a responsabilidade versus a liberdade, a comunhão ideal com a natureza prejudicada. Do celular eu queria as fotos, férias têm um quê de malandragem perante à comunidade. Neste instante da famosa era comum não se foge mais das férias alheias, lidemos com as imagens e palpitações.
Precisava do celular inclusive para ligações. E da minha carteira? Não conseguiria me livrar dela também, queria depois do mergulho provar uma água de coco, por exemplo. Levaria só dinheiro? Mas e a passadinha no quiosque para comer um negocinho, beber uma cerveja gelada? Sem cartão não dá. A chave poderia abandonar no bolso fechado a velcro da bermuda. Duvido que molhada bloqueasse meu retorno ao lar em pele fumegante, alucinado por uma chuveirada fria que me separasse do sal.
A civilização é esta: experimente uma praia de nosso litoral e verá que o introito impõe suas condições, junto aparece um mal-estar nada passageiro, reagindo contra nossa burrice de plásticos largados na natureza incomparável. Civilização tem mais a ver com destruir do que pensamos. E nos enganamos imaginando que tem como dar certo, não há qualquer garantia disso, a gente se extingue a partir do bom-dia. Sem parar.
Preciso terminar a crônica. Salvaram-me da inadequação terrível duas senhoras que conversavam enquanto seus netos brincavam na água rasa. De outra vez salvou-me um pescador, a quem perguntei se o mar não estava muito mexido. Entreguei minha civilização para eles e virei um peixe. Sabe como é, peixe deste nosso mar não fecha olho. Era um olho meu na onda e outro na civilização ancorada na areia.
A 'pós-mentira'
“Pós-verdade” é a nova palavra para justificar o caos psicológico do mundo atual. Que p*** é essa? É o seguinte: a história ficou mais imprevisível. Ninguém sabe a solução, e, pior, nem entendemos ainda a extensão do problema.
As pessoas passam a buscar uma certeza qualquer. No entanto, já sabemos que o presente é inexplicável e não nos levará a plenitude alguma. A ideia de “futuro” mixou. E, como não há em que acreditar, como não há verdades sólidas, inventaram esse termo para travestir a boa e velha mentira.
Parece filosofia barata (e talvez seja), mas o grande vazio atual pode ser simplesmente a saudade dos “universais”. Ou seja, conceitos que servem para nomear definitivamente, totalmente, fenômenos e sentimentos humanos: liberdade, amor, solidariedade, compaixão, direitos e deveres morais, dignidade na vida. A propósito, disse uma vez o Baudrillard: “Hoje não há mais o ‘universal’, só o singular e o mundial”. Na mosca.
É isso. Em seu lugar, surgiram os universais do mal: egoísmo, beleza da vingança, desprezo pelos fracos, elogio da religião mais bruta, ódio ao presente, desprezo pela ciência, pela arte. É a crença no mal contra um bem ineficaz – a defesa do absurdo contra a lentidão da razão e da democracia.
Cito de novo o Baudrillard (para a desconfiança de acadêmicos que o consideram “menor”). Bem, ele falava que no tempo em que vivemos, não há mais bandeiras possíveis – só nos resta a frágil defesa dos “direitos humanos”.
É verdade: como influir num mundo que virou um pesadelo humorístico, regido por seres repulsivos como Putin, o porquinho da Coreia do Norte, o Assad assassino e, agora, um dos piores seres vivos criou uma subideologia de extrema direita: o “trumpismo”, ou seja, a rebelião dos imbecis contra qualquer progresso na qualidade de vida.
Assim, a ignorância passa a ser uma virtude: dentro dela mora a recusa contra os labirintos da vida reflexiva. A ignorância encarnaria uma verdade acima de complexidades entediantes. Assim foi eleito o Bush, assim temos agora o grande espantalho no poder (nunca pensei que teria saudades do Bush...). Bush é um hippie perto do Trump (em inglês, “to trump” quer dizer planejar fraudes!...)
E para os pobres diabos do povão, incrivelmente, as ideias mais malucas parecem revolucionárias e corajosas. Vejam o muro contra o México. Vejam seu boquete no Putin.
A fragilidade da democracia animou os canalhas do mundo inteiro. Em nome dela, Erdogan arrasa o progresso secular da Turquia, Dutarte queima veados e drogados na Filipinas, Assad bombardeia, o Putin envenena e prende adversários, e por aí vai...
A nova forma de ditadura é um design de democracia autoritária, populista; mas essa forma de tomar o poder não tem a solidez finalista de projetos ideológicos como o nazismo ou o fascismo. Não, são delírios pessoais de sujeitos malucos e carismáticos que criaram a tal “pós-verdade”, como apelidaram oportunistamente...
Trata-se de um universo de ideias (falsas) que, se repetidas persistentemente, criam uma nova plataforma de fatos alternativos que explicariam o mundo de forma simplista e dogmática: quem duvidar é inimigo e mentiroso. Buscam uma verdade absoluta que, no duro, é um sonho totalitário. O que seria da sociedade sem o uso da mentira? O que seria do homem sem a privacidade de sua loucura?
Tweets, e-mails, Facebook, são os canais das grandes mentiras digitais, com milhões de idiotas “compartilhando” informações que desconhecem. A mídia tradicional fica acuada pela velocidade de panfletos odiosos que querem mudar a vida social, como fizeram no passado os jornalecos que inundaram o século XIX e provocaram em parte a Guerra da Secessão.
Pós-verdade é uma política cultural em que os debates são caracterizados por emoções, desconectadas dos fatos. Na pós-verdade é que os demagogos repetem e reafirmam seus argumentos, mesmo que eles sejam falsos. Para a chamada “pós-verdade”, os fatos são negativos. Os fatos são pessimistas. Os fatos são pouco patrióticos. Sempre que o Trump é flagrado em mais uma mentira, ele e sua equipe inventam outra maior do que a primeira. Mesmo com fotos provando, o rato declarou que em sua posse havia mais pessoas do que na posse do Obama. E os idiotas acreditam.
O que está acontecendo hoje já tinha sido previsto pelo Tocqueville em 1831, quando ele esteve na América, durante o governo de Andrew Jackson, sórdido matador de índios e negros, além de ter jogado o país numa recessão pesada. Claro que ele é o homem do retrato no gabinete do Trump.
O trágico e o patético é que o elemento acima não tem projeto algum a não ser desmoralizar os USA, ou melhor, desmoralizar a democracia. E desmoralizar também os sentimentos humanos, como faz sempre o Estado Islâmico. E ele já conseguiu. Em 15 dias, a América virou uma piada internacional. Todos riem: como elegeram um escroto como ele?
Trump vai criar grandes crises mundiais somente para festejar seu ego. É um perigo esse psicótico no poder, como naquele filme do “Dr. Fantástico”, lembram? Ou então – o grande livro de Orwell – “1984” – só que agora em forma de chanchada criada por um cara mentalmente doente.
Trump é uma espécie de terrorista, um homem-bomba americano que pode topar até a destruição do país para provar sua doença narcísica, a psicopatia que não admite oposição alguma. Pois, no meio de um discurso presidencial, ele não protestou contra uma loja que não vendia mais roupas de sua filha Ivanka? Um presidente perder tempo com isso só prova que ele é doido.
O que fazer? Ninguém sabe. Mas é difícil imaginar esse cara por quatro anos no poder. Se bobear, o mundo acaba antes. Boa viagem.
As pessoas passam a buscar uma certeza qualquer. No entanto, já sabemos que o presente é inexplicável e não nos levará a plenitude alguma. A ideia de “futuro” mixou. E, como não há em que acreditar, como não há verdades sólidas, inventaram esse termo para travestir a boa e velha mentira.
Parece filosofia barata (e talvez seja), mas o grande vazio atual pode ser simplesmente a saudade dos “universais”. Ou seja, conceitos que servem para nomear definitivamente, totalmente, fenômenos e sentimentos humanos: liberdade, amor, solidariedade, compaixão, direitos e deveres morais, dignidade na vida. A propósito, disse uma vez o Baudrillard: “Hoje não há mais o ‘universal’, só o singular e o mundial”. Na mosca.
Cito de novo o Baudrillard (para a desconfiança de acadêmicos que o consideram “menor”). Bem, ele falava que no tempo em que vivemos, não há mais bandeiras possíveis – só nos resta a frágil defesa dos “direitos humanos”.
É verdade: como influir num mundo que virou um pesadelo humorístico, regido por seres repulsivos como Putin, o porquinho da Coreia do Norte, o Assad assassino e, agora, um dos piores seres vivos criou uma subideologia de extrema direita: o “trumpismo”, ou seja, a rebelião dos imbecis contra qualquer progresso na qualidade de vida.
Assim, a ignorância passa a ser uma virtude: dentro dela mora a recusa contra os labirintos da vida reflexiva. A ignorância encarnaria uma verdade acima de complexidades entediantes. Assim foi eleito o Bush, assim temos agora o grande espantalho no poder (nunca pensei que teria saudades do Bush...). Bush é um hippie perto do Trump (em inglês, “to trump” quer dizer planejar fraudes!...)
E para os pobres diabos do povão, incrivelmente, as ideias mais malucas parecem revolucionárias e corajosas. Vejam o muro contra o México. Vejam seu boquete no Putin.
A fragilidade da democracia animou os canalhas do mundo inteiro. Em nome dela, Erdogan arrasa o progresso secular da Turquia, Dutarte queima veados e drogados na Filipinas, Assad bombardeia, o Putin envenena e prende adversários, e por aí vai...
A nova forma de ditadura é um design de democracia autoritária, populista; mas essa forma de tomar o poder não tem a solidez finalista de projetos ideológicos como o nazismo ou o fascismo. Não, são delírios pessoais de sujeitos malucos e carismáticos que criaram a tal “pós-verdade”, como apelidaram oportunistamente...
Trata-se de um universo de ideias (falsas) que, se repetidas persistentemente, criam uma nova plataforma de fatos alternativos que explicariam o mundo de forma simplista e dogmática: quem duvidar é inimigo e mentiroso. Buscam uma verdade absoluta que, no duro, é um sonho totalitário. O que seria da sociedade sem o uso da mentira? O que seria do homem sem a privacidade de sua loucura?
Tweets, e-mails, Facebook, são os canais das grandes mentiras digitais, com milhões de idiotas “compartilhando” informações que desconhecem. A mídia tradicional fica acuada pela velocidade de panfletos odiosos que querem mudar a vida social, como fizeram no passado os jornalecos que inundaram o século XIX e provocaram em parte a Guerra da Secessão.
Pós-verdade é uma política cultural em que os debates são caracterizados por emoções, desconectadas dos fatos. Na pós-verdade é que os demagogos repetem e reafirmam seus argumentos, mesmo que eles sejam falsos. Para a chamada “pós-verdade”, os fatos são negativos. Os fatos são pessimistas. Os fatos são pouco patrióticos. Sempre que o Trump é flagrado em mais uma mentira, ele e sua equipe inventam outra maior do que a primeira. Mesmo com fotos provando, o rato declarou que em sua posse havia mais pessoas do que na posse do Obama. E os idiotas acreditam.
O que está acontecendo hoje já tinha sido previsto pelo Tocqueville em 1831, quando ele esteve na América, durante o governo de Andrew Jackson, sórdido matador de índios e negros, além de ter jogado o país numa recessão pesada. Claro que ele é o homem do retrato no gabinete do Trump.
O trágico e o patético é que o elemento acima não tem projeto algum a não ser desmoralizar os USA, ou melhor, desmoralizar a democracia. E desmoralizar também os sentimentos humanos, como faz sempre o Estado Islâmico. E ele já conseguiu. Em 15 dias, a América virou uma piada internacional. Todos riem: como elegeram um escroto como ele?
Trump vai criar grandes crises mundiais somente para festejar seu ego. É um perigo esse psicótico no poder, como naquele filme do “Dr. Fantástico”, lembram? Ou então – o grande livro de Orwell – “1984” – só que agora em forma de chanchada criada por um cara mentalmente doente.
Trump é uma espécie de terrorista, um homem-bomba americano que pode topar até a destruição do país para provar sua doença narcísica, a psicopatia que não admite oposição alguma. Pois, no meio de um discurso presidencial, ele não protestou contra uma loja que não vendia mais roupas de sua filha Ivanka? Um presidente perder tempo com isso só prova que ele é doido.
O que fazer? Ninguém sabe. Mas é difícil imaginar esse cara por quatro anos no poder. Se bobear, o mundo acaba antes. Boa viagem.
Temer inventa demissão em suaves prestações
Incomodado com o noticiário sobre o complô anti-Lava Jato que se move no eixo Planalto-Congresso, Michel Temer veio à boca do palco para dizer meio dúzia de palavras. Rodeado de auxiliares tóxicos, Temer esclareceu: se algum ministro for denunciado pela Procuradoria, será afastado temporariamente do governo (pode me chamar de licença com vencimentos e foro privilegiado). O denunciado só será demitido se for transformado em réu pelo Supremo Tribunal Federal. Espremendo-se as palavras do presidente, ficou entendido o seguinte: não adianta empurrar, porque Temer não se afastará dos amigos facilmente. Enquanto for possível, permanecerá abraçado a delatados como Moreira Franco e Eliseu Padilha.
Quem ouve de relance, imagina que Temer está sendo rígido. Denunciados subirão no telhado. Réus irão para o olho da rua. Mas, na verdade, o que há é um rebaixamento dos padrões éticos do governo. Romero Jucá, você se lembra, foi afastado do Ministério do Planejamento 13 dias depois de assumir porque sua voz soou num grampo dizendo que era preciso “estancar a sangria” da Lava Jato. Jucá é investigado. Não foi denunciado. Tampouco virou réu. Pelo novo padrão de Temer, Jucá ainda seria ministro.
Há uma esperteza primária no modelo criado por Temer para lidar com auxiliares suspeitos. Em Brasília, a Lava Jato caminha num ritmo de lesma. Na Capital, a Procuradoria é mais lenta do que em Curitiba. A lentidão também é uma das marcas do Supremo. Não é incomum que uma denúncia demore mais de dois anos para ser apreciada na Suprema Corte. Ou seja: o governo Temer vai avabar e ele ta;lvez nao precise demitir os amigos.
Foi por isso que Temer inventou a demissão em suaves prestações. Passa a delação. Vem a denúncia. E o sujeito só começa a pagar se virar réu. Temer subestima a inteligência da plateia. O brasileiro não é precisamente contra a embromação. Só não gosta de ser embromado.
Há uma esperteza primária no modelo criado por Temer para lidar com auxiliares suspeitos. Em Brasília, a Lava Jato caminha num ritmo de lesma. Na Capital, a Procuradoria é mais lenta do que em Curitiba. A lentidão também é uma das marcas do Supremo. Não é incomum que uma denúncia demore mais de dois anos para ser apreciada na Suprema Corte. Ou seja: o governo Temer vai avabar e ele ta;lvez nao precise demitir os amigos.
Foi por isso que Temer inventou a demissão em suaves prestações. Passa a delação. Vem a denúncia. E o sujeito só começa a pagar se virar réu. Temer subestima a inteligência da plateia. O brasileiro não é precisamente contra a embromação. Só não gosta de ser embromado.
Falta combinar com a rua
Aconteceu há 25 anos. No fim da tarde de sexta-feira, 17 de fevereiro de 1992, um empresário do setor de higiene hospitalar foi recebido pelo presidente de uma instituição pública de saúde. Tenso, entregou-lhe um envelope com dinheiro, sete milhões, já explicando que ainda não conseguira os outros sete combinados. Era parte da propina de 10% exigida para novo contrato de limpeza.
— Quando vem o resto?
Luca Magni ouviu, ajeitou o paletó com a caneta transmissora no bolso, e respondeu:
— Na próxima semana.
O empresário saiu, policiais entraram e prenderam o presidente do serviço de Saúde, Mario Chiesa, político do Partido Socialista Italiano que sonhava ser prefeito de Milão.
Ninguém ali podia imaginar, mas protagonizavam um evento que, pela década seguinte, revelaria uma Itália dominada pela corrupção. Empresários, políticos e servidores compunham uma engrenagem de roubo de dinheiro público.
Mãos Limpas, codinome dessa ação judicial italiana, está no DNA da Lava-Jato brasileira. Foi relatada em obra dos repórteres Gianni Barbacetto, Peter Gomez e Marco Travaglio. A recente edição no Brasil tem prefácio de um juiz federal em Curitiba, Sérgio Moro. Exige fôlego (896 páginas), mas a leitura flui como em “Lava Jato”, de Vladimir Netto. São livros complementares.
Os italianos narram uma história de império da Justiça até a forte reação legislativa dos corrompidos, apoiados pelos corruptores. Nessa encruzilhada hoje se encontra a Lava-Jato.
Lá, em oito anos, foram investigadas 6.059 pessoas — entre elas, 483 parlamentares, dos quais quatro ex-primeiros-ministros. Contaram-se 2.993 prisões e cerca de mil condenações. Empresários se suicidaram, sobreviventes se beneficiaram da anistia autoconcedida pelos políticos.
Aqui, em quase três anos, são 788 investigados com 188 prisões — 90% empresários, e um político com mandato. Contam-se 120 condenações na primeira instância judicial.
Até dezembro, apenas três ações haviam sido abertas contra parlamentares no Supremo. Uma contra o deputado federal Nelson Meurer (PP-PR) e duas contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ), enviadas a Curitiba depois da sua cassação.
O Supremo terminou 2016 aguardando decisão da Procuradoria-Geral sobre 58 inquéritos sem denúncia formalizada, de acordo com o relator no STF, Teori Zavascki. Desses, 25 (ou 43%) estavam na polícia ou no Ministério Público. O restante fora ao arquivo (seis casos), juntados ou redistribuídos a outros juízes (27).
Um mês antes de morrer, na segunda-feira 19 de dezembro, o juiz Zavascki exibiu uma planilha com essas informações. Quis deixar claro que estava “em dia” com os processos — numa crítica indireta ao ritmo da Procuradoria-Geral. Sua ausência estimulou alguns no governo e no Congresso a redobrar a aposta num “grande acordo nacional”, como prescrevia o senador Romero Jucá (PMDB-RR), depois do carnaval do ano passado:
— Com o Supremo, com tudo...
— Aí parava tudo — retrucou o dono do gravador, Sérgio Machado, ex-presidente da estatal Transpetro.
— É. Delimitava onde está, pronto — arrematou o senador.
No Congresso sobram evidências de tentativas para um certo “acordo nacional”. O problema é o mesmo do último carnaval: falta combinar com a rua.
José Casado
— Quando vem o resto?
Luca Magni ouviu, ajeitou o paletó com a caneta transmissora no bolso, e respondeu:
— Na próxima semana.
O empresário saiu, policiais entraram e prenderam o presidente do serviço de Saúde, Mario Chiesa, político do Partido Socialista Italiano que sonhava ser prefeito de Milão.
Ninguém ali podia imaginar, mas protagonizavam um evento que, pela década seguinte, revelaria uma Itália dominada pela corrupção. Empresários, políticos e servidores compunham uma engrenagem de roubo de dinheiro público.
Os italianos narram uma história de império da Justiça até a forte reação legislativa dos corrompidos, apoiados pelos corruptores. Nessa encruzilhada hoje se encontra a Lava-Jato.
Lá, em oito anos, foram investigadas 6.059 pessoas — entre elas, 483 parlamentares, dos quais quatro ex-primeiros-ministros. Contaram-se 2.993 prisões e cerca de mil condenações. Empresários se suicidaram, sobreviventes se beneficiaram da anistia autoconcedida pelos políticos.
Aqui, em quase três anos, são 788 investigados com 188 prisões — 90% empresários, e um político com mandato. Contam-se 120 condenações na primeira instância judicial.
Até dezembro, apenas três ações haviam sido abertas contra parlamentares no Supremo. Uma contra o deputado federal Nelson Meurer (PP-PR) e duas contra Eduardo Cunha (PMDB-RJ), enviadas a Curitiba depois da sua cassação.
O Supremo terminou 2016 aguardando decisão da Procuradoria-Geral sobre 58 inquéritos sem denúncia formalizada, de acordo com o relator no STF, Teori Zavascki. Desses, 25 (ou 43%) estavam na polícia ou no Ministério Público. O restante fora ao arquivo (seis casos), juntados ou redistribuídos a outros juízes (27).
Um mês antes de morrer, na segunda-feira 19 de dezembro, o juiz Zavascki exibiu uma planilha com essas informações. Quis deixar claro que estava “em dia” com os processos — numa crítica indireta ao ritmo da Procuradoria-Geral. Sua ausência estimulou alguns no governo e no Congresso a redobrar a aposta num “grande acordo nacional”, como prescrevia o senador Romero Jucá (PMDB-RR), depois do carnaval do ano passado:
— Com o Supremo, com tudo...
— Aí parava tudo — retrucou o dono do gravador, Sérgio Machado, ex-presidente da estatal Transpetro.
— É. Delimitava onde está, pronto — arrematou o senador.
No Congresso sobram evidências de tentativas para um certo “acordo nacional”. O problema é o mesmo do último carnaval: falta combinar com a rua.
José Casado
De pecados a modus operandi
Os capitais são sete: gula, avareza, luxúria, ira, inveja, preguiça e soberba. Há variações. Um e outro santo ou pensador do ramo amplia a lista. A heresia e a mentira, por exemplo, estão no inferno em funil de Dante, com seus nove andares, onde quanto mais fundo, pior.
No penúltimo andar está a heresia – culto ao demônio ou a outros deuses que não o Deus verdadeiro, aí incluído a idolatria ao dinheiro. O que seria uma variante da avareza e da soberba. O fundo do fundo ficou reservado à mentira. Distorcer a verdade seria pecado gravíssimo. Seria. Não é mais.
Andamos a pecá-los todos de uma vez só, insistente e destemidamente. Sem qualquer medo do inferno presencial ou virtual.
A Gula, que é compulsão insaciável de comer e beber, além de fazer o mundo gordo e alterado, ainda resulta em egoísmo e cobiça. Mas corre solta, exercida de norte a sul do planeta.
A Avareza, que é o apego excessivo e descontrolado aos bens materiais, leva juros e impostos às alturas, faz Estados cada vez mais gulosos e perdulários, ricos cada vez mais ricos, impondo fome e pobreza a muitos. E daí?
Esse tal prazer de somar dinheiro a dinheiro, que alarga os limites da luxúria para muito além do desejo passional e egoísta por todo o prazer corporal e material, não mete mais medo. Rende selfie.
Como incontido e disseminado desejo de causar mal a outrem, a velha IRA responde pela maior parte dos conflitos humanos, desde o início dos tempos.
Nos dias de hoje, bomba. Quebra a banca. Saiu completamente da caixinha e do controle. Banalizou de um tanto que, sob a forma de raiva, ódio ou cólera por alguém ou alguma causa, é hoje o sentimento humano mais praticado. Não há Deus que nos livre da ira. É pecado estabelecido e prática juramentada.
Na cola da ira, ou antecedendo a ela, vem a Inveja, que é o desejo exagerado por posses, status, habilidades e tudo que o outro tenha. O invejoso é um perigo. Odeia sem declarar. Pode estar longe ou até ali na sua sala, à mesa, sob os seus lençóis, só cobiçando e vuduzando o que é seu.
O invejoso, Deus e o mundo sabem, quer sempre o que não tem. É parasita da sorte alheia, que pelas redes sociais afora destila sua inveja, sua cobiça por tudo que o outro tenha e ele não – particularmente, sucesso e dinheiro. Na forma de ciúme, a inveja costuma matar. E vem matando.
A Preguiça é definida como a prática permanente de negligência, falta de capricho, de esmero, de empenho, desleixo, morosidade, lentidão, descaso. Ex-pecado muito praticado nos nossos serviços públicos. Alcança com voracidade os mais necessitados de atenção e socorro – doentes, crianças e idosos preferencialmente.
No modo descaso, a preguiça costuma debochar dos cidadãos em geral. Nos derradeiros meses, a permanente negligência das administrações de estados brasileiros, que é outra modalidade da preguiça, deixa sem salários servidores públicos de áreas essenciais – professores, médicos e policiais, por exemplo.
Chegamos à Soberba, também conhecida como vaidade ou orgulho, sentimento siamês da arrogância, que dispensa descrição. É plena de exemplos. Com ela vimos esbarrando em volume cada vez maior. Para sairmos da esfera nacional, que é farta em soberbas, vamos nominar um estrangeiro: Trump, o presidente americano, em quem até o topete (capilar) espelha soberba.
Para piorar a cadeia dos pecados em desuso, como leis que não pegam, há ainda, definidos como novos pecados capitais do século 21. Igualmente praticados sem cerimônia. Por exemplo:
A Pressa. Os apressados não têm tempo para coisas de Deus, como solidariedade e compaixão. A pressa também alimenta as iras. Os efeitos colaterais mais visíveis da pressa são a impaciência e a ansiedade, que fazem matar e morrer.
Há ainda o Causar Injustiça Social. Ou seja, manifestar e praticar preconceitos e bullying. Dispensa explicações.
Por falta vaga no purgatório ou no inferno, pecados, antes capitais, foram promovidos a modus operandi. Correm soltos. Sem combate. Ou praticamos ou toleramos.
PS.: Apesar de descriminados, os pecados capitais ainda têm poderosos padrinhos nas profundezas. E é sempre bom conhecer chefias e companhias. Podem render selfies.
1. Luxuria – Asmodeus
2. Gula – Belzebu
3. Ganância – Mommon
4. Preguiça – Belphegor
5. Ira – Azazel
6. Inveja – Leviatã
7. Soberba/Orgulho - Lúcifer
No penúltimo andar está a heresia – culto ao demônio ou a outros deuses que não o Deus verdadeiro, aí incluído a idolatria ao dinheiro. O que seria uma variante da avareza e da soberba. O fundo do fundo ficou reservado à mentira. Distorcer a verdade seria pecado gravíssimo. Seria. Não é mais.
Andamos a pecá-los todos de uma vez só, insistente e destemidamente. Sem qualquer medo do inferno presencial ou virtual.
A Avareza, que é o apego excessivo e descontrolado aos bens materiais, leva juros e impostos às alturas, faz Estados cada vez mais gulosos e perdulários, ricos cada vez mais ricos, impondo fome e pobreza a muitos. E daí?
Esse tal prazer de somar dinheiro a dinheiro, que alarga os limites da luxúria para muito além do desejo passional e egoísta por todo o prazer corporal e material, não mete mais medo. Rende selfie.
Como incontido e disseminado desejo de causar mal a outrem, a velha IRA responde pela maior parte dos conflitos humanos, desde o início dos tempos.
Nos dias de hoje, bomba. Quebra a banca. Saiu completamente da caixinha e do controle. Banalizou de um tanto que, sob a forma de raiva, ódio ou cólera por alguém ou alguma causa, é hoje o sentimento humano mais praticado. Não há Deus que nos livre da ira. É pecado estabelecido e prática juramentada.
Na cola da ira, ou antecedendo a ela, vem a Inveja, que é o desejo exagerado por posses, status, habilidades e tudo que o outro tenha. O invejoso é um perigo. Odeia sem declarar. Pode estar longe ou até ali na sua sala, à mesa, sob os seus lençóis, só cobiçando e vuduzando o que é seu.
O invejoso, Deus e o mundo sabem, quer sempre o que não tem. É parasita da sorte alheia, que pelas redes sociais afora destila sua inveja, sua cobiça por tudo que o outro tenha e ele não – particularmente, sucesso e dinheiro. Na forma de ciúme, a inveja costuma matar. E vem matando.
A Preguiça é definida como a prática permanente de negligência, falta de capricho, de esmero, de empenho, desleixo, morosidade, lentidão, descaso. Ex-pecado muito praticado nos nossos serviços públicos. Alcança com voracidade os mais necessitados de atenção e socorro – doentes, crianças e idosos preferencialmente.
No modo descaso, a preguiça costuma debochar dos cidadãos em geral. Nos derradeiros meses, a permanente negligência das administrações de estados brasileiros, que é outra modalidade da preguiça, deixa sem salários servidores públicos de áreas essenciais – professores, médicos e policiais, por exemplo.
Chegamos à Soberba, também conhecida como vaidade ou orgulho, sentimento siamês da arrogância, que dispensa descrição. É plena de exemplos. Com ela vimos esbarrando em volume cada vez maior. Para sairmos da esfera nacional, que é farta em soberbas, vamos nominar um estrangeiro: Trump, o presidente americano, em quem até o topete (capilar) espelha soberba.
Para piorar a cadeia dos pecados em desuso, como leis que não pegam, há ainda, definidos como novos pecados capitais do século 21. Igualmente praticados sem cerimônia. Por exemplo:
A Pressa. Os apressados não têm tempo para coisas de Deus, como solidariedade e compaixão. A pressa também alimenta as iras. Os efeitos colaterais mais visíveis da pressa são a impaciência e a ansiedade, que fazem matar e morrer.
Há ainda o Causar Injustiça Social. Ou seja, manifestar e praticar preconceitos e bullying. Dispensa explicações.
Por falta vaga no purgatório ou no inferno, pecados, antes capitais, foram promovidos a modus operandi. Correm soltos. Sem combate. Ou praticamos ou toleramos.
PS.: Apesar de descriminados, os pecados capitais ainda têm poderosos padrinhos nas profundezas. E é sempre bom conhecer chefias e companhias. Podem render selfies.
1. Luxuria – Asmodeus
2. Gula – Belzebu
3. Ganância – Mommon
4. Preguiça – Belphegor
5. Ira – Azazel
6. Inveja – Leviatã
7. Soberba/Orgulho - Lúcifer
Proibir circulação de jornalistas no Planalto demonstra o desespero de Temer
A princípio, era apenas a Tribuna da Internet que ficava incomodando o Planalto com a suposta teoria conspiratória de que estava sendo armada uma operação conjunta com o Congresso Nacional para inviabilizar a Lava Jato. Durante meses, revelamos aqui no blog, com absoluta exclusividade, que seria adotada uma estratégia semelhante à que deu certo na Itália nos anos 90 e bloqueou o prosseguimento da operação Mãos Limpas, que teve 2.993 mandados de prisão e atingiu 438 políticos, inclusive quatro ex-primeiros-ministros.
Não mais que de repente, diria Vinicius de Moraes, aqui no Brasil a mídia inteira despertou para o assunto, que virou capa da Veja e nos últimos dias tem sido um festival de denúncias.
Essa reação da mídia brasileira, divulgada pela agência France Press para o mundo inteiro, já era esperada pelo Planalto desde a semana passada, quando mais uma vez o governo Temer proibiu a livre circulação de jornalistas credenciados nos andares em que funcionam a Presidência, a Casa Civil, a Secretaria de Governo e o Gabinete de Segurança Institucional.
Agora, jornalistas só podem entrar no quarto andar se tiverem hora marcada com alguma autoridade, a exemplo do procedimento adotado antes apenas com relação ao terceiro andar, onde fica o gabinete presidencial.
A circulação dos jornalistas no quarto andar sempre foi permitida nos governos militares e nas gestões de Sarney, Collor, Itamar e FHC. Nos governos Lula e Dilma é que a restrição passou a ser imposta. Na gestão interina, Temer chegou a ser elogiado por permitir o acesso a todos os andares, inclusive ao terceiro, onde fica o gabinete presidencial, mas essa liberalidade só durou algumas semanas.
A proibição só passou a incluir o quarto andar em setembro do ano passado, determinada por Márcio de Freitas Gomes, chefe da Assessoria de Imprensa, atendendo a uma ordem dos ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo). Mas foi uma decisão tipo vacina, que não pegou. E pouco a pouco o controle foi sendo atenuado, os jornalistas voltaram a circular no quarto andar.
Com as denúncias da montagem da Operação Abafa, a proibição foi restabelecida na última quinta-feira, com seguranças postados perto dos elevadores e das escadas, para barrar os jornalistas, e o acesso passou a ser permitido somente com o acompanhamento de um funcionário da Secretaria de Comunicação.
A mudança de procedimento ocorreu logo após a nomeação de Moreira Franco para a Secretaria-Geral, que passou a incorporar a Secretaria de Comunicação (incluindo Imprensa), o Cerimonial e a Administração do palácio, com o consequente esvaziamento da Casa Civil, que manteve apenas uma assessoria de relativa importância, a Subchefia de Assuntos Jurídicos.
Assim que Moreira Franco foi nomeado, começou uma movimentação no quarto andar, com mesas de triagem de segurança instaladas na saída do elevador. Na quinta-feira, dia 9, os seguranças começaram a barrar os jornalistas.
Moreira, que está em situação indefinida até que o plenário do Supremo dê uma palavra final sobre sua nomeação, ainda está alojado no antigo gabinete da Vice-Presidência, fora do palácio, no Anexo 1.
O fato concreto é que todos estão assustados com a forte reação à iniciativa palaciana de bloquear a Lava Jato, em manobra já iniciada no Congresso por Rodrigo Maia, Eunício Oliveira e Edison Lobão, os três mosqueteiros que eram quatro e seguem as ordens de Renan Calheiros, uma espécie de D’Artagnan às avessas.
No desespero, Temer convocou os jornalistas para anunciar que não vai blindar ninguém e demitirá todos os ministros que virarem réus na Lava Jato. Em tradução simultânea, disse duas coisas: 1) não pretender blindar mais ninguém, Moreira Franco foi o último; 2) não vai demitir nenhum ministro citado na Lava Jato, não importa a gravidade de acusação, pois só os demitirá depois que virarem réus.
Na verdade, Temer quer apenas ganhar tempo e controlar a situação, enquanto os ridículos mosqueteiros lutam para inviabilizar a Lava Jato, através da aprovação daquela série de projetos já denunciados repetidas vezes aqui na Tribuna da Internet, sempre com exclusividade.
Como encontrar o sono
Leio num almanaque, El Libro de las Mentiras, que contar cabritinhos ou ovelhas não ajuda em nada a pegar no sono.
Dormir, nesse mundo de atribulações, virou grave problema médico, tratado já como distúrbio a afetar uns 45% da população mundial.
Velhos problemas como o terror noturno, provocados pelas histórias de mulas sem cabeças contadas pelas amas de leite, ou o sonambulismo, muito comum entre os que habitavam castelos, com escadarias labirínticas e janelas abissais, agora se transformaram em epidemia global.
Nuns a causa é a depressão ou a ansiedade, noutros a falta de ar, catalogada como Síndrome da Apnéia Hipopnéia Obstrutiva do Sono, a Síndrome das Pernas Inquietas ou as Parassonias. Alguns lutam contra a falta do sono sem causa aparente: os portadores da Insônia Idiopática têm dificuldade de dormir desde a infância. E há os que dormem bem e, no entanto, talvez por distúrbio de memória, estão sempre a queixar-se de que mal dormiram ou dormiram mal, acordando irritadiços e de mau humor.
A leitura do El Libro de las Mentiras poderá ser um bom antídoto para tal transtorno.
Vejam as demolidoras revelações da pesquisa de Aníbal Litvin: a geometria euclidiana não é de Euclides, as tulipas holandesas são, na verdade, originárias da Turquia e as Ilhas Canárias devem seu nome aos cães e não os canários.
É possível espirrar com os olhos abertos, cortar cabelos não os faz crescer mais fortes e tanto cabelos e unhas não continuam a crescer depois da morte; é pura ilusão de ótica.
Nesses tempos de tanta confusão será útil saber que os movimentos do planeta Terra não são dois, mas cinco: rotação, translação, precessão, nutação e bamboleio de Chandler. O raio pode cair duas vezes no mesmo lugar. Fazer exercícios pela manhã queima tantas calorias quanto fazê-los à tarde ou à noite e comer miolo do pão não faz engordar mais do que a casca.
Wolfgang Amadeus Mozart não era Amadeus: chamava-se Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart. Não existiram os cavaleiros da corte do rei Artur, que sequer era rei.
O lava-jato Robin Hood não era o bandido generoso que roubava dos ricos para dar aos pobres. Piratas não enterravam tesouros; talvez usassem as jóias e as moedas de ouro para corromper políticos e suas esposas. Ali Babá não liderava um bando de 40 ladrões. Eram mais de 40 e algumas linhagens continuam ativas até hoje.
Dormir, nesse mundo de atribulações, virou grave problema médico, tratado já como distúrbio a afetar uns 45% da população mundial.
Velhos problemas como o terror noturno, provocados pelas histórias de mulas sem cabeças contadas pelas amas de leite, ou o sonambulismo, muito comum entre os que habitavam castelos, com escadarias labirínticas e janelas abissais, agora se transformaram em epidemia global.
A leitura do El Libro de las Mentiras poderá ser um bom antídoto para tal transtorno.
Vejam as demolidoras revelações da pesquisa de Aníbal Litvin: a geometria euclidiana não é de Euclides, as tulipas holandesas são, na verdade, originárias da Turquia e as Ilhas Canárias devem seu nome aos cães e não os canários.
É possível espirrar com os olhos abertos, cortar cabelos não os faz crescer mais fortes e tanto cabelos e unhas não continuam a crescer depois da morte; é pura ilusão de ótica.
Nesses tempos de tanta confusão será útil saber que os movimentos do planeta Terra não são dois, mas cinco: rotação, translação, precessão, nutação e bamboleio de Chandler. O raio pode cair duas vezes no mesmo lugar. Fazer exercícios pela manhã queima tantas calorias quanto fazê-los à tarde ou à noite e comer miolo do pão não faz engordar mais do que a casca.
Wolfgang Amadeus Mozart não era Amadeus: chamava-se Joannes Chrysostomus Wolfgangus Theophilus Mozart. Não existiram os cavaleiros da corte do rei Artur, que sequer era rei.
O lava-jato Robin Hood não era o bandido generoso que roubava dos ricos para dar aos pobres. Piratas não enterravam tesouros; talvez usassem as jóias e as moedas de ouro para corromper políticos e suas esposas. Ali Babá não liderava um bando de 40 ladrões. Eram mais de 40 e algumas linhagens continuam ativas até hoje.
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