domingo, 8 de maio de 2022
A urgência real e o delírio inventado
Caíram mil quilômetros de florestas no mês de abril, mas o Exército está preocupado é com o problema inexistente da urna eletrônica. O país está sendo dilapidado, bandidos avançam sobre a maior riqueza do Brasil, grileiros atacam o patrimônio coletivo, mas os generais atiram perguntas cheias de insinuações contra o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os alertas do Inpe mostram que em abril, no fim deste inverno amazônico particularmente chuvoso, houve um aumento de 74% no desmatamento em relação a abril de 2021. Agora é que começará mesmo a temporada de derrubada da floresta. Mas os generais procuram o que Bolsonaro mandou que eles procurassem: algum problema no processo de apuração de votos. Eles não existem, generais.
Volto de dez dias na Amazônia. Volto com a sensação de urgência e a aflição de perda do futuro. Lá, em qualquer ponto, numa casinha de agricultor familiar, na zona rural de uma cidade do interior, há mais lucidez do que em Brasília, onde o presidente da República comanda novo ataque às eleições. Ele conspira desde o primeiro dia do seu mandato. O que agravou a situação foi a absurda atitude do Exército.
Faltam três meses para fechar o ano de 2022 para efeitos de desmatamento. O risco aumenta agora, entre maio e julho. O verão amazônico suspende as chuvas e isso estimula os grileiros e desmatadores. Neste ano tudo ocorre num grau muito maior.
Volto de dez dias na Amazônia. Volto com a sensação de urgência e a aflição de perda do futuro. Lá, em qualquer ponto, numa casinha de agricultor familiar, na zona rural de uma cidade do interior, há mais lucidez do que em Brasília, onde o presidente da República comanda novo ataque às eleições. Ele conspira desde o primeiro dia do seu mandato. O que agravou a situação foi a absurda atitude do Exército.
Faltam três meses para fechar o ano de 2022 para efeitos de desmatamento. O risco aumenta agora, entre maio e julho. O verão amazônico suspende as chuvas e isso estimula os grileiros e desmatadores. Neste ano tudo ocorre num grau muito maior.
— Este ano está sendo o tudo ou nada. O encontro da situação do governo com a pressão do ano eleitoral. Estão sendo derrubadas árvores e leis ambientais com a mesma velocidade — afirmou Márcio Astrini, do Observatório do Clima.
Astrini estava em São Paulo e eu em Marabá, quando nos falamos sobre os terríveis números de abril. Os dados me pareceram mais concretos do que nunca, porque o chão da Amazônia tem esse poder de nos trazer para o centro do universo. As árvores secas, em pé, em áreas onde agora há apenas capim, parecem gritos de socorro. Ao final de um dia em que aprendi muito com um grupo de mulheres, a leitura das notícias me mostrava retratos de um país governado por lunáticos. O presidente quer contratar empresa privada para auditar as eleições e já aposta que elas seriam inauditáveis, o ministro da Defesa mandou um ofício ao TSE pedindo a publicação das suas “propostas de aperfeiçoamento e segurança do processo eleitoral” e disse que não conseguira audiência com o presidente do TSE, mesmo tendo sido recebido nos dias 6 e 22. Essas propostas não querem aperfeiçoar coisa alguma. Elas têm um propósito claro. Não somos bobos.
— Nos três anos de governo Bolsonaro o desmatamento cresceu. Isso nunca aconteceu na história das medições. Caminhamos para o quarto ano de aumento, em 2022. No ano passado, um terço do desmate ocorreu em terra pública não destinada — diz Astrini.
É a sua, a minha, a nossa floresta que tomba, indefesa e vulnerável, pelo avanço de ladrões de terra pública, estimulados pelo governo e com a ajuda dos projetos liberadores da grilagem que tramitam no Congresso.
Se houver outra pessoa governando o Brasil no ano que vem, ainda assim 2023 pode ser ruim, explica Márcio Astrini. O segundo semestre já conta para o ano que vem pelo calendário do desmate e será difícil deter o ritmo da destruição.
— Não será fácil para nenhum governo reverter o legado de Bolsonaro. Haverá inclusive dificuldade de acesso a recursos internacionais que financiem o combate ao desmatamento, porque eles são liberados conforme a performance e o Brasil terá tido um péssimo desempenho — diz o coordenador do Observatório do Clima.
Em Brasília, o governo vive em delírio. A ele se junta o Exército. Das ambiguidades e dos silêncios aquiescentes, o comando da Força caminhou para o perigoso terreno de minar a confiança no processo eleitoral, o plano Bolsonaro. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, justificou seu pedido ao TSE de divulgar as tais sugestões citando o pedido feito por um deputado bolsonarista que foi o relator do voto impresso. Bolsonaro faz nova ameaça. “As Forças Armadas não vão fazer papel de apenas chancelar o processo eleitoral, participar como espectadoras. Não vão fazer isso.”
É o Brasil, generais, é o Brasil que vocês têm que defender e não o governo. Lição número um de qualquer escola de cadetes. E o Brasil, senhores, está morrendo um pouco por dia na Amazônia.
Astrini estava em São Paulo e eu em Marabá, quando nos falamos sobre os terríveis números de abril. Os dados me pareceram mais concretos do que nunca, porque o chão da Amazônia tem esse poder de nos trazer para o centro do universo. As árvores secas, em pé, em áreas onde agora há apenas capim, parecem gritos de socorro. Ao final de um dia em que aprendi muito com um grupo de mulheres, a leitura das notícias me mostrava retratos de um país governado por lunáticos. O presidente quer contratar empresa privada para auditar as eleições e já aposta que elas seriam inauditáveis, o ministro da Defesa mandou um ofício ao TSE pedindo a publicação das suas “propostas de aperfeiçoamento e segurança do processo eleitoral” e disse que não conseguira audiência com o presidente do TSE, mesmo tendo sido recebido nos dias 6 e 22. Essas propostas não querem aperfeiçoar coisa alguma. Elas têm um propósito claro. Não somos bobos.
— Nos três anos de governo Bolsonaro o desmatamento cresceu. Isso nunca aconteceu na história das medições. Caminhamos para o quarto ano de aumento, em 2022. No ano passado, um terço do desmate ocorreu em terra pública não destinada — diz Astrini.
É a sua, a minha, a nossa floresta que tomba, indefesa e vulnerável, pelo avanço de ladrões de terra pública, estimulados pelo governo e com a ajuda dos projetos liberadores da grilagem que tramitam no Congresso.
Se houver outra pessoa governando o Brasil no ano que vem, ainda assim 2023 pode ser ruim, explica Márcio Astrini. O segundo semestre já conta para o ano que vem pelo calendário do desmate e será difícil deter o ritmo da destruição.
— Não será fácil para nenhum governo reverter o legado de Bolsonaro. Haverá inclusive dificuldade de acesso a recursos internacionais que financiem o combate ao desmatamento, porque eles são liberados conforme a performance e o Brasil terá tido um péssimo desempenho — diz o coordenador do Observatório do Clima.
Em Brasília, o governo vive em delírio. A ele se junta o Exército. Das ambiguidades e dos silêncios aquiescentes, o comando da Força caminhou para o perigoso terreno de minar a confiança no processo eleitoral, o plano Bolsonaro. O ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, justificou seu pedido ao TSE de divulgar as tais sugestões citando o pedido feito por um deputado bolsonarista que foi o relator do voto impresso. Bolsonaro faz nova ameaça. “As Forças Armadas não vão fazer papel de apenas chancelar o processo eleitoral, participar como espectadoras. Não vão fazer isso.”
É o Brasil, generais, é o Brasil que vocês têm que defender e não o governo. Lição número um de qualquer escola de cadetes. E o Brasil, senhores, está morrendo um pouco por dia na Amazônia.
O que querem os militares
Desde 1985, quando chegou ao fim a ditadura inaugurada 21 anos antes, os militares brasileiros não se salientam tanto como agora. As Forças Armadas, profissionalizadas sob o exemplo do general Leônidas Pires Gonçalves no comando do Exército durante o governo de José Sarney, conviveram serenamente com a volta da eleição direta para presidente, com a implementação de uma nova Constituição em que se bradou o ódio e o nojo à ditadura, com o impeachment de dois presidentes, a eleição de um líder sindical por um partido de esquerda e de um ultradireitista. Agiram sempre como se esses assuntos não lhes dissessem respeito. E não diziam mesmo.
A pergunta que se faz agora é quando e por que os militares resolveram dar palpite político, fazer pressão sobre Poderes da República, fechar a cara e pintar-se para a guerra como se as eleições de outubro próximo fossem muito diferentes das oito últimas, que elegeram Collor, FH, Lula, Dilma e Bolsonaro. Claro que a próxima eleição será exatamente igual às anteriores. Com os eleitores sufragando livre e democraticamente seus candidatos e com o mais votado sendo eleito para tomar posse em janeiro. Não há chance disso mudar. A menos que os militares se somem à falsa paranoia do golpista Jair Bolsonaro e seus generais palacianos e tentem melar o jogo democrático.
Essa chance existe e cresceu quando oficiais superiores passaram a sair do seu quadrado ao ouvirem Bolsonaro falar em seu nome. Nunca antes um presidente teve tanta vontade de ser generalíssimo quanto o capitão, nem mesmo os generais-presidentes da ditadura. Foi depois da posse do extremista que alguns chefes militares passaram a falar como se vestissem terno e gravata e ocupassem gabinetes no Congresso. Não porque eles também sejam ultradireitistas, alguns até são, mas porque sentiram-se empoderados pelo comandante em chefe.
Os quartéis, que já estavam inflamados desde janeiro de 2018, ficaram sobremaneira excitados quando no ano passado Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e nomeou o fidelis ut canem general Braga Neto para o seu lugar. A troca dos comandantes das três Forças que se deu em seguida acabou transtornando hierarquias e provocando ainda mais agitação na caserna. Era o que queria Bolsonaro, velho arruaceiro de quartéis.
Além de convulsionar as Forças com as trocas de comando, o presidente cooptou seus líderes oferecendo milhares de cargos na administração federal a eles, seus familiares e agregados. São mais de seis mil militares em cargos de segundo e terceiro escalões. Além deles, amigos, afilhados e namorados também foram nomeados. São boquinhas que mamam nas tetas do Estado e farão o que for possível para continuar mamando em 2023. Inclusive colaborando para a permanência ilegal de Bolsonaro no poder.
Como já foi dito aqui, Bolsonaro vai tentar mais uma vez dar um golpe se for derrotado em outubro. Para isso, para obter o apoio de quem tem as armas, é que ele vem alimentando os militares com cargos e salários públicos. E estes têm seguidamente demonstrado boa vontade com o capitão. Viu-se isso no episódio do TSE, na questão da tortura com conhecimento do STM, na ultrajante comemoração do 31 de março e nos sucessivos solavancos dados por Bolsonaro nas instituições. Os oficiais que falam, pessoalmente ou por nota, estão subordinados aos desejos antidemocráticos do capitão.
Não são poucos os generais dispostos a manchar seus nomes e biografias numa aventura golpista. Se a tragédia ocorrer, vão entrar para a História como homens mesquinhos, oportunistas, que tentaram desviar o curso de uma nação apenas para manter seus cargos e os de seus filhos e genros. Há pouca ideologia por trás do golpe, trata-se principalmente de dinheiro público em bolsos privados. Por sorte, não são todos. Há outros generais, muitos, que não navegam por essas águas escuras. Nestes, e nas forças civis desarmadas, deve-se repousar a esperança de um Brasil grande, livre e verdadeiramente democrático.
A pergunta que se faz agora é quando e por que os militares resolveram dar palpite político, fazer pressão sobre Poderes da República, fechar a cara e pintar-se para a guerra como se as eleições de outubro próximo fossem muito diferentes das oito últimas, que elegeram Collor, FH, Lula, Dilma e Bolsonaro. Claro que a próxima eleição será exatamente igual às anteriores. Com os eleitores sufragando livre e democraticamente seus candidatos e com o mais votado sendo eleito para tomar posse em janeiro. Não há chance disso mudar. A menos que os militares se somem à falsa paranoia do golpista Jair Bolsonaro e seus generais palacianos e tentem melar o jogo democrático.
Essa chance existe e cresceu quando oficiais superiores passaram a sair do seu quadrado ao ouvirem Bolsonaro falar em seu nome. Nunca antes um presidente teve tanta vontade de ser generalíssimo quanto o capitão, nem mesmo os generais-presidentes da ditadura. Foi depois da posse do extremista que alguns chefes militares passaram a falar como se vestissem terno e gravata e ocupassem gabinetes no Congresso. Não porque eles também sejam ultradireitistas, alguns até são, mas porque sentiram-se empoderados pelo comandante em chefe.
Os quartéis, que já estavam inflamados desde janeiro de 2018, ficaram sobremaneira excitados quando no ano passado Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e nomeou o fidelis ut canem general Braga Neto para o seu lugar. A troca dos comandantes das três Forças que se deu em seguida acabou transtornando hierarquias e provocando ainda mais agitação na caserna. Era o que queria Bolsonaro, velho arruaceiro de quartéis.
Além de convulsionar as Forças com as trocas de comando, o presidente cooptou seus líderes oferecendo milhares de cargos na administração federal a eles, seus familiares e agregados. São mais de seis mil militares em cargos de segundo e terceiro escalões. Além deles, amigos, afilhados e namorados também foram nomeados. São boquinhas que mamam nas tetas do Estado e farão o que for possível para continuar mamando em 2023. Inclusive colaborando para a permanência ilegal de Bolsonaro no poder.
Como já foi dito aqui, Bolsonaro vai tentar mais uma vez dar um golpe se for derrotado em outubro. Para isso, para obter o apoio de quem tem as armas, é que ele vem alimentando os militares com cargos e salários públicos. E estes têm seguidamente demonstrado boa vontade com o capitão. Viu-se isso no episódio do TSE, na questão da tortura com conhecimento do STM, na ultrajante comemoração do 31 de março e nos sucessivos solavancos dados por Bolsonaro nas instituições. Os oficiais que falam, pessoalmente ou por nota, estão subordinados aos desejos antidemocráticos do capitão.
Não são poucos os generais dispostos a manchar seus nomes e biografias numa aventura golpista. Se a tragédia ocorrer, vão entrar para a História como homens mesquinhos, oportunistas, que tentaram desviar o curso de uma nação apenas para manter seus cargos e os de seus filhos e genros. Há pouca ideologia por trás do golpe, trata-se principalmente de dinheiro público em bolsos privados. Por sorte, não são todos. Há outros generais, muitos, que não navegam por essas águas escuras. Nestes, e nas forças civis desarmadas, deve-se repousar a esperança de um Brasil grande, livre e verdadeiramente democrático.
Pátria Mãe
Aproveito o dia das mães para fazer uma reflexão sobre o conceito de pátria e a figura materna. A pátria é muito mais mãe gentil do que país bélico que defende um conceito de família onde a mãe de verdade é colocada para escanteio. Mãe é um conceito de abrangência, de aceitação, de abrigo e proteção. A pátria exaltada por este governo é o contrário disso, uma figura híbrida que veste farda e carrega a faca entre os dentes. Está longe do seio que alimenta livremente, do acolhimento, dos filhos ao redor, do conhecimento transmitido e do amor dividido entre todos. A pátria mãe é sorridente, criativa, artística e alegre. Ela canta, dança e dá as mãos aos outros porque sabe que esse toque, esse carinho é para ser dividido entre todos.
A mãe que temos na herança da memória é esta, a que entende, tem sempre uma palavra de estímulo e compreensão e passa a sabedoria com amor e carinho. Ela sabe e sabe dividir e passar adiante o que sabe.
O dia das mães devia repetir esse conceito. Não é um presente comprado numa loja que desesperadamente tenta sobreviver que vai fazer este amor resistir. Este amor está ligado à luta pela vida, ao colo dado às crianças famintas, ao sorriso quase que resistente ao esforço dos filhos para sobreviver. Esta ideia de mãe que vai nos fazer ir adiante, chegar ao futuro sabendo que o abraço da mãe gentil vai nos dar de volta a alegria plena, a realização, o progresso social e humano.
A mãe que temos é essa mãe que quer a realização de todos os sonhos e não um padrão limitado e desprovido de liberdade, seja na educação que ela estimula, seja no trabalho que ela prega e no amor que ela respira e transpira.
Chega deste conceito de família que estabelece regras impostas, limites e pecados que nem sabemos cometer. Pecados não existem nessa relação amorosa entre mãe e filho. Não dá para explicar o que mantém este amor vivo. Talvez seja o sentimento de crescimento, de evolução, de busca pela felicidade de quem saiu do seu corpo, que circulou no seu sangue.
Esta é a verdade que une a nós todos. Uma atitude espontânea que faz o sangue circular e não escorrer pelas ruas. A felicidade imposta só satisfaz a poucos e não é verdadeira. A felicidade que brota dessa pátria mãe gentil é feita de entendimento, inclusão social, realização, prazer e construção do futuro. Isso é o que a mãe de verdade quer. Isso é o que teremos como filhos ou mães se conseguirmos recolocar o país no rumo do futuro. Mãe só temos uma, mas ela vale um país.
A mãe que temos na herança da memória é esta, a que entende, tem sempre uma palavra de estímulo e compreensão e passa a sabedoria com amor e carinho. Ela sabe e sabe dividir e passar adiante o que sabe.
O dia das mães devia repetir esse conceito. Não é um presente comprado numa loja que desesperadamente tenta sobreviver que vai fazer este amor resistir. Este amor está ligado à luta pela vida, ao colo dado às crianças famintas, ao sorriso quase que resistente ao esforço dos filhos para sobreviver. Esta ideia de mãe que vai nos fazer ir adiante, chegar ao futuro sabendo que o abraço da mãe gentil vai nos dar de volta a alegria plena, a realização, o progresso social e humano.
A mãe que temos é essa mãe que quer a realização de todos os sonhos e não um padrão limitado e desprovido de liberdade, seja na educação que ela estimula, seja no trabalho que ela prega e no amor que ela respira e transpira.
Esta é a verdade que une a nós todos. Uma atitude espontânea que faz o sangue circular e não escorrer pelas ruas. A felicidade imposta só satisfaz a poucos e não é verdadeira. A felicidade que brota dessa pátria mãe gentil é feita de entendimento, inclusão social, realização, prazer e construção do futuro. Isso é o que a mãe de verdade quer. Isso é o que teremos como filhos ou mães se conseguirmos recolocar o país no rumo do futuro. Mãe só temos uma, mas ela vale um país.
Tempos de indignação
Belisco-me, como sempre faço, quando me deparo com uma informação difícil de ser internalizada pelo sistema cognitivo. O beliscão é para saber se estou acordado. Será verdade o que leio ou o que ouço? De tão absurdo o fato registrado não é facilmente assimilável.
Exemplos inundam os espaços midiáticos: números de mortos que passam a habitar os cemitérios da Covid-19; ordem para a polícia atirar nas pernas de pessoas antirracistas que participam de eventos; mortes de adultos e crianças em uma guerra insana, que joga o poderio de uma potência militar contra um país soberano que vê seu território invadido; estupro de uma menina yanomami, cometido por garimpeiros; o perdão concedido a um deputado após ter sido condenado pela mais Alta Corte do país e o latifúndio informativo-midiático produzido pelo caso, etc.
Os tempos são tensos e plenos de mentiras, falsas versões, expressões estapafúrdias. Um vereador de São Paulo, em conversa, solta essa para o colega: não lavar calçada “é coisa de preto”. O presidente da República garante que a “graça” concedida ao seu amigo e parceiro, deputado Daniel Silveira, apaga todas as condenações feitas pelo STF, inclusive a inelegibilidade do parlamentar. O ex-presidente dos EUA, Donald Trump, indaga em forma de sugestão à um policial que comandava um destacamento numa manifestação antirracista: ‘Você não pode simplesmente atirar neles? Atira nas pernas deles ou alguma coisa assim’.
Que tempos! Tempos que o professor Samuel P. Huntington já descrevia em Choque de Civilizações, de 1996: “Quebra da lei e da ordem, Estados fracassados e anarquia crescente, onda global de criminalidade, máfias transnacionais e cartéis de drogas, declínio na confiança e na solidariedade social, violência étnica, religiosa e civilizacional e a lei do revólver”. É o paradigma do caos.
O que estaria ocorrendo com a “banalização do mal”, fenômeno narrado por Hannah Arendt ao explicar a crueldade do extermínio de 6 milhões de judeus por ordem do mais sanguinário perfil da contemporaneidade, Adolf Hitler? O mal reaparece nesses tempos de carências e turbulências, de forma avassaladora em expressões e atos de governantes, nas formas de agir de contingentes políticos, nas guerras modernas que devastam Nações e locupletam cemitérios, banindo as luzes da harmonia social.
O fato é que todos esses fatos, analisados sob a régua do bom senso, estão a indicar que o planeta retrocede em sua caminhada civilizatória. Até imaginamos a cena descrita por Ortega y Gasset ao flagrar o bigodudo Nietsche dando seu grito nos Alpes suíços: “eu vejo subir a preamar do niilismo”. Os niilistas de hoje estendem uma “imensa cortina sobre a realidade para não encará-la”.
No caso do Brasil, a mistificação emerge nas versões estrambóticas de governantes e atores políticos. Veja-se o desfile do “Eu” no episódio envolvendo o deputado Daniel Silveira. A sequência de episódios tem como origem a condenação do parlamentar pela Suprema Corte e a decisão imediata do presidente da República de lhe conceder indulto. Uma prerrogativa presidencial, urge reconhece, mas reservada aos tempos natalinos e usada de forma coletiva.
De lá para cá, o Brasil passou a enaltecer “egos” de uns e outros. Ora, onde está o país que vê seu PIB encolher? Onde está a discussão sobre a mais alta inflação após quase duas décadas? Por que estamos liderando no mundo os índices de devastação de florestas? Por que não somos mais um exemplo de país gerador de energia limpa? Matar um indígena gerava, antigamente, ampla repercussão nacional e internacional. Hoje, é coisa (???) corriqueira.
A invasão de terras indígenas torna-se algo banal. O estupro e a morte de uma criança de 12 anos não mais impactam. Os garimpeiros continuam a desafiar a lei, invadindo e incendiando aldeias e disseminando drogas e álcool para cooptar os indígenas. As promessas de controle e investigação por parte das forças policiais e do MP parecem lorotas.
Pessoas de bem se revoltam e reagem com suas emoções. Infelizmente, nossas energias não são suficientes para amplificar a reação em cadeia que os ilícitos exigem. A indignação assoma com força, mas fenecem ante o ciclo perverso que espalha seus eixos por toda a parte. Ainda mais nesses tempos de polarização atitudinal e discursiva, quando as alas se agrupam para aplaudir ídolos e apupar adversários. A esperança é que a indignação social faça uma visita à alma brasileira, eliminando as camadas de insensibilidade que teimam em por viseira sobre os nossos olhos.
Exemplos inundam os espaços midiáticos: números de mortos que passam a habitar os cemitérios da Covid-19; ordem para a polícia atirar nas pernas de pessoas antirracistas que participam de eventos; mortes de adultos e crianças em uma guerra insana, que joga o poderio de uma potência militar contra um país soberano que vê seu território invadido; estupro de uma menina yanomami, cometido por garimpeiros; o perdão concedido a um deputado após ter sido condenado pela mais Alta Corte do país e o latifúndio informativo-midiático produzido pelo caso, etc.
Os tempos são tensos e plenos de mentiras, falsas versões, expressões estapafúrdias. Um vereador de São Paulo, em conversa, solta essa para o colega: não lavar calçada “é coisa de preto”. O presidente da República garante que a “graça” concedida ao seu amigo e parceiro, deputado Daniel Silveira, apaga todas as condenações feitas pelo STF, inclusive a inelegibilidade do parlamentar. O ex-presidente dos EUA, Donald Trump, indaga em forma de sugestão à um policial que comandava um destacamento numa manifestação antirracista: ‘Você não pode simplesmente atirar neles? Atira nas pernas deles ou alguma coisa assim’.
Que tempos! Tempos que o professor Samuel P. Huntington já descrevia em Choque de Civilizações, de 1996: “Quebra da lei e da ordem, Estados fracassados e anarquia crescente, onda global de criminalidade, máfias transnacionais e cartéis de drogas, declínio na confiança e na solidariedade social, violência étnica, religiosa e civilizacional e a lei do revólver”. É o paradigma do caos.
O que estaria ocorrendo com a “banalização do mal”, fenômeno narrado por Hannah Arendt ao explicar a crueldade do extermínio de 6 milhões de judeus por ordem do mais sanguinário perfil da contemporaneidade, Adolf Hitler? O mal reaparece nesses tempos de carências e turbulências, de forma avassaladora em expressões e atos de governantes, nas formas de agir de contingentes políticos, nas guerras modernas que devastam Nações e locupletam cemitérios, banindo as luzes da harmonia social.
O fato é que todos esses fatos, analisados sob a régua do bom senso, estão a indicar que o planeta retrocede em sua caminhada civilizatória. Até imaginamos a cena descrita por Ortega y Gasset ao flagrar o bigodudo Nietsche dando seu grito nos Alpes suíços: “eu vejo subir a preamar do niilismo”. Os niilistas de hoje estendem uma “imensa cortina sobre a realidade para não encará-la”.
No caso do Brasil, a mistificação emerge nas versões estrambóticas de governantes e atores políticos. Veja-se o desfile do “Eu” no episódio envolvendo o deputado Daniel Silveira. A sequência de episódios tem como origem a condenação do parlamentar pela Suprema Corte e a decisão imediata do presidente da República de lhe conceder indulto. Uma prerrogativa presidencial, urge reconhece, mas reservada aos tempos natalinos e usada de forma coletiva.
De lá para cá, o Brasil passou a enaltecer “egos” de uns e outros. Ora, onde está o país que vê seu PIB encolher? Onde está a discussão sobre a mais alta inflação após quase duas décadas? Por que estamos liderando no mundo os índices de devastação de florestas? Por que não somos mais um exemplo de país gerador de energia limpa? Matar um indígena gerava, antigamente, ampla repercussão nacional e internacional. Hoje, é coisa (???) corriqueira.
A invasão de terras indígenas torna-se algo banal. O estupro e a morte de uma criança de 12 anos não mais impactam. Os garimpeiros continuam a desafiar a lei, invadindo e incendiando aldeias e disseminando drogas e álcool para cooptar os indígenas. As promessas de controle e investigação por parte das forças policiais e do MP parecem lorotas.
Pessoas de bem se revoltam e reagem com suas emoções. Infelizmente, nossas energias não são suficientes para amplificar a reação em cadeia que os ilícitos exigem. A indignação assoma com força, mas fenecem ante o ciclo perverso que espalha seus eixos por toda a parte. Ainda mais nesses tempos de polarização atitudinal e discursiva, quando as alas se agrupam para aplaudir ídolos e apupar adversários. A esperança é que a indignação social faça uma visita à alma brasileira, eliminando as camadas de insensibilidade que teimam em por viseira sobre os nossos olhos.
Bolsonaro não mascara intenção de golpe
Jair Bolsonaro não usa máscara. Sempre apostou na exposição total. Não usou máscara contra a Covid-19, quando poderia ter incentivado milhões de brasileiros a se proteger da pandemia — um dia, talvez, será possível contabilizar a real extensão dessa semeadura da morte, cujo registro até agora é de mais de 663 mil vítimas oficiais. O presidente tampouco usa de qualquer escudo para esconder sua índole golpista. Nunca precisou de camuflagem. Ao contrário, chegou aonde está graças a sua ostentação incendiária, tão nua quanto crua. A cada etapa, mostra-se mais arrojado, amealhando quanto pode dos podres poderes que nossa democracia em construção ainda tolera. Primeiro como vereador, depois deputado federal pelo Rio de Janeiro, chegou a presidente da República em 2018 nos braços de 55,13% dos votos válidos, ou 57,7 milhões de eleitores. A cada pit stop, tratou de estender benefícios e métodos a sua voraz parentela e conseguiu fidelizar a atual plêiade de sacripantas instalada a sua volta.
Nenhum motivo para mudar de curso, portanto —menos ainda quando cada nova pesquisa de opinião pública para o pleito de outubro próximo reaparece como assombração. A pesquisa mais recente confirma a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva nas intenções de voto. Como num cenário de segundo turno contra Lula a perspectiva de ser derrotado só aumenta, Bolsonaro está em modo bunker, 100% dedicado a abortar esse roteiro. A qualquer custo e por meio de qualquer arma, como já vem demonstrando de forma estridente.
Pode ser de utilidade pública atentar ao duplo encurtamento do tempo — à medida que a eleição se aproxima, Bolsonaro antecipa o golpe em algumas casas. Senão, vejamos. Desde seu tonitruante discurso com “aviso aos canalhas que não serei preso”, proclamado às massas no último 7 de Setembro e dirigido ao Supremo Tribunal Federal (STF), o cardápio de ataques a Poderes republicanos e a campanha contra a lisura do voto eletrônico se alastraram. Tornaram-se verdade venenosa junto às hostes bolsonaristas, impregnaram o país de dúvidas futuras e obrigaram o STF e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a trabalhar dobrado em busca de um antídoto eficaz.
Mas, tal qual numa guerra, a estratégia inicial do golpismo foi sendo alterada. Ao longo dos primeiros meses, o timing para a insurreição planejada parecia depender do resultado das urnas. Fosse a derrota já no primeiro turno ou no segundo, a ação visaria a reverter o desfecho post factum ou, talvez, até já no início da apuração. Contudo esse calendário de violência anunciada tem se estreitado à luz do dia e, simultaneamente, aliciado altas patentes verde-oliva. Criticado com razão pela recente loquacidade espaventosa em seminário na Alemanha, o ministro Luís Roberto Barroso sabia do que falava: sim, as Forças Armadas “estão sendo incitadas a atacar o processo eleitoral brasileiro”. Os próprios fatos assim atestam. Quando um ministro da Defesa, no caso o general Paulo Sérgio Nogueira, envia 55 questionamentos ao presidente do TSE, Edson Facchin, com demandas de aprimoramento da urna eletrônica para 2022, deixou de ser sinal. É atestado de que as Forças Armadas do Brasil estão com as duas botas e várias estrelas fincadas na autocracia eleitoral.
Como é sabido, quem está acostumado a privilégio sente opressão quando ouve falar de igualdade. Daí a aparente necessidade de acelerar a marcha. Em sua live semanal de quinta-feira, Bolsonaro, tendo ao lado o cada vez mais cavernoso general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, foi fundo. Informou ao país que “as Forças Armadas não serão meras espectadoras das eleições”, são convidadas dele. Também anunciou a contratação de uma “empresa de ponta” para realizar a auditoria das eleições. Essa empresa, a ser contratada pelo PL do pantanoso Valdemar Costa Neto, atuaria não após, mas antes do pleito. Para que correr riscos? Por que esperar até as eleições? Recado dado: o golpe já começou. Ou, pelo menos, a tentativa de.
Nenhum motivo para mudar de curso, portanto —menos ainda quando cada nova pesquisa de opinião pública para o pleito de outubro próximo reaparece como assombração. A pesquisa mais recente confirma a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva nas intenções de voto. Como num cenário de segundo turno contra Lula a perspectiva de ser derrotado só aumenta, Bolsonaro está em modo bunker, 100% dedicado a abortar esse roteiro. A qualquer custo e por meio de qualquer arma, como já vem demonstrando de forma estridente.
Pode ser de utilidade pública atentar ao duplo encurtamento do tempo — à medida que a eleição se aproxima, Bolsonaro antecipa o golpe em algumas casas. Senão, vejamos. Desde seu tonitruante discurso com “aviso aos canalhas que não serei preso”, proclamado às massas no último 7 de Setembro e dirigido ao Supremo Tribunal Federal (STF), o cardápio de ataques a Poderes republicanos e a campanha contra a lisura do voto eletrônico se alastraram. Tornaram-se verdade venenosa junto às hostes bolsonaristas, impregnaram o país de dúvidas futuras e obrigaram o STF e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a trabalhar dobrado em busca de um antídoto eficaz.
Mas, tal qual numa guerra, a estratégia inicial do golpismo foi sendo alterada. Ao longo dos primeiros meses, o timing para a insurreição planejada parecia depender do resultado das urnas. Fosse a derrota já no primeiro turno ou no segundo, a ação visaria a reverter o desfecho post factum ou, talvez, até já no início da apuração. Contudo esse calendário de violência anunciada tem se estreitado à luz do dia e, simultaneamente, aliciado altas patentes verde-oliva. Criticado com razão pela recente loquacidade espaventosa em seminário na Alemanha, o ministro Luís Roberto Barroso sabia do que falava: sim, as Forças Armadas “estão sendo incitadas a atacar o processo eleitoral brasileiro”. Os próprios fatos assim atestam. Quando um ministro da Defesa, no caso o general Paulo Sérgio Nogueira, envia 55 questionamentos ao presidente do TSE, Edson Facchin, com demandas de aprimoramento da urna eletrônica para 2022, deixou de ser sinal. É atestado de que as Forças Armadas do Brasil estão com as duas botas e várias estrelas fincadas na autocracia eleitoral.
Como é sabido, quem está acostumado a privilégio sente opressão quando ouve falar de igualdade. Daí a aparente necessidade de acelerar a marcha. Em sua live semanal de quinta-feira, Bolsonaro, tendo ao lado o cada vez mais cavernoso general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, foi fundo. Informou ao país que “as Forças Armadas não serão meras espectadoras das eleições”, são convidadas dele. Também anunciou a contratação de uma “empresa de ponta” para realizar a auditoria das eleições. Essa empresa, a ser contratada pelo PL do pantanoso Valdemar Costa Neto, atuaria não após, mas antes do pleito. Para que correr riscos? Por que esperar até as eleições? Recado dado: o golpe já começou. Ou, pelo menos, a tentativa de.
Estado de golpe
Jair Bolsonaro está vencendo. Tem tido êxito espetacular no seu esforço para estimular desobediência à Justiça, desacreditar o processo eleitoral, desconstruir as instituições e a democracia. Mais do que um golpe pré-contratado para outubro na hipótese de derrota nas urnas, o presidente estabeleceu o “estado de golpe”, cuja vigência acua os demais poderes, atemorizando os que deveriam pôr um ponto final nessa trama de horror.
Nada parecido com os clássicos golpes do passado, com tanques e fardados armados nas ruas, modelito que não compõe o figurino dos autocratas do século 21. Diligentemente, eles minam as estruturas do Estado, lançam dúvidas sobre a seriedade e até a idoneidade delas, espalham mentiras convenientes para se manter no poder. Um receituário que Bolsonaro tem seguido com fervoroso afinco desde o início de seu mandato.
Em seus primeiros movimentos, adulou militares de alta e média patentes com regalias, soldos generosos e cargos. A presença militar em cargos civis no governo Bolsonaro supera 6 mil homens, quase 3 mil deles comissionados – 18,3% dos cargos de livre indicação do governo federal, de acordo com relatório de 2021 do Tribunal de Contas da União.
Ao mesmo tempo, nomeou gente sem gabarito ou mal intencionada para ministérios como Educação, Saúde e Meio-ambiente, e em cargos de chefia de organizações que primavam pelo rigor técnico. Interveio na Polícia Federal e no Coaf – transferido de endereço quando as investigações do Conselho chegaram perto de seus rebentos -, no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, no Ibama, nas agências reguladoras… Avançou célere e obstinadamente na destruição do Estado.
Não bastasse, conseguiu ampliar – e muito – a posse de armas entre civis. No último triênio, o número de registros triplicou em relação ao período de 2016 a 2018, chegando a 460 mil novas armas contra 141 mil. Levantamentos do Sistema Nacional de Armas (Sinarm) e do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma) apontam mais de 1,2 milhão de armas nas mãos de cidadãos comuns e dos chamados CACs (caçador, atirador esportivo e colecionador), número duas vezes maior do que as 583 mil armas das polícias militares de todo o país.
A junção dessas “forças” tem sido frequentemente utilizada por Bolsonaro que, não raro, inclui no mesmo discurso a desconfiança nas urnas eletrônicas, o suposto apoio que tem dos militares e o “orgulho” de ter destravado e multiplicado a venda de armas e munições. Tripé que ele embala na falácia da “defesa da liberdade”,
O trato negligente e afrontoso com a pandemia, quando desdenhou de mortos e doentes, também auxiliou no golpe em andamento. Permitiu que Bolsonaro jogasse a culpa de seu desgoverno, em especial no que tange à economia – um desastre completo -, na ação dos governadores e prefeitos que fecharam parcialmente cidades em busca de proteger a população.
Também não pairam dúvidas de que no 7 de setembro, quando ameaçou ministros do Supremo, Bolsonaro riscou a linha no chão. O recuo proposto pelo ex Michel Temer, autor da carta de paz ao STF, foi apenas tático. Menos de uma semana depois, as baterias do presidente voltavam a apontar para o ministro Alexandre de Moraes e as urnas eletrônicas.
Recentemente, desafiou a Corte com o perdão concedido ao deputado Daniel Silveira, um dia após o pleno condená-lo à prisão por 9 x 1. Agora, subiu mais tijolos no emparedamento à Justiça ao anunciar que fará auditoria privada das eleições.
A ideia da auditoria soou como improvável até para aliados. Mas se tratando de Bolsonaro, que lança tempestades no quintal alheio enquanto se abriga no conforto do cargo e na impunidade comprada junto ao Centrão e à Procuradoria-Geral da República, o absurdo pode ganhar tons de normalidade. A auditoria provavelmente não ocorrerá, mas só a hipótese de realizá-la garante o tumulto institucional pretendido pelo presidente.
Mais uma etapa do golpe em curso, que se acelera sob as vistas do Congresso Nacional, cuja maioria só tem olhos para as barganhas eleitorais, da PGR e sua lassidão, e das cortes superiores da Justiça – STF e TSE -, isoladas no combate às insanidades do presidente.
Para Bolsonaro, o “estado de golpe” tem absoluta serventia. Amedronta e abre espaço para o próximo estágio.
Nada parecido com os clássicos golpes do passado, com tanques e fardados armados nas ruas, modelito que não compõe o figurino dos autocratas do século 21. Diligentemente, eles minam as estruturas do Estado, lançam dúvidas sobre a seriedade e até a idoneidade delas, espalham mentiras convenientes para se manter no poder. Um receituário que Bolsonaro tem seguido com fervoroso afinco desde o início de seu mandato.
Em seus primeiros movimentos, adulou militares de alta e média patentes com regalias, soldos generosos e cargos. A presença militar em cargos civis no governo Bolsonaro supera 6 mil homens, quase 3 mil deles comissionados – 18,3% dos cargos de livre indicação do governo federal, de acordo com relatório de 2021 do Tribunal de Contas da União.
Ao mesmo tempo, nomeou gente sem gabarito ou mal intencionada para ministérios como Educação, Saúde e Meio-ambiente, e em cargos de chefia de organizações que primavam pelo rigor técnico. Interveio na Polícia Federal e no Coaf – transferido de endereço quando as investigações do Conselho chegaram perto de seus rebentos -, no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, no Ibama, nas agências reguladoras… Avançou célere e obstinadamente na destruição do Estado.
Não bastasse, conseguiu ampliar – e muito – a posse de armas entre civis. No último triênio, o número de registros triplicou em relação ao período de 2016 a 2018, chegando a 460 mil novas armas contra 141 mil. Levantamentos do Sistema Nacional de Armas (Sinarm) e do Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma) apontam mais de 1,2 milhão de armas nas mãos de cidadãos comuns e dos chamados CACs (caçador, atirador esportivo e colecionador), número duas vezes maior do que as 583 mil armas das polícias militares de todo o país.
A junção dessas “forças” tem sido frequentemente utilizada por Bolsonaro que, não raro, inclui no mesmo discurso a desconfiança nas urnas eletrônicas, o suposto apoio que tem dos militares e o “orgulho” de ter destravado e multiplicado a venda de armas e munições. Tripé que ele embala na falácia da “defesa da liberdade”,
O trato negligente e afrontoso com a pandemia, quando desdenhou de mortos e doentes, também auxiliou no golpe em andamento. Permitiu que Bolsonaro jogasse a culpa de seu desgoverno, em especial no que tange à economia – um desastre completo -, na ação dos governadores e prefeitos que fecharam parcialmente cidades em busca de proteger a população.
Também não pairam dúvidas de que no 7 de setembro, quando ameaçou ministros do Supremo, Bolsonaro riscou a linha no chão. O recuo proposto pelo ex Michel Temer, autor da carta de paz ao STF, foi apenas tático. Menos de uma semana depois, as baterias do presidente voltavam a apontar para o ministro Alexandre de Moraes e as urnas eletrônicas.
Recentemente, desafiou a Corte com o perdão concedido ao deputado Daniel Silveira, um dia após o pleno condená-lo à prisão por 9 x 1. Agora, subiu mais tijolos no emparedamento à Justiça ao anunciar que fará auditoria privada das eleições.
A ideia da auditoria soou como improvável até para aliados. Mas se tratando de Bolsonaro, que lança tempestades no quintal alheio enquanto se abriga no conforto do cargo e na impunidade comprada junto ao Centrão e à Procuradoria-Geral da República, o absurdo pode ganhar tons de normalidade. A auditoria provavelmente não ocorrerá, mas só a hipótese de realizá-la garante o tumulto institucional pretendido pelo presidente.
Mais uma etapa do golpe em curso, que se acelera sob as vistas do Congresso Nacional, cuja maioria só tem olhos para as barganhas eleitorais, da PGR e sua lassidão, e das cortes superiores da Justiça – STF e TSE -, isoladas no combate às insanidades do presidente.
Para Bolsonaro, o “estado de golpe” tem absoluta serventia. Amedronta e abre espaço para o próximo estágio.
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