domingo, 22 de janeiro de 2017
Metafísica do secundário
Um dia vou escrever uma metafísica do secundário. A metafísica era o modo de a filosofia cercar o essencial. O Ser, as causas, as categorias que permitem classificar todas as coisas. A substância, que constitui tudo. A matéria e a forma de toda substância. Deus. A metafísica mirava o coração do mundo e da vida. Dela decorriam as éticas e políticas. Hoje, ao contrário, falamos pelas beiradas. Pelo não essencial. Falamos por preposições — pós, pré. E por adjetivos. E, perdido o essencial, não nos entendemos mais.
O dicionário de Oxford definiu a nossa época como a da “pós-verdade”. Fico remoendo uma pergunta, insolente para os pós-verdadeiros: mas o que é verdade? Porque, se não soubermos isso, não saberemos o que é esse “pós”. A verdade acabou, me respondem. Essa referência absoluta perdeu serventia. Tudo agora se define por eficácias e funcionamentos. “O que é maçã?”, “O que é veneno?” são perguntas pela essência dessas coisas, pela sua verdade. Essa conversa acabou, dizem os pós. E eu fico pensando: comam uma maçã e tomem veneno e depois conversamos sobre a importância das essências. Ou não, dependendo da eficácia do veneno.
A situação é esta. Quem insiste em perguntar sobre o que é um girassol perde seu tempo. Perdeu-se no tempo. Não é pós-moderno. Mas nós sabemos suficientemente o que é “moderno”, para nos aboletarmos no seu pós? Penso que não. Mas há pouca gente interessada nessa dúvida. É verdade que não sabemos mais o que é verdade. Para os antigos era mais fácil, embora tenham até se acendido fogueiras por causa dela. Mas eles sabiam uma coisa, pelo menos: há verdade, e ela é essencial. Nada pode ser e não ser ao mesmo tempo. Ou ser uma coisa e o seu oposto. No século XIII Santo Tomás até definiu a verdade: adequação das coisas ao intelecto e do intelecto às coisas. Hoje essa definição se tornou inadequada. Coisas e intelecto? O que há são funcionalidades e operações. — Isso é até verdade, mas não toda. (Esta frase, aliás, nem pode mais ser dita. Estamos na época da pós-verdade...)
Caramba, penso eu, filosoficamente. Não sabermos mais o que é verdade e não haver mais verdade não são a mesma coisa. Nada a ver. Quando não sabemos é que podemos exercer de novo o prazer de perguntar. “O que é, pois, verdade?” seria a decorrência natural de já não sabermos mais. — Mas isso é filosofia, e a filosofia acabou junto com a verdade. Nossa época tecnológica é pós-filosófica. Dizem: — Ah bom, então já não está aqui quem falou. O filósofo foi cassado.
Outra estrutura secundária da língua são os adjetivos. Os substantivos dizem o nome das coisas. Os adjetivos opinam. Não vejo Aristóteles escrevendo: “O que constitui o ser é magnífico.” Vejo e leio que o que determina ser é substância. Substantivo. Substância pode ser uma coisa magnífica. Ou não. Questão de ponto de vista. “Magnífica” é matéria de opinião. E não cabem opiniões quando se está tratando do que é essencial. Adjetivos não são convidados para o diálogo filosófico. Só com adjetivos o diálogo degenera em bate boca. E hoje é assim.
Nem seria um problema enorme se o avanço dos adjetivos ficasse um assunto entre filósofos. Mas da metafísica decorrem também a ética e a política, ações diante do mundo e da vida. E não há dúvida de que nos encontramos numa grande crise ética e política. O Bem (ideia cara a Platão e Aristóteles), o Bem comum (sobre o qual meditou Santo Tomás), a potência livre da vida (vigorosa obsessão de Nietzsche) estão sendo catalogadas nos museus. Aliás, estamos também numa fase pós-museus. O destino dessas ideias há de ser o lixão da História. Não fosse o fato de que estamos na pós-história. Na época dos adjetivos. Diz-se: “O catastrófico governo de Fulano”; “o incalculável desvio do dinheiro público”. Coisas assim. E são, muitas vezes, verdadeiras. (Salvo que verdadeiro... etc.) Mas, ditas assim, o que importa são só a catástrofe e a magnitude do que é incalculável. Estamos pós-governo e pós-público. Interessam-nos os escândalos e seus espetáculos. E escândalos, é claro, são mesmo escandalosos, merecem atenção. Mas não há mais atenção. Há fruição, consumo. Escândalos se consomem. Qualificam alguma coisa. Mas a coisa, substantiva, não interessa mais. É escandalosa, ponto. O escandaloso, adjetivo da coisa, toma a cena para si. E vira objeto de consumo. Aprovamos ou não. Estamos ou não de acordo. Damos ou não curtidas no Facebook da ética da eficácia e da política da aparência. Opiniões. Versões, narrativas. E só.
Depois vamos às compras. Fazer nosso cotidiano de seres humanos. — Só que não — dizem-nos os mais afinados com as revoluções tecnológicas. Porque também estamos na fase do pós-humano.
O dicionário de Oxford definiu a nossa época como a da “pós-verdade”. Fico remoendo uma pergunta, insolente para os pós-verdadeiros: mas o que é verdade? Porque, se não soubermos isso, não saberemos o que é esse “pós”. A verdade acabou, me respondem. Essa referência absoluta perdeu serventia. Tudo agora se define por eficácias e funcionamentos. “O que é maçã?”, “O que é veneno?” são perguntas pela essência dessas coisas, pela sua verdade. Essa conversa acabou, dizem os pós. E eu fico pensando: comam uma maçã e tomem veneno e depois conversamos sobre a importância das essências. Ou não, dependendo da eficácia do veneno.
A situação é esta. Quem insiste em perguntar sobre o que é um girassol perde seu tempo. Perdeu-se no tempo. Não é pós-moderno. Mas nós sabemos suficientemente o que é “moderno”, para nos aboletarmos no seu pós? Penso que não. Mas há pouca gente interessada nessa dúvida. É verdade que não sabemos mais o que é verdade. Para os antigos era mais fácil, embora tenham até se acendido fogueiras por causa dela. Mas eles sabiam uma coisa, pelo menos: há verdade, e ela é essencial. Nada pode ser e não ser ao mesmo tempo. Ou ser uma coisa e o seu oposto. No século XIII Santo Tomás até definiu a verdade: adequação das coisas ao intelecto e do intelecto às coisas. Hoje essa definição se tornou inadequada. Coisas e intelecto? O que há são funcionalidades e operações. — Isso é até verdade, mas não toda. (Esta frase, aliás, nem pode mais ser dita. Estamos na época da pós-verdade...)
Caramba, penso eu, filosoficamente. Não sabermos mais o que é verdade e não haver mais verdade não são a mesma coisa. Nada a ver. Quando não sabemos é que podemos exercer de novo o prazer de perguntar. “O que é, pois, verdade?” seria a decorrência natural de já não sabermos mais. — Mas isso é filosofia, e a filosofia acabou junto com a verdade. Nossa época tecnológica é pós-filosófica. Dizem: — Ah bom, então já não está aqui quem falou. O filósofo foi cassado.
Outra estrutura secundária da língua são os adjetivos. Os substantivos dizem o nome das coisas. Os adjetivos opinam. Não vejo Aristóteles escrevendo: “O que constitui o ser é magnífico.” Vejo e leio que o que determina ser é substância. Substantivo. Substância pode ser uma coisa magnífica. Ou não. Questão de ponto de vista. “Magnífica” é matéria de opinião. E não cabem opiniões quando se está tratando do que é essencial. Adjetivos não são convidados para o diálogo filosófico. Só com adjetivos o diálogo degenera em bate boca. E hoje é assim.
Nem seria um problema enorme se o avanço dos adjetivos ficasse um assunto entre filósofos. Mas da metafísica decorrem também a ética e a política, ações diante do mundo e da vida. E não há dúvida de que nos encontramos numa grande crise ética e política. O Bem (ideia cara a Platão e Aristóteles), o Bem comum (sobre o qual meditou Santo Tomás), a potência livre da vida (vigorosa obsessão de Nietzsche) estão sendo catalogadas nos museus. Aliás, estamos também numa fase pós-museus. O destino dessas ideias há de ser o lixão da História. Não fosse o fato de que estamos na pós-história. Na época dos adjetivos. Diz-se: “O catastrófico governo de Fulano”; “o incalculável desvio do dinheiro público”. Coisas assim. E são, muitas vezes, verdadeiras. (Salvo que verdadeiro... etc.) Mas, ditas assim, o que importa são só a catástrofe e a magnitude do que é incalculável. Estamos pós-governo e pós-público. Interessam-nos os escândalos e seus espetáculos. E escândalos, é claro, são mesmo escandalosos, merecem atenção. Mas não há mais atenção. Há fruição, consumo. Escândalos se consomem. Qualificam alguma coisa. Mas a coisa, substantiva, não interessa mais. É escandalosa, ponto. O escandaloso, adjetivo da coisa, toma a cena para si. E vira objeto de consumo. Aprovamos ou não. Estamos ou não de acordo. Damos ou não curtidas no Facebook da ética da eficácia e da política da aparência. Opiniões. Versões, narrativas. E só.
Depois vamos às compras. Fazer nosso cotidiano de seres humanos. — Só que não — dizem-nos os mais afinados com as revoluções tecnológicas. Porque também estamos na fase do pós-humano.
Esperávamos o quê? Chutamos o ser, a verdade, a ética, a política, Deus. A conta chegou. Vamos trabalhar! A tampa ainda não se fechou.
Trump não está só
Usados com fartura pelo recém-empossado presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, populismo e xenofobia, animados por pregações ufanistas, se tornaram ingredientes quase indispensáveis no caldeirão de ideologias extremadas, sejam de direita ou de esquerda. À fórmula, que nada tem de nova, se agregou mais um elemento: a demonização da política e dos políticos, como se o feiticeiro pudesse negar o feitiço quando dele se beneficia.
Vitoriosos em um planeta virado ao avesso, em que chineses comunistas defendem a globalização e capitalistas, o inverso, os adeptos dessa farsa de fazer política dizendo o contrário envenenam o mundo livre com soluções simplistas, discriminatórias, totalitárias.
Não raro, são pessoas que arrogam para si méritos extraordinários, que se consideram acima do bem e do mal, ungidas pela divindade – incriticáveis.
Trump e seus seguidores mais aguerridos dizem pregar a união, mas atiram pedras em qualquer um que se arvore em reprovar suas falas e seu comportamento. A imprensa é o diabo, a oposição, desprezível.
Apegam-se ao resultado eleitoral -- ainda que Trump tenha sido derrotado no voto popular -- como se a vitória conferisse ao eleito o condão de agir sobre todas as coisas, até acima dos princípios que regem a nação. Cabe aqui lembrar os direitos constitucionais das minorias, algo de que Trump faz pouquíssimo caso.
No Brasil, o ex Lula, sua sucessora deposta, Dilma Rousseff, e o PT têm práticas semelhantes. Quando dominavam o cenário, com aprovação nos píncaros, faziam chacota da minoria oposicionista, espaço que agora ocupam e para o qual corretamente exigem respeito. À mídia, exceto aos jornalistas domesticados, sempre atribuíram os piores adjetivos. Dizem-se democratas, mas tratam os discordantes como inimigos. Consideram golpe um impedimento constitucional, conduzido de acordo com a Constituição e aprovado nas devidas instâncias.
Os muitos disparates de Trump contra as mulheres ao longo da campanha também não ficam longe dos pensamentos de Lula. Em janeiro de 2010, o ex não deixou dúvidas quanto ao espaço reservado no seu íntimo ao sexo oposto: “uma mulher não pode ser submissa ao homem por causa de um prato de comida. Tem que ser submissa porque gosta dele”.
No mundo de Trump, da direita fundamentalista que cresce na Europa e da esquerda latino-americana, a não-política se faz com a política de nacionalismo exacerbado, com fechamento de fronteiras e protecionismo. Como se possível fosse dar um cavalo de pau no sistema econômico mundial, nas mazelas e dores – e nas delícias – do mundo globalizado.
É dizer não à tecnologia e à conexão interplanetária, à internet e às redes sociais, incluindo o Twitter que Trump tanto preza.
Ditas de forma chula – “a carnificina americana acaba aqui” – e com excesso de lugares comuns – “Os Estados Unidos começarão a triunfar novamente, como nunca antes” --, as palavras de Trump no seu discurso de posse não se diferem muito das de Adolf Hitler ao convocar arianos para construir “o triunfo de uma nova Alemanha”.
De Hitler a Vladimir Putin, de Getúlio Vargas a Juan e Evita Perón, de Hugo Chávez a Evo Morales e os Kirchners, de Fidel Castro a Lula, todos e outros tantos beberam ou ainda bebem na fonte populista em maior ou menor dose. Para tal, interpretam e distorcem fatos ao bel prazer, abusam da mentira, do vale-tudo.
Vitoriosos em um planeta virado ao avesso, em que chineses comunistas defendem a globalização e capitalistas, o inverso, os adeptos dessa farsa de fazer política dizendo o contrário envenenam o mundo livre com soluções simplistas, discriminatórias, totalitárias.
Não raro, são pessoas que arrogam para si méritos extraordinários, que se consideram acima do bem e do mal, ungidas pela divindade – incriticáveis.
Trump e seus seguidores mais aguerridos dizem pregar a união, mas atiram pedras em qualquer um que se arvore em reprovar suas falas e seu comportamento. A imprensa é o diabo, a oposição, desprezível.
Apegam-se ao resultado eleitoral -- ainda que Trump tenha sido derrotado no voto popular -- como se a vitória conferisse ao eleito o condão de agir sobre todas as coisas, até acima dos princípios que regem a nação. Cabe aqui lembrar os direitos constitucionais das minorias, algo de que Trump faz pouquíssimo caso.
Os muitos disparates de Trump contra as mulheres ao longo da campanha também não ficam longe dos pensamentos de Lula. Em janeiro de 2010, o ex não deixou dúvidas quanto ao espaço reservado no seu íntimo ao sexo oposto: “uma mulher não pode ser submissa ao homem por causa de um prato de comida. Tem que ser submissa porque gosta dele”.
No mundo de Trump, da direita fundamentalista que cresce na Europa e da esquerda latino-americana, a não-política se faz com a política de nacionalismo exacerbado, com fechamento de fronteiras e protecionismo. Como se possível fosse dar um cavalo de pau no sistema econômico mundial, nas mazelas e dores – e nas delícias – do mundo globalizado.
É dizer não à tecnologia e à conexão interplanetária, à internet e às redes sociais, incluindo o Twitter que Trump tanto preza.
Ditas de forma chula – “a carnificina americana acaba aqui” – e com excesso de lugares comuns – “Os Estados Unidos começarão a triunfar novamente, como nunca antes” --, as palavras de Trump no seu discurso de posse não se diferem muito das de Adolf Hitler ao convocar arianos para construir “o triunfo de uma nova Alemanha”.
De Hitler a Vladimir Putin, de Getúlio Vargas a Juan e Evita Perón, de Hugo Chávez a Evo Morales e os Kirchners, de Fidel Castro a Lula, todos e outros tantos beberam ou ainda bebem na fonte populista em maior ou menor dose. Para tal, interpretam e distorcem fatos ao bel prazer, abusam da mentira, do vale-tudo.
A voz do papa
Do mundo, preocupa-me a desproporção econômica: que um pequeno grupo da humanidade tenha mais de 80% da riqueza, com o que isso significa na economia líquida, onde no centro do sistema econômico está o deus dinheiro e não o homem e a mulher, o humano! Assim, cria-se essa cultura de que tudo é descartávelPapa Francisco
A sangria, Teori e o esgoto
Entendo perfeitamente as suspeitas implícitas no pedido do delegado federal Marcio Adriano Anselmo para que sejam exaustivamente investigadas as causas do que ele chama de acidente entre aspas com Teori Zavascki. Inimigo número 1 das teorias da conspiração, sou obrigado a convir que, neste caso, há abundantes motivos para alimentá-las. A ver:
1 – Sérgio Machado é pescado no telefone implorando a Romero Jucá para trabalhar pelo impeachment de Dilma. Seria, para Machado, a única maneira de “estancar a sangria” que a Lava Jato estava provocando e ainda iria provocar.
2 – O impeachment veio, mas a “sangria” não foi estancada.
3 – Agora, procuradores federais têm informação absolutamente seguras de que a, digamos, “operação estanca-sangria” continua viva e operante.
4 – O ministro Teori Zavascki era o relator da Lava Jato no Supremo, a única pessoa habilitada, neste momento, a “estancar a sangria”.
5 – No telefonema de Machado a Jucá, os interlocutores “reconheceram a impossibilidade de cooptar o ministro”, no relato do sempre brilhante Bernardo Mello Franco na sexta-feira, 20.
6 – Aí, cai uma avioneta e Zavascki morre.
Morre com ele a Lava Jato? Não necessariamente, porque parte considerável do trabalho está feita, já havia sido entregue, mas cópias de A a Z estão com a Procuradoria. É um trabalho insano: foram 940 depoimentos dos 77 executivos da Odebrecht que entraram no esquema de delação premiada. Procuradores e policiais federais formaram 122 equipes de mais de 200 pessoas para montar o dossiê.
Se prevalecesse a opinião do procurador-geral Rodrigo Janot, Zavascki deveria levantar o sigilo dos depoimentos. No mínimo, evitaria vazamentos parciais e/ou interessados – e os interesses são formidáveis quando se sabe que os nomes de políticos citados são de um ecumenismo extraordinário.
É razoável supor que o ministro agora morto tivesse aproveitado as férias para adiantar o trabalho de analisar a pilha de informações e, com isso, dar andamento mais rápido aos processos. Como é um trabalho de equipe, é igualmente razoável supor que o pessoal de Zavascki tenha avançado o suficiente para impedir que a morte entorpeça demais os procedimentos.
1 – Sérgio Machado é pescado no telefone implorando a Romero Jucá para trabalhar pelo impeachment de Dilma. Seria, para Machado, a única maneira de “estancar a sangria” que a Lava Jato estava provocando e ainda iria provocar.
2 – O impeachment veio, mas a “sangria” não foi estancada.
3 – Agora, procuradores federais têm informação absolutamente seguras de que a, digamos, “operação estanca-sangria” continua viva e operante.
4 – O ministro Teori Zavascki era o relator da Lava Jato no Supremo, a única pessoa habilitada, neste momento, a “estancar a sangria”.
5 – No telefonema de Machado a Jucá, os interlocutores “reconheceram a impossibilidade de cooptar o ministro”, no relato do sempre brilhante Bernardo Mello Franco na sexta-feira, 20.
6 – Aí, cai uma avioneta e Zavascki morre.
Se prevalecesse a opinião do procurador-geral Rodrigo Janot, Zavascki deveria levantar o sigilo dos depoimentos. No mínimo, evitaria vazamentos parciais e/ou interessados – e os interesses são formidáveis quando se sabe que os nomes de políticos citados são de um ecumenismo extraordinário.
É razoável supor que o ministro agora morto tivesse aproveitado as férias para adiantar o trabalho de analisar a pilha de informações e, com isso, dar andamento mais rápido aos processos. Como é um trabalho de equipe, é igualmente razoável supor que o pessoal de Zavascki tenha avançado o suficiente para impedir que a morte entorpeça demais os procedimentos.
Mas aí entram as perguntas de cunho muito mais político que judicial-administrativo-burocrático: para começar, o substituto de Teori, seja quem for, terá idêntica disposição de trabalhar em conjunto com o Ministério Público e com a força-tarefa da Lava Jato?
Terá coragem para peitar a substancial fatia do mundo político sob suspeita? Terá suficiente isenção para degolar, se e quando for o caso, à direita, à esquerda e ao centro? Por tudo isso, é fundamental que não paire a menor dúvida sobre as causas do acidente.
É simplesmente assustador pensar que permaneça na cabeça do público a hipótese de que se tentou estancar a sangria à custa do sangue do ministro.
O Brasil cairia no esgoto.
Terá coragem para peitar a substancial fatia do mundo político sob suspeita? Terá suficiente isenção para degolar, se e quando for o caso, à direita, à esquerda e ao centro? Por tudo isso, é fundamental que não paire a menor dúvida sobre as causas do acidente.
É simplesmente assustador pensar que permaneça na cabeça do público a hipótese de que se tentou estancar a sangria à custa do sangue do ministro.
O Brasil cairia no esgoto.
Passos mágicos
Fred Astaire e Rita Hayworth no filme "You Were Never Lovelier" (1942),
de William A. Seiter, com a orquestra de Xavier Cugat
Sentimento do tempo
Mas fui por mim mesmo aos mesmos descampados
E as borboletas pousavam nos dedos de meus pés.
As coisas estavam mortas, muito mortas,
Mas a vida tem outras portas, muitas portas.
Na terra, três ossos repousavam
Mas há imagens que não podia explicar: me ultrapassavam.
As lágrimas correndo podiam incomodar
Mas ninguém sabe dizer por que deve passar
Como um afogado entre as correntes do mar.
Ninguém sabe dizer por que o eco embrulha a voz
Quando somos crianças e ele corre atrás de nós.
Fizeram muitas vezes minha fotografia
Mas meus pais não souberam impedir
Que o sorriso se mudasse em zombaria
Sempre foi assim: vejo um quarto escuro
Onde só existe a cal de um muro.
Costumo ver nos guindastes do porto
O esqueleto funesto de outro mundo morto
Mas não sei ver coisas mais simples como a água.
Fugi e encontrei a cruz do assassinado
Mas quando voltei, como se não houvesse voltado,
Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso.
Meus pássaros caíam sem sentidos.
No olhar do gato passavam muitas horas
Mas não entendia o tempo àquele tempo como agora.
Não sabia que o tempo cava na face
Um caminho escuro, onde a formiga passe
Lutando com a folha.
O tempo é meu disfarce
E as borboletas pousavam nos dedos de meus pés.
As coisas estavam mortas, muito mortas,
Mas a vida tem outras portas, muitas portas.
Na terra, três ossos repousavam
Mas há imagens que não podia explicar: me ultrapassavam.
As lágrimas correndo podiam incomodar
Mas ninguém sabe dizer por que deve passar
Como um afogado entre as correntes do mar.
Ninguém sabe dizer por que o eco embrulha a voz
Quando somos crianças e ele corre atrás de nós.
Fizeram muitas vezes minha fotografia
Mas meus pais não souberam impedir
Que o sorriso se mudasse em zombaria
Sempre foi assim: vejo um quarto escuro
Onde só existe a cal de um muro.
Costumo ver nos guindastes do porto
O esqueleto funesto de outro mundo morto
Mas não sei ver coisas mais simples como a água.
Fugi e encontrei a cruz do assassinado
Mas quando voltei, como se não houvesse voltado,
Comecei a ler um livro e nunca mais tive descanso.
Meus pássaros caíam sem sentidos.
No olhar do gato passavam muitas horas
Mas não entendia o tempo àquele tempo como agora.
Não sabia que o tempo cava na face
Um caminho escuro, onde a formiga passe
Lutando com a folha.
O tempo é meu disfarce
Paulo Mendes Campos
Desgraça pouca é bobagem
Três velhas mais velhas do que o tempo, meio surdas, mal-humoradas, dividem um único olho que nunca sabem direito onde largaram entre as rocas e teares da oficina arcaica. Quando dá na cachola louca e mítica de uma delas, Átropos, o fio da vida é cortado. Surpreende, pelo menos a mim, que aviões voem, e não que caiam, especialmente em dias de chuva, e os aparelhos menores têm ainda menos estabilidade do que os maiores. Um avião do mesmo tipo e modelo, em que Teori Zavascki e mais quatro pessoas fizeram a viagem trágica nesta quinta-feira, caiu na mesma região em janeiro do ano passado num dia chuvoso.
É claro que o relatório do ministro deve implicar gente poderosa, pois ela é o objeto da Lava Jato, mas isso não suspende os acasos, o destino e tudo o mais que não controlamos e não entendemos. Esse vazio lógico convida a abraçar teorias conspiratórias somente aos mais afobados e de repertório empobrecido por conclusões histéricas onde só cabem dúvidas e perplexidade. A conspiração que o Brasil que presta deve evitar é na escolha do novo relator da Lava Jato no Supremo e na conduta dele.
Fica cada vez mais claro que não houve uma conspiração para matar Teori. De todo modo, isso será apurado; mas até mesmo na imprensa dita séria, que deveria se pautar pelo bom jornalismo, oito horas depois da morte de Teori, li que “as causas ainda não esclarecidas da queda do avião”… Como assim? Um laudo a respeito não sai antes de 30 ou 40 dias! Em momentos como esse, o atrevimento em aceitar a existência do imponderável é necessário. O perigo das teorias conspiratórias é que elas são racionais, fazem sentido naquela racionalização que busca reorganizar nossa experiência do cotidiano esculhambado por assombros sucessivos e convencem os tolos de que eles, sim, é que são espertos na sua racionalização histérica. Em situações que desorganizam nosso caos diário, é produtivo e inteligente sacrificar esse conforto tosco pelo incômodo de iluminar a forma do desconserto antes de dar a ele uma forma prévia.
Evidente que não é tolice investigar, questionar e buscar o esclarecimento de tudo. Tolice é querer ser esperto quando basta a lucidez em aguardar as investigações. Pode não ter sido mero acidente? Ora, tudo é possível. Dá para afirmar com certeza? Claro que não. Por enquanto, a única certeza é que, na grande oficina Brasil, esculhambada e caótica, desgraça pouca é bobagem.
É claro que o relatório do ministro deve implicar gente poderosa, pois ela é o objeto da Lava Jato, mas isso não suspende os acasos, o destino e tudo o mais que não controlamos e não entendemos. Esse vazio lógico convida a abraçar teorias conspiratórias somente aos mais afobados e de repertório empobrecido por conclusões histéricas onde só cabem dúvidas e perplexidade. A conspiração que o Brasil que presta deve evitar é na escolha do novo relator da Lava Jato no Supremo e na conduta dele.
Evidente que não é tolice investigar, questionar e buscar o esclarecimento de tudo. Tolice é querer ser esperto quando basta a lucidez em aguardar as investigações. Pode não ter sido mero acidente? Ora, tudo é possível. Dá para afirmar com certeza? Claro que não. Por enquanto, a única certeza é que, na grande oficina Brasil, esculhambada e caótica, desgraça pouca é bobagem.
Para voltar a ver
Passei algumas semanas fora. Viajar traz uma excelente possibilidade: exposições. Como já fui curador de mostras e também dou aulas de arte, meu olhar foi treinado para ver algo a mais do que as obras expostas. A origem da palavra “curadoria” é a mesma de cuidado, no sentido de zelar, dar atenção especial. O processo constitutivo do evento é, para mim, tão interessante quanto as peças expostas.
Curadores têm ideias, mas o mundo limita tudo com o espartilho de aço dos custos. A criatividade esbarra na planilha de cálculo. Ninguém recebe verba total, tempo ilimitado ou equipe suficiente. Todo projeto é um ajuste de sonhos, de orçamento, possibilidades materiais e infinitos acidentes de percurso. Grandes museus ou fundações ricas conseguem maiores facilidades, mas nem eles concretizam uma exposição tal como ela foi originalmente concebida.
Ser curador é cruzar a ordenada do real com a abscissa do possível. O resultado é sempre uma curva tensa, por vezes tão linda e bem desenhada que o público recebe o resultado como os juros naturais e justos do investimento genial de alguns. A beleza do capitel terminado oculta o suor do operário e do engenheiro.
Uma coisa ótima em exposições: recriar ou inventar diálogos. Lembro-me dos óbvios e bons: uma antiga exposição sobre o pai do cubismo no Museu do Prado (Madri, 2006, Picasso. Tradición y vanguardia), colocando próximos Velázquez e o artista malaguenho. Vi agora, no Museu Picasso de Paris, uma aproximação fácil, mas igualmente bem elaborada: Picasso e Giacometti. Os dois tiveram uma relação de amizade e as obras escolhidas foram muito boas. As palavras para classificar ambos (o pintor-escultor e o escultor-pintor) provocam reviravoltas mentais para pensar composição, forma e opções sobre a representação. Tais subjetividades ficam escandalosamente reveladas nas duas obras: A Sombra, quadro de Picasso (1953) e a escultura Homem Que Anda 2 (Giacometti, 1960). Parece que o diálogo sempre esteve ali, e só agora, na exposição, conseguimos integrá-lo mentalmente. Uma boa exposição educa a inteligência e a acuidade do olhar.
Há eventos que não miram a comparação, mas a análise de uma única obra-prima. É o caso da mostra sobre a Porta do Inferno, no Museu Rodin (L’Enfer Selon Rodin). Concebida para um museu que nunca foi construído, a porta é conhecida também pelos elementos separados, como O Pensador, que encima sua massa monumental. A exposição traz esboços, moldes e aproximações com os Portões do Paraíso (de Lorenzo Ghiberti, século 15) e com a obra do poeta Charles Baudelaire. O método é decompor o todo em partes, trazer à luz influências e diálogos, dissecar o projeto e tentar recompor tudo na obra pronta e fundida que encontramos nos jardins do museu.
Outro esforço interessante: recriar um mundo, como ocorre no Museu d’Orsay (Spectaculaire Second Empire, 1852-1870) com o tempo de Napoleão III. Quadros, estátuas, objetos decorativos e cotidianos são apresentados levando o público para o coração do século 19. Assume-se, pois, um olhar histórico e nacional, para explicar as duas décadas que marcaram a França até o trágico desfecho. Se o Museu Picasso oferece uma educação do olhar, o Rodin propõe uma arqueologia da composição. O d’Orsay, por sua vez, oferece uma aula de História e de ambientação entre cristais e tafetás chamalotados.
Uma exposição também pode focar luz sobre uma personagem menos conhecida. O conde Carl Gustaf Tessin era embaixador escandinavo em Paris no século 18. Aproveitou para formar um coleção que traduz um olhar sobre o mercado de arte de seu tempo. Lá, somos apresentados ao gosto de um sueco de elite e à sua avaliação do mundo pictórico e escultórico francês. A tal gosto e avaliação, justapomos as escolhas dos organizadores e, sobre elas, as nossas próprias conjecturas. Curiosa aproximação: sou um estrangeiro lançando o olhar sobre outro estrangeiro que avaliou o mundo da arte da capital francesa. Em comum, a mesma pergunta: o que vale a pena ver/adquirir em Paris? Infelizmente para quem planeja ir agora ao Louvre, a exposição (Un Suédois à Paris au 18e Siècle: La Collection Tessin) acaba de ser encerrada.
Há muito mais. Só para citar algumas: uma grande mostra sobre Magritte no Georges Pompidou e uma visita aos objetos da Fundação Louis Vuitton. Esta última vale pelo prédio e pelo acervo. No fim de fevereiro, o Louvre iniciará uma exposição sobre o genial Johannes Vermeer. Para quem almeja deleitar-se com o novo filme sobre a musa Dalida, pode-se explorar uma mostra sobre o guarda-roupa da icônica cantora no Galliera, a partir da primavera parisiense de 2017.
Uma viagem deve combinar diversas possibilidades. Comer, conhecer pessoas, passear, ver e aprender formam o leque completo. Acima de tudo, acabamos por voltar ao papel de flâneur que o autor das Flores do Mal identificava há quase 200 anos. O olhar agudo que perdemos no cotidiano nas nossas cidades de origem pode ser restaurado na cidade alheia. Criamos um ritmo estetizante e transformador através do cotidiano e da arte em território estrangeiro. Um boulevardier, um homem do boulevard, via as coisas, aprendia, descrevia, com a pena de Zola ou de Proust, a experiência mais vagarosa e analítica dos mundos redesenhados pelo olhar. A vantagem dessas personagens do passado? Não faziam selfies. Mas, através do self, punham-se a pensar o outro. Bom domingo a todos vocês.
Curadores têm ideias, mas o mundo limita tudo com o espartilho de aço dos custos. A criatividade esbarra na planilha de cálculo. Ninguém recebe verba total, tempo ilimitado ou equipe suficiente. Todo projeto é um ajuste de sonhos, de orçamento, possibilidades materiais e infinitos acidentes de percurso. Grandes museus ou fundações ricas conseguem maiores facilidades, mas nem eles concretizam uma exposição tal como ela foi originalmente concebida.
Ser curador é cruzar a ordenada do real com a abscissa do possível. O resultado é sempre uma curva tensa, por vezes tão linda e bem desenhada que o público recebe o resultado como os juros naturais e justos do investimento genial de alguns. A beleza do capitel terminado oculta o suor do operário e do engenheiro.
Uma coisa ótima em exposições: recriar ou inventar diálogos. Lembro-me dos óbvios e bons: uma antiga exposição sobre o pai do cubismo no Museu do Prado (Madri, 2006, Picasso. Tradición y vanguardia), colocando próximos Velázquez e o artista malaguenho. Vi agora, no Museu Picasso de Paris, uma aproximação fácil, mas igualmente bem elaborada: Picasso e Giacometti. Os dois tiveram uma relação de amizade e as obras escolhidas foram muito boas. As palavras para classificar ambos (o pintor-escultor e o escultor-pintor) provocam reviravoltas mentais para pensar composição, forma e opções sobre a representação. Tais subjetividades ficam escandalosamente reveladas nas duas obras: A Sombra, quadro de Picasso (1953) e a escultura Homem Que Anda 2 (Giacometti, 1960). Parece que o diálogo sempre esteve ali, e só agora, na exposição, conseguimos integrá-lo mentalmente. Uma boa exposição educa a inteligência e a acuidade do olhar.
Há eventos que não miram a comparação, mas a análise de uma única obra-prima. É o caso da mostra sobre a Porta do Inferno, no Museu Rodin (L’Enfer Selon Rodin). Concebida para um museu que nunca foi construído, a porta é conhecida também pelos elementos separados, como O Pensador, que encima sua massa monumental. A exposição traz esboços, moldes e aproximações com os Portões do Paraíso (de Lorenzo Ghiberti, século 15) e com a obra do poeta Charles Baudelaire. O método é decompor o todo em partes, trazer à luz influências e diálogos, dissecar o projeto e tentar recompor tudo na obra pronta e fundida que encontramos nos jardins do museu.
Outro esforço interessante: recriar um mundo, como ocorre no Museu d’Orsay (Spectaculaire Second Empire, 1852-1870) com o tempo de Napoleão III. Quadros, estátuas, objetos decorativos e cotidianos são apresentados levando o público para o coração do século 19. Assume-se, pois, um olhar histórico e nacional, para explicar as duas décadas que marcaram a França até o trágico desfecho. Se o Museu Picasso oferece uma educação do olhar, o Rodin propõe uma arqueologia da composição. O d’Orsay, por sua vez, oferece uma aula de História e de ambientação entre cristais e tafetás chamalotados.
Uma exposição também pode focar luz sobre uma personagem menos conhecida. O conde Carl Gustaf Tessin era embaixador escandinavo em Paris no século 18. Aproveitou para formar um coleção que traduz um olhar sobre o mercado de arte de seu tempo. Lá, somos apresentados ao gosto de um sueco de elite e à sua avaliação do mundo pictórico e escultórico francês. A tal gosto e avaliação, justapomos as escolhas dos organizadores e, sobre elas, as nossas próprias conjecturas. Curiosa aproximação: sou um estrangeiro lançando o olhar sobre outro estrangeiro que avaliou o mundo da arte da capital francesa. Em comum, a mesma pergunta: o que vale a pena ver/adquirir em Paris? Infelizmente para quem planeja ir agora ao Louvre, a exposição (Un Suédois à Paris au 18e Siècle: La Collection Tessin) acaba de ser encerrada.
Há muito mais. Só para citar algumas: uma grande mostra sobre Magritte no Georges Pompidou e uma visita aos objetos da Fundação Louis Vuitton. Esta última vale pelo prédio e pelo acervo. No fim de fevereiro, o Louvre iniciará uma exposição sobre o genial Johannes Vermeer. Para quem almeja deleitar-se com o novo filme sobre a musa Dalida, pode-se explorar uma mostra sobre o guarda-roupa da icônica cantora no Galliera, a partir da primavera parisiense de 2017.
Uma viagem deve combinar diversas possibilidades. Comer, conhecer pessoas, passear, ver e aprender formam o leque completo. Acima de tudo, acabamos por voltar ao papel de flâneur que o autor das Flores do Mal identificava há quase 200 anos. O olhar agudo que perdemos no cotidiano nas nossas cidades de origem pode ser restaurado na cidade alheia. Criamos um ritmo estetizante e transformador através do cotidiano e da arte em território estrangeiro. Um boulevardier, um homem do boulevard, via as coisas, aprendia, descrevia, com a pena de Zola ou de Proust, a experiência mais vagarosa e analítica dos mundos redesenhados pelo olhar. A vantagem dessas personagens do passado? Não faziam selfies. Mas, através do self, punham-se a pensar o outro. Bom domingo a todos vocês.
O inventor do mentirômetro
Mentir faz parte da existência humana desde o começo dos tempos. Há os que dizem que nunca mentem... Mas não têm como comprovar, o que é uma grande injustiça. Álvaro era uma dessas pessoas. Severo, rígido, extremamente religioso. De uma organização impecável, perfeccionista. Sua mania de limpeza chegava a extremos de levar em uma mochila seu próprio copo, talher e desinfetantes para banheiros públicos - quando usava, o que era raro, pois desenvolveu técnica para ficar até 18 horas sem urinar.
Tímido, excêntrico ou “esquisitão”, diziam os colegas. Nota “A” de cabo a rabo. Odiava falar em público e irritava-se com o português arcaico dos colegas (do tipo “nós vai”, “a gente chegavam” ou até o popular “veio”). Falava quatro idiomas e inglês com sotaque britânico.
Cresceu, fez PhD em psicologia experimental, em Montreal, no Canadá. Estudou as áreas cerebrais ligadas ao ato de mentir. Foi a fundo no tal de “detector de mentiras” que os norte-americanos adoram. Provou, com trabalhos publicados nas melhores revistas cientificas, a imprecisão e as falhas do detector.
Os seus colegas brincavam dizendo que ele, como bom brasileiro, tinha desenvolvido suas teses sobre detector de mentira ao assistir presidentes da República fazendo pronunciamentos na TV: “Brasileiros e brasileiras...” ou “Nunca roubei, nunca traí minha mulher, nem recebi nada que a “Veja” publicou...” ou, pior, “Nunca antes na história desse país...” e “Sempre fizemos o que todos fazem: o inocente caixa dois”.
Era tanto olho revirando para cima, “cara de pau” e músculos faciais inflexíveis, bigodes e barbas sem mexer um fio, que o dr. Álvaro dizia: “Não há detector de mentira que dê conta de político brasileiro!”
Sua tese era simples: o que é verdade é algo que a cognição, a memória, traz naturalmente, não exige esforço, é espontâneo. E as áreas do cérebro agem de forma integrada simples assim: um fato foi fixado, depois armazenado e, quando alguém pergunta sobre ele, é evocado, lembrado ou é algo reflexo: estímulo-resposta. Exemplo: “Meu vestido é bonito?”. “Não”.
No entanto, a humanidade vai sendo treinada para agradar, falar o que o outro quer ouvir, puxar o saco, querer ser mais do que é, impressionar. Aí a coisa pega. Falamos o que não pensamos, expressamos o que não sentimos, fazemos o que não queremos só para obter vantagens e não ficar mal com o outro. Dr. Álvaro pegou esse fato, “os conflitos intrapsíquicos”, e viu que, quando “sim” vira “não” e vice-versa, há grande alteração das áreas cerebrais envolvidos nisso. Os que dizem a verdade ativam partes absolutamente distintas dos que mentem. E mais: mentir é muito mais complexo, pois o mentiroso “cria histórias imaginárias, fantasias” e quase escreve um romance todo o tempo para camuflar a verdade anos e anos.
Todos queriam ver o aparelho que o dr. Álvaro criaria a partir daí: o “mentirômetro”. Capaz de detectar desde infidelidade conjugal, desvio de dinheiro nas empresas, fofocas banais de artistas nas revistas, até traidores da CIA, FBI, hackers, filhos que usam drogas, enfim, o fim do fingimento.
A hora da verdade! Foi chamado para entrevista no programa da “Oprah”. Recorde de audiência, até que... A Universidade de Montreal convoca a imprensa. O professor dr. Álvaro era um impostor. Seu aparelho era uma farsa, e ele foi expulso da instituição.
Uma guerra nas redes sociais e programas de todo mundo: especulações, mentiras, fofocas. Ora estava preso em Guantánamo ou confinado pela CIA e FBI, ora era realmente um charlatão. Suas patentes canceladas tinham ido parar no serviço secreto inglês ou israelense. Era membro da Al-Qaeda.
No fim, ninguém sabia mais o que era verdade ou mentira, apenas que, graças a Deus, o tal do “mentirômetro” não seria usado. Ufa! Traidores, corruptos, políticos, puxa-sacos, enfim, todo mundo, principalmente os advogados, de mensaleiros estavam a salvo! Afinal, a realidade não é mesmo uma grande ilusão e mentira?!
Tímido, excêntrico ou “esquisitão”, diziam os colegas. Nota “A” de cabo a rabo. Odiava falar em público e irritava-se com o português arcaico dos colegas (do tipo “nós vai”, “a gente chegavam” ou até o popular “veio”). Falava quatro idiomas e inglês com sotaque britânico.
Cresceu, fez PhD em psicologia experimental, em Montreal, no Canadá. Estudou as áreas cerebrais ligadas ao ato de mentir. Foi a fundo no tal de “detector de mentiras” que os norte-americanos adoram. Provou, com trabalhos publicados nas melhores revistas cientificas, a imprecisão e as falhas do detector.
Era tanto olho revirando para cima, “cara de pau” e músculos faciais inflexíveis, bigodes e barbas sem mexer um fio, que o dr. Álvaro dizia: “Não há detector de mentira que dê conta de político brasileiro!”
Sua tese era simples: o que é verdade é algo que a cognição, a memória, traz naturalmente, não exige esforço, é espontâneo. E as áreas do cérebro agem de forma integrada simples assim: um fato foi fixado, depois armazenado e, quando alguém pergunta sobre ele, é evocado, lembrado ou é algo reflexo: estímulo-resposta. Exemplo: “Meu vestido é bonito?”. “Não”.
No entanto, a humanidade vai sendo treinada para agradar, falar o que o outro quer ouvir, puxar o saco, querer ser mais do que é, impressionar. Aí a coisa pega. Falamos o que não pensamos, expressamos o que não sentimos, fazemos o que não queremos só para obter vantagens e não ficar mal com o outro. Dr. Álvaro pegou esse fato, “os conflitos intrapsíquicos”, e viu que, quando “sim” vira “não” e vice-versa, há grande alteração das áreas cerebrais envolvidos nisso. Os que dizem a verdade ativam partes absolutamente distintas dos que mentem. E mais: mentir é muito mais complexo, pois o mentiroso “cria histórias imaginárias, fantasias” e quase escreve um romance todo o tempo para camuflar a verdade anos e anos.
Todos queriam ver o aparelho que o dr. Álvaro criaria a partir daí: o “mentirômetro”. Capaz de detectar desde infidelidade conjugal, desvio de dinheiro nas empresas, fofocas banais de artistas nas revistas, até traidores da CIA, FBI, hackers, filhos que usam drogas, enfim, o fim do fingimento.
A hora da verdade! Foi chamado para entrevista no programa da “Oprah”. Recorde de audiência, até que... A Universidade de Montreal convoca a imprensa. O professor dr. Álvaro era um impostor. Seu aparelho era uma farsa, e ele foi expulso da instituição.
Uma guerra nas redes sociais e programas de todo mundo: especulações, mentiras, fofocas. Ora estava preso em Guantánamo ou confinado pela CIA e FBI, ora era realmente um charlatão. Suas patentes canceladas tinham ido parar no serviço secreto inglês ou israelense. Era membro da Al-Qaeda.
No fim, ninguém sabia mais o que era verdade ou mentira, apenas que, graças a Deus, o tal do “mentirômetro” não seria usado. Ufa! Traidores, corruptos, políticos, puxa-sacos, enfim, todo mundo, principalmente os advogados, de mensaleiros estavam a salvo! Afinal, a realidade não é mesmo uma grande ilusão e mentira?!
Os novos tempos chegaram
Sexta-feira, desnudou-se a sociedade americana. Em Washington e montes de outras cidades, o povão foi para a rua, em boa parte protestando contra a posse de Donald Trump. Muita gente apelou para a violência, quebrando vitrinas, depredando carros, jogando pedras, virando e botando fogo em latas de lixo. A polícia fez a sua parte, avançando com gás de pimenta, gás lacrimogêneo, cassetetes e ocupação das principais avenidas, além de prisões.
Demonstraram ser um povo igual aos demais, participando do inconformismo e de excessos verificados em todo o planeta. Faltava apenas a comprovação que os aparelhos de televisão forneceram nos mínimos detalhes.
Era mera ilusão, provocada pela propaganda e a truculência, supor que formavam um mundo à parte. Até porque a História tem provado serem os Estados Unidos uma das nações mais violentas do mundo, que de uns tempos para cá até guerras vem perdendo.
O novo presidente promete acelerar o processo de ebulição da sociedade que passou a conduzir, ampliando o fosso entre ricos e pobres e deixando de lado sonhos e ideais de igualdade e aprimoramento social.
O egoísmo sempre foi a principal característica dos americanos, mas agora chegou a níveis nunca antes alcançados. Há quem julgue estar próximo o rompimento social, com parte das gerações mais jovens dispostas a enfrentar a minoria voltada apenas para os próprios interesses. Deveríamos acostumar-nos a esses novos tempos.
A diva do feminicídio
Como se sabe, índio quer apito e socialista quer dinheiro. Com o desalojamento do PT do poder central, a fonte secou. Claro que a nobreza petista continua milionária – afinal, foi mais de década de belos rendimentos –, mas os companheiros são prevenidos e pensam no futuro. O jeito de tentar retomar a linha direta com o bolso do contribuinte é recauchutar o conto de fadas. Prepare-se, porque doravante no Brasil cada enxaqueca será de direita – e os heróis da resistência democrática se oferecerão, limpinhos, para salvar você desse pesadelo.
A frase inicial deste texto não é uma piada. Ou melhor: é uma piada. Mas foi pronunciada, escrita e vociferada por uma série de indivíduos que pretendiam ser levados a sério. Vamos citar apenas um desses indivíduos – que por sua elevada carga simbólica resume o bando inteiro: Dilma Rousseff.
Você pode não estar ligando o nome à pessoa, mas estamos aqui para ajudá-lo. A Sra. Rousseff, segundo registros confiáveis e impressionantes, presidiu a República Federativa do Brasil por cinco anos e uns quebrados – e foram justamente os quebrados que puseram fim ao seu incomparável reinado. Os quebrados, os falidos, os vilipendiados e os esfolados se uniram para convidar a diva da Lava Jato a cantar em outra freguesia. Ela foi. E de lá vem entoando coisas do tipo: “É intolerável que o machismo encontre eco no pensamento conservador e justifique o feminicídio”.
Sabem o que a diva do petrolão está fazendo, com a sutileza de uma baleia? Transformando a dor e o sangue de pessoas que ela nem conhece em investimento político-ideológico. Convertendo tragédia em proselitismo – com fins lucrativos. Os urubus estão sobrevoando a cena chocados, sem coragem de se aproximar.
Quem fez um sobrevoo tranquilo foi o melhor amigo da diva, Fernando Pimentel – indo buscar seu pimpolho numa festa de Réveillon com o helicóptero do estado. A Sra. Rousseff, nova cronista da vida alheia, bem que poderia fazer um paralelo com essa família feliz, progressista e solidária, na qual papai ajuda os filhinhos e não ataca ninguém – só os cofres públicos, que ninguém é de ferro. Escreva aí, companheira: enquanto o sangue corria em Campinas, seu amigo chupava sangue em Minas.
Sejamos justos: não é correto afirmar que Fernando Pimentel chupou o sangue dos mineiros. Na verdade, ele chupou o sangue dos brasileiros – ao lado da cronista do feminismo. É o que indicam os investigadores da Polícia Federal. Suas consultorias imaginárias e suas aventuras no BNDES foram uma modesta contribuição com as obras completas da amiga de fé e protetora incondicional, a senhora do petrolão – que presidiu a devastação da economia nacional em tempo recorde. O “pensamento conservador”, seja lá o que isso signifique, precisará de um exército inteiro para alcançar a eficácia da diva do feminicídio.
Depois os brasileiros reclamam que são roubados à luz do dia. Enquanto gente que deveria estar presa puder ficar por aí fazendo demagogia politicamente correta com a dor alheia, sem sequer passar vergonha por causa disso, tudo será permitido. Ratazanas que sugaram bilhões da Petrobras se apresentam como paladinos da moral e procuradores das causas humanitárias, numa boa. E fazem escola, liderando uma patrulha surrealista contra o inimigo imaginário – o homem branco, os conservadores, o monstro neoliberal do Lago Ness, tanto faz. Como disse o companheiro Delúbio quando o mensalão foi descoberto: “É uma conspiração da direita contra o governo popular”. Com essa fantasia, o bloco dos sujos continuará batendo a sua carteira sem perder a ternura – e o rebolado.
A não ser que você pare de dançar conforme a música deles. Que exponha os contrabandistas intelectuais ao ridículo que lhes é intrínseco. Que acabe com esse papo de guinada conservadora para justificar um projeto parasitário. Conservador é quem usa retórica e ideologia para conservar bocas e tetas. Desafie os gigolôs da bondade a ver quem sobreviverá melhor quanto maior for a liberdade. Cumpra o seu dever cívico: desmascare um progressista gourmet. Antes que seja tarde.
A frase inicial deste texto não é uma piada. Ou melhor: é uma piada. Mas foi pronunciada, escrita e vociferada por uma série de indivíduos que pretendiam ser levados a sério. Vamos citar apenas um desses indivíduos – que por sua elevada carga simbólica resume o bando inteiro: Dilma Rousseff.
Sabem o que a diva do petrolão está fazendo, com a sutileza de uma baleia? Transformando a dor e o sangue de pessoas que ela nem conhece em investimento político-ideológico. Convertendo tragédia em proselitismo – com fins lucrativos. Os urubus estão sobrevoando a cena chocados, sem coragem de se aproximar.
Quem fez um sobrevoo tranquilo foi o melhor amigo da diva, Fernando Pimentel – indo buscar seu pimpolho numa festa de Réveillon com o helicóptero do estado. A Sra. Rousseff, nova cronista da vida alheia, bem que poderia fazer um paralelo com essa família feliz, progressista e solidária, na qual papai ajuda os filhinhos e não ataca ninguém – só os cofres públicos, que ninguém é de ferro. Escreva aí, companheira: enquanto o sangue corria em Campinas, seu amigo chupava sangue em Minas.
Sejamos justos: não é correto afirmar que Fernando Pimentel chupou o sangue dos mineiros. Na verdade, ele chupou o sangue dos brasileiros – ao lado da cronista do feminismo. É o que indicam os investigadores da Polícia Federal. Suas consultorias imaginárias e suas aventuras no BNDES foram uma modesta contribuição com as obras completas da amiga de fé e protetora incondicional, a senhora do petrolão – que presidiu a devastação da economia nacional em tempo recorde. O “pensamento conservador”, seja lá o que isso signifique, precisará de um exército inteiro para alcançar a eficácia da diva do feminicídio.
Depois os brasileiros reclamam que são roubados à luz do dia. Enquanto gente que deveria estar presa puder ficar por aí fazendo demagogia politicamente correta com a dor alheia, sem sequer passar vergonha por causa disso, tudo será permitido. Ratazanas que sugaram bilhões da Petrobras se apresentam como paladinos da moral e procuradores das causas humanitárias, numa boa. E fazem escola, liderando uma patrulha surrealista contra o inimigo imaginário – o homem branco, os conservadores, o monstro neoliberal do Lago Ness, tanto faz. Como disse o companheiro Delúbio quando o mensalão foi descoberto: “É uma conspiração da direita contra o governo popular”. Com essa fantasia, o bloco dos sujos continuará batendo a sua carteira sem perder a ternura – e o rebolado.
A não ser que você pare de dançar conforme a música deles. Que exponha os contrabandistas intelectuais ao ridículo que lhes é intrínseco. Que acabe com esse papo de guinada conservadora para justificar um projeto parasitário. Conservador é quem usa retórica e ideologia para conservar bocas e tetas. Desafie os gigolôs da bondade a ver quem sobreviverá melhor quanto maior for a liberdade. Cumpra o seu dever cívico: desmascare um progressista gourmet. Antes que seja tarde.
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