quinta-feira, 3 de dezembro de 2015
Não há lugar para dilmas e cunhas no Brasil que vai brotar das cinzas do lulopetismo
O pedido de impeachment formulado por Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr foi entregue em 21 de outubro ao presidente da Câmara, que certamente leu o documento antes de dormir. Por que demorou tanto para descobrir que os argumentos arrolados pelos dois juristas tinham solidez suficiente para justificar a abertura do processo? Por que deixou para fazer neste 2 de dezembro o que poderia ter feito há 40 dias? Porque o terceiro homem na linha de sucessão não tem tempo para pensar no país, nos brasileiros ou em outras irrelevâncias. Eduardo Cunha só pensa em Eduardo Cunha.
O presidente da Câmara dos Deputados foi denunciado por corrupção, em 10 de agosto, pelo procurador-geral Rodrigo Janot. De lá para cá, nem mesmo em feriados e dias santos deixou de aparecer no noticiário político-policial. Para livrar-se da enrascada em que se meteu com a descoberta das contas na Suiça, virou exportador de carne enlatada (para países africanos), namorou a oposição, flertou com o PT e por pouco não voltou a amasiar-se com o governo. Por que Dilma demorou 100 dias para descobrir que Eduardo Cunha faz o que fazem seus bandidos de estimação? Porque só pensa em manter o emprego.
Nesta quarta-feira, Cunha fez a coisa certa porque deu errado o acordo que lhe garantiria o apoio do PT no Conselho de Ética. Melhor assim. Mas o Brasil decente não lhe deve nada. O que está em curso é uma ofensiva do país que presta contra um fantasma que zanza pelo Planalto. É um confronto entre a nação com cérebro e uma nulidade desmoralizada pela corrupção e pela inépcia. Esse embate não pode ser reduzido a um duelo entre filhote do baixíssimo clero e a mãe do Petrolão. O Brasil que há de brotar das cinzas do lulopetismo não tem lugar para nenhum dos dois.
O Congresso faz o que o povo quer, repetia Ibsen Pinheiro, presidente da Câmara durante o processo de impeachment de Fernando Collor. Também desta vez assim será. Os cunhas e as dilmas não passam de figurantes. Acabarão confinados em asteriscos nas páginas escritas por milhões de indignados. Esses sim são os reais protagonistas da história. E sabem que o fim da era da canalhice começa pela remoção do poste que Lula instalou no coração do poder.
O presidente da Câmara dos Deputados foi denunciado por corrupção, em 10 de agosto, pelo procurador-geral Rodrigo Janot. De lá para cá, nem mesmo em feriados e dias santos deixou de aparecer no noticiário político-policial. Para livrar-se da enrascada em que se meteu com a descoberta das contas na Suiça, virou exportador de carne enlatada (para países africanos), namorou a oposição, flertou com o PT e por pouco não voltou a amasiar-se com o governo. Por que Dilma demorou 100 dias para descobrir que Eduardo Cunha faz o que fazem seus bandidos de estimação? Porque só pensa em manter o emprego.
Nesta quarta-feira, Cunha fez a coisa certa porque deu errado o acordo que lhe garantiria o apoio do PT no Conselho de Ética. Melhor assim. Mas o Brasil decente não lhe deve nada. O que está em curso é uma ofensiva do país que presta contra um fantasma que zanza pelo Planalto. É um confronto entre a nação com cérebro e uma nulidade desmoralizada pela corrupção e pela inépcia. Esse embate não pode ser reduzido a um duelo entre filhote do baixíssimo clero e a mãe do Petrolão. O Brasil que há de brotar das cinzas do lulopetismo não tem lugar para nenhum dos dois.
O Congresso faz o que o povo quer, repetia Ibsen Pinheiro, presidente da Câmara durante o processo de impeachment de Fernando Collor. Também desta vez assim será. Os cunhas e as dilmas não passam de figurantes. Acabarão confinados em asteriscos nas páginas escritas por milhões de indignados. Esses sim são os reais protagonistas da história. E sabem que o fim da era da canalhice começa pela remoção do poste que Lula instalou no coração do poder.
Novas luzes remoçam o país cansado do inverno da desesperança
“Inverno da nossa desesperança”, a expressão de Ricardo III nomeia o lindo romance de John Steinbeck em que este afirma que a escuridão que se precipita quando uma luz se apaga é mais densa do que a de antes de uma luz se acender. Desde quando um texto da internet não convence como consistente relatório de consultoria? Desde que ele consiste em medida provisória de 2,4 milhões de reais.
Sim, Delcídio, Luís Cláudio, Eduardo Cunha e o resto da súcia são péssimos de álibis. Acham que basta o álibi de terem nascido ávidos de primitivismo numa nação cujas vastidões primitivas couberam inteiras e se alastraram em 13 anos (e contando) de lulopetismo. Desde quando o Brasil todo deixou de ser idiota o tempo todo? Não sei, mas é hora de a escória ter medo: se antes a impunidade era certeza, agora ela não é mais do que uma aposta. O governo apostou e, embora ainda role os dados, está por um fio, ou dois, ambos podres: Calheiros e Cunha.
A redemocratização e o plano Real iluminaram nossas melhores potencialidades, mas o lulopetismo adensou a escuridão anterior, configurando-se no atraso que desliga aquelas luzes porque Lula, anunciando novos amanhãs no embuste do operário que transformaria o país, sofre de senilidade congênita, não pelos 70 anos recentes, mas porque é foco de doenças nascidas com o país, como o patrimonialismo e a corrupção, além da enfermidade adquirida na forma do odioso jeitinho brasileiro, a vigarice malemolente que escamoteia a incompetência tão ridícula quanto arrogante.
Incompreensível o país optar quatro vezes pelos alquimistas dessa escuridão que transformam conhecimento e trabalho em vergonha, liberdade e decência em pecado, competência e seriedade em delito, contraditório em golpismo. Ah, mas a elite não quer que pobre estude. E um regime em que Mercadante e Haddad são ministros da educação quer? Ah, mas os reacionários perseguem Lula porque operário-não-pode-ser-presidente. Operário que anda de jatinhos enquanto manda o povo deixar de ser luxento e troque o metrô pelo jegue? Legalistas e demais idiotas da objetividade murmuram álibis caducos para a múltipla farsa arcaizante, enquanto insistem em negar a base para o impeachment da governante bisonha. Sabem que não há só a reprovação das contas pelo TCU: contra Dilma, há Dilma – a fraude estúpida na parvoíce espertalhona que bloqueia a esperança e os investimentos, desgraçando o país sem parar.
No começo da noite invernosa, eu escondia uma esperança na manga. Escondia até de mim mesma, ficava assim “será que agora é pra valer?”, a cada derrota do bando, o que aquecia essa esperança encabulada. Eu a protegia de olhares curiosos, como a noiva esconde do noivo o vestido de casamento. Quando o território da súcia começou a encolher e os defensores dela minguaram, passei a tirar o vestido da caixa cheirando a guardado e constato que, depois de incontáveis 13 anos e futuros roubados, ele continua atual sob as novas luzes que remoçam um país cansado do escuro inverno da desesperança.
Nunca antes o país suportou política tão suja e nauseabunda
A abertura do processo de impeachment é o ápice de um dos momentos mais sinistros e tenebrosos da política brasileira, pondo fim a um acordo espúrio que jamais teve similar na História da República. Com isso, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, acredita que poderá se livrar da perda do mandato, em meio à confusão que está agitando a política. O caos é tamanho que o presidente do Conselho de Ética , José Carlos Araújo (PSD-BA), um ilustre desconhecido, está em êxtase, vivendo seus 15 minutos de fama, como dizia o animador cultural americano Andy Warhol. Ninguém sabia quem era esse José Carlos Araújo, mas ele agora se julga uma celebridade, ao conduzir a ação por quebra de decoro parlamentar contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Sem experiência no comando de comissões legislativas, comete um erro atrás do outro, atrasando os trabalhos e dando sobrevida a Cunha, propositadamente ou não.
Logo de início, o destrambelhado Araújo aceitou o parecer prévio do relator Fausto Pinato (outro ilustre desconhecido) antes que Cunha pudesse apresentar sua defesa, dando margem a queixas procedentes e possibilitando até recursos ao Supremo Tribunal Federal, o que provocaria curto-circuito na independência dos podres poderes da República.
Na terça-feira, transformou a sessão de votação num espetáculo, ao permitir que deputados que não integram o Conselho pudessem se inscrever para discursar. Era um nunca-acabar, a votação foi sendo postergada, até que o inexperiente Araújo jogou a toalha e convocou nova sessão para esta quarta-feira, no mesmo horário da sessão do Congresso, quando todas as comissões e os plenários de Câmara e Senado obviamente ficam impedidos de se reunirem.
Resultado, a votação será semana que vem, porque na quinta-feira os parlamentares se julgam de folga, pegam o avião e só voltam a Brasília na terça-feira, vejam que vida boa esse pessoal desfruta.
O mais importante deste episódio foi o desabafo do deputado Zé Geraldo (PT-PA), um dos três petistas que integram o Conselho de Ética e estão sendo obrigados pelo Planalto (leia-se Lula, Dilma, Wagner, Berzoini & Cia) a votarem a favor de Cunha.
“Diria que o governo está sendo chantageado (por Eduardo Cunha), mas o PT não, porque ninguém chantageia” – afirmou, acrescentando: “O Cunha tem uma metralhadora nas mãos, todo mundo sabe que ele e o grupo dele trabalham com essa arma. E o PSDB está só esperando (a abertura do impeachment). Não confiamos no Cunha, ele já colocou tanta pauta negativa para votar esse ano que para colocar mais uma e acabar com o resto… Quer coisa mais desastrosa que discutirmos agora uma pauta de impeachment?” – questionou o parlamentar, voltando a dizer que os três petistas do Conselho estão “com a faca no pescoço”.
A denúncia do deputado do PT mostra a situação inédita de abastardamento a que chegou a política brasileira, que vive a fase mais abjeta de toda a História da República. Se existia chantagem de Cunha à presidente Dilma Rousseff, é porque a chefe de governo está envolvida em graves irregularidades. Ninguém se submete a chantagem, se tem realmente a vida limpa e ilibada, este é princípio que rege o chamado crime de concussão, assim definido no Código Penal: Art. 316 – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa.
Do alto de sua arrogância, prepotência e soberba, a presidente Dilma se comporta como se fosse imune a denúncias e investigações. Terça-feira, quando lhe perguntaram sobre a possibilidade de o senador Delcídio Amaral fazer uma delação premiada, ela respondeu, secamente: “Não tenho nenhum temor com relação à delação”.
Seria bom se fosse verdade. Se ela não tivesse mesmo “nenhum temor”, não aceitaria a chantagem de Cunha, não teria celebrado, com o beneplácito de Lula e do ministro Jaques Wagner, esse acordo nojento, cujo termo principal era “me proteja que eu te protejo”. Quem faz trato desse nível com um parlamentar como Eduardo Cunha, comprovadamente corrupto, não pode ser melhor do que ele.
Neste triste e desalentador episódio, fica bem claro que, além de incompetente, a chefe do governo é também ignorante. Ela pensa (?) que não será enlameada pela sujeira que vaza das comportas da Petrobras, achando que passará incólume pela compra da refinaria de Pasadena. Ela também julga (?) que os crimes cometidos pelo PT para ganhar a eleição não podem alcançá-la.
“Ô, coitada!…” – diria a comediante Gorete Milagres, ao perceber até que ponto a presidente Dilma se acha inatingível. Para certas pessoas, a ignorância pode ser uma bênção. E o impeachment agora é só uma questão de tempo.
Logo de início, o destrambelhado Araújo aceitou o parecer prévio do relator Fausto Pinato (outro ilustre desconhecido) antes que Cunha pudesse apresentar sua defesa, dando margem a queixas procedentes e possibilitando até recursos ao Supremo Tribunal Federal, o que provocaria curto-circuito na independência dos podres poderes da República.
Na terça-feira, transformou a sessão de votação num espetáculo, ao permitir que deputados que não integram o Conselho pudessem se inscrever para discursar. Era um nunca-acabar, a votação foi sendo postergada, até que o inexperiente Araújo jogou a toalha e convocou nova sessão para esta quarta-feira, no mesmo horário da sessão do Congresso, quando todas as comissões e os plenários de Câmara e Senado obviamente ficam impedidos de se reunirem.
Resultado, a votação será semana que vem, porque na quinta-feira os parlamentares se julgam de folga, pegam o avião e só voltam a Brasília na terça-feira, vejam que vida boa esse pessoal desfruta.
O mais importante deste episódio foi o desabafo do deputado Zé Geraldo (PT-PA), um dos três petistas que integram o Conselho de Ética e estão sendo obrigados pelo Planalto (leia-se Lula, Dilma, Wagner, Berzoini & Cia) a votarem a favor de Cunha.
“Diria que o governo está sendo chantageado (por Eduardo Cunha), mas o PT não, porque ninguém chantageia” – afirmou, acrescentando: “O Cunha tem uma metralhadora nas mãos, todo mundo sabe que ele e o grupo dele trabalham com essa arma. E o PSDB está só esperando (a abertura do impeachment). Não confiamos no Cunha, ele já colocou tanta pauta negativa para votar esse ano que para colocar mais uma e acabar com o resto… Quer coisa mais desastrosa que discutirmos agora uma pauta de impeachment?” – questionou o parlamentar, voltando a dizer que os três petistas do Conselho estão “com a faca no pescoço”.
A denúncia do deputado do PT mostra a situação inédita de abastardamento a que chegou a política brasileira, que vive a fase mais abjeta de toda a História da República. Se existia chantagem de Cunha à presidente Dilma Rousseff, é porque a chefe de governo está envolvida em graves irregularidades. Ninguém se submete a chantagem, se tem realmente a vida limpa e ilibada, este é princípio que rege o chamado crime de concussão, assim definido no Código Penal: Art. 316 – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:
Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa.
Do alto de sua arrogância, prepotência e soberba, a presidente Dilma se comporta como se fosse imune a denúncias e investigações. Terça-feira, quando lhe perguntaram sobre a possibilidade de o senador Delcídio Amaral fazer uma delação premiada, ela respondeu, secamente: “Não tenho nenhum temor com relação à delação”.
Seria bom se fosse verdade. Se ela não tivesse mesmo “nenhum temor”, não aceitaria a chantagem de Cunha, não teria celebrado, com o beneplácito de Lula e do ministro Jaques Wagner, esse acordo nojento, cujo termo principal era “me proteja que eu te protejo”. Quem faz trato desse nível com um parlamentar como Eduardo Cunha, comprovadamente corrupto, não pode ser melhor do que ele.
Neste triste e desalentador episódio, fica bem claro que, além de incompetente, a chefe do governo é também ignorante. Ela pensa (?) que não será enlameada pela sujeira que vaza das comportas da Petrobras, achando que passará incólume pela compra da refinaria de Pasadena. Ela também julga (?) que os crimes cometidos pelo PT para ganhar a eleição não podem alcançá-la.
“Ô, coitada!…” – diria a comediante Gorete Milagres, ao perceber até que ponto a presidente Dilma se acha inatingível. Para certas pessoas, a ignorância pode ser uma bênção. E o impeachment agora é só uma questão de tempo.
Dois grilos numa caixa de fósforos
Quem enganou quem? Fala-se do PT e do governo, porque o presidente do partido, Rui Falcão, manifestou-se pela abertura de processo contra Eduardo Cunha, no Conselho de Ética, mas Jacques Wagner, chefe da Casa Civil, em nome da presidente Dilma, determinou que os companheiros absolvessem o presidente da Câmara. Tudo em função do poder de Cunha para engavetar ou dar início a um processo de impeachment contra Madame. Ou da prerrogativa do PT de decidir sobre de processo contra Cunha.
Ontem, na dependência de nova reunião do Conselho de Ética, lembrava-se do episódio do cidadão que, de noite, colocou dois grilos numa caixa de fósforos, apostando que na manhã seguinte a caixa estaria vazia, porque um dos grilos comeria o outro, e o outro comeria o um.
Raras vezes se tem visto chantagem igual. Tanto à presidente quanto ao deputado interessava livrarem-se do julgamento parlamentar e da perspectiva da cassação. Não lhes passou pela cabeça saber se havia culpa nas acusações feitas a ambos. Quer dizer, pouco lhes importou se Dilma contrariou a Lei de Responsabilidade Fiscal e pedalou, ou se Cunha recebeu propina nas negociatas na Petrobras e se mentiu afirmando não possuir contas na Suíça. O fundamental para eles era escapar da perda de mandato.
Quanto ao PT, indaga-se: mentiram os deputados comprometidos com a condenação do parlamentar fluminense ou mentiram os deputados empenhados em salvá-lo da sombra da cassação? Em qualquer das hipóteses fica muito mal o partido, como ficam pior ainda o palácio do Planalto e a Câmara.
Fosse realizado um plebiscito e a imensa maioria da população optaria pelo afastamento de Dilma e de Cunha, se possível com a realização de novas eleições gerais. Sonhar não está proibido, apesar do risco do pesadelo maior, da alforria de ambos.
Enquanto isso, multiplica-se o desemprego, elevam-se os impostos, suprimem-se direitos sociais e a inflação atinge dois dígitos. As greves paralisam atividades essenciais e até a natureza tem se mostrado cruel. Para quem conclui não ter havido ano pior do que este agora se encerrando, melhor aguardar 2016...
O PSDB continua devendo o tal plano de recuperação nacional, já chamado de “Plano Conceição”, aquele que se subiu, ninguém sabe, ninguém viu. De que forma os tucanos combateriam o desemprego, reduziriam os impostos e a inflação, aumentariam os direitos sociais e impediriam as greves? Conter a natureza é que parece difícil.
Carlos Chagas
Quando o Senado quase fez ruir as bases da nossa frágil democracia
Na última quarta-feira, 25 de novembro, durante a tarde e grande parte da noite, os brasileiros não só se quedaram estupefatos, mas também, em nossas redes sociais, se manifestaram em favor da decisão tomada por 59 senadores no episódio que envolveu o líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral, preso no exercício do cargo – um acontecimento inédito na República.
Além dele, estão envolvidos e igualmente presos o advogado que vem atuando na operação Lava Jato (ainda não se sabe bem em defesa de quem) Edson Ribeiro, o jovem banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, e o chefe de gabinete do senador Delcídio do Amaral, Diogo Ferreira. O denunciante foi o filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, o ator Bernardo Cerveró.
Sem pestanejar, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, pronta e adequadamente, se manifestou sobre o episódio: “O Senado Federal corre o risco de se autodestruir institucionalmente e jogar uma pá de cal na nossa jovem democracia”.
Felizmente, porém, o bom senso venceu, e nada disso aconteceu. Ao contrário, a resolução dos senadores que ratificou a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal – a de manter o senador preso – aumentou nos brasileiros a fé no regime democrático, único capaz de permitir que as instituições funcionem. E mais: ao demonstrar que as instituições estão funcionando, apesar da grave crise por que passamos, reacendeu em nós a esperança de que, brevemente, o país rapidamente possa encontrar a solução para os problemas que o afligem.
Todavia, após a prisão do senador Delcídio do Amaral, os brasileiros, novamente estupefatos, tomaram conhecimento da nota do presidente do PT, Rui Falcão, que, agravada com o que disse depois, poderá sugerir ao ex-líder a delação premiada. “Nenhuma das tratativas atribuídas ao senador tem qualquer relação com sua atividade partidária. Por isso, o PT não se julga obrigado a qualquer gesto de solidariedade”.
Na última segunda-feira, Falcão ainda afirmou que o “senador traiu a confiança” do seu partido e da presidente Dilma Rousseff: “Todos sabemos que há uma seletividade nas investigações da Lava Jato, como também são nítidas as manobras para criminalizar o PT como instituição. Nada disso, contudo, exime o senador do delito de usar seu cargo em benefício próprio, com prejuízos para o PT, o governo e o próprio país”.
Como se viu, o tratamento dado ao ex-líder do governo no Senado passou muito longe daquele que o partido dispensou ao ex-ministro José Dirceu e ao seu tesoureiro João Vaccari Neto. Sobre o primeiro, foi dito o seguinte: “Ele é réu no processo, não apresentou a sua defesa. Até que isso se dê, temos que partir da presunção de inocência, e não da presunção de culpa”. Já sobre o segundo, o PT declarou que “considera um equívoco a condenação, sem provas, do companheiro João Vaccari Neto, que construiu sua história nas lutas dos trabalhadores”.
As pessoas que visitaram na prisão o senador petista contaram que ele se sente abandonado pelo ex-presidente Lula e pelo partido e que considera a posição que o PT tomou “uma covardia atroz”. “Deixe estar, os dias se sucedem”, disse um interlocutor do ex-líder.
O país agradeceria muitíssimo se, ao lado da delação premiada do senador e ex-líder do governo no Senado, surgissem, conjuntamente, as renúncias da presidente Dilma e dos presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Um alívio!
Acreditemos nisso, leitor!
Acílio Lara Resende
Além dele, estão envolvidos e igualmente presos o advogado que vem atuando na operação Lava Jato (ainda não se sabe bem em defesa de quem) Edson Ribeiro, o jovem banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, e o chefe de gabinete do senador Delcídio do Amaral, Diogo Ferreira. O denunciante foi o filho do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, o ator Bernardo Cerveró.
Sem pestanejar, o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, pronta e adequadamente, se manifestou sobre o episódio: “O Senado Federal corre o risco de se autodestruir institucionalmente e jogar uma pá de cal na nossa jovem democracia”.
Felizmente, porém, o bom senso venceu, e nada disso aconteceu. Ao contrário, a resolução dos senadores que ratificou a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal – a de manter o senador preso – aumentou nos brasileiros a fé no regime democrático, único capaz de permitir que as instituições funcionem. E mais: ao demonstrar que as instituições estão funcionando, apesar da grave crise por que passamos, reacendeu em nós a esperança de que, brevemente, o país rapidamente possa encontrar a solução para os problemas que o afligem.
Todavia, após a prisão do senador Delcídio do Amaral, os brasileiros, novamente estupefatos, tomaram conhecimento da nota do presidente do PT, Rui Falcão, que, agravada com o que disse depois, poderá sugerir ao ex-líder a delação premiada. “Nenhuma das tratativas atribuídas ao senador tem qualquer relação com sua atividade partidária. Por isso, o PT não se julga obrigado a qualquer gesto de solidariedade”.
Na última segunda-feira, Falcão ainda afirmou que o “senador traiu a confiança” do seu partido e da presidente Dilma Rousseff: “Todos sabemos que há uma seletividade nas investigações da Lava Jato, como também são nítidas as manobras para criminalizar o PT como instituição. Nada disso, contudo, exime o senador do delito de usar seu cargo em benefício próprio, com prejuízos para o PT, o governo e o próprio país”.
Como se viu, o tratamento dado ao ex-líder do governo no Senado passou muito longe daquele que o partido dispensou ao ex-ministro José Dirceu e ao seu tesoureiro João Vaccari Neto. Sobre o primeiro, foi dito o seguinte: “Ele é réu no processo, não apresentou a sua defesa. Até que isso se dê, temos que partir da presunção de inocência, e não da presunção de culpa”. Já sobre o segundo, o PT declarou que “considera um equívoco a condenação, sem provas, do companheiro João Vaccari Neto, que construiu sua história nas lutas dos trabalhadores”.
As pessoas que visitaram na prisão o senador petista contaram que ele se sente abandonado pelo ex-presidente Lula e pelo partido e que considera a posição que o PT tomou “uma covardia atroz”. “Deixe estar, os dias se sucedem”, disse um interlocutor do ex-líder.
O país agradeceria muitíssimo se, ao lado da delação premiada do senador e ex-líder do governo no Senado, surgissem, conjuntamente, as renúncias da presidente Dilma e dos presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Um alívio!
Acreditemos nisso, leitor!
Acílio Lara Resende
A crise desembrulha o Brasil
‘Conhecer’ sugere acesso e familiaridade. O senador amigo e parceiro do aprisionado trama como libertá-lo
Os asiáticos, vistos como sábios pela nossa inocente ignorância, sabem que “crise” é oportunidade. Uma porta fecha um espaço, mas abre outro, dizia o mandarim Fu Manchu, mestre de um certo Mao.
Mas “crise” é também um embrulho aberto fora de hora. Toda crise contém um certo desequilíbrio temporal, como uma música fora de ritmo, uma visita fora de hora ou um presente aberto antes do aniversário.
Ela desnuda os segredos internos e traz à luz o pressentimento. As meias furadas; e no Brasil, uma vez mais, os elos de intimidade entre ocupantes de cargos impessoais e seus quadrilheiros embalados por propinas, no embrulho do ter poder e, simultaneamente, ficar muito rico.
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Reúna um ator disposto a tirar o pai da prisão; um banqueiro bilionário e um suave senador da República, líder de um governo de índole autoritária, entre quatro paredes. E você tem o embrulho ou a “crise” perfeita quando, por meio de uma gravação secreta, o ator explode as paredes e transforma a cabala em teatro, mostrando, no desembrulho, como política não é teatro e o perigo de se abusar do teatro como política.
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No Brasil, “conhecer” sugere acesso e familiaridade. O senador amigo e parceiro do aprisionado trama como libertá-lo. O motivo é grave: trata-se de assunto de amizade e família não demarcados pela lei universal; é também um caso de salvação da própria pele e, quem sabe, de todo o governo da República. “Humanitarismo” define de modo apropriado o senador, desembrulhando uma dimensão do Brasil. Somos todos legais, mas quando se trata de amigos, tudo é possível. A amizade engloba lei, e o plano de fuga menciona laços com figuras sagradas num sistema republicano e igualitário. No caso, alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, os quais seriam contactados para produzir pareceres favoráveis ao condenado, tirando-o do risco de uma colaboração com os federais. Diz o senador que já havia falado com o ministro Dias Toffoli, o qual, a seu pedido, iria conversar com o ministro Gilmar Mendes (aquele que, revela Delcídio, oscila muito). Discute-se quem vai falar com quem, como é rotineiro no exercício do poder à brasileira. É preciso impedir a delação, e se ela é anulada, abre-se a possibilidade de uma rodada de revogações.
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A República burguesa e capitalista, adaptada ao individualismo e ao mercado com suas normas injustas, curva-se à Monarquia na qual os nobres não são julgados pelos crimes que cometem, mas por “privilégio”: por leis privadas, aplicáveis ao seu segmento. A coroa hierárquica do “você sabe com quem está falando?” e do “eu vou falar com Fulano ou Beltrano” engloba a igualdade republicana de todos perante a lei. Com grana, pode-se levantar a venda da Justiça, tornando-a caolha para um grupo privilegiado.
O plano é “centrar fogo no STF”, diz o senador. Por meio dos ministros conhecidos, produziremos a chave de cadeia que vai levar o companheiro a outro país. Preferencialmente à Espanha, onde ele tem cidadania. Ele vai escapar, cogita-se, do lugar mítico de todas as fugas: o Paraguai ou, quem sabe, a Venezuela. Irá — discutem com seriedade de meninos escalando times de futebol — de barco ou de avião? E se for pelo ar, em que tipo de jatinho? Um Falcon 50, sugere o líder do governo no congresso.
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Quando os ministros do Supremo ouviram o pacote, ocorreu-lhes a única resposta possível: a da unanimidade republicana. Colocando-a em ação, confirmaram uma “antes jamais vista neste país” prisão de um senador e de um banqueiro. De quebra, prendeu-se também um advogado. Escapou o ator salvo porque, piedosamente, tentava salvar o pai e, no afã filial, traiu o grupo, mas abriu reavivou os olhos do país.
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A ministra Cármen Lúcia resumiu a indignação dos ministros quando declarou: “Na história recente da nossa pátria, houve um momento que a maioria de nós, brasileiros, acreditou que a esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a Ação Penal 470 (o mensalão) e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora, parece que o escárnio venceu o cinismo. O crime — sentenciou — não vencerá a Justiça.”
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De dentro do desembrulho do Brasil, surge a esperança de um governo pela lei, a única fórmula e a última perspectiva de fechar esse drama social interminável, criado por um projeto de poder cujo poder seria interminável.
Roberto DaMatta
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A ministra Cármen Lúcia resumiu a indignação dos ministros quando declarou: “Na história recente da nossa pátria, houve um momento que a maioria de nós, brasileiros, acreditou que a esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a Ação Penal 470 (o mensalão) e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora, parece que o escárnio venceu o cinismo. O crime — sentenciou — não vencerá a Justiça.”
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De dentro do desembrulho do Brasil, surge a esperança de um governo pela lei, a única fórmula e a última perspectiva de fechar esse drama social interminável, criado por um projeto de poder cujo poder seria interminável.
Roberto DaMatta
A deslegitimação de um sistema político
Estava tudo planejado. Nestor Cerveró conseguiria um habeas corpus, atravessaria a fronteira com o Paraguai, tomaria um jatinho Falcon e desceria na Espanha. Deu errado porque Bernardo, o filho do ex-diretor da Petrobras, gravou a trama do senador Delcídio do Amaral e a narrativa de sua conversa com o banqueiro André Esteves. Depois do estouro, estava tudo combinado. Em votação secreta, o plenário do Senado mandaria a Justiça soltar Delcídio, ou talvez o transferisse para prisão domiciliar num apartamento funcional de Brasília. Deu errado porque a conta política ficou cara e sobretudo porque o ministro Luiz Fachin ordenou que a votação fosse aberta.
A Operação Lava-Jato, com seus desdobramentos, está chegando ao cenário descrito há 11 anos pelo juiz Sérgio Moro num artigo sobre a Operação Mãos Limpas italiana. Ela deslegitimou um sistema político corrupto.
É isso que está acontecendo no Brasil. Na Itália, depois da Mãos Limpas, o Partido Socialista e o da Democracia Cristã simplesmente desapareceram. Em Pindorama, parece difícil que a coisa chegue a esse ponto, mas o Partido dos Trabalhadores associou sua imagem a roubalheiras. Já o PMDB está amarrado ao deputado Eduardo Cunha, com suas tenebrosas transações. O PSDB denuncia os malfeitos dos outros, mas os processos das maracutaias ocorridas sob suas asas estão parados há uma década.
A Lava-Jato criou o primeiro embate do Estado brasileiro com a oligarquia política, financeira e econômica que controla o país. Essa oligarquia onipotente vive à custa de “acordões” e acreditava que gatos gordos não iam para a cadeia. Foram, mas Marcelo Odebrecht não iria. Foi, mas os políticos seriam poupados e a coisa nunca chegaria aos bancos. Numa mesma manhã foram encarcerados o líder do governo no Senado e o dono do oitavo maior banco do país. Desde o início da Lava-Jato, a oligarquia planeja, combina e quando dá tudo errado ela diz que a vaca vai para o brejo. Talvez isso aconteça porque ela gosta do brejo, onde poderá comer melhor.
Eduardo Cunha ainda acredita que terminará seu mandato. Sua agenda de fim do mundo desandou. A doutora Dilma Rousseff continua achando que não se deve confiar em “delator”. Lula diz que Delcídio fez uma “grande burrada”, mas não explica qual foi a “burrada”.
Nunca é demais repetir. O artigo do juiz Moro está na rede. Chama-se “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”. Lendo-o, vê-se o que está acontecendo e o que poderá acontecer.
É isso que está acontecendo no Brasil. Na Itália, depois da Mãos Limpas, o Partido Socialista e o da Democracia Cristã simplesmente desapareceram. Em Pindorama, parece difícil que a coisa chegue a esse ponto, mas o Partido dos Trabalhadores associou sua imagem a roubalheiras. Já o PMDB está amarrado ao deputado Eduardo Cunha, com suas tenebrosas transações. O PSDB denuncia os malfeitos dos outros, mas os processos das maracutaias ocorridas sob suas asas estão parados há uma década.
A Lava-Jato criou o primeiro embate do Estado brasileiro com a oligarquia política, financeira e econômica que controla o país. Essa oligarquia onipotente vive à custa de “acordões” e acreditava que gatos gordos não iam para a cadeia. Foram, mas Marcelo Odebrecht não iria. Foi, mas os políticos seriam poupados e a coisa nunca chegaria aos bancos. Numa mesma manhã foram encarcerados o líder do governo no Senado e o dono do oitavo maior banco do país. Desde o início da Lava-Jato, a oligarquia planeja, combina e quando dá tudo errado ela diz que a vaca vai para o brejo. Talvez isso aconteça porque ela gosta do brejo, onde poderá comer melhor.
Eduardo Cunha ainda acredita que terminará seu mandato. Sua agenda de fim do mundo desandou. A doutora Dilma Rousseff continua achando que não se deve confiar em “delator”. Lula diz que Delcídio fez uma “grande burrada”, mas não explica qual foi a “burrada”.
Nunca é demais repetir. O artigo do juiz Moro está na rede. Chama-se “Considerações sobre a Operação Mani Pulite”. Lendo-o, vê-se o que está acontecendo e o que poderá acontecer.
Brasil, uma vergonha lá fora e outra aqui dentro
Em seis minutos, quando você houver terminado de ler este texto, 12 brasileiros terão perdido o seu emprego: dois a cada minuto. Será difícil achar outro. Quem encontrar dificilmente será com um salário semelhante. Mas isso não é problema para a sempre “extremamente preocupada, estarrecida e muito chateada” da República Dilma Rousseff, que viajou na sexta-feira e está de volta após ter participado da Cúpula do Clima em Paris, para onde Barack Obama só foi no domingo.
Que Deus nos acuda! Nosso clima agora não é favorável – do Oiapoque ao Chuí. A sinistra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira, que ficará na Europa duas semanas, na chefia da delegação brasileira nas negociações da mudança climática, informou há 15 dias que o desmatamento na Amazônia aumentou 16% de agosto de 2014 a julho último, longe da meta zero anunciada. Nunca no Brasil governo algum tomou a única atitude para pôr fim ao desmate da floresta tropical: simplesmente proibi-lo. Mas Dilma foi aquém ao cortar 72% das verbas programadas para combatê-lo. Com a Hileia em chamas, diz candidamente Isabella que a defesa do ecossistema não depende só de sua presença aqui. Enquanto isso, ardem reservas florestais no interior da Bahia.
Domingo, Dilma reuniu-se, antes de começar a 21.ª Conferência das Nações Unidas sobre Condições Climáticas (COP-21), com os chefes de governo do Equador e da Noruega. Será que tentou convencê-los a transpor neve dos Andes e água dos fiordes noruegueses para o semiárido? Lá ocorre a maior seca em 50 anos, sem que jamais ela haja visitado a região, nem que fosse apenas para confortar sertanejos morrendo de sede. Os reservatórios de água das grandes cidades nordestinas estão praticamente vazios e a única providência tomada por seu governo foi incluir nos anúncios do Partido dos Trabalhadores (PT) na televisão depoimentos de vítimas da estiagem manifestando sua esperança na transposição do Rio São Francisco, obra faraônica que virou esfinge inconclusa em ruínas.
A presidente só foi ao Vale do Rio Doce uma semana após a tragédia da ruptura da barragem de contenção de rejeitos da mineradora Samarco, um dos maiores desastres ambientais da História. Assim mesmo, manteve a tradição de não pôr o pezinho na lama tóxica. A participação do Brasil na COP-21 foi vergonhosa como a avalanche de mentiras que a candidata à reeleição desencadeou na campanha de 2014. A diferença é que, no ano passado, ela mentiu em português tatibitate, enquanto em Paris balelas como a cobrança de R$ 20 bilhões de multas pelo Ibama tiveram tradução simultânea para muitos idiomas. Os meios de comunicação já se tinham encarregado de contar a verdade em línguas suficientes.
Não dá para levar a sério um governo que nunca tomou nenhuma providência para evitar a trágica imprevidência da mineradora, na qual a União tem relevante participação acionária. E ninguém está disposto a relevar essa falha só porque antes nenhum outro governo também nunca fiscalizou alguém. A tragédia ambiental e humana é de tal monta que qualquer desculpa esfarrapada, a esta altura, deixa de ser cínica para virar um escárnio – tomando emprestada a magnífica metáfora usada pela ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao votar pela permissão da prisão, pela Polícia Federal, do líder do governo no Senado, Delcídio “do” Amaral (PT-MS).
A onda de lama contaminada que desceu da cidade histórica de Mariana, em Minas, até o mar do Espírito Santo (que não nos valeu!) foi mais do que uma evidência da vergonha que o Brasil passaria em Le Bourget com o descaramento destrambelhado da desabilitada gestora desta República. A tragédia que destruiu vidas, vilas e campos às margens do Rio Doce é também a metáfora mais exata dos vexames que têm paralisado o País com a revelação da roubalheira devassada na Operação Lava Jato.
Preso na véspera o amigo de Lula que tinha licença do ex para entrar em seu gabinete sem ser anunciado, o 25 de novembro entrou para a História com a prisão do líder do governo no Senado, por ter planejado a fuga do ex-diretor internacional da Petrobrás Nestor Cerveró para não ser delatado por ele. O PT abandonou-o em nota alegando que ele não cumpria tarefa partidária, igual desculpa do Palácio do Planalto para evitar se sujar na lama que invadiu seu lago na entrada, onde nem os patinhos nadam em paz.
Delcídio (na etimologia, assassínio de Deus) só podia, então, estar a serviço do Menino Jesus, cujo aniversário se celebrará em menos de um mês e era frequentemente citado em suas pias mensagens em redes sociais. Essa hipótese seria reforçada pela desculpa de que sua decisão de doar R$ 50 mil (sendo seu salário de R$ 33 mil) por mês ao ex-subordinado Cerveró fora por “razões humanitárias”. Só isso talvez merecesse a canonização do ex-diretor da Petrobrás, ex-tucano e concorrente de Irmã Dulce e de Madre Tereza de Calcutá.
Os votos unânimes da 2.ª Turma do STF foram históricos. Mais histórica ainda foi a sessão noturna na qual, entre lamentos e feições soturnas, os senadores abriram a votação (52 a 19) e confirmaram a prisão do colega (59 a 13), contrariando desesperados apelos do presidente Renan Calheiros (PMDB-AL). Como no verso célebre de John Donne, os insignes anciãos (Senado vem do latim senior) sabiam que os sinos da opinião pública não dobravam por Delcídio, mas por todos quantos a ele se associaram na doce ilusão da impunidade, ora em extinção. Tudo sob o silêncio funéreo de opositores que, por falta de inteligência, vergonha ou por rabo de palha, sob a liderança do amigo oculto Aécio Neves (PSDB-MG), se juntaram ao chororô cuspindo para cima sem cuidar da lei da gravidade.
Da última semana de fortes emoções ficou ao menos a esperança de essa lama tóxica da política nos levar ao pleno Estado de Direito, no qual todos são mesmo iguais perante a lei.
Que Deus nos acuda! Nosso clima agora não é favorável – do Oiapoque ao Chuí. A sinistra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira, que ficará na Europa duas semanas, na chefia da delegação brasileira nas negociações da mudança climática, informou há 15 dias que o desmatamento na Amazônia aumentou 16% de agosto de 2014 a julho último, longe da meta zero anunciada. Nunca no Brasil governo algum tomou a única atitude para pôr fim ao desmate da floresta tropical: simplesmente proibi-lo. Mas Dilma foi aquém ao cortar 72% das verbas programadas para combatê-lo. Com a Hileia em chamas, diz candidamente Isabella que a defesa do ecossistema não depende só de sua presença aqui. Enquanto isso, ardem reservas florestais no interior da Bahia.
Domingo, Dilma reuniu-se, antes de começar a 21.ª Conferência das Nações Unidas sobre Condições Climáticas (COP-21), com os chefes de governo do Equador e da Noruega. Será que tentou convencê-los a transpor neve dos Andes e água dos fiordes noruegueses para o semiárido? Lá ocorre a maior seca em 50 anos, sem que jamais ela haja visitado a região, nem que fosse apenas para confortar sertanejos morrendo de sede. Os reservatórios de água das grandes cidades nordestinas estão praticamente vazios e a única providência tomada por seu governo foi incluir nos anúncios do Partido dos Trabalhadores (PT) na televisão depoimentos de vítimas da estiagem manifestando sua esperança na transposição do Rio São Francisco, obra faraônica que virou esfinge inconclusa em ruínas.
A presidente só foi ao Vale do Rio Doce uma semana após a tragédia da ruptura da barragem de contenção de rejeitos da mineradora Samarco, um dos maiores desastres ambientais da História. Assim mesmo, manteve a tradição de não pôr o pezinho na lama tóxica. A participação do Brasil na COP-21 foi vergonhosa como a avalanche de mentiras que a candidata à reeleição desencadeou na campanha de 2014. A diferença é que, no ano passado, ela mentiu em português tatibitate, enquanto em Paris balelas como a cobrança de R$ 20 bilhões de multas pelo Ibama tiveram tradução simultânea para muitos idiomas. Os meios de comunicação já se tinham encarregado de contar a verdade em línguas suficientes.
Não dá para levar a sério um governo que nunca tomou nenhuma providência para evitar a trágica imprevidência da mineradora, na qual a União tem relevante participação acionária. E ninguém está disposto a relevar essa falha só porque antes nenhum outro governo também nunca fiscalizou alguém. A tragédia ambiental e humana é de tal monta que qualquer desculpa esfarrapada, a esta altura, deixa de ser cínica para virar um escárnio – tomando emprestada a magnífica metáfora usada pela ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao votar pela permissão da prisão, pela Polícia Federal, do líder do governo no Senado, Delcídio “do” Amaral (PT-MS).
A onda de lama contaminada que desceu da cidade histórica de Mariana, em Minas, até o mar do Espírito Santo (que não nos valeu!) foi mais do que uma evidência da vergonha que o Brasil passaria em Le Bourget com o descaramento destrambelhado da desabilitada gestora desta República. A tragédia que destruiu vidas, vilas e campos às margens do Rio Doce é também a metáfora mais exata dos vexames que têm paralisado o País com a revelação da roubalheira devassada na Operação Lava Jato.
Preso na véspera o amigo de Lula que tinha licença do ex para entrar em seu gabinete sem ser anunciado, o 25 de novembro entrou para a História com a prisão do líder do governo no Senado, por ter planejado a fuga do ex-diretor internacional da Petrobrás Nestor Cerveró para não ser delatado por ele. O PT abandonou-o em nota alegando que ele não cumpria tarefa partidária, igual desculpa do Palácio do Planalto para evitar se sujar na lama que invadiu seu lago na entrada, onde nem os patinhos nadam em paz.
Delcídio (na etimologia, assassínio de Deus) só podia, então, estar a serviço do Menino Jesus, cujo aniversário se celebrará em menos de um mês e era frequentemente citado em suas pias mensagens em redes sociais. Essa hipótese seria reforçada pela desculpa de que sua decisão de doar R$ 50 mil (sendo seu salário de R$ 33 mil) por mês ao ex-subordinado Cerveró fora por “razões humanitárias”. Só isso talvez merecesse a canonização do ex-diretor da Petrobrás, ex-tucano e concorrente de Irmã Dulce e de Madre Tereza de Calcutá.
Os votos unânimes da 2.ª Turma do STF foram históricos. Mais histórica ainda foi a sessão noturna na qual, entre lamentos e feições soturnas, os senadores abriram a votação (52 a 19) e confirmaram a prisão do colega (59 a 13), contrariando desesperados apelos do presidente Renan Calheiros (PMDB-AL). Como no verso célebre de John Donne, os insignes anciãos (Senado vem do latim senior) sabiam que os sinos da opinião pública não dobravam por Delcídio, mas por todos quantos a ele se associaram na doce ilusão da impunidade, ora em extinção. Tudo sob o silêncio funéreo de opositores que, por falta de inteligência, vergonha ou por rabo de palha, sob a liderança do amigo oculto Aécio Neves (PSDB-MG), se juntaram ao chororô cuspindo para cima sem cuidar da lei da gravidade.
Da última semana de fortes emoções ficou ao menos a esperança de essa lama tóxica da política nos levar ao pleno Estado de Direito, no qual todos são mesmo iguais perante a lei.
Camuflagem
de cada dia
de cada cidadão
jogado na sarjeta do silêncio
de cada dia.
Ainda.
Lindolf Bell (Camuflagem)
Não é 'confronto', é repressão
É possível que um estudante de 15 anos, de bermuda, chinelo e mochila, enfrente um policial, com colete à prova de tiros, um cassetete na mão e uma arma de fogo na cintura? Que tipo de enfrentamento é esse?
Quando dezenas de policias devidamente paramentados partem para cima de alunos menores de idade com a truculência que tem a Polícia Militar, isso não é confronto, mas repressão.
Sejamos coerentes: a polícia reprime manifestantes. E não entra em confronto com eles. A não ser que estejamos falando de manifestantes que sejam bandidos de alta periculosidade capazes de enfrentarem a polícia. Estudantes só conseguem, no máximo, correr dela. Isso quando as tiras das havaianas não soltam no meio do caminho.
Nos últimos dias, quanto mais o governo Alckmin falou em diálogo, mais a polícia reprimiu os adolescentes nas ruas e nas escolas. Essa atitude da PM, que não condiz com o discurso proferido pelo Governo, só contribui para o aumento da tensão com os estudantes. E a possibilidade de haver, de fato, uma negociação parece ficar ainda mais distante.
Soma-se a isso o já conhecido histórico de abusos da Polícia Militar. Em junho de 2013, a violência da PM para reprimir manifestantes deixou um fotógrafo cego de um olho e dezenas de feridos. O confronto, neste caso, tem sempre o mesmo perdedor.
Na língua portuguesa, confrontarsignifica pôr frente a frente; enfrentar. O dicionário Aurélio também define confronto comobriga. E usa um título de uma reportagem dos resquícios da ditadura, quando, em 1985 o já extinto Jornal do Brasil escreveu "quatro pessoas ficaram feridas e 14 foram detidas em longo confronto de policiais com milhares de manifestantes." Há 30 anos dizia-se que manifestantes e a polícia entraram em confronto.
Já reprimir, significa sustar a ação ou movimento de; conter, reter, moderar, coibir (...). Essas palavras são mais coerentes com a ação da PM quando é acionada para controlar a manifestação dos secundaristas. Quando um batalhão munido usa bombas de efeito moral para conter um punhado de estudantes, ou arrasta meia dúzia deles para a delegacia mais próxima para encerrar uma manifestação.
Das jornadas de junho pra cá, São Paulo foi tomada outras dezenas de vezes por manifestações, principalmente na região central da cidade. Algumas delas contaram com a presença de black blocs, grupo de mascarados que tem como tática provocar a polícia que, neste caso sim, entra em confronto com o grupo e acaba por reprimir todo o resto da marcha. Essa é a diferença.
Nos últimos dias, as manifestações dos estudantes contrários à reorganização escolar não têm a participação dos black blocs. Ainda assim, elas estão terminando em repressão, o que demonstra que, no mínimo, a secretaria de Segurança Pública não aprendeu ainda a lidar com manifestações. Talvez nunca aprenda. Mas nós já não podemos ignorar a grande diferença entre confrontar e reprimir.
Brasil: Vamos colorir livros e matar jovens de cor...
Dados do Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência e Desigualdade: a morte de jovens negros em 2012 cresceu 21,3% em relação a 2007.
O índice de negros mortos em decorrência de ações policiais a cada 100 mil habitantes e são Paulo é quase três vezes o registrado para a população branca e a taxa de prisões em flagrante de negros é duas vezes e meia a verificada para os brancos.
Os dados são de estudo da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Os dados: 61% das vítimas da polícia no estado são negras, 97% são homens e 77% têm de 15 a 29 anos. Já os policiais envolvidos são, em sua maioria, brancos (79%), 96% são da Polícia Militar.
Jovens negros são mais vulneráveis à violência e correm, em média, até 2,5 vezes mais risco de serem assassinados do que os brancos.
Na Paraíba, o risco de um jovem negro ser assassinado é até 13,4 vezes maior.
Os dados são de 2015, divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em parceria com a Unesco.
Entre 2001 e 2011, as polícias do Estado de São Paulo mataram 5.591 pessoas – uma média de 508 civis por ano. Outras 1218 vítimas foram mortas por policiais fora de serviço que interviram ou reagiram a alguma situação enquanto estavam no período de folga. A maioria das vítimas são jovens do sexo masculino, principalmente negros. Os dados são do Quinto Fórum sobre Violência e Direitos Humanos, divulgado pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), no capítulo Violência Policial em São Paulo – 2001-2011.
Agora outro dado: o batalhão de Irajá, em que ficavam os cinco jovens negros executados no sábado, é o que mais mata no Rio de Janeiro. Desde 2011, foi dono de 13% da parcela das mortes “em confrontos”.
O Brasil não tem orgulho negro
Stephen Zweig, o escritor, referia que via no mapa do Brasil o desenho de uma harpa. Meu ídolo Lima Barreto, mulato, dizia que o mapa do Brasil não passava do desenho de um presunto.
Sim: nossa cidadania é submissa: apresuntada. Cala-se ao racismo com risos compartilhados que nos medem as horas vãs…
Alguém se lembra de quando , em Los Angeles, em 29 de abril de 1992, um Júri absolveu os 3 policiais que espancaram o motorista negro Rodney King? Tiveram de chamar a Guarda Nacional para conter as revoltas…
Alguém se lembra que em maio passado o policial norte-americano Michael Brelo, de 31 anos, foi absolvido da acusação de matar dois suspeitos negros desarmados em Cleveland ? Após a decisão, manifestantes tomaram as ruas da cidade.
Lá o lance é diferente.
O orgulho negro dos EUA tem bases bem fundamentadas. Uma delas é W.E.B. Du Bois. Falava alemão melhor que Joaquim Barbosa. Defendia a superioridade do negro (a que chamava do “décimo talentoso”). Em 1911 escrevia cousas como “as pessoas de cor possuem uma criatividade artística e cultural distinta daquelas dos antagonistas e opressores brancos, uma vitalidade interior maior e uma humanidade mais profunda”( a isso Du Bois chamava de “alma vital”, ou “seeleleben”).
Em sua obra Dark Princess, Du Bois notou: “os povos mais escuros são os melhores –a aristocracia natural, os criadores da arte, da religião, da filosofia, da vida, de tudo, exceto da máquina”.
Segue poema que Du Bois compôs em Gana (que Neymar e Daniel deveriam cantar, às lágrimas furtivas, em lugar do nosso “ovirindu piranga às margens plácidas…”):
“Ergui minha última voz e clamei
Clamei ao paraíso enquanto morria…
Do Ocidente fumegante cujos dias são findos
Que fedem e cambaleiam em sua imundície
Às praias da África, China, Índia
Onde o Quênia e o Himalaia estão
E onde o Nilo e o Yang Tse fluem
Viram-se cada rosto desejoso do homem.
Desperta, desperta, oh mundo adormecido,
Honre o sol;
Adore as estrelas, esses sóis mais vastos
Que governam a noite
Onde o negro é brilhante
E todo trabalho altruísta é justo
E a ganância é pecado.
E a África prossegue
Pan África!”
Esse orgulho negro inexiste no país da tolerância: aqui o barato é “nonhô manda, caboclo faz”
O vocábulo “raça” deveria ter sido banido do dicionário desde o começo da década de 50: que foi quando Watson e Crick, ao conjecturarem sobre a dupla hélice do DNA, notaram que tais hélices eram compostas por decágonos – figuras de dez lados que, sabe-se em geometria, são as que mais concentram a energia. E que se você comparar o índice de crescimento desses decágonos seja num judeu, alemão, russo, esquimó ou argentino, ou branco, ou negro, ou circassiano, ou pardavasco, verá que as medidas são iguais. Ou seja, desde o começo da década de 50 os cientistas sabem que não existe conceito científico de raça. Somos todos rigorosamente iguais apesar das flamantes mentiras que volta e meia os racistas tendem a vender por aí.
Qualquer beletrista de Engenharia, Artes Plásticas ou Ciências sabe que toda vida viva cresce na mesma proporção: é o chamado número áureo ou golden mean, representado por raiz de 5 mais 1 sobre 2. Toda vida viva cresce nessa proporção. Com as hélices do DNA não é diferente.
O pensador marxista alemão Ernst Bloch (1885-1977) gostava de apontar o que chamava de “a contemporaneidade do não-coetâneo (em alemão, "Gleichzeitigkeit der Ungleichzeitigkeit”). Ou seja: você vive no século 21, mas pode estar dividindo o seu espaço, lado a lado, com quem ainda mantenha valores medievais. Ou simplesmente com quem ache que a ida do homem à lua não passa de uma montagem de video. O que ainda existem “raças”.
O Brasil é racista. De cabo a rabo.
Colorindo livros
Há 2 anos todos saíam às ruas para protestar contra 20 centavos.
Hoje todos se calam.
Porque todos estão colorindo livros. Os livros de colotir venderam R$ 25,18 milhões de janeiro até julho. Os dados são do 3º Painel das Vendas de Livros do Brasil, com dados pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e pelo Instituto de Pesquisa Nielsen.
Vamos colorir livros e matar homens de cor: é o barato do momento.
Terrorismo de farda
Carro fuzilado em Costa Barros poderia muito bem estar na área do EI |
As chacinas, perpetradas sob o manto de segurança pública, são tão ou mais violentas do que qualquer ato do Estado Islâmico sem qualquer manifestação que não seja o de liquidar os inocentes, crime condenável mesmo numa guerra.
Não se está em guerra no Brasil e, no entanto, o estado democrático acata essa criminalidade. No mínimo, que ainda é muito, condena em declarações, mas não tem um gesto que sinalize o combate à chacina no país.
Nunca neste país se matou tanto, por nada, Também parece que nada governos fazem para conter a flagrante "guerra contra o crime" que liquida inocentes para mostrar serviço.
Por que são as família que têm de dar explicações?
"Meu filho terminou o curso técnico". "Meu filho fazia inglês". "Meu filho era estudante". "Meu filho estava comemorando o primeiro salário no emprego".
Ao acompanhar o noticiário sobre os cinco jovens negros mortos por policiais em Costa Barros no fim de semana, reencontro frases que ouvi tantas vezes, nas bocas de outras mães e outros pais que perderam seus filhos de modo semelhante.
"Meu filho era tão bom, era trabalhador, estudava...", costumava dizer Euristeia Azevedo sobre o filho William Keller Azevedo, assassinado em outubro de 1998 no episódio que ficou conhecido como Chacina do Maracanã.
Entrevistei-a em reportagens sobre mães que cobravam justiça para mortes violentas no Rio. Eu estava num plantão de sábado quando, na ronda telefônica para hospitais e delegacias, soube das mortes. Na estatística, era mais um caso. Para Euristeia, era o filho dela, um filho bom, morto aos 24 anos.
Noutro plantão de sábado, em maio de 1999, mataram Rodrigo Marques da Silva, de 15 anos, numa operação da PM no morro da Coroa. A mãe, Edilamar da Silva, transformou-se em ativista contra a violência policial.
"Já estão até dizendo que acharam uma arma com meu filho", ela dizia. "Não quero dinheiro do Estado, quero que tirem essa calúnia. Meu garoto não era traficante".
Esqueci de lhe dizer que, se fosse, o filho teria de ser preso e julgado, não assassinado.
Em agosto e setembro de 2000, grávida, persegui pelo Rio o então relator da ONU contra a tortura, Nigel Rodley, até ele me confirmar o que eu já sabia: ao visitar um presídio do Rio, Rodley encontrou detentos que haviam sido espancados.
Sua grande crítica era ao fato de a polícia investigar a polícia: "Há um problema quando a iniciativa da investigação fica a cargo da polícia ou quando só a polícia tem autorização para investigar, principalmente quando é a polícia que está sendo investigada".
Lembrei-me de 'sir' Nigel ao observar como demorou a cair o comandante do 41º Batalhão da PM, ao qual pertencem os policiais que deram ao menos 50 tiros no Palio em que estavam os cinco jovens de Costa Barros.
Era desse mesmo batalhão o sargento que, em outubro, atirou em dois mototaxistas ao confundir com uma arma o macaco hidráulico que um deles carregava. Os dois rapazes morreram.
Outra relatora da ONU, Asma Jahangir, especialista em execuções sumárias, impressionou-se com os relatos de violência policial no Estado ao visitar o Rio em outubro de 2003.
Foi nessa época que conheci Márcia de Oliveira Silva Jacinto, mãe de Henri Gomes de Siqueira, morto aos 16 anos numa ação da PM no Lins. O rapaz tinha morrido já fazia quase um ano, e Márcia contava que ainda ouvia um "Mãe, cheguei!", quando entrava em casa.
"Meu filho levou um tiro no peito. Disseram que ele tinha um revólver e maconha, mas sei que era inocente".
Recém-chegada ao Rio, desde 1994 eu mergulhara na cidade pós-chacinas da Candelária e de Vigário Geral, ambas do ano anterior. Cobri a guerra entre traficantes e os assassinatos cometidos por policiais.
Em outubro de 1994, uma operação da Polícia Civil na favela Nova Brasília acumulou 13 mortos. Só três tinham antecedentes criminais, no mínimo dez levaram tiros na cabeça.
Nova operação policial, em maio de 1995, matou 14 na mesma favela. Na casa onde morreram dez das 14 vítimas, vi sangue escorrendo pelo chão e pelas escadas, paredes vermelhas de sangue, macabramente salpicadas de massa encefálica.
"Eles pediam para não morrer, diziam que iam se entregar", segredou um morador.
Ecoam as vozes de mães, pais, irmãos e amigos de muitas épocas: era inocente; estudava inglês; fez curso técnico; era um bom garoto. Ouvi e ainda ouço justificativas e alegações, em defesa da honra dos filhos mortos.
Nas comunidades pobres, diante da escola que não atrai, à espera do emprego que custa a aparecer e sem chance frente a uma polícia que mata, os jovens convivem com a marginalidade. Muitos são tragados por ela. Alguns margeiam a delinquência, experimentando pequenos delitos. Outros, a maioria, ganham a vida honestamente.
As famílias sabem disso, e por isso o desespero de pais e mães que se sentem obrigados a provar a inocência dos filhos, exibindo o recibo do curso quase concluído, a carteira de trabalho recém-assinada, a apostila de inglês...
É digna e comovente a atitude das famílias. Porém, mesmo se fossem criminosos, os jovens de Costa Barros não podiam ter sido fuzilados. Estavam desarmados, não ameaçaram os policiais. Tinham de 16 a 25 anos.
Mas aceitamos, publicamos, seguimos, acostumados que estamos a uma argumentação torta, segundo a qual famílias devastadas pela tragédia da morte de um jovem é que têm que dar explicações.
Ao acompanhar o noticiário sobre os cinco jovens negros mortos por policiais em Costa Barros no fim de semana, reencontro frases que ouvi tantas vezes, nas bocas de outras mães e outros pais que perderam seus filhos de modo semelhante.
"Meu filho era tão bom, era trabalhador, estudava...", costumava dizer Euristeia Azevedo sobre o filho William Keller Azevedo, assassinado em outubro de 1998 no episódio que ficou conhecido como Chacina do Maracanã.
Entrevistei-a em reportagens sobre mães que cobravam justiça para mortes violentas no Rio. Eu estava num plantão de sábado quando, na ronda telefônica para hospitais e delegacias, soube das mortes. Na estatística, era mais um caso. Para Euristeia, era o filho dela, um filho bom, morto aos 24 anos.
Noutro plantão de sábado, em maio de 1999, mataram Rodrigo Marques da Silva, de 15 anos, numa operação da PM no morro da Coroa. A mãe, Edilamar da Silva, transformou-se em ativista contra a violência policial.
"Já estão até dizendo que acharam uma arma com meu filho", ela dizia. "Não quero dinheiro do Estado, quero que tirem essa calúnia. Meu garoto não era traficante".
Esqueci de lhe dizer que, se fosse, o filho teria de ser preso e julgado, não assassinado.
Em agosto e setembro de 2000, grávida, persegui pelo Rio o então relator da ONU contra a tortura, Nigel Rodley, até ele me confirmar o que eu já sabia: ao visitar um presídio do Rio, Rodley encontrou detentos que haviam sido espancados.
Sua grande crítica era ao fato de a polícia investigar a polícia: "Há um problema quando a iniciativa da investigação fica a cargo da polícia ou quando só a polícia tem autorização para investigar, principalmente quando é a polícia que está sendo investigada".
Lembrei-me de 'sir' Nigel ao observar como demorou a cair o comandante do 41º Batalhão da PM, ao qual pertencem os policiais que deram ao menos 50 tiros no Palio em que estavam os cinco jovens de Costa Barros.
Era desse mesmo batalhão o sargento que, em outubro, atirou em dois mototaxistas ao confundir com uma arma o macaco hidráulico que um deles carregava. Os dois rapazes morreram.
Outra relatora da ONU, Asma Jahangir, especialista em execuções sumárias, impressionou-se com os relatos de violência policial no Estado ao visitar o Rio em outubro de 2003.
Foi nessa época que conheci Márcia de Oliveira Silva Jacinto, mãe de Henri Gomes de Siqueira, morto aos 16 anos numa ação da PM no Lins. O rapaz tinha morrido já fazia quase um ano, e Márcia contava que ainda ouvia um "Mãe, cheguei!", quando entrava em casa.
"Meu filho levou um tiro no peito. Disseram que ele tinha um revólver e maconha, mas sei que era inocente".
Recém-chegada ao Rio, desde 1994 eu mergulhara na cidade pós-chacinas da Candelária e de Vigário Geral, ambas do ano anterior. Cobri a guerra entre traficantes e os assassinatos cometidos por policiais.
Em outubro de 1994, uma operação da Polícia Civil na favela Nova Brasília acumulou 13 mortos. Só três tinham antecedentes criminais, no mínimo dez levaram tiros na cabeça.
Nova operação policial, em maio de 1995, matou 14 na mesma favela. Na casa onde morreram dez das 14 vítimas, vi sangue escorrendo pelo chão e pelas escadas, paredes vermelhas de sangue, macabramente salpicadas de massa encefálica.
"Eles pediam para não morrer, diziam que iam se entregar", segredou um morador.
Ecoam as vozes de mães, pais, irmãos e amigos de muitas épocas: era inocente; estudava inglês; fez curso técnico; era um bom garoto. Ouvi e ainda ouço justificativas e alegações, em defesa da honra dos filhos mortos.
Nas comunidades pobres, diante da escola que não atrai, à espera do emprego que custa a aparecer e sem chance frente a uma polícia que mata, os jovens convivem com a marginalidade. Muitos são tragados por ela. Alguns margeiam a delinquência, experimentando pequenos delitos. Outros, a maioria, ganham a vida honestamente.
As famílias sabem disso, e por isso o desespero de pais e mães que se sentem obrigados a provar a inocência dos filhos, exibindo o recibo do curso quase concluído, a carteira de trabalho recém-assinada, a apostila de inglês...
É digna e comovente a atitude das famílias. Porém, mesmo se fossem criminosos, os jovens de Costa Barros não podiam ter sido fuzilados. Estavam desarmados, não ameaçaram os policiais. Tinham de 16 a 25 anos.
Mas aceitamos, publicamos, seguimos, acostumados que estamos a uma argumentação torta, segundo a qual famílias devastadas pela tragédia da morte de um jovem é que têm que dar explicações.
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