sábado, 10 de abril de 2021

Esquadrão da morte bolsonarista

Nesta semana, o esquadrão da morte bolsonarista conseguiu avanços importantes no Congresso. No Senado, a esperteza de um aliado garantiu a entrada em vigor das normas que facilitarão o acesso a armas e munições. Milícias, hostes militarizadas, criminosos em geral agradecem.

A Câmara aprovou projeto de lei que implode a fila única da vacinação e rasga o princípio da solidariedade social que orientou a criação do Sistema Único de Saúde. Ao permitir que empresas privadas comprem vacinas, institucionaliza a vacina "censitária", por critério de renda, não de vulnerabilidade.

O projeto, que ainda vai ao Senado, atende à mentalidade de capatazia do empresariado, que alega a necessidade de vacinar sua mão de obra. Se tem pouca vacina, que morram os velhos, os doentes, os mais fracos. É cruel assim. É bárbaro assim. Pensamento não muito distante da facção empresarial que se reuniu com o marginal da democracia em repasto noturno: bilionários da Forbes, o dinheiro grosso dos bancos, patrões da mídia e a bolorenta Fiesp.

A essa gente pouca importa que em algumas cidades o número de atestados de óbito já seja maior que o de certidões de nascimento e que possamos chegar ao meio milhão de mortos. Os empresários aplaudiram o genocida. Manifestaram "otimismo" e "tranquilidade" após ouvi-lo.

A falange religiosa do esquadrão, porém, sofreu derrota importante no STF. Foi inquietante assistir à pregação de André Mendonça, da AGU, a favor dos cultos presenciais em igrejas e templos. Com seus olhos vidrados e pausas teatrais, encarnou o pastor, não o representante de instituição laica. Felizmente, a Corte derrubou a pretensão de inspiração teocrática.

Decisão do ministro Barroso, contudo, acrescentou fator de imponderabilidade para os próximos dias ao determinar que o Senado instale a CPI da Covid. Enquanto isso, como disse um conselheiro da OMS, o Brasil submerge no "inferno furioso" da pandemia.

O papa que decretou 'lockdown' em Roma para salvar população de peste no século 17

Ele era intelectual, fã de arquitetura e arte, doutor em filosofia, teologia e direito. Quando o italiano Fabio Chigi (1599-1667) se tornou o papa Alexandre 7º, nem em seus piores pesadelos poderia vislumbrar que teria de enfrentar uma epidemia de peste.

A resposta dele, no entanto, foi contundente.

Embora a ciência só tenha descoberto o bacilo causador da peste em 1894 — graças ao bacteriologista Alexandre Yersin (1863-1943) —, o papa decretou medidas sanitárias que, para pesquisadores, contribuíram para que a letalidade da doença fosse muito menor na população romana do que em outros lugares afetados pela mesma doença.

De acordo com levantamento realizado pelo historiador italiano Luca Topi, professor da Universidade de Roma La Sapienza, entre 1656 e 1657 a peste matou 55% da população da Sardenha, metade da população de Nápoles e 60% dos que habitavam Gênova.

Em Roma, contudo, foram 9,5 mil mortos em um universo de 120 mil pessoas — menos de 8%. Essas conclusões foram publicadas em uma revista científica italiana em 2017.

Calcula-se que a peste tenha dizimado cerca de metade da população europeia, em diversas ondas. Fazia um ano que Alexandre VII havia sido eleito papa quando começaram a chegar relatos de mortes pela doença no então reino de Nápoles.

Alexandre 7º não era somente o líder do catolicismo. Se hoje o papa é soberano de um estado diminuto encravado em Roma, o Vaticano, na época comandava os chamados Estados Pontifícios que compreendiam Roma e boa parte dos arredores — praticamente todo o centro da Itália atual.

A fascinante história a seguir mostra como medidas que geram controvérsia no Brasil da pandemia de covid-19, como proibição de circulação de pessoas, fechamento de fronteiras e de templos, rastreamento de casos, auxílio emergencial, debates sobre jejuns religiosos e outras, foram aplicadas há mais de 400 anos — e tiveram bons resultados.

Quais foram as medidas do papa?

Nos domínios papais, esse surto ocorreu de maio de 1656 a agosto de 1657.

Assim que as primeiras notícias da peste chegaram a Roma, Alexandre 7º colocou em alerta a então Congregação da Saúde, que havia sido criada em um surto anterior.

As medidas de contenção foram implementadas gradualmente, conforme a situação se tornava mais perigosa.

Em 20 de maio, foi promulgado um decreto que suspendia toda atividade comercial com o reino de Nápoles — já fortemente afetado. Na semana seguinte, o bloqueio se estendeu: ficava proibido também o acesso a Roma de qualquer viajante vindo de lá.

No dia 29, a cidade de Civitavecchia, dentro dos domínios dos Estados Pontifícios, registrou a chegada da peste e foi imediatamente colocada em quarentena.

"Nos dias e meses seguintes, muitas outras localidades dos Estados Papais foram colocadas em isolamento", detalha o historiador Topi, em seu artigo. Em Roma, a decisão foi radical: quase todos os portões que então davam acesso à cidade foram fechados. Apenas oito permaneceram abertos, mas eles eram protegidos 24 horas por dia por soldados, supervisionados por "um nobre e um cardeal".

A partir de então, qualquer entrada tinha de ser justificada e registrada.

Em 15 de junho, Roma teve o primeiro caso: um soldado napolitano que morreu em um hospital. As normas passaram a endurecer cada vez mais. Em 20 de junho, uma lei passou a obrigar que todo aquele que soubesse de um doente informasse autoridades.

Na sequência, um novo dispositivo papal passou a obrigar que todo pároco e seus ajudantes visitassem, a cada três dias, todas as casas de suas circunscrições para identificar e registrar os doentes.

Era a maneira, na época, de rastrear os infectados.


Aí veio a notícia de mais uma morte, um pescador que estava hospedado na região de Trastevere. "Toda a família que teve contato com essa vítima também se infectou e muitos foram a óbito", conta Raylson Araujo, membro do Núcleo de Diálogo Católico-Pentecostal e estudante de teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que também pesquisou o assunto.

A primeira ideia foi tentar isolar a região. Na noite do dia 22 para o dia 23 de junho, sob as ordens de três cardeais, trabalhadores ergueram um muro de contenção após nove horas de trabalho.

O endurecimento das regras impostas pelo papa Alexandre 7º foi gradual até chegar a um lockdown completo

"O papa era também a autoridade civil. Conforme a doença começou a se espalhar, ele passou a implementar medidas de isolamento. Depois que proibiu o comércio com Nápoles, passou a decretar outros meios de distanciamento social: foi proibindo encontros, procissões, todo o devocional mais popular", pontua Araujo.

O endurecimento das regras foi gradual até o lockdown completo.

"Conforme o tempo foi passando, ele [o papa] foi adotando novas proibições. Congregações [da Igreja] foram suspensas, todas as visitas diplomáticas também, encontros religiosos e reuniões públicas… Estradas foram vigiadas", enumera Araujo. "Todas as aglomerações civis acabaram suspensas."

"Foram banidas várias atividades econômicas e sociais. Festas e cerimônias públicas, civis e religiosas foram canceladas", diz o seminarista Gustavo Catania, filósofo pelo Mosteiro de São Bento de São Paulo. "Mercados foram suspensos e algumas pessoas que moravam na rua foram retiradas, porque podiam ser causas de contágio. A travessia noturna do Rio Tibre foi proibida."

"Com quase toda a cidade fechada, os cultos inevitavelmente se transformaram em privados. Quase todos tinham alguém da família com a doença", completa Catania.

O papa também determinou que naquele período ninguém deveria fazer jejum, numa tentativa de que as pessoas não se privassem de alimentos e, assim, se mantivessem mais saudáveis para o caso de serem infectadas.

Todos aqueles que tinham pelo menos um contaminado na família eram proibidos de sair de casa. Para garantir a assistência, Alexandre 7º separou os padres e os médicos em dois grupos — aqueles que teriam contato com os doentes e os que não teriam, encarregando-se de zelar pelo restante da população.

"Havia uma preocupação que os padres não se transformassem em vetores da doença", diz Araujo.

"Os médicos foram proibidos [por lei] de fugir de Roma", atenta Catania, lembrando que muitos tinham receio de se contaminarem com a peste. Como os doentes eram isolados, foi montada uma rede de apoio assistencialista. "Houve a previsão de ajuda financeira às famílias que não podiam sair de casa e algumas pessoas recebiam comida pela janela", diz o seminarista.

Nos meses de outubro e novembro, quando a incidência da doença foi maior, chegou-se a prever pena de morte para quem descumprisse as regras.

Mas nem todos acreditavam na gravidade da situação.

Havia quem desdenhasse e até as hoje chamadas fake news foram espalhadas. "O papa chegou a ser acusado de ter inventado a doença em benefício próprio, para ganhar popularidade", conta a vaticanista Mirticeli Medeiros, pesquisadora de história do catolicismo na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.

"[Muitos] não queriam que o pontífice adotasse tais medidas [de restrição] para não alarmar a população", complementa. "Até seus colaboradores mais próximos o aconselharam a não fazê-lo. Temiam que, a partir do momento em que ele levasse a público a gravidade da situação, por meio de decretos e divulgação, a economia passasse a sentir os efeitos desse tipo de postura. No entanto, ele [o papa] foi firme e seguiu com sua política sanitária."

Talvez Alexandre 7º possa ser considerado uma espécie de padroeiro do lockdown.

Araújo compara o acontecido no século 17 com o "movimento de hoje, com a resistência das pessoas" a aceitarem a gravidade da pandemia de covid-19. "[Na época,] primeiro os comerciantes quiseram aconselhar o papa para que ele não adotasse as medidas, pois [o fechamento] iria prejudicar o comércio, a colheita", comenta o pesquisador. "Parte do povo foi murmurar contra as decisões do papa."

"Grupos procuraram o papa, aconselhando-o para não decretar medidas de isolamento. Queriam que ele acobertasse, maquiasse um pouco a doença para que o pânico não se espalhasse e o comércio não fosse fechado", prossegue.

Há relatos de que um médico teria divulgado fake news acerca das reais motivações do lockdown. "Ele espalhou que essas decisões do papa escondiam interesses políticos", diz o historiador Victor Missiato, professor do Colégio Presbiteriano Mackenzie Brasília, membro do Grupo de Estudos e Pesquisas Psicossociais sobre o Desenvolvimento Humano da Universidade Presbiteriana Mackenzie (Brasília) e pesquisador na Universidade Estadual Paulista (Unesp).

"Foi acusado de calúnia e acabou condenado a trabalhar em um hospital voltado para a cura da peste."

Outro caso emblemático foi o do religioso Gregorio Barbarigo (1625-1697). Quando foi eleito, o papa Alexandre VII nomeou-o prelado da Casa Pontifícia, conselheiro e, em seguida, referendário do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica. Isso tudo em 1655, mesmo ano em que Barbarigo havia se tornado sacerdote.

Mas o conselheiro acabou sendo uma voz contrária ao lockdown de Alexandre 7º. "Ele questionava as medidas, dizia que elas provocavam mais mortes do que a peste, porque causavam mortes pela fome e pelo medo. Mesmo próximo ao papa, ele tinha um olhar crítico", frisa Araujo.

Alexandre 7º não parece ter guardado rancor. Tanto que, anos mais tarde, em consistório de abril de 1660, fez de Barbarigo cardeal.

Quando esse surto foi vencido em agosto de 1657, a celebração foi à altura.

Alexandre 7º demonstrou o renascimento da Igreja com monumentos que marcam o Vaticano até hoje, como o conjunto de colunas da Praça de São Pedro, obra do escultor e arquiteto Gian Lorenzo Bernini (1598-1660).

Obras de Papa Alexandre 7º marcam o Vaticano até hoje, como o conjunto de colunas da Praça São Pedro, do escultor e arquiteto Gian Lorenzo Bernini

"Era muito comum, nesse período, que os papas tornassem visíveis a sua soberania e o seu poder. Os grandes monumentos de Roma, nesse período, foram construídos a partir dessa motivação", contextualiza Medeiros.

"É o caso das Quattro Fontane da Piazza Navona, Fontana di Trevi, entre outros."

A embaixada brasileira em Roma fica em frente às esculturas da famosa Piazza Navona.

"Alessandro 7º era apaixonado pela arte, amigo de Bernini. O início de seu pontificado foi marcado, justamente, pela peste", explica.

"A forma que ele encontrou, de certa forma, de apagar aquele período sombrio, foi investindo em obras colossais. As colunatas que ele mandou construir representam os braços abertos da Igreja. A catedral do apóstolo Pedro foi restaurada, o símbolo do poder temporal, não só espiritual."

Não foi este o único momento histórico em que a Igreja, no passado, fechou suas portas por conta de surtos e epidemias. Mas, como destaca Medeiros, foi o único de forma oficial "e contando com uma estrutura de Estado para tal".

"Ocorreram [em outros momentos] casos isolados em algumas dioceses da Itália, sobretudo no século 19 durante a epidemia de cólera", lembra ela. "Nesses lugares, adotaram-se medidas restritivas semelhantes."

Por outro lado, Medeiros lembra que no surto de peste do século 14, ocorreu "totalmente o contrário".

"O papa Clemente 6º, isolado no palácio pontifício de Avignon, na França, não parecia muito preocupado com o que ocorria fora dos muros da sua casa", aponta a vaticanista. "Como na mentalidade do homem da época a doença nada mais era do que um castigo divino, procissões e outras formas de aglomeração aconteciam, na tentativa, segundo a mentalidade religiosa da época, de extirpar aquele mal."

"Mas já nessa época, assim como na época de Alexandre 7º, existiam os dormitórios para isolar os infectados. Esses 'lazarettos', como eram chamados, estavam sob a responsabilidade dos [religiosos] franciscanos", contextualiza. "Os viajantes, seguindo as normas sanitárias de alguns lugares, deveriam evitar o convívio com outras pessoas por 40 dias — daí que surge o termo quarentena."

No século anterior, a região de Milão foi fortemente acometida pela peste. O cardeal arcebispo de lá, Carlo Borromeo (1538-1584), também estabeleceu medidas sanitárias rígidas em sua circunscrição.

"Ele fez a proposta de uma quarentena geral, que foi adotada [pela região]", diz Araujo. "Foi publicado um decreto que determinava que as pessoas se mantivessem em casa até que a situação fosse controlada. Só podiam sair os que estavam cuidando espiritual e materialmente da população."

O pesquisador conta que até as missas foram realizadas em um formato "à distância", conforme as possibilidades da época. "Um padre ia para a esquina e celebrava na rua. Os fiéis assistiam de suas janelas, de dentro de casa", explica ele.

Ao analisar esses episódios do passado — muitas vezes semelhantes ao vivenciados hoje — dois pontos precisam ser levados em conta.

Este era um mundo em que a ciência ainda não era valorizada como hoje. E no qual religião e política estavam intrinsecamente mesclados.

"No século 17, absolutismo era muito forte na Europa e estava ligado ao poder da Igreja. Poder político e poder religioso, naquela época, ainda estavam muito misturados", explica Missiato.

"Naquele período, a Revolução Científica ainda não havia sido difundida nas diversas sociedades do mundo europeu. A crença no divino enquanto ente definidor da paz e do caos ainda era vista como o caminho para a salvação."

Por isso, o lockdown imposto por Alexandre 7º se torna ainda mais interessante.

"[O ocorrido] mostra um alinhamento entre fé e ciência", diz Araujo. "Uma fé que tem os pés no chão. Com base no que Roma já havia sofrido com a peste em outros momentos, [a experiência faz com que] eles passam a saber que essas medidas são importantes. Existem pastores sensíveis."

Brasil mergulha na Era da Incerteza e não há luz no fim do túnel

Como acontece habitualmente, há dias em que somos tomados de enorme desânimo. É um sentimento depressivo normal, porque os hábitos modernos de consumismo transformaram a vida numa desesperada busca de felicidade material. Mas isso é inatingível, sobretudo em época de pandemia. Assim, no Brasil em que hoje vivemos, a felicidade somente é encontrada por imbecis que não se importem nem se preocupem com a desgraça alheia.

Antigamente, a vida era mais simples. Como diz nosso amigo Celso Serra, grande advogado e economista, ninguém se julgava importante, aqui no Rio de Janeiro os ministros do Supremo e parlamentares pegavam o bonde para ir ao trabalho, como qualquer outro cidadão.

O genial economista e pensador canadense/americano John Kenneth Galbraith classificou a época atual de “A Era da Incerteza”, título de seu primeiro livro, em 1977. Quando veio ao Brasil, era um homem tão simples que aceitou dar entrevista à modesta TVE de Gilson Amado e nem pediu condução.

Depois de entrevistado pelo jornalista e historiador Cláudio Bojunga, neto de Roquette-Pinto, levamos Galbraith até a saída e foi engraçado ver aquele magrela de quase dois metros de altura, todo desengonçado, tentando entrar num táxi fusca.

Até hoje vivemos na Era da Incerteza. A evolução tecnológica é extraordinária, mas não se consegue solucionar a miséria e o abandono em que vivem bilhões de pessoas.

Economistas do mundo inteiro, como Armínio Fraga e André Lara Resende, já chegaram à conclusão de que o maior problema é a crescente desigualdade social, movida pelo egoísmo e pela ganância.

O resultado disso tudo é a infelicidade reinante. Com a pandemia, no mundo inteiro, viver é um sofrimento. Existem apenas meia dúzia de países europeus onde se pode encontrar uma melhor qualidade de vida, por haver distribuição de renda e um atendimento médico-social de nível satisfatório.

No resto do mundo, especialmente nos países subdesenvolvidos, reina a incerteza, instalada pela insegurança no trabalho, na assistência à saúde e na própria vida, em meio à criminalidade que domina os poderes constituídos e as ruas. E não há vislumbre de solução. Quando a pandemia passar aqui no Brasil, encontrará terra arrasada.

Eis a nossa realidade. A geração que governa este país, à qual pertenço, fracassou pateticamente e não há luz no final do túnel.

Pensamento do Dia

 

 Shahid Atiqullah (Afeganistão)

Passaram-se 27 meses

O Centrão não é surpreendente, é implacável. Como demonstra o deputado Arthur Lira, comandante em chefe do grupo, não só por ser presidente da Câmara mas por representar um papel múltiplo e mutante. Ora é um diplomata negociador. De repente dá sinais do seu limite e pode tornar-se um cangaceiro.

Tanto que o presidente Jair Bolsonaro está ciente de que não deve fugir ao resgate negociado. O ignorou, por exemplo, na escolha do ministro da Saúde, desprezando a candidata indicada. E desde então não se esgotam as compensações que é obrigado a fazer. O presidente nunca esteve tão fraco politicamente como neste momento.

Nas cláusulas do contrato de adesão do Centrão ainda restam muitos espaços a serem ocupados. Entre eles, os ministérios da Educação e o do Meio Ambiente. Metas que, enquanto não se cumprirem, são compensadas por um adiantamento da lista de nomeações para cargos menores. Além de dinheiro na veia: as emendas parlamentares do orçamento, ainda não legalizado, mas certamente já distribuído. Parcelas do inesgotável ajuste de contas.

Este é o panorama de hoje. Bolsonaro governará nos próximos 21 meses tal como o fez nos 27 passados. Em conflito com cada um e o universo.


As forças políticas contrárias, porém, estão vivas e se articulam com os protagonistas de sempre. Já abandonaram o plano A, cujo item número um era o impeachment. Empenham-se agora na elaboração do plano B: a construção de um candidato do centro, que não pode ser confundido com o Centrão, de perfil vencedor.

Os políticos creem que Bolsonaro chegará a 22 tão fraco como candidato, desacreditado como gestor, desautorizado como líder, sabendo que seu adversário principal terá todas as chances de derrotá-lo. É verdade que não gostariam de dar o espaço a Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente, porém, parece ser o único que ainda não se convenceu de que não foi ele que ganhou a eleição, mas o PT que a perdeu. O temor do centro é que Lula vença no papel do antibolsonaro, situação que querem evitar. O ideal que procuram, sinceramente, é a constituição de um governo liberal, sim, com educação e compostura política, inserido no mundo.

De onde veio o crescente enfraquecimento que tiraria as chances do presidente? Bolsonaro perdeu substância e energia até no seu staff da Presidência. Saiu fragilizado da refrega, puramente vingativa, com as Forças Armadas. A demissão do ministro das Relações Exteriores foi humilhante, e com ele foram reprovados o filho Eduardo Bolsonaro e o doutrinador Olavo de Carvalho.

O quarto ministro da Saúde, administrador da profunda crise sanitária, não se encontrou em meio às contradições do governo: não há vacinas, prioridade absoluta. O quarto ministro da Educação é um pastor sem força política para evitar o avassalador obscurantismo que impregnou o MEC, dominado pela mediocridade das bases extremistas do bolsonarismo. A educação está destruída. A infraestrutura não tem verbas. O Meio Ambiente e a Cultura, marginalizados.

Passaram-se dois anos e três meses de governo e permanece a sensação de que o filme de terror não tem fim. O enredo é dominado pela violência, agressividade, insegurança, armas, controle político da polícia, perseguições, irracionalidade, crimes de responsabilidade, ódio, devastação. É por esta agenda que o governo se move.

Jair Bolsonaro emite sinais de que continuará administrando tal parque de horrores, no qual seus filhos se deliciam na montanha russa, da cabine de comando do trem fantasma. A cada susto, o timoneiro narra, em discurso staccato, que só ele e seu partner ocasional sabem o porquê das suas manobras radicais. Recorrente mistério para explicação do inexplicável. Enquanto isso, os brasileiros, desamparados, teimam em sobreviver à covid-19.

Tiro pela culatra

Está mal direcionado o esforço para responder à questão: ‘Quais são as características do establishment militar de uma nova nação que facilitam o envolvimento militar na política doméstica?’. A questão está confusa, porque as causas mais importantes da intervenção militar na política não são militares, mas políticas. Refletem não as características sociais e organizacionais do establishment militar, mas as estruturas políticas e institucionais da sociedade.” Estas sábias palavras são do finado cientista político Samuel Huntington.

O fato é que desde 1985 os militares deixaram o governo, mas não o poder. Um excessivo número de prerrogativas militares continua em vigor, assim como enclaves autoritários passeiam pela Constituição Federal. Destaque para o artigo 142.

Sempre bom lembrar que os constituintes resolveram abolir o dispositivo, mas o então general Leônidas Gonçalves afirmou que suspenderia o processo constituinte caso isto acontecesse. Os civis se curvaram, e o artigo foi mantido.

O artigo 142 é ambíguo e pode ser interpretado de modos distintos, de acordo com os interesses dos atores envolvidos. A raiz do problema é saber quem define o que é ordem e que tipo de lei, ordinária ou constitucional, as Forças Armadas devem defender.

Em suma, o artigo permite o golpe de Estado constitucional. Um oximoro. Por isso mesmo, nenhuma democracia que se preze o insculpiu em seu texto constitucional.


Não é por acaso que tal artigo vem sendo, comumente, lembrado ao logo do governo Bolsonaro. O presidente sondou, no ano passado, o Exército sobre a possibilidade de fechar o STF usando o artigo 142 como bandeira. Segundo relato da imprensa, sua proposta foi rejeitada pelo Alto-Comando do Exército. Desde então, sua relação com o general Pujol não teria sido mais a mesma.

Bolsonaro já afirmara que o Exército era a “âncora do seu governo”. Nenhuma autoridade civil o contestou. Era uma aposta de que os interesses da instituição — Forças Armadas — convergiriam com os do governo. Bolsonaro nomeou vários militares para o aparelho de Estado nas suas mais diversas esferas de poder. E distribuiu benesses salariais, previdenciárias e orçamentárias. Com anuência do Congresso. A Casa Civil virou uma espécie de Casa Militar.

A política, todavia, tem sua própria dinâmica. E o governo Bolsonaro está enfrentando uma séria crise econômica, social, humanitária e política. Grupos civis subvertem uns aos outros, o STF viola a Constituição, e compromissos não são respeitados.

A crise entra no Palácio do Planalto grande e sai, muitas vezes, maior ainda. As pesquisas de opinião pública já detectaram isto.

Embora a culpa não seja só dele, a população jogará, majoritariamente, a conta dos mortos na pandemia no colo do presidente. Sua reeleição já não é mais fava contada.

Acuado, o presidente jogou uma cartada cujas consequências nem ele esperava. Afastou o ministro da Defesa e com ele os três comandantes militares de uma só vez. Algo inédito na história republicana. Queria maior apoio castrense para suas medidas políticas. Só que os interesses das Forças Armadas não mais convergem, necessariamente, com os do governo. O Exército quer ser âncora dele mesmo.

A nomeação do novo comandante militar do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, é uma derrota para Bolsonaro. Não era o nome de sua preferência.

Quando responsável pelo setor de recursos humanos do Exército, o general deu entrevista dizendo acreditar que em dois meses haverá a terceira onda da Covid.

Em entrevista, ressaltou que a taxa de mortalidade na instituição é de 0,13%, bem abaixo do índice de 2,5% da população em geral. E é a favor do distanciamento social e do uso de máscara, bem como de higienização das mãos. Todas as cerimônias militares foram suspensas nos quartéis. Esta entrevista irritou Bolsonaro.

Mesmo assim, Nogueira é o novo comandante do Exército. Uma clara mensagem do Alto-Comando do Exército ao presidente da República: as linhas entre a instituição e o governo foram demarcadas. O presidente entendeu o recado.

Rei dos cemitérios


Se dependesse do presidente, de suas trocas de ministros e seus rompantes desvairados, teríamos a essas alturas um milhão de mortos
Flávio Dino (PCdoB), governador do Maranhão

A natureza é implacável

O presidente Jair Bolsonaro foi na quarta-feira a Chapecó (SC) para prestigiar o prefeito local, João Rodrigues (PSD). Segundo Bolsonaro, Rodrigues é um “exemplo a ser seguido” por ter apostado no “tratamento precoce” – codinome bolsonarista para a prescrição médica de remédios sem efeito contra a covid-19 para pacientes internados com a doença.

Para ilustrar o “exemplo”, a prefeitura de Chapecó divulgou um vídeo, compartilhado pelo perfil oficial do Palácio do Planalto, que distorce números para alegar que a adoção do “tratamento precoce” reduziu a internação hospitalar e, por isso, a cidade “venceu a covid”, nas palavras do prefeito. A encenação omitiu que a queda momentânea de internações ocorreu depois da decretação de duras medidas restritivas, que muitos pacientes tiveram que ser transferidos para o Espírito Santo porque não havia mais vagas de UTI e que a média de mortos na cidade é maior que a média nacional.

No discurso em Chapecó, Bolsonaro, como já se tornou habitual, distorceu ou simplesmente inventou informações para sustentar seu negacionismo, não falou de vacinas, a não ser para dizer que “não tem para todo mundo”, e atacou as medidas de isolamento adotadas por governadores. Recorde-se que Bolsonaro é formalmente o coordenador do Comitê de Combate à Covid-19, o que por si só deveria colocar em dúvida a serventia desse colegiado.


Horas depois, esse mesmo Bolsonaro se encontrou com empresários em São Paulo. Levou consigo um séquito composto por alguns dos mais importantes ministros do governo. A mise-en-scène serviu para denotar a importância que dava à reunião – realizada alguns dias depois da divulgação de um duro manifesto de empresários, banqueiros e economistas que criticavam a condução da crise pelo presidente e cobravam de seu governo a adoção de amplo programa de vacinação e a coordenação nacional de medidas preventivas e de distanciamento social.

O encontro, portanto, deveria servir para mostrar que há sintonia entre Bolsonaro e o empresariado, ao contrário do que sugere o manifesto, e que o presidente está comprometido com a criação de condições para a superação da pandemia e com a recuperação econômica do País. Na prática, contudo, a reunião com os empresários em São Paulo – nenhum deles signatário do manifesto crítico e quase todos simpáticos ao presidente – foi apenas mais um dos comícios de Bolsonaro, com direito a ataques a seus desafetos, em especial governadores.

Consta que Bolsonaro foi “ovacionado” pelos empresários presentes no único momento em que falou de vacinação, prometendo acelerá-la, e também quando fez vagas promessas de respeitar o teto de gastos e as leis fiscais. O presidente tampouco lembrou das prometidas reformas, embora seja uma das pautas mais relevantes para o setor produtivo, mas encontrou tempo para atacar a imprensa e o PT.

Assim, seria preciso um grande esforço para ver ali um governante comprometido com o combate à pandemia e com o futuro do País. A natureza é implacável. Por mais que se esforce, Bolsonaro não consegue se passar por presidente porque é mau ator, o que fica claro mesmo diante de uma plateia complacente.

Da parte do presidente, o evento serviu somente para fingir afinidade com o empresariado. Seu menosprezo pela vacina e pelas medidas preventivas contra a covid, únicas formas de superar a pandemia e retomar a economia, já havia ficado claro horas antes em Chapecó. É exatamente por isso, aliás, que governadores e prefeitos, tão hostilizados pelo presidente, vêm se mobilizando para conseguir vacinas, já que Bolsonaro mais atrapalha do que ajuda.

Da parte dos empresários presentes, contudo, houve um esforço para indicar confiança no presidente ao final do encontro. “Foi uma conversa boa, eu gostei, me deu tranquilidade”, disse um deles ao Estado.

É reconfortante saber que alguém no País está tranquilo, mesmo diante da escalada da pandemia e da evidente incapacidade do poder público, sobretudo do governo federal, de enfrentá-la. Milhões de brasileiros que estão vivendo sob o espectro da morte, da fome e do desemprego infelizmente não podem dizer o mesmo.