segunda-feira, 7 de dezembro de 2015



Charge de Jarbas para o Diário de Pernambuco



De novo, o diálogo com as ruas vem na forma repressão

As ruas de São Paulo já conhecem bem o script: o poder público anuncia uma medida controversa, manifestantes se lançam em protestos, e na sequência vem a tropa de choque. Uma relação dialética bastante conhecida, mas indesejável, que invariavelmente culmina em uma série de violações ao direito de protesto e, quase sempre, em nenhuma responsabilização de seus autores.

Foi assim nos protestos contra a Copa do Mundo, foi assim nos protestos contra o aumento da tarifa do transporte público, e está sendo assim nos protestos dos estudantes secundaristas contra a proposta de reorganização escolar feita pelo governo de São Paulo.

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Diante do comunicado feito da noite para o dia de que o número de escolas públicas no estado seria reduzido e que milhares de alunos seriam realocados para escolas mais distantes, a reação foi natural: uma onda de ocupações de escolas em todo o estado – quase 200 segundo dados oficiais – e a deflagração de protestos de rua e bloqueios de grandes vias da capital.

A queixa dos estudantes é a de que a medida foi imposta sem o devido diálogo ao longo de sua formulação. Eles afirmam não terem sido consultados nem tido a oportunidade de expressar suas opiniões e de participar da construção da proposta, da qual a maioria parece discordar. A partir disso, iniciaram a jornada de protestos.

A ocupação do espaço público como estratégia de reivindicação voltou a se tornar uma prática corriqueira no Brasil depois das manifestações que tomaram o país em junho de 2013. E assim como ocorreu naquela época, o Estado brasileiro parece ainda não saber lidar com o direito legítimo de se manifestar, adotando uma única postura frente aos protestos: acabar com eles.

A Polícia Militar tem desempenhado um papel chave na estratégia de sufocar manifestações, utilizando técnicas repressivas, desproporcionais e muitas vezes perigosas não apenas para os manifestantes, mas para toda a população.

O tratamento dispensado aos estudantes paulistas não tem sido diferente. O que se tem visto é oemprego de um contingente excessivo de policiais, que se utilizam de bombas de gás e balas de borracha contra manifestantes, com muitos deles sendo detidos sem aparente motivo. O agravante dessa vez é que todos esses episódios vêm acontecendo com jovens na maioria das vezes com menos de 18 anos.

Vale ainda ressaltar que, para além da violência física, há outras violações acontecendo. Advogados têm sido impedidos de acompanhar estudantes detidos; comunicadores têm sido impedidos de cobrir ações policiais contra manifestantes.

É extremamente preocupante que o Estado responda com esse nível de truculência a estudantes que reivindicam seu direito à educação e à participação nos rumos de uma política pública que afeta suas vidas diretamente. O direito de manifestação é um importante instrumento de luta social, responsável por grandes mudanças ao redor do mundo em incontáveis momentos da história - ainda que não seja um direito absoluto, devendo ser balanceado com outros direitos, como o de ir e vir.

No entanto, é preciso reconhecer que está na natureza de um protesto chamar a atenção da parte da população não envolvida com o tema, causar reflexão, e até mesmo incômodo – e isso só se faz com a ruptura parcial do estado de normalidade de uma cidade.

A tropa de choque da Polícia Militar interveio de maneira violenta em todas as manifestações dos estudantes ocorridas nos últimos dias. Em entrevista à imprensa no dia primeiro de dezembro, o secretário de segurança pública de São Paulo, Alexandre de Morais, afirmou que "a função da Secretaria da Segurança Pública e da polícia nesses acontecimentos é garantir que não haja dano ao patrimônio público" e que o governo não iria "permitir que fiquem agora obstruindo as vias principais de São Paulo".

Declarações como esta demonstram que muitas autoridades parecem não considerar a obrigação do Estado em garantir o direito de manifestação e do papel dos agentes de segurança pública em zelar pela segurança dos manifestantes e demais pessoas presentes em um local de protesto. Na prática, isso costuma resultar em violações das mais diversas, como mostra a grande quantidade de vídeos e fotosque inundaram a internet na última semana.

O direito internacional cada vez mais compreende que a obstrução do trânsito não deve ensejar a repressão de protestos. Ao contrário: nesses casos, o Estado tem o dever de desenvolver planos de operação e procedimentos que irão facilitar o exercício do direito de reunião, incluindo redirecionar o tráfego de pedestres e veículos em certas áreas. Um exemplo vem da Espanha, em que a corte constitucional do país proferiu decisão determinando que "em uma sociedade democrática o espaço urbano não é somente uma área para circulação, mas também para participação".

O anúncio realizado pelo governador Geraldo Alckmin suspendendo a reorganização das escolas demonstra o poder de mobilização e sensibilização que os protestos exercem sobre a sociedade e sobre a política do nosso país. Demonstra também a importância do envolvimento da população na elaboração de políticas públicas e o quanto essa prática se refletiria em políticas mais sensíveis às reais necessidades de todos que serão afetados por elas.

Se cada vez mais a população brasileira se utiliza do direito de protesto como estratégia de cobrar e pressionar políticos pelas mudanças que acreditam serem necessárias para o país, é passada a hora do Estado preparar os seus agentes de segurança para lidarem com essa forma de participação social no sentido de garanti-lo e preservá-lo. É só dessa forma que as cenas que temos visto na última semana - em que adolescentes de 15 anos são feridos por protestar pelo direito à educação - não voltem a se repetir.

Paula Martins

Podridão e esperança

A política brasileira está podre. Ela é movida a dinheiro e poder. “Dinheiro compra poder, e poder é uma ferramenta poderosa para se obter dinheiro. É disso que se trata as eleições: o poder arrecada o dinheiro que vai alçar os candidatos ao poder. Saiba que você não faz diferença alguma quando aperta o botão verde da urna eletrônica para apoiar aquele candidato oposicionista que, quem sabe, possa virar o jogo. No Brasil, não importa o Estado, a única coisa que vira o jogo é uma avalanche de dinheiro. O jogo é comprado, vence quem paga mais”. Assustador o dignóstico que o juiz Márlon Reis faz da política brasileira. Conhecido por ter sido um dos mais vibrantes articuladores da coleta de assinaturas para o projeto popular que resultou na Lei da Ficha Limpa, foi o primeiro magistrado a impor aos candidatos a prefeito e a verador revelar os nomes dos financiadores de suas campanhas antes da data da eleição. Seu livro Nobre deputado: Relato chocante (e Verdadeiro) de Como Nasce, Cresce e se Perpetua um Corrupto na Política Brasileira, editora LeYa, 2014, merece uma reflexão.

A radiografia do juiz, infelizmente, vai sendo poderosamente confirmada pelas revelações feitas pela Operação Lava Jato. Em resumo, amigo leitor, durante os governos petistas, ancorados num ambicioso projeto de perpetuação no poder, os contratos da maior empresa brasileira com grandes empreiteiras eram usados como fonte de propina para partidos e políticos. Dá para entender as razões da vergonhosa crise da Petrobrás -pilhagem, saque, banditismo, estratégia hegemômica-, que atinge em cheio os governos de Dilma Rousseff e Lula.


O escândalo da Petrobrás, pequena amostragem do que ainda pode aparecer, é a ponta do iceberg de algo mais profundo: o sistema eleitoral brasileiro está bichado e só será reformado se a sociedade pressionar para valer. Hoje, teoricamente, as eleições são livres, embora o resultado seja bastante previsível. Não se elegem os melhores, mas os que têm mais dinheiro para financiar campanhas sofisticadas e milionárias. Empresas investem nos candidatos sem qualquer idealismo. É negócio. Espera-se retorno do investimento. A máquina de fazer dinheiro para perpetuar o poder tem engrenagens bem conhecidas no mundo político: emendas parlamentares, convênios fajutos e licitações com cartas marcadas.

Recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) reduzindo a indecorosa promiscuidade entre empresas e candidatos foi um passo importante. Mas a criatividade da bandidagem não tem limites. Impõe-se permanente vigilância das instituições.

O Brasil depende - e muito - da qualidade da sua imprensa e da coerência ética de todos nós. Podemos virar o jogo. Acreditemos no Brasil e na democracia.

Mañana


O dia em que o primeiro senador da República foi preso é um momento da História que me colheu em pleno trabalho. Soube da notícia no carro, viajando de Linhares para Regência, na foz do Rio Doce. Conexões precárias. Ainda assim, percebi que a maneira de manter o foco no trabalho era interrompê-lo de hora em hora e perguntar: e aí? Delcídio foi preso com um advogado, um banqueiro e um chefe de gabinete. Nunca se foi tão bem equipado para a cadeia.

E aí? Senadores vão confirmar ou negar a prisão de Delcídio. Com a experiência vivida, pensei: voto aberto, cadeia, voto fechado, liberdade. O voto aberto é uma espécie de bafo na nuca. Desencadeia uma reação química que, por sua vez, aciona o instinto de sobrevivência. Dependendo da dose, funciona como o vinho quando se pega o microfone.

No impeachment de Collor era um tal de voto em nome do Brasil, voto pela família, pelo futuro. Sabem que é o bafo na nuca, mas as câmeras estão ligadas, é preciso escolher uma frase como se escolhe um terno para o casamento da filha.

E aí? Planejavam uma fuga de Nestor Cerveró pelo Paraguai. Pareceu-me no Rio Doce, diante dos peixes pulando desesperados com a lama entupindo suas guelras, um plano brancaleônico. Pega o Cerveró, bota no avião, tira o Cerveró de um avião, coloca em outro, escondem o Cerveró no fundo de um veleiro e partem para a Espanha. Cristóvão Colombo às avessas, o mar devolveria Cerveró.

E aí? O plano previa conversas com ministros. Isso preocupa, pensei. Todos sabiam que iriam centrar no STF para destruir a Lava-Jato. O próprio fatiamento dos inquéritos, que os ministros devem ter aprovado, suponho, por uma questão técnica, era para a quadrilha uma parte do plano de melar a Lava-Jato. Mas ficou claro que a Lava-Jato não vai morrer no Supremo. No STF, vai soprar um pouco mais que bafo na nuca: um forte sudoeste, sei lá, um tufão.

Depois do trabalho na foz do Doce, voltei às conexões regulares: Delcídio vai ou não entregar todo o esquema criminoso? Não me preocupo tanto. É um problema mais dele e da família. Mofar na cadeia ou dizer o que sabe. Quase todos os segredos que se atribuem a Delcídio referem-se a episódios conhecidos que, com ou sem ele, acabarão sendo desvendados. Na verdade, todo o material já levantado e as delações que estão por vir bastariam para derrubar 20 governos. É só investigar. Um indício de que há dinamite de sobra foi a notícia de que a Andrade Gutierrez vai pagar R$ 1 bilhão de multa e confessou suborno, entre outras, nos estádios da Copa. Apareceu e sumiu como se fosse o relato de uma árvore caída, um automóvel que bateu no poste. A famosa corrupção, que quase todos esperávamos na Copa do Mundo, tornou-se uma nota de pé de página na sucessão de escândalos nacionais.

Fica cada vez mais claro: o sistema político brasileiro está desmoronando. Vivemos uma crise econômica, política, ética e ambiental. Vivemos também uma crise sanitária, com a tríplice epidemia que se abate sobre o país: dengue, chicungunha e zika. O cerco policial ao governo bandido e seus asseclas é muito fascinante. A sociedade tem um papel, obrigando ministros e parlamentares a um recuo na cumplicidade com o capitalismo mafioso que associa o PT e o PMDB a empreiteiras e banqueiros de rapina. Contemplar esse espetáculo é limitado. As coisas estão desabando também no mundo real, do trabalho, da vida cotidiana.

Por isso que os federais têm de andar rápido. É hora de prender alguns dos nomes centrais da política brasileira. Alguns, como Eduardo Cunha, já deveriam até ter cumprido parte da pena. Apesar de, finalmente, ter aceito o pedido de impeachment.

O que se suporta no Brasil não seria tolerado facilmente em nenhum outro país do mundo: crise econômica, desemprego, crise ética, mar de lama sufocando rios, mosquitos devorando o cérebro de futuras gerações e uma quadrilha cínica no poder.

As circunstâncias pedem um governo. Não é possível atravessar o deserto sem nenhum rumo. O que fazer com as barragens perigosas, como conter a crise sanitária, como recuperar a economia, abrir novas chances no mercado de trabalho?

Há quem ache que faremos isso tudo com Dilma, alma penada vagando pelo planalto central. E que Cunha prosseguirá no seu cargo, em nome da estabilidade, roubando tudo o que restar pelo caminho. A obra dantesca seria concluída com a candidatura de Lula em 2018. Para eles, candidato à presidência, para nós, a xerife de cela.

Mañana. Um dos traços de nossa cultura é empurrar com o barriga, deixar que a Dilma prossiga, Cunha presida, Lula fuja da polícia fingindo que está em campanha. Muito brasileiramente, fomos caindo mais no abismo por falta de energia para derrubar o governo, prender o braço político da corrupção, quebrar a espinha de brilhantes empresários que escolhem o crime como plataforma.

É tarde mas ainda é hora. Os desencontros de Cunha e do PT acabaram abrindo uma nova fase.

Resta saber qual o seu ritmo.

Fernando Gabeira

Democracia de verdade

Eu acho que é preciso continuar a acreditar na democracia, mas numa democracia que o seja de verdade. Quando eu digo que a democracia em que vivem as actuais sociedades deste mundo é uma falácia, não é para atacar a democracia, longe disso. É para dizer que isto a que chamamos democracia não o é. E que, quando o for, aperceber-nos-emos da diferença. Nós não podemos continuar a falar de democracia no plano puramente formal. Isto é, que existam eleições, um parlamento, leis, etc. Pode haver um funcionamento democrático das instituições de um país, mas eu falo de um problema muito mais importante, que é o problema do poder. E o poder, mesmo que seja uma trivialidade dizê-lo, não está nas instituições que elegemos. O poder está noutro lugar
José Saramago

Já foi longe demais

Uma das fotos estampadas em ZH na última quinta-feira mostrava numeroso grupo de parlamentares da base do governo irradiando indizível felicidade. Melhoraram os números da economia? O PIB cresceu? O desemprego diminuiu? Nada disso. Festejava-se a elevação do déficit fiscal para R$ 120 bilhões. Sirvam-se os drinques! O barco afunda, mas o poder é uma festa. Afinal, ele é tudo que importa. Minutos depois, a notícia da abertura do processo de impeachment caía como uma pedra no enorme aparelho digestivo do governo. Não havia sal de fruta suficiente para tamanho mal-estar.

A mentira é o primeiro degrau da corrupção. O sofisma é o segundo. Ambos corrompem a verdade e o resto vem com o tempo e com as ocasiões. Diferentemente do que o governo passou a dizer, a relação de Cunha com o impeachment é funcional e a divergência entre ele e o governo é coisa de família, desentendimento na firma. Não há princípios, nem valores, nem qualquer verdade em jogo. Seus negócios foram descobertos pela mesma Lava-Jato que o PT dizia ser golpista.

Cunha é muito menos dono do impeachment do que eu. Jamais disse palavra a favor. Contra minha vontade (e de dezenas de milhões de brasileiros), sentou-se ele, por meses, sobre trinta e tantos requerimentos. Ou não? Também nisto obsequiou ao PT tanto quanto serviu-lhe, durante anos, na base do governo. Sua prolongada indecisão arrefeceu as mobilizações de rua. Bem como o governo queria. É totalmente fraudulenta, portanto, a tentativa de colocá-lo no papel de dono do impeachment, como se fosse coisa dele e de gente como ele.

Insustentável, também, o xingatório que qualifica como coxinhas, lacerdistas, golpistas e gente da pior espécie os que querem ver o governo pelas costas. Se assim fosse, a Constituição seria "golpista", pois prescreve esse tipo de processo. E mais, Dilma Rousseff, com menos de 10% de apoio um ano após fazer 52% dos votos válidos, teria sido eleita por "gente da pior espécie". Nem o xingamento fica em pé.

O governo já foi longe demais, em tudo. Levou a inépcia aos requintes. Forneceu provas abundantes de que o STF errou ao desconhecer, na ação penal do mensalão, o crime de formação de quadrilha. À vista de seu governo, a gestão do companheiro Collor foi exemplo de austeridade. E de nada vale a presidente dizer que não roubou e não escondeu dinheiro no Exterior porque não é disso que a acusam. Seus crimes foram de responsabilidade fiscal. Ponto e basta. Voltemos às ruas, nós, os donos do impeachment!

É Natal


Ninguém ganha sempre. Por mais que se acerte, haverá um momento no qual o jogo vai mudar. Disso não está livre o presidente da Câmara, o todo-poderoso deputado Eduardo Cunha, no seu interminável processo de criar dificuldades para vender facilidades.

Com uma vida assim construída, com todos os defeitos que tem, ninguém põe em dúvida que Eduardo Cunha é um craque na arte de fazer um certo tipo de política, de exercer um certo tipo de liderança, especialmente de um certo tipo de pessoas e de deputados, de defender certos tipos de ideias, de opções, de caminhos.

É um craque, um gigante na cara de pau capaz de deixar Paulo Maluf como uma criança em tempos de primeira comunhão. Cunha traz nas mãos um baralho próprio que ele domina como ninguém. Só curingas. Ele fez todas as pressões que poderiam motivar o governo a usar seu ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para que esse colocasse cunhas (cunhas boas) na Operação Lava Jato e fizesse as atenções se desviarem de seu nome. Falhou.

Delcídio foi preso, veio aquela história do bilhete onde estavam relatados a origem e destino da generosa bolada dos R$ 45 milhões, que acabaram envolvendo o nome de Cunha, o do próprio Delcídio, o de Renan Calheiros e a citação do vice Michel Temer. Esse insucesso Cunha põe na conta do Palácio do Planalto. Em parte pode ser, mas ele já foi longe demais. Demorou a surgir o que ele está passando, e poderia ser muito mais, se o Regimento da Câmara fosse menos corporativo.

Cunha abriu a tramitação do processo de impeachment. Vai-se agora formar a comissão de 65 membros para se analisar o pedido, na qual o PMDB terá oito nomes. Dez sessões dessa comissão serão consumidas para a apresentação da defesa de Dilma. Transcorridas as dez primeiras sessões, virão outras cinco para que os deputados analisem as peças da defesa. Essa comissão poderá recomendar arquivamento do pedido sob sua análise ou remetê-lo ao plenário da Câmara, para votação.

Estão envolvidos interesses dos partidos que compõem a comissão especial, de deputados que já estão fazendo novenas e promessas para nela sentarem, isso tudo com Eduardo Cunha na presidência da Câmara, Dilma presidente da República, Michel Temer, o vice de terno novo para uma eventual posse (com a sua linda candidata a primeira dama) e Renan Calheiros, na presidência do Senado. Todos com canetas bem abastecidas de tinta. Parido o relatório da comissão, o processo vai a plenário.

Estão, nas ruas, as mais diversas movimentações. Prós e contra. Uma delas, a de “Um Natal sem Dilma”, certamente ficará para outro ano. Para este, Papai Noel já levou as cartinhas, e “esse presente” não estava dado como certo. Vai ser bicicleta para todos, daquelas com rodinhas na roda detrás, para ninguém cair.

Impeachment!

Evidentemente a “vingancinha” do Eduardo Cunha, acolhendo o pedido de impeachment de Dilma por não ter sido bem-sucedido na tentativa de chantagear o PT (e os três votantes do partido na comissão de ética da câmara) gerou mal-estar. A motivação pessoal e desonesta de Cunha – tentar conter a onda de indignação com as evidências de corrupção maciça que o cercam – é a pior possível.

Ou seja, tem gente acreditando que a iniciativa nada isenta de Cunha vai recobrir o pedido de ilegitimidade. Mas, como diz o Collor (que tem uma certa experiência nessas coisas), o impeachment é um bonde perigoso de se botar andando. É de uma certa ingenuidade confundir a ilegitimidade de Cunha e a pertinência do processo de impeachment em si mesmo.

Alguns pontos. Primeiro: o país vai parar? Econômica e politicamente, Brasil já está parado. Os investidores e produtores não estão necessariamente descapitalizados ainda, mas simplesmente sentados em cima do dinheiro, à espera de condições mais seguras. Todos os indicadores econômicos, com ou sem impeachment, já eram suficientemente ruins.

Ou seja, se o pedido de impeachment não vai piorar muito a situação econômica, eventualmente pode ser visto até como um viés de escape. Dilma demonstrou que não tem a capacidade de estabelecer uma mínima pauta comum entre o capital e os trabalhadores, como Lula fez (misturando um tanto de sorte com a conjuntura econômica internacional, e um bom tanto de intuição e carisma). Substituir Dilma o mais rapidamente possível passa a ser uma tentação.


Por que numa democracia mais estável os presidentes não são derrubados, por mais que a situação econômica piore? Porque têm uma legitimidade institucional. Dilma tem essa legitimidade? Em termos. Ela se elegeu com um apelo (isso em termos amenos; ou, em termos menos amenos, uma chantagem e um engodo) às pautas dos trabalhadores e outros desfavorecidos. Imediatamente montou um ministério e assumiu a política econômica com toda a agressividade “neoliberal” que atribuía ao adversário Aécio. Não é uma política irracional, de um ponto de vista econômico ortodoxo – o único problema é que se a política correta era essa, a presidente a aplicá-la não seria Dilma.

Há materialidade no pedido de impeachment? Há, ou não há, dependendo das interpretações. É razoável defender tanto que Dilma cometeu crime de irresponsabilidade quanto defender que não. O que turbina o pedido de impeachment que foi acolhido é que foi elaborado por dois juristas de saber e histórico inquestionáveis, Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior. Bicudo é um importante fundador do PT, um homem corajoso e de moral ilibada, e deixou o partido acusando a corrupção; Reale foi ministro de Fernando Henrique Cardoso – que tem sido alçado de volta à posição (justa ou injustamente) de reserva política e moral da nação. Assina também o pedido a jovem, simpática e ascendente jurista Janaina Paschoal. Ou seja, o pedido tem sim consistência. Seu sucesso depende das contingências políticas.

A saber, principalmente: quem substituiria Dilma. O vice-presidente Michel Temer está entusiasmado. Fez o PMDB produzir um documento de política econômica, que cumpriu suas duas tarefas: a) transmitir confiança ao capital; b) estabelecer diferenças claras com a inépcia econômica que o PT, particularmente na gestão Dilma, revelou. Temer é um operador político seguro, discreto, habilidoso e influente. Pode somar o aval da área política ao do capital, para fazer com alguma segurança a travessia até 2018.

O outro componente do tripé é o social. E, nessa frente, Dilma está em pleno processo de desgaste. Por que? Porque se descolou de Lula no que interessava não descolar – junto à esquerda e aos movimentos sociais, seu carisma e confiabilidade são baixos. E não se descolou de Lula no que interessava descolar – junto à direita e à população que tem uma certa demanda de “honestidade”, ela se parece com uma continuidade nas práticas de corrupção.

Essa impressão é exata? Não, não é. Todos os sinais são de que, até certo ponto, Dilma buscou moralizar áreas onde havia corrupção sistêmica. Um exemplo é a Petrobrás, onde Dilma e sua preposta Graça Foster atuaram para desmontar os esquemas de desvio, o que é reconhecido em mails internos da Odebrecht por exemplo. Mas isso acaba de pouco servindo para Dilma. Apesar de estar convencida de que não deve pagar por, digamos, certas “flexibilidades” de Lula no trato com a coisa pública (o que indicou em algumas falas), a imagem de Dilma, de Lula e do PT estão coladas o suficiente para que acusações a uns contaminem todos.

Essa exigência de moralidade do PT não se aplica ao PSDB e, menos ainda, ao PMDB. Por exemplo, se o PSBD conseguir se desligar um pouco do pré-candidato Aécio, e se o PMDB conseguir se livrar de Eduardo Cunha, com expulsão e prisão, se beneficiarão de um efeito de “limpeza” que ao PT não se aplica.

É justo? Não necessariamente – mas é um custo que o PT paga por ter se construído como polo moralizador das práticas políticas (promessa solene que frustrou tristemente). E não como uma frente com alguma consistência ideológica mas fragmentada entre várias personalidades, como o PSDB. Ou um grêmio totalmente disparatado de interesses, como o PMDB.

Ou seja, Dilma é dramaticamente mais inábil do que Lula – e o fato de também ser provavelmente menos picareta acaba por não beneficiá-la. Mais do que isso, Dilma parece colada ao arquétipo do “bode” – esse roteiro psíquico judaico-cristão que faz a expiação da culpa despencar sobre um inocente. Além disso, na prática Dilma herdou algumas situações sob Lula das quais não tinha autoridade ainda para se livrar, e que podem vir a assombrá-la, como a compra da refinaria de Pasadena (em que teve posição duvidosa, quando estava à frente do conselho da Petrobrás).

Dependendo do andamento das investigações que atinjam seu mentor Lula, atinjam Dilma diretamente, ou a outros petistas, a tendência é a presidente ficar sempre e irremediavelmente contaminada. Some-se a isso o fato é que, sob processo de impeachment, estará ainda mais fragilizada, e menos disposta a (ou mesmo menos capaz de) blindar Lula. A fissão pessoal, moral e política entre os dois, e seus respectivos grupos, tende a se agravar.

Pior, há um terceiro componente explosivo, que tem sido a (politicamente quase inexplicável) postura do presidente do PT, Rui Falcão. Quando era mais de se esperar que ele atuasse como bombeiro, ele se apresentou como incendiário. No episódio de Delcídio do Amaral, foi a nota de Falcão repudiando o senador petista que torpedeou a manobra em que o senado decidiria em votação secreta sobre a manutenção da prisão (e a votação seria favorável a Delcídio). Essa nota poderia passar por produto de desafeto pessoal, ou mesmo uma justa inconformidade com o fato de Delcídio estar atuando à margem do partido (mas é preciso sempre lembrar que o senador estava monitorando o candidato a delator Cerveró não só para si mesmo, mas também para Lula).

Só que ontem, na terça feira, Falcão manifestou-se contundentemente nas redes, dizendo que esperava que os três representantes do PT na comissão de ética votassem pela abertura do processo contra Cunha. Foi o empurrão fundamental para a decisão da bancada (contra a instrução do governo e de Lula) de se posicionar formalmente contra Cunha, e disparar o vingativo acolhimento, por ele, do pedido de impeachment.

Falcão obviamente não está “errado” nem em um caso nem em outro; tanto Delcídio quanto Cunha merecem o repúdio dos cidadãos sinceros. Mas o que o levou a radicalizar? Como eu disse, o governo já não vinha blindando muito o ex-presidente nas investigações, e agora a situação só piorará. Que conta Falcão está fazendo? Ele pode ter entendido que esse resgate da dignidade petista é a única alternativa para o partido sair vivo – ainda que minúsculo – lá adiante. Mas sem Dilma? E, pior, sem Lula? O PT deveria ter feito a opção pela dignidade lá atrás; agora foi meio tarde demais.

O próximo passo possivelmente será um recurso do PT ao Supremo, contestando o acolhimento do pedido de impeachment. Mas esse pode ser um banho frio para a moral petista. Certamente há no STF algumas posições colaboracionistas com o governo – mas, coletivamente, a corte não deve chamar para si a responsabilidade de remendar um bote tão esburacado quanto o de Dilma.

Afinal de contas, mesmo o andamento do processo (após ser examinado por uma comissão a ser oficializada nos próximos dias) não significa a derrubada de Dilma, mas a abertura de uma série de protocolos e rituais, ao longo dos quais a presidente pode e deve se defender. Não me parece que o STF faria uma intromissão para impedir esse andamento, mas sim deixar a batata quente com o próprio congresso. Tudo isso posto, e dado o múltiplo desgaste (econômico, político e social) que a gestão Dilma já sofria antes do impeachment, as possibilidades de deterioração das condições de sobrevivência política da presidente parecem bastante grandes.

A picaretagem e antipatia de Cunha não devem ser suficientes para barrá-las. Essa não é uma questão moral linear, por mais que assim o quisessem as simpatias petistas. Até porque é iminente a substituição dele na presidência da câmara – e também as investigações mais intensas contra o presidente do senado, Renan. Essa arrumada no tabuleiro político já se dará com Dilma (ainda mais) fragilizada, e com Lula quase inoperante.

Ou seja, desta vez a coisa está realmente feia para o petismo, por continências jurídicas, casuísticas e poéticas. Não é só Cunha seu inimigo de ocasião (na verdade a relação PT-Cunha é muito mais de complementaridade do que de oposição), mas a convergência de vários tipos de erros e percalços que podem produzir o naufrágio
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O futuro do Brasil


O Brasil é um país abençoado. Chega a ser difícil imaginar uma riqueza que não tenhamos em abundância. E elas nos foram dadas sobre um solo praticamente livre dos desastres naturais que infernizam a vida de outros países.

Mas nossa riqueza não é apenas material - é também humana. Temos um dos bons povos do planeta, reconhecidamente criativo, esforçado, afável e solidário.

Foi graças à combinação de todos estes fatores que nossos ancestrais conseguiram contornar ameaças as mais sérias, no mais das vezes fruto da cobiça de povos estrangeiros, entregando às gerações contemporâneas um país digno de orgulho, com uma capacidade inimaginável de crescimento.

Foi quando, em nossa era, iniciamos um processo de degradação lento, quase que imperceptível, mas progressivo e constante, do potencial de crescimento da tão bela Pátria que recebemos.

Nossos contemporâneos iniciaram este processo quando, ao longo de diversos governos, optaram pelo transporte rodoviário em um país de dimensões continentais - a propósito, desconheço no mundo país com extensão similar à nossa que tenha optado por rodovias em detrimento de ferrovias ou portos. Para piorar, esta matriz é fornecida por empresas estrangeiras.

Mas a bondade das gerações atuais para com o capitalismo estrangeiro não parou aí. Seguiu firme, promovendo uma segunda "abertura dos portos" - esta última, entretanto, de resultados calamitosos para um país que pretende se desenvolver.

Em verdade, o processo de desnacionalização da economia que se promoveu no nosso país, até onde pesquisei, não encontra paralelo no planeta!

Citarei um pequeno exemplo: há coisa de um ou dois anos planejou-se vender uma das maiores empresas privadas da França a um grupo norte-americano - um negócio absolutamente lícito. Mas eis que os Poderes constituídos daquele país, de forma aberta e frontal, anunciaram ser aquela empresa uma jóia do país, que não poderia ser vendida, e que tudo fariam para impedir o avanço das negociações. O resultado: a empresa continua francesa, e agora revitalizada.

Em nosso país o processo histórico contemporâneo foi diferente: nas últimas décadas incríveis 60% das empresas brasileiras negociadas foram parar nas mãos de estrangeiros.

Da indústria alimentícia à mineração, da comunicação à siderurgia, dos transportes à energia, o que o Brasil possuía de melhor foi vendido a grupos estrangeiros. Um país não pode se desenvolver verdadeiramente sob tais condições.

Em verdade, vejo sustentando nossa aparente pujança o remeter para fora, a preços aviltantes, riquezas as mais preciosas que temos, a maioria delas de natureza não-renovável. A conta desta cegueira já começará a ser paga pela próxima geração - no ritmo atual de extrativismo, que só aumenta a cada dia, daqui a 82 anos não teremos mais minério de ferro para exportar. Nosso níquel só durará mais 116 anos, o chumbo 96, o nióbio apenas mais 35 anos, o estanho 80, os diamantes 123 e o ouro míseros 43. Sim, o Brasil da Serra Pelada será importador de ouro daqui a mínimos 43 anos!

Dizem alguns que o Brasil cresceu nas últimas décadas. Fico a me perguntar, e vai aí uma grande pergunta, quem tem crescido verdadeiramente - se o Brasil, exportador cada vez maior de riquezas em sua maioria não-renováveis, ou se empresas aqui instaladas, com alguns poucos e evidentes reflexos positivos no nosso dia-a-dia e nas contas nacionais. Confesso não ter encontrado, ainda, resposta a esta pergunta...

Pedro Valls Feu Rosa

Brasil é um bêbado que bate na esposa na frente das visitas


Que o Brasil vai mal deve ser óbvio para qualquer pessoa que ousou sair de casa para comprar cigarro na esquina. Está aí mais uma crise, a pior das últimas décadas, que deverá se arrastar durante anos. Estamos caindo, rápida e progressivamente, num buraco sem fundo.

Agora que nos vemos no meio da queda, com o desempenho da economia que só não é pior do que países em guerra, sem dinheiro nem dignidade, talvez seja a hora de voltarmos para aquelas antigas promessas - entre elas a mais repetida de todas “O Brasil é o país do futuro”.

Todas as promessas - e agora isso fica bastante evidente - eram falsas. Não chegaram a durar nada dentro de nós. Quem caiu nessa acabou com a mandíbula deslocada e sem os incisivos. Mas românticos que somos, nunca conseguimos nos livrar de todo dessas ilusões tão brasileiras e trigueiras, e vivemos repetindo para nós mesmos mentalmente “agora vai!”.

Acreditamos naquilo que nunca foi motivo para merecer crédito nenhum. Deixamo-nos seduzir por bestalhões desonestos, por ideais sórdidos. E não há a menor razão para acreditarmos em qualquer outra alternativa proposta pelos mágicos em voga. Não estou me lembrado de nenhum outro povo, neste vasto continente, que tenha dado tanto crédito àquilo que era intrinsecamente abominável como nós fizemos no passado e faremos para sempre.

A quem queremos enganar?

O Brasil é um homem bêbado e descamisado que bate na esposa na frente das visitas. O homem não consegue se manter no emprego. Ele é violento, pega dinheiro emprestado e nunca devolve. E acumula aquela barriga inchada de obstrução intestinal. Não temos motivo algum para acreditar nesse homem bêbado e descamisado que bate na gente. E, no entanto, sempre damos um novo voto de confiança a ele.

O que me intriga é como podemos acreditar, depois de tudo, nesse homem que nos deixou hematomas pelo corpo inteiro, e como chegamos a nos compadecer quando ele apareceu com flores e um pedido de desculpa, dizendo que dessa vez seria tudo diferente?

O brasileiro médio, coitado, tem a devoção de uma mãe de presidiário que visita o filho em cidade distante, a cada quinze dias, levando revistinhas Coquetel e bolo de laranja. Por que nos sujeitamos a uma vocação tão baldada e cansativa? De onde vem essa devoção do brasileiro pelo país?

Confesso que sempre sinto uma espécie de horror quando chego em casa e encontro esse homem descamisado sentado no meu sofá, tirando sujeira do umbigo enquanto derruba cerveja no estofado. No fundo eu sei - todos nós sabemos que não demorará muito até ele encher a cara e apanharmos outra vez. E sabemos que não prestaremos queixa na delegacia no dia em que isso acontecer. Pior, nos sentiremos ofendidíssimos quando entreouvirmos alguém falando mal dele.

Vazio

A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente as casas,
Os bondes, os automóveis, as pessoas,
Os fios telegráficos estendidos,
No céu os anúncios luminosos.

A poesia fugiu do mundo.
O amor fugiu do mundo —
Restam somente os homens,
Pequeninos, apressados, egoístas e inúteis.
Resta a vida que é preciso viver.
Resta a volúpia que é preciso matar.
Resta a necessidade de poesia, que é preciso contentar.
Augusto Frederico Schmidt

Em clima de desespero, Lula, Dilma e o PT não sabem o que fazer

O Natal e o Ano Novo não parecem promissores para o Planalto, o Instituto Lula e o PT. O clima é de desespero, porque não costumam planejar nada, preferem empurrar os problemas com a barriga, o que explica a despreocupação com a crise econômico-financeira, que a cada dia se agrava, levando o país à ruína. E não aparecem um assessor inteligente para lhes advertir? “É a economia, estúpidos!”. O fato é que ninguém sabe o que fazer, estão atônitos, inertes, abúlicos.

No Planalto, desorientação absoluta. Sem saber como se portar, a presidente Dilma Rousseff fica a se comparar com o deputado Eduardo Cunha, jactando-se de não ter contas na Suíça nem ter escondido patrimônio ao fazer declaração de renda. Esquece que a fila andou, o assunto não é mais o presidente da Câmara, agora ela é que está no centro dos acontecimentos e precisa provar inocência, não adianta alardear ser honesta, isso é obrigação de toda pessoa de bem.

Os ministros mais próximos, do chamado núcleo duro, estão em pânico. Todos eles possuem uma característica em comum — não disputaram eleição em 2010 e não têm mandato, se Dilma sofrer impeachment, estarão desempregados. É o caso de Jaques Wagner, Aloizio Mercadante, Edinho Silva, Ricardo Berzoini, Miguel Rossetto, José Eduardo Cardozo e Aldo Rebelo, que jamais pensaram que o espetáculo chegasse a um final tenebroso. Agora, não sabem o que dizer para defender o mandato da presidente, ninguém lhes dá instruções.

Todos podem ficar desempregados. Quem está melhor de vida é Wagner, depois de oito anos de governador na Bahia. Antes de sair, a Assembleia o homenageou com uma pensão vitalícia, ele já havia arranjado um belíssimo emprego no Tribunal de Justiça para a mulher, Fátima Mendonça, o que não lhes falta é dinheiro.

Mercadante também não tem problema. É amigo íntimo de Henrique Meirelles, com quem trabalhou no Banco de Boston. Aliás, foi Mercadante que apresentou Meirelles a Lula em 2002. Assim, se Dilma desmoronar, o ministro pode ser acolhido por Meirelles no grupo Friboi. Os outros ministros, porém, certamente terão problemas.

Quanto a Lula, está mais perdido do que cego em tiroteio. Sonha em liderar uma frente de governadores e já conseguiu o apoio de oito deles. Na quinta-feira, foi ao Rio pedir a Pezão que lidere este movimento, mas acontece que o governador do Estado do Rio não tem condições de liderar nem ele mesmo. É uma espécie de passageiro da agonia, que herdou de Sérgio Cabral um caos em movimento.

Além disso, a desorganização do Planalto é tamanha que nem havia recursos preparados para apresentar ao Supremo. Os três que foram apresentados foram iniciativas isoladas do PCdoB, de um jovem deputado deste partido, que se elegeu nas abas do governador Flávio Dino, e de três deputados petistas, que anunciaram que iam defender a tese de que Cunha estava impedido de aceitar pedido de impeachment, mas na hora H mudaram a argumentação e alegaram que o pedido não podia prosperar porque tinha sido uma vingança de Cunha, vejam que argumento jurídico mal-ajambrado, como se dizia antigamente.

Os três recursos são muito fracos, dois já foram detonados, só falta o do PCdoB, questionando a validade da Lei 1.079/50, que regulamentou as normas de processo e julgamento do impeachment. Para não dizer que o Planalto não planejou nada, a exceção é justamente este mandado de segurança de 70 páginas que o PT apresentou. Foi adredemente preparado, já estava pronto quando Eduardo Cunha detonou no processo.

A argumentação pode ser longa, mas é ridícula, porque a lei 1.079/50 está em vigor e já foi usada três vezes — no impeachment de Collor, logo depois na malograda tentativa que o então deputado Jaques Wagner (PT-BA) fez para afastar o presidente Itamar Franco, e também quando o deputado José Dirceu (PT-SP) pediu o impeachment do presidente FHC.

Parece que agora o objetivo verdadeiro é tumultuar o processo do impeachment, e isso logo se saberá.

Resumindo: todo este imbroglio demonstra que a desorientação realmente se tornou marca registrada da presidente Dilma e agora pode levá-la à derrocada final.

A rua e o mandato de Dilma

Numa conta de hoje, é provável que a doutora Dilma tenha os 172 votos de deputados necessários para bloquear sua deposição. Com gente na rua pedindo que ela vá embora, a conta será outra. O sonho de Eduardo Cunha é que milhões de pessoas ocupem as avenidas e se esqueçam dele. Essa hipótese é improvável. Se é para sair de casa, tirar Dilma pode ser pouco. Deveriam ir embora ela, ele, e uma lista interminável de maganos arrolados na Lava-Jato. Tirá-la para colocar Michel Temer no lugar pode ser um imperativo constitucional, mas está longe de ser uma vontade popular.


A doutora fez uma campanha mentirosa, seu primeiro ano de governo mostrou-se ruinoso, e ela se comporta como os dirigentes da crise geriátrica do regime soviético. Sua neutralidade antipática à Lava-Jato (“não respeito delator”) mostra que não entendeu o país que governa. A economia br piorar.

Ao contrário do que sucedeu com Fernando Collor em 1992, Dilma tem gente disposta a ir para a rua em sua defesa. Essa diferença pode levar uma questão constitucional para choques de rua. Má ideia.

Como na peça de Oduvaldo Vianna Filho, o brasileiro está numa situação em que “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Em março de 1985, o país ficou numa posição semelhante. Foi dormir esperando a posse de Tancredo Neves e acordou com José Sarney na Presidência. Seu governo, marcado pela sombra da ilegitimidade, foi politicamente tolerante e economicamente ruinoso.

Naqueles dias surgiu uma ideia excêntrica: a convocação imediata pelo Congresso de eleições diretas para a Presidência. Deu em nada e foi considerada golpista. Passaram-se 30 anos, e, pelo retrovisor, pode ser reavaliada como peça arqueológica.

Talvez seja o caso de se pensar numa nova excentricidade: Dilma e Temer saem da frente, e, de acordo com a Constituição, realizam-se novas eleições no ano que vem. Se eles quiserem, podem se candidatar.

Elio Gaspari 

Quem não se comunica, se...

Se ferra. Se trumbica. Se estrumbica. Dá com a cara na parede. Tem de sair por aí depois apagando a lousa, revogando as ordens, desistindo de suas próprias decisões antes irrevogáveis. Nossos políticos, os próprios exemplos de trumbicados, comprovam com louvor a teoria do Velho Guerreiro. Alopram. Quem quer um abacaxi? Roda, roda, roda e avisa: um minuto pros comerciais!
Há algum tempo quero falar um pouco sobre a área na qual trabalho, de comunicação, de imprensa. Expor e questionar o que está acontecendo no mercado, a forma como a informação está sendo filtrada para os seus olhos e ouvidos, contar até de como está raro achar um personagem que esteja se defendendo porque teria uma reputação a zelar, um mínimo de vergonha na cara.

Repara. De uns tempos para cá virou moda: quem responde à imprensa é quase sempre o advogado do acusado, na vitrine, e que passa a ter visibilidade; afinal, muitos falam na porta das cadeias onde estão trancados os seu defendidos. Só que advogados advogam, não são obrigatoriamente bons comunicadores, por mais competentes que sejam em suas áreas, por melhores que sejam suas defesas diante de juízes, desembargadores e júris. Sua linguagem é outra, esse é o problema quando as ouvimos. A linguagem que usam é técnica, específica da profissão, estão sempre numa atitude meio defensiva, protegendo a linha da cintura de seus clientes. Nós estamos aqui fora, esperando não a redução de penas, mas explicações sobre o que aconteceu.
Não é questão de certo ou errado. Mas é o que torna possível perceber – e é horrível isso -que querem que a opinião pública se esgoele; fatalmente se cansará da questão, substituída por outra gritaria, por outro assunto. A opinião pública é utilizada para fazer pressão, quando interessa – autorizam até entrevista dos clientes ao Fantástico. Quando essa pressão é contra, aí não há por que satisfazer ao seu apetite – e servem ao público as falas de suas defesas, repetitivas, monocórdicas (pois o texto já foi encaminhado aos magistrados, não pode variar), às vezes até desconectadas da realidade mínima dos fatos.

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Mas o que acelerou mesmo o tema foi esse caso de São Paulo com os garotos que ocuparam as ruas para protestar contra o que eles nem bem sabiam bem o que é, mas não gostaram. Não gostaram e pronto. Porque o que chegou é que fato x ia mexer muito com a rotina. Não houve da parte do governo Alckmin e nem do secretário com cara rude o cuidado de antes preparar o terreno para plantar a ideia. Aí ficou até engraçado porque a ideia de que ele desistiu antes que aparecesse um garoto morto ou machucado parece que era boa, defensável – todo mundo que tem filhos e que eu perguntei, achou legal, falou bem, gostou. Só que saber ou ver que a polícia estava dando umas bifas nos jovens não foi legal. Eu também não ia gostar de imaginar meus filhos sendo educados a cassetetes e bombas de gás. Assim, passou-se quase um mês só de bate-boca, prejuízos, invasão de escolas, quebra-quebra, ruas ocupadas e bloqueadas. Os meninos estavam tendo ali a sua primeira incursão no maléfico mundo da política, no caso representada pelos sindicatos instigando a rebeldia juvenil. Deixa. Assim aprendem, como alguns de nós que estivemos em outros lados, e que também um dia já acreditamos até num certo líder metalúrgico.

A presidente Dilma é outro exemplo de quem despreza a comunicação ou está cercada por não entendedores. Ou, ainda, é uma que só de birra não quer escutar, faz o que quer, contraria conselhos – como aquele que diz que em boca fechada não entra mosquito, ou outro, que quanto mais fala, mais se enrola, ou um terceiro: quem fala demais dá bom-dia a cavalo.

Só que o mosquito do momento, que prolifera junto com o abandono cívico, não entra na boca. Pica. E suas patinhas-agulha estão transmitindo males que não esqueceremos tão cedo, porque essas crianças de cérebro pequeno vão sobreviver e a imagem delas irá nos atormentar ainda mais lembrando dessa época agora, com esse grito parado no ar, momento que não anda nem desanda, nem sai de cima. E as explicações, quem irá dá-las? Quem vai contar por que aquele mosquito que Oswaldo Cruz eliminou do Brasil há um século hoje zomba de nossos Governos?

Se a boca é feita para falar como se diz, não há porque ficarmos quietos com o silêncio deles em suas manobras.

Boca de siri! Não os deixe perceber que o povo já os viu sendo pegos com a boca na botija. Enquanto isso, tempo que esperamos explicações, a gente vai continuar botando a boca no trombone. Quem não fala, consente.