segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Brasil de sala nova


Democracia e populismo

A democracia representativa não é um mecanismo para revelar a voz do povo, da nação ou dos descamisados; a essência da nacionalidade ou da tribo; ou qualquer outro ideal transcendental caro aos populistas. Mas um arranjo institucional para "mandar os pilantras passearem" (a fórmula consagrada em inglês é "throw the rascals out"). As eleições são apenas autorizações para o exercício do poder; não têm conteúdo substantivo ex ante.

Democracia encarna o ideal majoritário que é o princípio ordenador das sociedades contemporâneas: é a maioria, e não um indivíduo ou grupo, que deve prevalecer. E aí começa a confusão da teoria clássica da democracia, em que esta é entendida como vontade geral, uma atualização da fórmula vox populi, vox Dei.


A confusão deriva da transformação, pela via das eleições, das preferências de uma maioria em vontade geral. Mas nas atuais democracias, essa maioria é apenas a maior minoria: a taxa média de comparecimento às urnas é de cerca de 2/3 do eleitorado, e os vencedores obtêm tipicamente menos de 40% dos votos.

Esse é o menor dos problemas da teoria: o principal é a impossibilidade lógica de racionalidade social na agregação de preferência em eleições e/ou votações —problema identificado por Condorcet, lá atrás, e Kenneth Arrow (pelo qual recebeu o Nobel de Economia). Sabemos assim que os resultados de votações são em larga medida arbitrários.

Com isso, ocorreu uma revolução na forma como a teoria política passou a tratar a democracia representativa. Mas as tentativas essencialistas de identificar algo que o mecanismo eleitoral supostamente revela persistem nas suas variantes iliberais à esquerda e direita.

A democracia representativa é uma forma de veto popular contra o abuso. Na famosa definição de William Riker, "o tipo de democracia que assim sobrevive [à devastadora crítica à inconsistência da teoria clássica] não é, no entanto, um tipo de governo popular, mas uma forma —às vezes intermitente, errática e perversa— de veto popular" (Cf. "Liberalism against Populism: a Confrontation Between the Theory of Democracy and the Theory of Social Choice" [Liberalismo contra Populismo: Confronto entre Teoria da Democracia e a Teoria da Escolha Social], 1982).

Por isso, a democracia liberal confunde-se com alternância no poder e certo experimentalismo institucional, e não com implementação de ideais abstratos; com o pluralismo e competição e não o atingimento de algum fim perfeccionista ("descamisados no poder"; "governo de justos"). A saúde da democracia mede-se por sua capacidade de garantir a elusiva tarefa de punição/premiação de governantes. Apenas isso. Mas não é pouco.
Marcus André Melo

'Está tudo a morrer nos oceanos'

Está tudo a morrer em todo o mundo. O clima está a mudar, os corais estão a morrer, os tubarões estão a desaparecer aos milhões todos os anos, 90% dos grandes peixes já não existem e, do resto dos peixes que pescamos, creio que também 90% estão em situação de sobrepesca. Entre a poluição, as alterações climáticas, a pesca e o resto... é uma desgraça. E não são só os oceanos que estão em risco, são também as florestas, a Amazónia, a biodiversidade... Os tigres já desapareceram quase todos, os ursos-polares também já praticamente não existem, as chitas, os rinocerontes estão em risco... Estima-se que 36 mil elefantes desapareçam todos os anos, um elefante é morto a cada 15 minutos… E eu estou a tentar mostrar às pessoas o que existe e fazê-las apaixonarem-se. Claro que não sou a única pessoa a fazê-lo, há milhares de fotógrafos de conservação, mas eu estou a tentar desempenhar o meu papel, contribuindo para que as pessoas se importem, amem e queiram proteger a vida no planeta. E tentar alterar alguns comportamentos terríveis. Neste momento, as crianças precisam de saber o que se passa à sua volta, os jovens não podem crescer sem saber o que se passa no mundo, nos seus países e o que está a acontecer ao ambiente. Estamos num momento de viragem, em que a crise está a morder-nos os calcanhares. Já ouvimos a expressão “momento de viragem” tantas vezes que não tenho a certeza como podemos dar-lhe o devido valor.
 Príncipe Hussain Aga Khan, na abertura de sua exposição fotográfica no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa.

Gangue miliciana

Aquilo ali é um grupo que se comporta como uma gangue, uma gangue de rua, uma milícia digital, uma gangue de rua que se transfere para dentro da internet. Não me impressiono com isso, aquilo ali não me afeta em nada, já tive muito tiroteio real na vida, não vai ser tiroteio de internet que vai me fazer ficar preocupado
General Santos Cruz, ex-ministro-chefe da Secretaria de Governo

Hora do debate plural

É possível aferir avanços da civilização por meio de diversos elementos: tecnologia, expansão do conhecimento, média de vida do ser humano, conscientização da sociedade etc. Nas democracias, um dos aspectos mais evidentes é a racionalidade. Com boa pontuação nesse capítulo, um povo mostra que seu sistema de decisão é lógico, denso e justo. É quando o voto sai do coração e sobe à cabeça.

O eleitor evita a síndrome do touro: pensa com o coração e arremete com a cabeça. Esse introito convida-nos a imaginar o grau civilizatório da atualidade brasileira. Evidentemente não somos uma sociedade racional, com nossa cultura banhada pela emoção. Somos uma gente calorosa, vibrante, que toma partido de tudo e decide mais pelo coração do que pela cabeça.

Porém, expande-se o conceito de autogestão usado, particularmente, pela cultura anglo-saxã. Seu lema: a pessoa define metas e objetivos e escolhe meios e formas para atingi-los.


Do fim dos anos 80, sob uma Constituição garantidora de direitos individuais e sociais, avançamos na trilha da pressão sobre os Poderes até o estágio da mobilização social de 2013. Entidades intermediárias – gênero, minorias, defesa corporativa e categorias profissionais – mostraram força nas ruas. Chegamos ao momento em que o país, dividido e polarizado, quebra paradigmas e elege dirigentes fora do velho jogo, enquanto contingentes agem de forma autônoma. Assim o país avança na direção da racionalidade. Por isso, não dá mais para aceitar negociatas por baixo do pano, projetos a portas trancadas, burocratas plasmando reformas em circuito fechado. É hora do debate plural, sem redomas. O Brasil de hoje exige transparência.

Grupos nomeados por ministros ou secretários de pastas, que não debatem seus projetos com a sociedade organizada, estarão sujeitos à execração social e condenados por desconexão com a realidade. O Brasil requer o jogo aberto de ideias, ponto e contraponto.

Reformas estão em gestação no governo e no Congresso. Entre elas a da Previdência, que não merece ser partilhada nas barganhas dos congressistas. Há também a reforma tributária, e todos os setores devem ser ouvidos, não apenas a indústria. Vejam o que diz o economista Raul Veloso: “A reforma tributária mexe com a tributação de setores da economia, aumentando a de uns e reduzindo a de outros... mas é uma reforma em favor da indústria e contra o setor de serviços”.

Prepara-se a reforma sindical: montou-se um conselhão do trabalho composto por tradicionais lideranças, sem participação de representantes de novos segmentos da empregabilidade.

Esperemos também pelas reformas administrativa e política. A primeira só será eficaz se for racional, enxugando estruturas, treinando quadros, reduzindo a burocracia.

Já a reforma política, pelo menos em relação ao voto, precisa encarnar melhor a vontade popular, o que não ocorrerá sem o crivo do cidadão, o verdadeiro dono do mandato. Todo poder emana do povo e em seu nome deve ser exercido.

Arranha-céu de vidro

Em 2013, as incursões de Edward Snowden por computadores a que não fora convidado revelaram que a Agência Nacional de Segurança dos EUA podia vigiar a população americana através de um programa de interferência nos celulares, adquirido das empresas de telecomunicação. Ou seja, a mulher do sujeito podia não saber que ele estava tendo um caso com a Beyoncé, mas o governo sabia.


O Brasil acaba também de instituir por decreto o Cadastro Base do Cidadão —uma “base integradora” de dados pessoais dos brasileiros. Segundo li, constará de dados cadastrais —nome, data do nascimento, sexo, filiação, RG, CPF, CNPJ, PIS, Pasep, título de eleitor etc. A estes serão acrescidas, em devido tempo, as “bases temáticas”, incluindo dados biométricos: palma das mãos, digitais, cor dos olhos, formato do rosto, voz, maneira de andar. Serão dados “interoperáveis”, ou seja, circularão pelos ministérios, agências e demais órgãos do governo.

Não sei se gosto da ideia de ver minhas particularidades circulando alegremente entre pessoas que não conheço. Como todo brasileiro da minha geração e, se não bastasse, jornalista, já convivi o suficiente com censores, burocratas e aspones para saber que, até por questões higiênicas, convém manter distância deles.

Não se trata de temer que eles descubram o que eu penso, se é que penso. Para isso, basta ler esta coluna —que ocupo desde 2007, dia sim, dia não. É pelo tipo de controle moral, econômico e social que, com as novas tecnologias, o Estado pode ter sobre o cidadão e pelas chantagens que disso podem decorrer. E não importa quem exerça esse controle, se esquerda ou direita. Ambas nos vedam a saída.

Lembrei-me de um asfixiante poema de Cassiano Ricardo, em que Deus convoca Adão. E este diz: “Ouvi a Tua voz soar no jardim e temi, porque estava nu, e escondi-me. Escondi-me neste arranha-céu de vidro”.
Ruy Castro

Pensamento do Dia

Jurij Kosobukin

Bolsonaro e togas amigas resistiriam a um hacker?

Jair Bolsonaro recebeu no Planalto, há cinco dias, três togas supremas. Entre 10h e 10h15, conversou com Dias Toffoli e Alexandre de Moraes. Das 11h às 11h25, esteve com Gilmar Mendes. O que aconteceu entre as quatro paredes do gabinete presidencial só os interlocutores podem dizer. Mas qualquer brasileiro está autorizado a concluir que vai mal uma República em que a população é incapaz de reconhecer a seriedade das autoridades e estas são incapazes de demonstrá-la.

Perguntou-se ao porta-voz da Presidência, general Otávio do Rêgo Barros, qual foi o teor da prosa. Ele fez segredo: "É uma decisão pessoal, de foro íntimo do presidente, comentar ou não comentar determinadas audiências". Os ministros do Supremo também avaliaram que não devem nada ao brasileiro que financia seus contracheques, muito menos explicações. Perderam-se as mais comezinhas noções de recato. Já não há nem mesmo o cuidado de maneirar.


Noutros tempos, Bolsonaro não daria aos ministros do Supremo nem bom-dia. E vice-versa. Hoje, mimam-se mutuamente. Toffoli é autor da liminar que desligou o Coaf da tomada e trancou investigações contra o primogênito Flávio Bolsonaro. Gilmar é signatário da decisão que reforçou a blindagem que livra o Zero Um de inquérito sobre peculato e lavagem de dinheiro. Junto com Alexandre, os dois integram a ala da Corte que deseja realizar o sonho da oligarquia que quer o fim da Lava Jato.

As conversas sigilosas ocorreram num instante em que o Supremo está na bica de rever a regra sobre prisão de condenados na segunda instância. O vereador-geral da República Calos Bolsonaro lembrou que seu pai é a favor da tranca. Fez isso no Twitter do presidente. Foi forçado a se desculpar. Apagou o tuíte. Além de admitir que as redes sociais do pai trazem as suas digitais, o Zero Três como que escancarou a mudança de prioridades do capitão.

Os "garantistas" do Supremo, sobretudo Gilmar, utilizam as mensagens roubadas dos celulares de procuradores da Lava Jato como matéria-prima para minar o surto anticorrupção que acometeu o país nos últimos cinco anos e meio. Ganha um kit completo com as mídias do Intercept quem for capaz de recordar uma frase de Bolsonaro em defesa do ex-juiz Sergio Moro, hoje seu ministro da Justiça.

O material que chega às manchetes em conta-gotas de fato tisna o trabalho de Curitiba. Mas a dúvida que boia na atmosfera é a seguinte: as comunicações sigilosas de Bolsonaro com as togas amigas resistiriam à ação de um hacker?

O bode na sala

Prometi a mim mesmo que não faria, esta semana, mais um artigo defendendo prisão em segunda instância. Não são nossos argumentos que pesam.

Os ministros do STF já estão decididos. Tudo o que podem fazer é ampliar o prazo do anúncio da decisão. Usar de novo a tática do bode na sala. Anunciam ou indicam uma decisão arrasadora para uma semana e guardam sete dias mais para apresentar algumas atenuantes. Esperam com isso reduzir o desgaste de sua imagem, que não é pequeno.

Durante muito tempo, acalentaram essa decisão. Esperaram cuidadosamente o momento ideal. Ganharam a simpatia agradecida de Bolsonaro pelo gesto de proteção ao filho, encalacrado no Rio. Foi um gesto tão amplo que paralisou, por tabela, um grande número de investigações baseadas em operações financeiras.

Observaram o desgaste de Moro. De vez em quando, deram um empurrão com frases indiretas ou mesmo o discurso desqualificador de Gilmar Mendes. O otimismo que alguns tiveram com as eleições não se justificou. Nem governo nem Congresso decidiram enfrentar a corrupção de frente.

Está tudo começando, diziam alguns. Estão sendo sabotados, acreditavam outros. A qualquer momento as coisas podem mudar, concluíam.


Não mudam fácil no Brasil. Um dos dramas que nos perseguem é este: ser governado por ladrões ou ditadores. Nos momentos históricos piores, as duas características se concentram num só governo.

Mas existem alguns fatores que podem libertar dessa inevitabilidade. Um deles é a inter-relação cada vez mais estreita do Brasil com o mundo.

A volta da tolerância com a rapina pode nos trazer inúmeras dificuldades. Entrar na OCDE, por exemplo, vai para o espaço. Atrair investidores sérios também será problemático, pois, certamente, o esquema de propinas vai ser restabelecido.

Os juízes dizem que não. A esquerda limita-se a afirmar que isso não tem importância: a corrupção é uma nota de pé de página na brilhante história que pretende escrever.

Um outro fator é o nível de informação da sociedade, num período de revolução tecnológica. Nunca se falou tanto de política e, com todas as distorções, as pessoas hoje têm mais consciência do que se passa, conhecem mais a realidade.

Um dos argumentos que usam contra a decisão dos ministros não me emociona: o de que milhares de presos serão libertados.

Desde quando o país mudaria com uma simples decisão de 11 ministros? As prisões estão abarrotadas, e muitas pessoas nem foram julgadas, quanto mais em segunda instância.

O fim da prisão em segunda instância tem um alvo inequívoco: os políticos envolvidos na Lava-Jato e outras operações. Os pobres continuarão presos. O Supremo não se lembra deles, exceto em episódicas campanhas de mutirão. O que os interessa mesmo é julgar e absolver os iguais.

Viveremos, segundo eles, num estado de direito perfeito. Os advogados vão celebrar, os partidos vão celebrar, mas todos sabemos que esse estado de direito concebido por eles apenas autoriza o saque aos recursos nacionais, sem nenhum perigo de cadeia.

Há duas perspectivas para os grandes ladrões: empurrar o processo até a prescrição ou levar para o túmulo o risco de ser preso. As consequências de decisões como essa trazem um profundo descrédito na democracia. E aí reside o perigo maior. Esgotadas as formas legais de combate, sobretudo as desenvolvidas pela Lava-Jato, a memória de muitos se volta para os militares.

Os próprios militares, indiretamente, dão sinais de descontentamento com a volta da impunidade. Mas eles também se comprometeram com o governo Bolsonaro. E sem examinar algumas evidências. Bolsonaro não combateu a corrupção de frente no seu período de deputado. Ele era do PP, apoiou o Severino Cavalcanti.

Mesmo se Bolsonaro fosse de fato decidido nesse campo, dificilmente teria competência para enfrentar STF, Congresso, partidos, parte da burocracia estatal, grandes advogados.

Ele encontrou a coexistência pacífica com as diferentes dimensões do poder. Aliás, os militares sempre foram contra a corrupção de esquerda. Na hora H, abraçavam os seus aliados, como foi o caso de Maluf na eleição indireta para a Presidência da República.

O buraco é mais embaixo. Nenhuma força política isolada conseguirá desatar o nó da impunidade. É tarefa de longo alcance.

Não é de hoje que temos 'Pilatos'

Cardoso de Castro era brasileiro.

Quando foi chefe de Polícia do senhor Rodrigues Alves, fundou uma corporação - mais para atender aos "pistolões" do que pelo desejo de policiar a cidade... Criou a cousa e deu este nome pomposo: Guarda Civil.

Esta palavra "civil" não entrou só para desvirtuar qualquer ideia militarista.

Não! "Civil" queria dizer: "civilizado, distinto, cavalheiresco".


E então os guardas usavam luvas.

E matavam, assim mesmo de luvas, por ordem do mesmo Cardoso.

Hoje, a Guarda Civil não usa mais luvas, mas continua matando e surrando crianças na avenida Rio Branco...

Orestes Barbosa, "Bambambã!" 1922 

A corrupção mata à distância

“Corrupção mata, mata na fila do SUS, mata na falta de leitos, mata na falta de medicamentos, nas estradas que não têm manutenção adequada, destrói vidas que não são educadas por falta de escolas, de equipamentos, de cuidados. O fato de o corrupto não olhar nos olhos a vítima que ele produz, a crença de que a corrupção não é um crime grave e violento, e que os corruptos não são perigosos, geram um quadro sombrio em que recessão, corrupção e criminalidade elevadíssima nos atrasam na história, num país que não consegue progredir”, assim se pronunciou o ministro Luís Roberto Barroso no plenário do STF.

O corrupto é uma praga social, não olha nos olhos de suas vítimas! Nem vai ao velório para assistir à dor. Não toma conhecimento de quem sofre privações que ele provocou apropriando-se de recursos de todos. Rouba nos medicamentos, nos serviços, nas obras, nos fornecimentos, nos alimentos, deixa que inocentes não recebam o imprescindível. Barroso está certo! Mata.

Alguns que se destacam no vértice da corrupção, depois de terem faturado obras, provocam ainda diferenças fraudulentas com a cumplicidade de agentes públicos. É o caso da Andrade Gutierrez, uma das líderes em corrupção nacional. Provocou diferenças em dezenas de Estados e municípios, como Betim. Uma indústria bilionária e mais rentável que as próprias obras executadas. Em Betim, um estrago de R$ 450 milhões, que se transformou no maior precatório do Brasil. Inconcebível dívida, dilatada e surreal. Agride o bom senso, a moderação. Ceifará diretamente vidas de inocentes.

E com que meio parar uma imensa fraude que teve orquestração de dezenas de mancomunados? Empreiteiros, advogados, agentes públicos, indecentemente acertados? Para alguns, trata-se apenas de ganhar dinheiro com esperteza, entretanto o STF garantiu a imprescritibilidade dos danos ao erário. Betim está exatamente de frente com a maior imprescritibilidade, transitada em julgado, no Brasil.

Precisaria aguardar que os quatro processos que contestam a dívida alegada, com sobra de provas e auditoria do próprio TCU, comprovassem sua improcedência. Encontraram uma diferença de valores de R$ 600 milhões corrigidos, que a empreiteira mais carimbada por corrupção no país terá que devolver ao município. Isso decorrente de transferências indevidas realizadas em janeiro de 1985. Tudo é absurdo, valores estratosféricos e inflados, 50 vezes maiores do que o que se gastaria para realizar a obra agora.

O inconcebível é que a diferença reclamada foi paga entre novembro de 1984 e 8.1.1985, confirmado-se em auditoria interna e outra independente. O próprio prefeito que reconheceu a dívida em 1991, depois de prescrita, deixou escapar, em audiência pública, que seu antecessor liquidou a diferença em 1985. Mais claro impossível. Fraude assumida.

Esse caso de Betim comprova a exatidão do falecido Murilo Mendes, em certos anos considerado o maior do Brasil, ao definir: “Empreiteiro é aquele que, para ganhar dinheiro, faz qualquer coisa. Até obras”. Nesse caso a Andrade Gutierrez fez apenas “qualquer coisa”, depois de receber as obras.

A crença de que corrupção é apenas ganhar dinheiro para ter uma boa vida, luxo, Land Rover e apartamento no exterior é falsa. Para se chegar a isso, é preciso fechar os olhos, desligar a consciência e a compaixão que existem até em lobos.

No Brasil chegou a hora de tratar a corrupção no setor público como ela merece, como crime hediondo, pois o corrupto gera mortes a esmo e até genocídio.

Não há como se separar, como disse Barroso, as mortes na fila do SUS da ação de corruptos.

A pirataria bilionária da corrupção é comandada pelos mais altos escalões políticos, conta com dublês de empreiteiros e empresários sem escrúpulos. Precisam criar seus filhos em Paris e Nova York, no luxo e no deslumbre, para que não fiquem em contato com a miserabilidade que provocam.

Corruptos provocam aumentos de impostos, subtraem a todos alguma fração de salário. Se para os abastados isso não gera constrangimento, para o miserável representa um leite, um pão, uma sopa que deixa de dar a um filho.

Não merece leniência quem arromba a nação, quem castiga os pobres. Os R$ 452 milhões em benefício de uma quadrilha contumaz na corrupção instalam a impossibilidade de realizar 370 mil cirurgias – zerar a fila inteira de pacientes que estão à espera em Minas Gerais.

O corrupto é pior do que aquele que usa metralhadora. Seu alcance mortífero vai silenciosamente muito além de um tiro de arma de fogo, é uma chuva de balas lançadas contra um povo inteiro e que mata os mais fracos.

A pena aplicada deveria ser descontada na impenetrabilidade da selva – lançados de paraquedas com um kit de sobrevivência para resistir sem o risco de prejudicar a humanidade e matar de verdade. Barroso está mais do que certo.

Bolsonaro quer distância dos pobres

Sabem quantas vezes o presidente Jair Bolsonaro sobrevoou a Amazônia em chamas desde que a destruição da floresta virou um escândalo internacional e foi parar no plenário da ONU, em Nova Iorque, e nos salões pontifícios no Vaticano?

Nenhuma. Com toda a frota de aviões da Força Aérea Brasileira à sua disposição, e mais de um Boeing presidencial, Bolsonaro não se deu ao trabalho, nem tão pesado assim, de sobrevoar a Amazônia, quando nada para tirar umas fotos ou fazer uma live.

A pergunta seguinte é mais fácil de responder. Sabem quantas vezes Bolsonaro molhou os pés para ver de perto a tragédia da derrama de petróleo nas praias nordestinas que não tem data para acabar – como, de resto, a da Amazônia tampouco?

Nenhuma até agora. Bolsonaro embarcou ontem à noite para uma visita à China e a outros países asiáticos sem deixar sequer uma mensagem de solidariedade aos que por sua conta e risco recolhem com as mãos as poças de petróleo nas praias.


Às primeiras denúncias sobre incêndios na Amazônia, Bolsonaro respondeu culpando ONGs internacionais interessadas em conspurcar a imagem do governo e contribuir para a ocupação daquela área por países que cobiçam suas riquezas.

Quando o petróleo começou a chegar às praias, matando parte da fauna marinha, ameaçando a pesca, a vida dos pescadores e a indústria do turismo, Bolsonaro correu a assegurar que a origem dele estava na Venezuela. Insinuou poder tratar-se de um crime.

Milhares de navios de todas as bandeiras cruzam o Atlântico abarrotados de petróleo venezuelano – e nem por isso, sem amparo em provas ou em evidências confiáveis, pode-se sugerir que a Venezuela seria a responsável pela tragédia.

Em menos de 10 meses, o governo provou duas vezes que pouco se lixa para a preservação do meio ambiente. Por extração de minérios via garimpo e empresas transnacionais, lixa-se sim, talvez porque como capitão Bolsonaro tentou ser garimpeiro.

O Nordeste está fora do radar. Ali, ele perdeu a eleição para o PT (70% x 30%). Foi a única região que lhe recusou a maioria dos votos. O primeiro governador da safra de 2018 alvo de ataques de Bolsonaro foi o da Bahia. O de Pernambuco, o mais recente.

Nos anos 70 do século passado, o governo federal aliava-se aos estaduais e socorriam os flagelados pela seca no Nordeste pagando-lhes um salário temporário para que limpassem estradas ou construíssem algumas mesmo que precárias.

O que impede que a fórmula seja resgatada para socorrer comunidades de pescadores flageladas pelo derrame de petróleo? O impedimento está em que nos planos do capitão o ser humano mais desprovido de recursos não é prioridade, e jamais será.

Este é um governo de ricos e para os ricos. As migalhas que escapem à mesa poderão ser aproveitadas pelos pobres. A economia dá sinais de recuperação – mas quem preferencialmente se beneficiará disso? Não serão os que mais precisam.

Se fossem eles, o Brasil não seria um dos países socialmente mais desiguais do mundo.

Paisagem brasileira

Eliseu Visconti (1866 - 1944)

Democracias em chamas

Quito, Londres, Barcelona, Beirute, Hong Kong, Santiago e até mesmo Bagdá e Argel. Praticamente nada une essas cidades pelo mundo. Suas populações vivem realidades sociais radicalmente diferentes. São governadas por partidos de ideologias políticas das mais variadas e cada qual conta com uma história única.

Mas algo nas últimas semanas as aproximou de forma surpreendente: a ira de suas populações contra as autoridades.

Em Santiago, foi o preço do transporte que levou os estudantes a bloquear o maior sistema de metrô da América do Sul, obrigando o governo a declarar “estado de emergência”. Em Beirute, uma taxa sobre o Whatsapp transbordou o copo de uma sociedade empobrecida e com 40% de seus jovens sem trabalho.

Em Barcelona, o movimento independentista aglutinou parte dos cidadãos enfurecidos diante do colapso da ilusão de crescimento e do sentimento de traição de um acordo de autonomia cuidadosamente negociado.

Em Londres, neste sábado, milhares protestaram pela cidade por conta da indefinição sobre o destino do país e do Brexit. Ao tentar sair do prêmio do Parlamento mais tradicional da Europa, deputados tiveram de ser escoltados pela polícia diante da fúria popular.

No Iraque, centenas tomaram as ruas – e morreram - para protestar contra a falácia da democracia num país que, quase duas décadas depois de retirar um ditador sanguinária, ainda não conseguiu encontrar seu destino. Em Argel, a queda do governo de Abdelaziz Bouteflika não foi suficiente para acalmar uma população esgotada.

E, em Hong Kong, o que começou como um protesto contra a ingerência chinesa se transformou num ato de força de uma população que não quer perder seus direitos.


Em cada uma delas, o que ficou claro foi a insatisfação popular diante da descrença em relação ao compromissos dos líderes em servir aos cidadãos. Abusados em suas inteligências, sofrendo para pagar suas contas e fartos de uma elite que insiste em não reconhecer a disparidade de renda cada vez maior na sociedade, esses locais foram tomados por um profundo desgosto em relação à autoridade.

Pelas ruas de Quito, Beirute ou Argel, os cartazes assustadoramente se parecem. Palavras como “traidores”, “democracia” e “poder popular” ganham espaço em diferentes línguas, em diferentes formas.

Certamente, alguém virá para alertar: não há como comparar Lenín Moreno a Boris Johnson. Claro que não. Também existirão aqueles que alertarão sobre o risco de esses movimentos estarem sendo manipulados pela oposição ou por grupos que estariam interessados em promover a instabilidade social. Reconheço que esse elemento pode existir.

Mas há uma pergunta básica que precisa ser feita nesta semana: o que vem levando milhares à ruas ? Como explicar a explosão de raiva contra governos eleitos, autoridades estabelecidas ou constituições ratificadas?

Uma das explicações mais plausíveis seria a constatação do fracasso do sistema em atender aqueles aos quais precisa servir.

Num recente informe, o Fórum Econômico Mundial alertou: a crise econômica que eclodiu em 2008 continua a gerar um impacto negativo, minando as bases da sociedade. Não se trata de uma entidade que quer derrubar o capitalismo. Muito pelo contrário. Mas a realidade é que até mesmo os organizadores de Davos, a Meca do sistema financeiro, entenderam que os 10 trilhões de dólares jogados pelos bancos centrais às economias para socorre-las da crise na última década não funcionaram.

Melhor dizendo: não funcionaram para uma parcela da população, que foi obrigada a viver com menos, trabalhar mais e reajustar até mesmo seus sonhos.

Certamente aberrações como a das contas gregas precisavam passar por uma reforma. Mas quem pagou por elas?

Para sociedades em diferentes partes do mundo, o que se viu foi o estabelecimento de uma década perdida, enquanto a concentração de renda ganhou um novo patamar até hoje inédito.

O exército de desempregados transformou a psicologia de famílias inteiras, levou a um aumento do suicídio, viu a volta de doenças que tinham desaparecido e até reduziu as expectativa de vida em alguns locais.

Uma década depois, os bancos têm seu futuro assegurado. Mas não a renda de milhões de famílias. E, não por acaso, isso tudo se traduziu em um novo comportamento político e social.

No fundo, o capitalismo foi salvo. Mas não necessariamente as sociedades.

Em cada local do mundo, tal crise foi lentamente traduzida de forma diferente nas ruas, nas urnas. Mas um elemento as une: a fúria.

Em seu mais recente livro Rage Becomes Her, a escritora Soraya Chemaly questiona o argumento de que a raiva seja irracional. Para ela, essa ira é, no fundo, o idioma da Justiça. Em sua obra, ela trata de como a desigualdade encarada pelas mulheres começa no nascimento e as acompanha até a morte.

Extrapolando essa avaliação, não seria exatamente esse o sentimento de milhões de marginalizados da sociedade ao entender que seus sonhos serão apenas sonhos? O próprio Fórum de Davos constatou que, hoje, para a camada mais pobre dos brasileiros ou colombianos chegar a ter uma renda média de seus respectivos países, terão de esperar de oito a nove gerações.

Mesmo em alguns locais da Europa, com sua ampla rede social, os mais pobres também terão de esperar quatro ou cinco gerações para serem considerados como classe média. Como não desesperar?

Neste ano, o Electoral Psychology Observatory da London School of Economics (LSE) constatou que metade da sociedade britânica hoje se diz enfurecida contra pessoas que votaram por partidos opostos ao nosso. Um terço dos entrevistados confessa sentir ódio. A mesma pesquisa concluiu que um em cada cinco britânico poderia considerar a possibilidade de uma revolução.

O contexto de nossos dias também levou o professor da Williams College, George Marcus, a pesquisar uma sociedade com medo e com raiva. E suas conclusões são explícitas: sim, tal situação tem um impacto direto nas escolhas políticas de um país. “Ignorar a raiva e o não entender o medo nos deixarão cegos”, alertou.

Quem não está cego é o movimento populista, que já entendeu que pode canalizar toda essa fúria em apoio a seus partidos que governam pelo ódio. Pessoas que instrumentalizam essa ira popular para chegar ao poder, prometendo supostas soluções fáceis.

Basta sair da UE que seremos ricos. Basta fechar nossas fronteiras que estaremos seguros. Basta tirar esse partido do poder que teremos nosso futuro assegurado.

Não é exagero dizer que o mundo dito livre está em uma encruzilhada. Se partidos tradicionais e as elites não ouvirem as ruas e transformarem seus regimes políticos, se não aceitarem que a prioridade é lidar de forma urgente com a desigualdade social, o que está em jogo não é apenas sua permanência no poder. Mas a própria democracia.
Jamil Chade

Tratamento de respeito

O homem deveria se movimentar na Terra com agilidade e fazer o possível para deixar poucos rastros
J. M. Simmel, "Na Primavera, o último canto da cotovia"

Como preservar e desenvolver

Bioeconomia. Essa é a sugestão do climatologista Carlos Nobre no que ele chama de Amazônia 4.0. Ele foi um dos cientistas convidados a falar no Sínodo da Igreja Católica no Vaticano e conta o que ouviu e o recado que deixou. Nobre propõe que se aposte num modelo que já está se formando na Amazônia, a produção em sistemas agroflorestais. Neles, a biodiversidade é protegida até porque ela será parte do sucesso do negócio.

Carlos Nobre é um dos maiores climatologistas do mundo e já fez muitos estudos científicos sobre a região e seus impactos no clima. Desta vez, ele está falando de algo concreto para tentar responder à inquietante pergunta sobre como preservar a floresta, produzindo renda e desenvolvimento para seus habitantes.

— Chamamos de bioeconomia da floresta em pé. É a exploração de produtos da região plantados dentro da floresta, método que já se mostrou muito mais produtivo. Castanha, açaí, cacau, babaçu e outros que são exportados como produtos primários, mas que após um processo de industrialização teriam mais valor agregado. A ideia é industrializar esse potencial de biodiversidade — me disse Carlos Nobre em entrevista na Globonews.


O Jornal Nacional mostrou esta semana uma reportagem de Fabiano Villela que ilustra o que o cientista está falando. Em Tomé-Açu, Pará, descendentes de imigrantes japoneses estão produzindo, de forma eficiente, uma infinidade de produtos. Sem derrubar a mata, ao contrário, até replantando espécies nativas nobres, como castanheira, mogno e ipê, os produtores estão colhendo safras sucessivas de várias culturas plantadas entre as árvores. Isso é o que é definido como sistemas agroflorestais. Na série História do Futuro que fiz para a Globonews, em 2017, nossa equipe esteve em Tomé-Açu. O caso é um exemplo de superação porque os imigrantes foram para plantar arroz, mas não deu certo, depois plantaram pimenta, que deu muito certo por duas décadas, mas por ser monocultura acabou vulnerável às pragas:

— Em Tomé-Açu eles têm cerca de 60 produtos, mas existe potencial para exploração de uns mil produtos da floresta com as mais diversas aplicações e usos. É preciso pensar em trazer as tecnologias da 4ª Revolução Industrial para a floresta. É uma grande novidade.

Ele discorda de que essa produção seria pequena:

— O lucro do açaí, produzido, descascado e vendido em polpa pelo agricultor familiar, já é hoje quatro vezes o lucro da pecuária na Amazônia, usando 7% da área da pecuária, e empata com o lucro da soja. O açaí já atingiu uma escala de R$ 3,5 bilhões. Superou o faturamento da madeira. E isso sem agregação de valor. Sugerimos que haja bioindústrias, biofábricas, conectadas pela tecnologia de informação e usando energia renovável de geração distribuída. Nenhuma exploração de minério produz essa riqueza. Pelo contrário. Que desenvolvimento a exploração de minério trouxe para as populações da Amazônia?

O progresso da região não há de ser também com a derrubada da floresta, que está se acelerando neste triste ano de 2019. Sobre os riscos, ele ouviu relatos que o impressionaram:

— Foram feitos pelos padres e bispos que vivem na região, no Brasil e nos outros países amazônicos, em contato direto com os indígenas, população ribeirinha, comunidades quilombolas.

A proposta, disse ele, é a de que, por ser um modelo inovador, o governo assuma o risco inicial, financiando o começo das atividades. Haveria laboratórios criativos de forma descentralizada para atender a dimensão amazônica.

Carlos Nobre publicou nos anos 1990 o estudo alertando para o risco da savanização da Amazônia. Era um estudo teórico. Hoje há fatos concretos como estações secas mais longas e a temperatura mais alta nas áreas do chamado arco do desmatamento, que vai de Rondônia, ao norte do Mato Grosso, ao sul e leste do Pará. A taxa de mortalidade das grandes árvores, típicas da floresta de clima úmido, já é maior do que a das espécies que convivem com o cerrado. Com todos os sinais de que a teoria está se concretizando, Carlos Nobre terminou a entrevista dizendo que ainda há tempo de salvar a floresta. Um dos caminhos é cumprir o que prometemos em Paris, como restaurar 12 milhões de hectares. Outro é o de construir um modelo de fato sustentável na Amazônia.
Míriam Leitão

Moinhos de vento

Uma mancha de óleo turva as águas do mar do Nordeste há mais de 40 dias (na verdade, cientistas estimam que o acidente que levou ao desastre pode ter ocorrido em junho!), sem que o presidente da República se envolva diretamente na adoção de um plano de contingência eficaz para contê-la. A reforma da Previdência, maior feito do governo até aqui e, provavelmente, nos seus quatro anos, está a uma votação de ser concluída, e o mandatário não esboça sequer um comentário a seu respeito, a não ser para lamentar a necessidade de fazê-la. Há quanto tempo não há uma reunião ministerial para coordenar todas as ações do Executivo? A última foi em agosto, e era emergencial para a questão da Amazônia.

Enquanto esses assuntos centrais para o sucesso do governo vão transcorrendo, o presidente duela contra moinhos de vento. Transforma inimigos imaginários em reais e, num prazo de duas semanas, levou à implosão de seu partido, o já fragmentado PSL, sem que se saiba ao certo o porquê da investida inicial e a utilidade de comprar esta briga neste momento, tanto tempo antes da eleição presidencial.

Uma das máximas mais surradas de Brasília é a de que bons presidentes têm a habilidade de tourear crises e fazer com que elas saiam menores do Palácio do Planalto do que entraram. Fernando Henrique Cardoso e Lula eram reconhecidos por esta habilidade, ainda que com diferentes estilos. Fernando Collor e Dilma Rousseff fracassaram na missão.


Bolsonaro, no entanto, também nisso subverte os manuais. É ele o fator gerador de crises absolutamente desnecessárias, supérfluas, grosseiras, de baixíssimo nível. Não raro elas são ocasionadas por sua paranoia, pela sensação, estimulada pelos filhos, de que sempre há alguém querendo sacaneá-lo na esquina seguinte.

Que a principal autoridade de um País com as necessidades prementes do Brasil exiba no trato com aliados (sic) tal nível de insegurança e infantilidade é de causar perplexidade a qualquer um. Mas não surpresa. Bolsonaro fez sua vida parlamentar nessa base do relacionamento miúdo com o baixo clero.

Também a construção de um clã político está na raiz de seu estilo, tanto que colocou um filho de 17 anos para disputar uma eleição contra a mãe e derrotá-la para ocupar uma cadeira numa das casas mais corruptas do Brasil.

O espantoso foi que, pelo curso da campanha, uma parcela significativa da população brasileira tenha enxergado este personagem como um potencial estadista, pelo simples fato de verem nele as credenciais para derrotar o PT.

Portanto, as brigas de botequim que eclodiram no PSL e estão expostas numa aula de anatomia da baixa política aos olhos de cidadãos perplexos nada mais são do que o bolsonarismo em sua essência. Não se sabe o rumo que a crise vai tomar quando os inimigos alimentados pelo estilo belicoso do presidente resolverem dizer o que sabem dos “verões passados” com o intuito de implodi-lo.

Também fica difícil imaginar que base vai surgir a partir dos escombros do PSL. Bolsonaro vai se aproximar finalmente do mainstream, via MDB (que já está chegando para arrumar a bagunça) e DEM? Mesmo isso tem eficácia e prazo de validade mínimos, dado o estilo persecutório e caótico do presidente.

Mais provável é que ele siga como um corpo alheio ao próprio governo, criando tretas inacreditáveis (com correligionários, governadores, prefeitos, presidentes de outros países e quem mais aparecer) enquanto alguns poucos ministros técnicos carregam o piano. Neste caso, só resta torcer para terem êxito, pois o País não aguenta mais quatro anos de crise econômica e desemprego. E esperar que, em 2022, o eleitor saiba enxergar os políticos como eles são, e não como mitos, e faça seu escrutínio em bases mais racionais.