quinta-feira, 24 de agosto de 2017
Feijoada partidária
Alterar sistema de governo, fórmula eleitoral e financiamento de campanha, tudo ao mesmo tempo agora, não é jeito de aprimorar nada. É dissimulação: propõe-se o conserto do que não está quebrado enquanto decide-se o que importa em noitadas no Jaburu. Para privilegiar os legisladores em causa própria, tenta-se ludibriar o público com expressões desenhadas para vender carro usado como seminovo. Parlamentarismo vira semipresidencialismo.
A manobra é necessária porque os compradores rejeitaram por duas vezes a mercadoria com seu nome original, em 1963 e 1993. Derrotados na urna, os vendedores costumam culpar o cliente, que seria incapaz de alcançar a novidade de uma ideia tão velha quanto a presença no poder da família de um dos patrocinadores da proposta. O clã ocupa o plenário do Congresso desde quando Dom Pedro não era estátua, mas criança. Tutela é com eles.
O que está quebrado no sistema político brasileiro são os partidos: a facilidade com que podem ser criados, as muitas regalias que proporcionam, o obscurantismo de suas prestações de contas, o absolutismo de seus morubixabas e a falta de diversidade de suas estruturas. Não à toa, são as instituições mais mal vistas entre todas as avaliadas pela opinião pública.
É difícil serem mais autocráticos e incentivarem menos a participação dos filiados. Não fazem prévias para escolher candidatos – o cacicado federal decide quem vai aparecer na urna, quem vai receber dinheiro e não tem discussão. Mas não fica nisso. Intervém nos diretórios locais ao menor sinal de insubordinação e eterniza comissões provisórias para garantir que não haja chance de oposição interna. Os partidos têm donos.
Por conta disso, têm também a representatividade de um convescote familiar. O poder é herdado e muitos dos herdeiros vivem de alugá-lo. Se não é possível interferir na propriedade privada, pode-se ao menos tentar controlar as regras da locação partidária. Proibir coligações entre partidos nas eleições para deputado e vereador seria uma revolução em prestações.
Sem poder pegar carona na votação das maiores siglas, os candidatos dos partidos nanicos teriam dificuldade de atingir o mínimo de votos para se elegerem. Deputados e vereadores relutariam em trocar a legenda que os elegeu por um micropartido onde teriam mais regalias. O benefício não compensaria o risco.
Como resultado, a cada eleição diminuiria o número de partidos com representação na Câmara dos Deputados e nas Assembleias – em vez de aumentar. É o que mostram todas as simulações sobre o que teria ocorrido se a regra tivesse vigorado em pleitos passados.
Com menos partidos, os restantes seriam necessariamente maiores e, por tabela, mais heterogêneos. A disputa interna pelo poder seria mais acirrada. Ter inserção social seria uma necessidade.
Tão ou mais importante, as negociações do Legislativo com o Executivo seriam no atacado, não mais no varejo. Como a soma das partes é sempre maior do que o todo, por menos republicanos que fossem, elas sairiam, ainda assim, mais barato do que saem hoje. Revertendo o curso atual, o sistema tenderia à estabilidade. Bastaria cumprir as regras em vez de reinventá-las só porque perdeu-se algumas eleições.
O que há de corrupção no jeitinho brasileiro?
A crise fez muitos brasileiros questionarem o que há de corrupção em seu próprio dia a dia – se políticos e empresários envolvidos em escândalos estariam apenas repetindo, em maior escala, aquilo que já seria parte do cotidiano. Em discussão, o chamado "jeitinho", termo amplo que pode ser entendido positiva ou negativamente, e que, para alguns, é terreno fértil para a corrupção sistêmica.
Mas, para pesquisadores ouvidos pela DW Brasil, esta correlação precisa ser analisada com cautela, e é difícil determinar uma relação de causa e efeito. Enquanto para uns o jeitinho pode estar intimamente ligado à corrupção em larga escala, outros contestam o termo até como algo exclusivamente brasileiro.
O historiador Sidney Chalhoub, da Universidade de Harvard, destaca a origem histórica do jeitinho, ligada à formação escravista da sociedade brasileira, numa época em que a única maneira de se conseguir algo era pedindo favores aos senhores de terra e escravos. Essa prática, em vez de desaparecer, perdurou e combinou-se com outras lógicas.
"O jeitinho e o favor estão no centro de como a corrupção se tornou sistêmica no país”, avalia Chalhoub. O historiador pondera, porém, a existência de leis e regulamentos impossíveis de serem cumpridos no Brasil. Nestes casos, o jeitinho seria uma questão de sobrevivência, por exemplo, para a grande parte da parcela da população que trabalha no mercado informal.
"Pessoas em situações de subordinação e dependência não têm alternativa para lidar às vezes com regras absurdas, por isso, tendo a reservar uma tolerância ao jeitinho para os oprimidos, que não criaram o sistema que os submete à necessidade de sobreviver nessa condição. Para empreiteiros, governos e juízes, o jeitinho não tem desculpa", opina.
O antropólogo Roberto DaMatta ressalta as inúmeras definições do jeitinho, que podem ser percebidas de maneira positiva ou negativa, dependendo da situação em que se inserem. "Esse lado negativo pode, porém, ser estendido tanto até se tornar corrupção”, acrescenta o professor da PUC do Rio de Janeiro.
Por essa diversidade, Da Matta afirma que é importante fazer uma distinção entre os inúmeros casos. "O jeitinho tem um espectro que vai de uma simpatia humana, que se reconhece no outro e abre uma exceção para esse outro em virtude de uma emergência ou condições de vida, a até arranjos de contratos especiais superfaturados de obras públicas concedidos para amigos e parentes, com objetivo de dividir lucros, o que é corrupção”, diz.
Para DaMatta, o grande problema é a aplicação jeitinho em situações e projetos que deveriam ser abordados com impessoalidade. "A corrupção ocorre quando a ética da família e das relações pessoais, visando obviamente o lucro de ambos, interfere em cargos que não deveriam ser dados por meio de simpatias, mas sim por mérito e competência”, acrescenta.
Já o sociólogo Sérgio Costa contesta o jeitinho como característica própria da sociedade brasileira. Para o pesquisador do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim, a interpretação e negociação de normas existentes ocorre em qualquer sociedade moderna, inclusive na Alemanha.
"As normas – sejam aquelas inscritas nos códigos sociais, sejam as definidas no corpo legal vigente – servem de orientação geral, mas só ganham concretude e efetividade quando são interpretadas e negociadas nas relações concretas”, argumenta.
Costa ressalta que a corrupção é diferente do jeitinho ao visar troca de vantagens e facilidades para a obtenção de benefícios próprios. Se por um lado a negociação de normas fortalece a coesão e solidariedade, avalia, a corrupção é nociva aos laços sociais por representar uma quebra de confiança.
"Não me parece que o jeitinho seja o pai da corrupção sistêmica. Enquanto o primeiro faz parte das relações interpessoais cotidianas e torna as normas algo experenciado e vivido, a corrupção tem lugar na interface entre política e economia e visa não negociar, mas violar as normas para distribuir recursos públicos, indevidamente, a atores privados”, conclui Costa.
O pesquisador Mads Damgaard, da Universidade de Copenhagen, também rejeita a relação entre jeitinho e corrupção. "Essa conexão é superficial e nociva, pois projeta uma imagem ou uma identidade de uma nação perpetuamente atolada na política de coronéis e no nepotismo. Essa percepção reprime mudanças sociais, induz a apatia e justifica casos de corrupção sistêmica e individual ao propor uma explicação cultural falha”, opina.
O especialista em estudos interculturais argumenta que o jeitinho categoriza várias situações diferentes, como flexibilidade de interpretação de normas sociais, transgressão de regras ou ainda a troca de favores pessoais e, por isso, não está convencido da utilidade de rotular ações com esse estereótipo, como percebe o termo.
"Estereótipos têm poderes enormes. No caso do jeitinho, ele funciona como desculpa, explicação e exceção, tudo ao mesmo tempo. Na minha opinião, questões de rede, laços fortes ou fracos, burocracia e discurso moral se confundem e se tornam confusas com essa rotulagem”, acrescenta Damgaard.
Para Bruno Brandão, da ONG Transparência Internacional, o jeitinho, ao mesmo tempo que abre espaço para atos de corrupção e a sua tolerância, é também uma maneira que pessoas encontram para sobreviver e superar obstáculos impostos por leis e instituições complexas e disfuncionais. Neste contexto, afirma, pode ser um elemento que estimula a criatividade.
O representante no Brasil da ONG especializada no combate à corrupção ressalta, no entanto, que é importante refletir sobre a relação entre jeitinho e corrupção, mas esse comportamento não deve ser resumido ao ato ilegal. O debate é fundamental para promover mudanças de práticas que abrem espaço para a corrupção.
"É preciso melhorar as nossas instituições para que elas imponham menos desafios e favoreçam um sistema de ordem, paz social e certezas, ao invés de incertezas, para que o cidadão brasileiro não tenha que se armar de jeitinhos para conduzir sua vida”, comenta Brandão.
Mas, para pesquisadores ouvidos pela DW Brasil, esta correlação precisa ser analisada com cautela, e é difícil determinar uma relação de causa e efeito. Enquanto para uns o jeitinho pode estar intimamente ligado à corrupção em larga escala, outros contestam o termo até como algo exclusivamente brasileiro.
O historiador Sidney Chalhoub, da Universidade de Harvard, destaca a origem histórica do jeitinho, ligada à formação escravista da sociedade brasileira, numa época em que a única maneira de se conseguir algo era pedindo favores aos senhores de terra e escravos. Essa prática, em vez de desaparecer, perdurou e combinou-se com outras lógicas.
"O jeitinho e o favor estão no centro de como a corrupção se tornou sistêmica no país”, avalia Chalhoub. O historiador pondera, porém, a existência de leis e regulamentos impossíveis de serem cumpridos no Brasil. Nestes casos, o jeitinho seria uma questão de sobrevivência, por exemplo, para a grande parte da parcela da população que trabalha no mercado informal.
"Pessoas em situações de subordinação e dependência não têm alternativa para lidar às vezes com regras absurdas, por isso, tendo a reservar uma tolerância ao jeitinho para os oprimidos, que não criaram o sistema que os submete à necessidade de sobreviver nessa condição. Para empreiteiros, governos e juízes, o jeitinho não tem desculpa", opina.
O antropólogo Roberto DaMatta ressalta as inúmeras definições do jeitinho, que podem ser percebidas de maneira positiva ou negativa, dependendo da situação em que se inserem. "Esse lado negativo pode, porém, ser estendido tanto até se tornar corrupção”, acrescenta o professor da PUC do Rio de Janeiro.
Por essa diversidade, Da Matta afirma que é importante fazer uma distinção entre os inúmeros casos. "O jeitinho tem um espectro que vai de uma simpatia humana, que se reconhece no outro e abre uma exceção para esse outro em virtude de uma emergência ou condições de vida, a até arranjos de contratos especiais superfaturados de obras públicas concedidos para amigos e parentes, com objetivo de dividir lucros, o que é corrupção”, diz.
Para DaMatta, o grande problema é a aplicação jeitinho em situações e projetos que deveriam ser abordados com impessoalidade. "A corrupção ocorre quando a ética da família e das relações pessoais, visando obviamente o lucro de ambos, interfere em cargos que não deveriam ser dados por meio de simpatias, mas sim por mérito e competência”, acrescenta.
Já o sociólogo Sérgio Costa contesta o jeitinho como característica própria da sociedade brasileira. Para o pesquisador do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim, a interpretação e negociação de normas existentes ocorre em qualquer sociedade moderna, inclusive na Alemanha.
"As normas – sejam aquelas inscritas nos códigos sociais, sejam as definidas no corpo legal vigente – servem de orientação geral, mas só ganham concretude e efetividade quando são interpretadas e negociadas nas relações concretas”, argumenta.
Costa ressalta que a corrupção é diferente do jeitinho ao visar troca de vantagens e facilidades para a obtenção de benefícios próprios. Se por um lado a negociação de normas fortalece a coesão e solidariedade, avalia, a corrupção é nociva aos laços sociais por representar uma quebra de confiança.
"Não me parece que o jeitinho seja o pai da corrupção sistêmica. Enquanto o primeiro faz parte das relações interpessoais cotidianas e torna as normas algo experenciado e vivido, a corrupção tem lugar na interface entre política e economia e visa não negociar, mas violar as normas para distribuir recursos públicos, indevidamente, a atores privados”, conclui Costa.
O pesquisador Mads Damgaard, da Universidade de Copenhagen, também rejeita a relação entre jeitinho e corrupção. "Essa conexão é superficial e nociva, pois projeta uma imagem ou uma identidade de uma nação perpetuamente atolada na política de coronéis e no nepotismo. Essa percepção reprime mudanças sociais, induz a apatia e justifica casos de corrupção sistêmica e individual ao propor uma explicação cultural falha”, opina.
O especialista em estudos interculturais argumenta que o jeitinho categoriza várias situações diferentes, como flexibilidade de interpretação de normas sociais, transgressão de regras ou ainda a troca de favores pessoais e, por isso, não está convencido da utilidade de rotular ações com esse estereótipo, como percebe o termo.
"Estereótipos têm poderes enormes. No caso do jeitinho, ele funciona como desculpa, explicação e exceção, tudo ao mesmo tempo. Na minha opinião, questões de rede, laços fortes ou fracos, burocracia e discurso moral se confundem e se tornam confusas com essa rotulagem”, acrescenta Damgaard.
Para Bruno Brandão, da ONG Transparência Internacional, o jeitinho, ao mesmo tempo que abre espaço para atos de corrupção e a sua tolerância, é também uma maneira que pessoas encontram para sobreviver e superar obstáculos impostos por leis e instituições complexas e disfuncionais. Neste contexto, afirma, pode ser um elemento que estimula a criatividade.
O representante no Brasil da ONG especializada no combate à corrupção ressalta, no entanto, que é importante refletir sobre a relação entre jeitinho e corrupção, mas esse comportamento não deve ser resumido ao ato ilegal. O debate é fundamental para promover mudanças de práticas que abrem espaço para a corrupção.
"É preciso melhorar as nossas instituições para que elas imponham menos desafios e favoreçam um sistema de ordem, paz social e certezas, ao invés de incertezas, para que o cidadão brasileiro não tenha que se armar de jeitinhos para conduzir sua vida”, comenta Brandão.
DeustcheWelle
Precisamos encurtar a distância quilométrica entre eleitor e eleito
Padeço de doença crônica, provocada pelo vírus da esperança. Por isso, não arredo o pé dela um milímetro. Confio em dias melhores, mas consciente de que eles jamais virão de graça. Têm que ser conquistados. Nosso Congresso não difere muito dos que existem no mundo. Adoto, também, esta lição quando encaro o mundo e, sobretudo, os seres humanos: em primeiro lugar, aceito-os em sua diversidade; em segundo, tento compreendê-los; em terceiro, quando erram, apresento-lhes o perdão mútuo. Mas não está fácil agir assim com os políticos...
Claro que, na realidade, ao insistir comigo mesmo, minimamente, na prática do que estou dizendo, concentro-me em mim e em minhas crenças. Não é à toa que tento transmitir aos que me são caros (família, amigos etc.) esta preciosa lição: sonhem sempre e tentem ser honestos, nem que seja por esperteza. A honestidade não só é possível, como nos proporciona um futuro seguro. O sonho é nossa indestrutível morada. Matá-lo seria o maior de todos os homicídios. E quem o diz, com outras palavras, é o poeta Fernando Pessoa: “Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso”.
O que digo aqui (reconheço, leitor), não passa de exercício de fé. A fé, qualquer delas, tem que ser exercitada. O mesmo acontece com a virtude. Ninguém se torna próximo dela se não a pratica em seu dia a dia. E isso, eu sei, não é, nunca foi, nem jamais será fácil.
Nada disso que estou a dizer até agora visita, em sua maioria, as cabeças de nossos representantes no Congresso Nacional. O que lhes interessa mesmo é sua sobrevivência no dia seguinte. A expressão “bem comum” não tem qualquer sentido. Utilizam-na, vez por outra, demagogicamente, em peças de propaganda. Por isso, não estão nem aí para a mãe de todas as reformas – a política. Ao contrário: querem-na do jeitinho que sempre foi.
E tudo isso por culpa só deles?
Já se divulgou, mas não resisto à repetição, o que declararam dois deputados na semana que passou sobre a indispensável (e adequada) reforma política. O primeiro deles, Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), foi muitíssimo claro quando afirmou que “a reforma política só está sendo feita por causa do financiamento. Foi por isso que começamos a discutir sistema eleitoral, voto em lista, distritão. Agora, tudo é para aprovar o fundo porque, sem ele, não tem dinheiro”.
Já o relator da reforma política, deputado Vicente Cândido (PT-SP), reconheceu, publicamente, que “aprovar uma reforma política para o ano seguinte é impossível porque o povo aqui (referindo-se ao Congresso) faz de tudo, menos passar a faca no próprio pescoço”.
Interessa pouco o arremedo de reforma política que vier. A imbatível arma do eleitor continuará em suas mãos – o voto livre e direto. Usemo-lo no ano que vem para transformarmos a cara deste país.
Nossa vez está chegando, leitor.
O círculo vicioso desonesto
Não estamos em condições de nos salvar a nós próprios, sobre isso não restam dúvidas. Falamos em democracia, mas ela é apenas a expressão política para um estado de espírito caracterizado pelo "Pode ser assim, mas também de outro modo". Vivemos na época do boletim de voto. Até votamos todos os anos no nosso ideal sexual, a rainha da beleza, e o fato de termos transformado a ciência no nosso ideal intelectual não significa mais do que pôr na mão dos chamados fatos um boletim de voto, para que eles escolham por nós.
Este tempo é antifilosófico e cobarde: não tem coragem para decidir o que tem ou não tem valor, e a democracia, reduzida à sua expressão mais simples, significa: Fazer aquilo que acontece! Diga-se de passagem que é um dos mais desonestos círculos viciosos que alguma vez existiu na história da nossa raçaRobert Musil (1880 - 1942)
A Eletrobras é de quem mesmo?
O anúncio da privatização da Eletrobras foi recebido com fortes aplausos nos meios econômicos — o governo Temer cantou vitória — mas imediatamente apareceram as ressalvas políticas. Em Minas, líderes partidários, de todas as filiações, apoiam a desestatização desde que seja excluída Furnas, uma das subsidiárias da grande estatal. Já no Nordeste, o pessoal topa vender tudo, menos a Chesf. Ao Norte, os políticos querem reter no sistema estatal a Eletronorte.
Essas três subsidiárias reúnem 40 usinas geradoras de energia — as principais e maiores do sistema Eletrobras, tais como Santo Antônio (Furnas), Tucuruí (Eletronorte) e Belo Monte e Jirau (Chesf). Ou seja, se prevalecerem as restrições políticas, sobrará para privatização apenas a enorme dívida da Eletrobras.
Ora, quem comprará um passivo sem ativos? — perguntaria um ingênuo observador da cena brasileira.
Fácil, algum banco público, que tal o BNDES?
Não é brincadeira.
Vejam o caso da Cemig — que pertence ao governo de Minas e resistiu a todas as ondas de privatização até aqui. Há uma pendência entre os governos federal e mineiro sobre a propriedade de quatro usinas — mais uma das confusões originadas pela MP 579, aquela emitida pela então presidente Dilma em setembro de 2012.
O governo federal quer privatizar as quatro usinas e a equipe econômica já conta com uns R$ 10 bilhões para fechar as contas. Já a política de Minas, liderada pelo senador tucano Aécio Neves, neste caso em sólida união com o governador petista Fernando Pimentel, queria, primeiro, ficar com as usinas sem pagar nada. Agora, topa pagar um preço acertado, algo em torno dos R$ 6 bilhões, sem leilão, sem competição.
Mas a Cemig não tem dinheiro para isso, alegaram, também ingenuamente, os técnicos do setor elétrico. Mas o BNDES tem, respondem os políticos mineiros.
Resumindo, Minas quer comprar usinas federais com dinheiro federal.
Qual o argumento para essa restrição à privatização?
Da boca para fora, só um: Cemig e Furnas fazem parte da história, são patrimônio dos mineiros, assim como Chesf é história e patrimônio do Nordeste etc.
Outro ingênuo diria: se é patrimônio de Minas, então por que os mineiros não assumem as dívidas daquelas duas empresas, aliviando os bolsos dos contribuintes nacionais sempre chamados a pagar com impostos os buracos das estatais? Valeria também para os que se julgam donos da Chesf e Eletronorte — e assim por diante.
Mas chega de bobagem. Nem os estados têm esse dinheiro, nem os políticos estão interessados em assumir estatais enroscadas em dívidas.
O que eles querem é outra coisa. Querem ter controle sobre as empresas, e isso significa: indicar diretores e nomes para um monte de cargos espalhados por vários estados; escolher fornecedores; encaminhar contratos; e, claro, conseguir apoio de toda essa gente, dos lados público e privado, nas campanhas eleitorais.
Isso, sim, é história. O governo FHC (1995/2002) aplicou um imenso programa de privatização, mas não conseguiu tocar em Furnas, Chesf etc. O então presidente não conseguiu nem nomear diretores que queria para a Eletrobras. Havia intocáveis, conta, apoiados pelo conjunto dos partidos.
E assim segue, quer dizer, não segue. O PSDB apoia a tese da privatização. Mas o partido em Minas sustenta que Furnas e Cemig são casos diferentes. O DEM é privatista, mas não com a Chesf.
Foi essa cultura e essa história que trouxeram a esta situação: a Eletrobras tem em caixa R$ 8,9 bilhões e uma dívida de R$ 47,3 bilhões. Não é que falte dinheiro para investimentos. Falta para pagar credores. Só para a Petrobras, a Eletrobras deve R$ 16 bilhões. Comprou gás e não pagou.
É verdade que a parte final deste desarranjo se deve totalmente à ex-presidente Dilma. Mas ela não teria conseguido a proeza de bagunçar tudo e espalhar prejuízos se o sistema não fosse estatizado e inteiramente controlado politicamente. Bastou a ela tomar e/ou compartilhar a estatal com os políticos antigos (Sarney, Barbalho etc.) que a dominavam.
E teve a corrupção exposta pela Lava-Jato. Se faltava alguma coisa para condenar esse capitalismo de Estado, não falta mais. A privatização é o melhor caminho. Diria, o único caminho para ganhar produtividade.
Pena que tenha sido necessário passar por essa destruição de patrimônio público para chegar a uma ideia obvia. E é inacreditável que haja políticos lutando pelo que consideram o seu patrimônio, empurrando a dívida para os contribuintes.
Carlos Alberto Sardenberg
Essas três subsidiárias reúnem 40 usinas geradoras de energia — as principais e maiores do sistema Eletrobras, tais como Santo Antônio (Furnas), Tucuruí (Eletronorte) e Belo Monte e Jirau (Chesf). Ou seja, se prevalecerem as restrições políticas, sobrará para privatização apenas a enorme dívida da Eletrobras.
Ora, quem comprará um passivo sem ativos? — perguntaria um ingênuo observador da cena brasileira.
Fácil, algum banco público, que tal o BNDES?
Não é brincadeira.
Vejam o caso da Cemig — que pertence ao governo de Minas e resistiu a todas as ondas de privatização até aqui. Há uma pendência entre os governos federal e mineiro sobre a propriedade de quatro usinas — mais uma das confusões originadas pela MP 579, aquela emitida pela então presidente Dilma em setembro de 2012.
Mas a Cemig não tem dinheiro para isso, alegaram, também ingenuamente, os técnicos do setor elétrico. Mas o BNDES tem, respondem os políticos mineiros.
Resumindo, Minas quer comprar usinas federais com dinheiro federal.
Qual o argumento para essa restrição à privatização?
Da boca para fora, só um: Cemig e Furnas fazem parte da história, são patrimônio dos mineiros, assim como Chesf é história e patrimônio do Nordeste etc.
Outro ingênuo diria: se é patrimônio de Minas, então por que os mineiros não assumem as dívidas daquelas duas empresas, aliviando os bolsos dos contribuintes nacionais sempre chamados a pagar com impostos os buracos das estatais? Valeria também para os que se julgam donos da Chesf e Eletronorte — e assim por diante.
Mas chega de bobagem. Nem os estados têm esse dinheiro, nem os políticos estão interessados em assumir estatais enroscadas em dívidas.
O que eles querem é outra coisa. Querem ter controle sobre as empresas, e isso significa: indicar diretores e nomes para um monte de cargos espalhados por vários estados; escolher fornecedores; encaminhar contratos; e, claro, conseguir apoio de toda essa gente, dos lados público e privado, nas campanhas eleitorais.
Isso, sim, é história. O governo FHC (1995/2002) aplicou um imenso programa de privatização, mas não conseguiu tocar em Furnas, Chesf etc. O então presidente não conseguiu nem nomear diretores que queria para a Eletrobras. Havia intocáveis, conta, apoiados pelo conjunto dos partidos.
E assim segue, quer dizer, não segue. O PSDB apoia a tese da privatização. Mas o partido em Minas sustenta que Furnas e Cemig são casos diferentes. O DEM é privatista, mas não com a Chesf.
Foi essa cultura e essa história que trouxeram a esta situação: a Eletrobras tem em caixa R$ 8,9 bilhões e uma dívida de R$ 47,3 bilhões. Não é que falte dinheiro para investimentos. Falta para pagar credores. Só para a Petrobras, a Eletrobras deve R$ 16 bilhões. Comprou gás e não pagou.
É verdade que a parte final deste desarranjo se deve totalmente à ex-presidente Dilma. Mas ela não teria conseguido a proeza de bagunçar tudo e espalhar prejuízos se o sistema não fosse estatizado e inteiramente controlado politicamente. Bastou a ela tomar e/ou compartilhar a estatal com os políticos antigos (Sarney, Barbalho etc.) que a dominavam.
E teve a corrupção exposta pela Lava-Jato. Se faltava alguma coisa para condenar esse capitalismo de Estado, não falta mais. A privatização é o melhor caminho. Diria, o único caminho para ganhar produtividade.
Pena que tenha sido necessário passar por essa destruição de patrimônio público para chegar a uma ideia obvia. E é inacreditável que haja políticos lutando pelo que consideram o seu patrimônio, empurrando a dívida para os contribuintes.
Carlos Alberto Sardenberg
Eles não desistem nunca!
A decisão da Câmara dos Deputados de não criar um fundo de R$ 3,6 bilhões para financiar as campanhas eleitorais do próximo ano facilitou a aprovação pela Câmara de um fundo de R$ 3,6 bilhões ou de menos para financiar as campanhas eleitorais do próximo ano.
Contraditório? Explico.
Por se tratar de emenda à Constituição, a criação, agora, do fundo previsto na proposta de reforma política exigiria o mínimo de 304 votos favoráveis de um total de 513. Só um deputado, ontem, teve peito para votar a favor.
Caberá à Comissão de Orçamento da Câmara estipular um novo ou o mesmo valor de RS 3,6 bilhões para financiar as campanhas. Fará isso subtraindo verbas de outras áreas quando se debruçar sobre o orçamento da União para 2018.
O que a comissão decidir será submetido à votação do plenário da Câmara. Com uma brutal diferença: para que seja aprovado, basta que 257 deputados estejam no plenário. E basta que metade mais um deles concordem com a proposta da comissão.
Se preferir não criar um fundo específico para financiar as campanhas, a Comissão de Orçamento poderá se limitar a sugerir o aumento do volume de dinheiro destinado ao Fundo Partidário, aquele que já existe e que paga despesas dos partidos.
Viu como ficou mais fácil?
Descarte-se a hipótese de os políticos disputarem as próximas eleições com pouco dinheiro ou sem. Eles são tudo, menos bobos ou filantropos.
Contraditório? Explico.
Por se tratar de emenda à Constituição, a criação, agora, do fundo previsto na proposta de reforma política exigiria o mínimo de 304 votos favoráveis de um total de 513. Só um deputado, ontem, teve peito para votar a favor.
Caberá à Comissão de Orçamento da Câmara estipular um novo ou o mesmo valor de RS 3,6 bilhões para financiar as campanhas. Fará isso subtraindo verbas de outras áreas quando se debruçar sobre o orçamento da União para 2018.
Se preferir não criar um fundo específico para financiar as campanhas, a Comissão de Orçamento poderá se limitar a sugerir o aumento do volume de dinheiro destinado ao Fundo Partidário, aquele que já existe e que paga despesas dos partidos.
Viu como ficou mais fácil?
Descarte-se a hipótese de os políticos disputarem as próximas eleições com pouco dinheiro ou sem. Eles são tudo, menos bobos ou filantropos.
O país está melhorando? Para quem?
– Disseram que a coisa aí está brava.
Passeio pela região nobre dos Jardins, em São Paulo. É incrível o número de pontos comerciais desocupados. Antes, as pessoas se estapeavam para conseguir algum. Lojas fechadas. Grifes estrangeiras partindo. Mas abro o jornal e leio autoridades afirmarem que a situação está melhorando.
Minha percepção do mundo é pequena, restrita a amigos, conhecidos e falatórios. Não sou um instituto de pesquisa. Mas o dia a dia é doloroso. Um amigo não tem como pagar o plano de saúde da mãe, idosa. Se não pagar, ela ficará nas mãos da saúde pública. Sua expressão é aterrorizada. A classe média tem pavor da saúde pública. Entre os que ganham menos, obrigados a recorrer a ela, há histórias folclóricas. Como a da jovem grávida cujo exame pré-natal foi marcado para dali a dez meses. Óbvio, a criança nasceu antes. Mas isso porque o país está melhorando.
Obras públicas paradas. Foram construídos os pilares para o Veículo Leve sobre Rodas, em São Paulo, na Avenida Roberto Marinho, no caminho para o aeroporto de Guarulhos. O projeto era para a Copa, lembram-se? As enormes vigas estão abandonadas, sem explicação. No final da avenida, um canteiro de obras foi invadido por usuários de crack. Ninguém dá a menor satisfação. No Rio de Janeiro, a famosa ciclovia continua sem uso, desde que um pedaço dela caiu. Os responsáveis criaram uma ciclovia à beira-mar, no penhasco. E não calcularam que uma onda poderia bater e arrancar um pedaço. É piada? Não, um desastre. No Rio de Janeiro, como se sabe, não há verbas para pagar os salários dos funcionários públicos, sempre atrasados. Ah, sim. A culpa é dos aumentos concedidos por governos anteriores. Mas o país não estava melhorando?
Um professor universitário cuida da tia, aposentada. Pulava fino para dar conta das despesas com remédios e tudo mais. Estancaram o pagamento da aposentadoria da velha. O raciocínio é simples: jovens gritam e fazem manifestações. Velhos, encolhidos em um canto, não têm organização e condição física. Quem decide, resolve: danem-se os velhos. Simplesmente deixaram de pagar. O professor continuou segurando a situação, apertadíssimo. Dá aulas numa universidade carioca. Agora, não pagam seu salário tampouco. Tem de comparecer às aulas, para não ser exonerado. Quando há aulas. Recentemente, ao chegar, a faculdade estava às escuras: não havia pagado a conta de luz.
Eu, um simples cidadão, leio as pesquisas e me surpreendo: o país está melhorando! Há mais empregos com carteira assinada. Mais oportunidades de trabalho. Penso: devo estar no país errado. Esse, em lento ritmo de crescimento, mas crescimento, é o Brasil. Vamos ver. Entro no Google. Procuro um mapa. São Paulo é mesmo no Brasil? Verifico. É. Mas em qual Brasil? Nesse que dizem melhorar ou no das pessoas que sofrem com prejuízo atrás de prejuízo? Bem, no Brasil em que vivo há muita coisa linda. O prefeito de São Paulo, João Doria Jr., está construindo muros verdes na Avenida 23 de Maio. São incríveis. Vai colocá-los em outros lugares dessa cidade cinzenta. Mas minha empregada, dois filhos, recebia duas latas de leite em pó por mês, por criança. Agora, é só uma. Mais uma vez, não critico ninguém. Não sei quem tomou diretamente a decisão sobre o leite. Gosto dos muros verdes.
Talvez eu esteja completamente errado e minha percepção seja só isto: uma sensação individual. Até falam em aumento de impostos. O governo deve imaginar que a sociedade aguenta, portanto. Que ganhamos o suficiente para pagar mais ao governo, além do que já gastamos com plano de saúde, escola particular. Falei em plano de saúde? Ah, sim. Você paga. Mas, no caso de uma operação grave, o médico costuma cobrar à parte. O plano paga pouco para ele, e a diferença sai do meu e do seu bolso.
E tem mais, muito mais. Mas o país está melhorando!!! Eu é que devo estar no lugar errado, ainda não entendi muito bem o que está acontecendo. Alguém pode me dizer onde fica esse novo Brasil?
A nossa guerra particular
Entro em um táxi, dois dias após o insano atentado terrorista que matou 15 pessoas na Espanha. No rádio, o locutor reporta as notícias mais recentes sobre o caso. O motorista puxa conversa. Diz: “Deve ser horrível morar num lugar assim, não é mesmo?” Eu pergunto, já sabendo o que vinha: “Assim como?” “Tão inseguro”, ele responde. Então, me irrito. No Brasil, temos agido desta maneira, como as crianças que, fechando os olhos, acreditam que eliminam a ameaça. Não se trata de ignorância, mas de alienação: não queremos encarar nossos problemas, pois, constatando-o, teríamos que nos mover para tentar resolvê-lo. E preferimos nos fingir de mortos. Literalmente.
A Espanha possui 46 milhões de habitantes e recebeu no ano passado 75,3 milhões de turistas, atividade que corresponde a 11% de seu Produto Interno Bruto. O que atrai as pessoas àquele país, além, claro, de paisagens deslumbrantes, cidades lindíssimas, museus fantásticos, comida excelente, transporte público de qualidade, é justamente a segurança. A Espanha tem uma taxa de homicídio baixíssima, cerca de 0,7% por 100 mil habitantes, mesmo com um desemprego rondando os 18% da população economicamente ativa.
Só para compararmos, a taxa de homicídios no Brasil, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) referentes a 2015, é de 30,5 mortes por 100 mil habitantes – ou seja, 43 vezes maior que a da Espanha -, o que nos coloca em nono lugar no ranking dos países mais violentos do mundo. Isso significa que cerca de 60 mil brasileiros são assassinados todo ano, aos quais podemos acrescentar outros 37 mil que perdem a vida em acidentes de trânsito, modalidade em que ocupamos o quarto lugar no ranking mundial. Aqui, além de sinônimo de status social, o carro também é usado como arma.
A OMS afirma que um dos principais impulsionadores das taxas de homicídio no mundo é o acesso às armas. Segundo a Ong Small Arms Survey, no Brasil existiam, em 2016, cerca de 15 milhões de armas nas mãos de civis, algo como oito para cada 100 mil habitantes, o que nos coloca em sétimo lugar no ranking mundial. Segundo a pesquisa, há mais armamentos em poder de civis do que nas mãos de agentes legais. (Sem alarde, o presidente não eleito, Michel Temer, assinou um decreto, no dia 9 de maio, afrouxando as exigências do Estatuto do Desarmamento para agradar a Bancada da Bala, que, aliás, tem entre seus membros de destaque o deputado federal Jair Bolsonaro, estrela ascendente do fascismo nacional).
Atentados terroristas são realizados por pessoas dementes, cegas pela intolerância religiosa ou ideológica, que atacam alvos civis de forma alheatória e inesperada. Embora diferentes em suas motivações, os militantes dos grupos radicais islâmicos e os delinquentes brasileiros possuem o mesmo perfil: jovens das periferias, humilhados e ressentidos, que não têm nenhuma esperança de serem absorvidos pela coletividade. Desprezados, tornam-se facilmente manipuláveis, já que nada têm a perder – ou, na lógica perversa da sociedade do espetáculo, têm é a ganhar, nem que seja um minuto de atenção, o que é o bastante para quem passa a vida na invisibilidade.
Devemos sempre nos indignar e condenar os atentados terroristas, pois são atos covardes de mentes autoritárias. Mas não podemos ficar indiferentes ao que ocorre à nossa volta. Vivemos acossados pela violência. Perdemos o direito de ir e vir e nos tornamos reféns da ansiedade – pior, substituímos a solidariedade pelo cinismo. Ao motorista do taxi com que abri esse artigo poderia informar: todos os dias, apenas na cidade do Rio de Janeiro, são assassinadas 15 pessoas – ou seja, temos um atentado de Barcelona por dia somente na chamada Cidade Maravilhosa. A morte de Arthur Cosme de Melo, o bebê baleado ainda na barriga da mãe, ganha assim um sentido de metáfora do que acontece no Brasil contemporâneo: estamos condenando nossa população à morte antes mesmo do nascimento.
A Espanha possui 46 milhões de habitantes e recebeu no ano passado 75,3 milhões de turistas, atividade que corresponde a 11% de seu Produto Interno Bruto. O que atrai as pessoas àquele país, além, claro, de paisagens deslumbrantes, cidades lindíssimas, museus fantásticos, comida excelente, transporte público de qualidade, é justamente a segurança. A Espanha tem uma taxa de homicídio baixíssima, cerca de 0,7% por 100 mil habitantes, mesmo com um desemprego rondando os 18% da população economicamente ativa.
A OMS afirma que um dos principais impulsionadores das taxas de homicídio no mundo é o acesso às armas. Segundo a Ong Small Arms Survey, no Brasil existiam, em 2016, cerca de 15 milhões de armas nas mãos de civis, algo como oito para cada 100 mil habitantes, o que nos coloca em sétimo lugar no ranking mundial. Segundo a pesquisa, há mais armamentos em poder de civis do que nas mãos de agentes legais. (Sem alarde, o presidente não eleito, Michel Temer, assinou um decreto, no dia 9 de maio, afrouxando as exigências do Estatuto do Desarmamento para agradar a Bancada da Bala, que, aliás, tem entre seus membros de destaque o deputado federal Jair Bolsonaro, estrela ascendente do fascismo nacional).
Atentados terroristas são realizados por pessoas dementes, cegas pela intolerância religiosa ou ideológica, que atacam alvos civis de forma alheatória e inesperada. Embora diferentes em suas motivações, os militantes dos grupos radicais islâmicos e os delinquentes brasileiros possuem o mesmo perfil: jovens das periferias, humilhados e ressentidos, que não têm nenhuma esperança de serem absorvidos pela coletividade. Desprezados, tornam-se facilmente manipuláveis, já que nada têm a perder – ou, na lógica perversa da sociedade do espetáculo, têm é a ganhar, nem que seja um minuto de atenção, o que é o bastante para quem passa a vida na invisibilidade.
Devemos sempre nos indignar e condenar os atentados terroristas, pois são atos covardes de mentes autoritárias. Mas não podemos ficar indiferentes ao que ocorre à nossa volta. Vivemos acossados pela violência. Perdemos o direito de ir e vir e nos tornamos reféns da ansiedade – pior, substituímos a solidariedade pelo cinismo. Ao motorista do taxi com que abri esse artigo poderia informar: todos os dias, apenas na cidade do Rio de Janeiro, são assassinadas 15 pessoas – ou seja, temos um atentado de Barcelona por dia somente na chamada Cidade Maravilhosa. A morte de Arthur Cosme de Melo, o bebê baleado ainda na barriga da mãe, ganha assim um sentido de metáfora do que acontece no Brasil contemporâneo: estamos condenando nossa população à morte antes mesmo do nascimento.
Estamos no caminho inverso da cidadania
Quem imaginar que os novos veículos - mais de 150 Corollas - da Polícia do Distrito Federal se prestam tão-somente à exposição, está redondamente enganado.
As viaturas, desde a semana passada, encontram-se postadas sobre os gramados e calçadas do Distrito Federal, em locais visivelmente proibidos para o estacionamento de qualquer veículo comum. Some-se isto o fato de que não se viu, pelo menos até agora, o DETRAN-DF, com sua eficiência e sanha arrecadatória, multar as viaturas da Polícia Militar.
Em episódio recente, mais precisamente no dia 11 deste mês, fui abordado pelo DETRAN-DF, em blitz surpresa, realizada no pavimento superior da Rodoviária, próximo ao Teatro Nacional. A invectiva se deu de modo hostil, como de resto é a prática dos Agentes de Trânsito, porquanto o pressuposto é que o condutor do veículo transmuta-se em bandido, sobretudo, pela pré-convicção do agente, embasado nos dados colhidos em seus aparelhos eletrônicos de consulta on-line, que aquele determinado veículo acumula infrações de trânsito, portanto, gerador de tributos não honrados pelo contribuinte, mormente, o IPVA.
As viaturas, desde a semana passada, encontram-se postadas sobre os gramados e calçadas do Distrito Federal, em locais visivelmente proibidos para o estacionamento de qualquer veículo comum. Some-se isto o fato de que não se viu, pelo menos até agora, o DETRAN-DF, com sua eficiência e sanha arrecadatória, multar as viaturas da Polícia Militar.
Em episódio recente, mais precisamente no dia 11 deste mês, fui abordado pelo DETRAN-DF, em blitz surpresa, realizada no pavimento superior da Rodoviária, próximo ao Teatro Nacional. A invectiva se deu de modo hostil, como de resto é a prática dos Agentes de Trânsito, porquanto o pressuposto é que o condutor do veículo transmuta-se em bandido, sobretudo, pela pré-convicção do agente, embasado nos dados colhidos em seus aparelhos eletrônicos de consulta on-line, que aquele determinado veículo acumula infrações de trânsito, portanto, gerador de tributos não honrados pelo contribuinte, mormente, o IPVA.
Observa-se, em tais condições, o sentimento de prazer exalado pelo agente de trânsito do DETRAN-DF, quando atribui que sua abordagem fora vitoriosa. O ar de reprovação lançado ao condutor, à evidência dos dados em poder do agente, o impede o contribuinte/condutor de qualquer defesa naquela abordagem. Um verdadeiro exercício de poder em face do agora contribuinte subserviente que nada pode fazer, senão, sucumbir ao que for determinado naquele instante, sob o risco, inclusive, de o condutor, ele mesmo, também sair dali, igualmente preso, juntamente com o seu veículo apreendido. A sentença é proclamada e no mesmo momento executada! Não há maior poder potestativo do que o concedido aos agentes de trânsito do DETRAN-DF, ainda mais agora, com o porte de armas, instrumento de uso das forças armadas, irresponsavelmente deferidos aos gloriosos agendes do DETRAN-DF.
Reunidos em comboio, os veículos que foram abatidos, sobrevêm a melhor parte do espetáculo. Salvo os que irão guinchados, pelos caminhões do DETRAN-DF, ao custo de R$250,00 até o percurso de 15km - para além disso, acresce-se R$20,00 por quilometro – os demais postam-se em fila indiana, como que bandidos cabisbaixos e submetido à execração pública, todos, pois, conduzidos pelas esfuziantes viaturas do DETRAN-DF, com o alarde providencial, por meio dos cambiantes giroflex e manobras e interdições de trânsito para a passagem do comboio, como que a demonstrar o resultado da caça aos demais condutores, advertindo-os: você poderá ser o próximo.
A Grand Finale se dá quando se chega ao pátio de depósito, ou seja, na prisão. Ali, como num passe de mágica, os combativos agentes do DETRAN-DF se dispersam, somem, literalmente, porquanto, não há plateia e os condutores e seus veículos são instados a adentrar o pátio sujo e malconservado, eles mesmos a estacionarem os “presos” em brechas eventuais, vagas sem marcação, sem vistorias, recibos de depósito, orientações, absolutamente nada.
Surpresa maior ocorre no dia subsequente, quando o proprietário do veículo – apenas ele quem poderá fazê-lo – apressa-se em socorrer o encarcerado automóvel e surpreende-se para além da obrigação dos gravames, IPVA, multas, licenciamentos, e que tais e, mais além, uma “taxa” de depósito do veículo, R$40,00 por dia de cadeia, mais, pasmem, R$110,00 de vistoria, na retirada do veículo, não no ingresso, dessemelhante do exame de corpo de delito, realizado obrigatoriamente antes e depois do aprisionamento do sujeito, e, ainda, sim, ainda falta mais, uma outra sobretaxa, esdrúxula, denominada “valor de liberação”, no montante de R$40,00. Um acinte, um sortilégio, provavelmente gestado com o propósito, claro, explícito de arrecadação, incidente sobre aquele que, no mais das vezes, ainda não cumpriu sua obrigação tributária, mormente pelo enfrentamento da crise do Estado que submete seus contribuintes a situação vexaminosa, humilhante, vexatória, nos moldes acima narrados.
Pois bem, a que se presta toda a estória? A revelar que estamos no caminho inverso da cidadania, não que se queira justificar que o descumprimento das obrigações tributárias não seja passível de suas cobranças, absolutamente! Ademais, compete ao DETRAN o rigor da fiscalização, o zelo pelas vias, pela malha viária, pelos semáforos, pela orientação e educação no trânsito e outras atribuições de sua competência. A exigência do IPVA, que é tributo estadual, não se procede com a coação irresistível, é gravame que se cobra pela via judicial, com seus meios de defesa e inscrição do crédito em dívida ativa do ente público. O que há de se fiscalizar é o licenciamento do veículo, o que se há de verificar, são as condições de tramitação dos veículos na via pública, se se encontra em perfeito estado de funcionamento, se não causa risco à sociedade, enfim, se o condutor está apto e íntegro a conduzir o veículo, se as vias, como dito, se prestam a circulação, a sinalização, a orientação e educação para o trânsito. Nada disso se vê, nada disso importa. O que vale é a arrecadação desenfreada, a sanha avassaladora, o poder absoluto e a imposição exagerada. Nesse mister, ainda assim, o glorioso DETRAN-DF peca ao não multar as viaturas militares de que falamos no início, pois, embora expostas, praticam o toma lá, dá cá que tanto conhecemos, pois, os infratores, os agentes militares e seus reluzentes Corollas, são os delatores, os que transmitem os dados dos “criminosos” veículos, sempre por meio de seus dispositivos eletrônicos em rede, enquanto bandidos de carne e osso, estes sim, que deveriam ser alvo das galantes viaturas militares e seus oficiais condutores, grassam à solta, fazendo o que querem, praticando todos os tipos penais perante os cidadãos de Brasília.
André Braga
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