Os programas de fidelidade se tornaram comuns nos últimos tempos. Eles capturam clientes oferecendo trocar pontos, que se acumulam periodicamente, por produtos e serviços disponíveis nos seus catálogos. Nem sempre são escambos justos.
Trocar fidelidade por benefícios também ocorre em ambiente político, com implicações para a saúde moral da sociedade. Alguns dizem que permutar apoios por recompensas pessoais é fazer política. Trocar apoios por projetos, isso sim, é fazer política!
No passado, barganhas imorais eram mais sutis, negociadas em restrito. Exceto quando alguém não cumpria o acordo. Abria-se então a cortina de um espetáculo bizarro. A cena: criminosos enfiando dinheiro de transações espúrias em cuecas, meias e até…
Com o advento da política nas mídias sociais, a fidelidade foi exigida à luz do dia. Os usuários são instados a declarar seus amores a líderes duvidosos, reforçando as falas desconexas dessas figuras. Ao mesmo tempo, lhes é imposto externar suas repulsas aos contendores em estridentes decibéis.
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Contudo, no escurinho do cinema, as velhas práticas permaneceram. As planilhas de fidelização se sofisticaram. Trazem links para os aplicativos de mídia social dos beneficiados, com valores específicos e apoios exigidos.Esse processo tornou-se intolerável. Quaisquer justificativas para o seu uso são cínicas e devem ser anuladas da consciência dos virtuosos.A larga maioria das pessoas não participa desses conchavos. Exercitam suas vontades cidadãs em benefício da boa fé. São crédulos nos dons dos seus políticos. Confiam que seus esforços reverterão em boas políticas públicas.É compreensível esse denodo, pois governos pretéritos foram criminosamente desastrosos e fruto de seus descalabros ainda sofremos muitas sequelas. A mentira é a matriz da corrupção. E foi contra essa praga que nos unimos há dois anos. Não pode ter sido em vão.O contrato entre eleitor e eleito continua pouco legível, com letras miúdas e referências de rodapé que protegem a má gestão dos mandatários. A maioria dos eleitores os assina sem o cuidado de lê-los.Nesse programa existem diferentes classes de cartão. Os BLACK têm acesso aos convescotes do poder e dirigem a massa a partir de uma sala localizada na inacessível torre executiva.Aqueles que participam lá embaixo, figurantes no cenário diário da sobrevivência, são os portadores do cartão mais simples que nada lhes oferece em troca.É quase um roteiro adaptado do filme Show de Truman (1998), obra distópica com Jim Carrey, no qual o ator é ludibriado diariamente, tendo sua vida integralmente dominada pelo diretório central.Sabe aquelas pirâmides financeiras miraculosas? Nelas, o ladino que as gestou, e que sempre se encontra no topo, é o único ganhador. Pois bem, é isso que vem acontecendo.O sistema atual, embora enfermo por tudo que vemos, respira sem aparelhos. As aglomerações confirmaram os analistas de política. Os extremos se estabilizaram. Nichos amalgamados, mas sem expectativas de crescimento. Não são trincheiras inexpugnáveis. Mas merecem ser respeitadas.Os gestores desses grupos já perceberam o rechaço a produtos radicais. Lançarão novas campanhas, buscando tosquiar a velha imagem, adaptando-a aos ares de momento. Resta saber se conseguirão vender a nova efígie.Há um vácuo e, portanto, é hora de lançar-se um novo programa de fidelidade, distinto dos ultrapassados, com regras claras, letras em tamanho normal e cláusulas de destituição mais eficientes contra os maus gestores.Vamos ser claros: se queremos uma opção aos extremos, a via de acesso precisa ser logo mobiliada e pela melhor tropa. Uma que detenha disposição para atacar com resiliência na busca do objetivo final. Uma que saiba unir aliados de naturezas diversas. Quanto mais adiar o ataque principal, mas tempo as defesas adversárias terão para ajustar-se.O que se deseja ao conquistar o objetivo? Uma gestão executiva que promova bem-estar social e recupere nossa confiança como cidadão.Eu não ofereço cheque em branco assinado a qualquer governante para usá-lo em meu nome. Reconheço a importância das escolhas. Acerta-se e erra-se. Mas reconheço mais ainda que o meu voto merece respeito.Otávio Santana do Rêgo Barros
O Jair Messias Bolsonaro mais genuíno aparece toda quinta-feira em celulares e telas. Às 19 horas em ponto começa a live semanal do presidente do Brasil no Facebook. A cada sete dias, o elenco muda, mas o cenário, o roteiro e o tom variam pouco no resumo moldado à medida dos bolsonaristas da direita mais extremista. Dois indígenas, que ele apresentou como “irmãos índios”, o acompanharam esta semana como exemplo vivo do que motiva seu mais polêmico projeto legislativo para a Amazônia. Em calça e camisa, os dois convidados ofereciam a imagem do indígena de que Bolsonaro gosta, o assimilado à vida urbana. Nada a ver com os povos originários que vivem nas aldeias.
O presidente chegou a dizer que, para prosperar, os indígenas deveriam poder plantar em larga escala, cortar madeira, extrair ouro, diamantes ou construir hidrelétricas em suas terras, se assim quiserem (agora é ilegal). Falou-se em desenvolvimento social e econômico, mas nenhuma palavra sobre o valor ecológico dessas terras —que incluem a Amazônia—, a biodiversidade ou a crise climática.
O assunto que tomava as manchetes da imprensa naquele momento —o coronavírus já matou 400 mil brasileiros— foi mencionado de passagem durante a hora de transmissão, feita no Palácio do Planalto, em Brasília. Tudo sem máscaras nem distanciamento de segurança.
É uma espécie de Alô, presidente à la Bolsonaro. Versão 2.0 do formato inventado por outro populista, este de esquerda, o venezuelano Hugo Chávez. É a galáxia paralela que a extrema direita brasileira criou para se comunicar diretamente, agora desde o topo do poder político, com aqueles que permanecem ao seu lado, apesar da pandemia, da inflação, do desemprego e dos escândalos: um terço do eleitorado, segundo as pesquisas.
Com mais de 20 milhões de seguidores nas redes, reúne um grande público neste país de 210 milhões de habitantes. Quase um milhão de internautas assistiu ao último programa ao vivo, que ultrapassou os 93.000 comentários. O poder multiplicador do Facebook e do WhatsApp foi determinante para sua surpreendente vitória eleitoral em 2018 neste país sem televisão pública, onde a Rede Globo domina a televisão com imenso poder midiático.
O formato é sempre o mesmo. Bolsonaro está sentado atrás de uma mesa com um intérprete de sinais à sua esquerda (muitas vezes, a única mulher em cena, porque o Governo é quase todo masculino) e à direita, um ou dois ministros ou altos funcionários a quem ele faz perguntas como se lhes estivessem tomando a lição. Às vezes, anuncia medidas governamentais, como o bônus de Natal do Bolsa Família.
Na quinta-feira foi a vez do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier da Silva, delegado de polícia. Juntos, esmiuçaram a defesa do projeto de lei que visa autorizar a exploração de minérios em terras indígenas com o argumento de que não é possível que milhões de índios vivam na miséria em terras de fabulosas riquezas. Com eles, os indígenas Arnaldo, da etnia parecis, e Josélio, um surucucu. O primeiro falava em português fluente até que Bolsonaro o interrompeu: “Ei, fala alguma coisa na tua língua”.
Como todo populista, o Bolsonaro precisa de inimigos para manter as fileiras cerradas. Os desta quinta-feira eram a Europa, que apresentou como preocupada da boca pra fora com os indígenas, mas alheia às suas misérias, e as ONGs, e uma imprensa que acusa de desinformar ... Também repisou as clássicas ameaças do seu manual: o socialismo, comunismo, a Venezuela, a esquerda, o partido social-democrata, “o candidato que acaba de recuperar seus direitos políticos”, referindo-se a Luiz Inácio Lula da Silva. E com os olhos postos nas eleições presidenciais de 2022, agitou o fantasma da fraude eleitoral. Gabou-se de medidas governamentais e pronunciou uma de suas frases favoritas: “Eu me chamo Messias, mas não faço milagres”.
Os dois assuntos mais quentes na imprensa tradicional apareceram apenas fugazmente. Às vítimas da covid-19, Bolsonaro dedicou poucas palavras: “Lamentamos as mortes, chegou um número enorme de mortes”, seguidas de um apelo: “A gente espera que não haja uma terceira onda, a gente pede a Deus”. E sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que vai analisar a partir da próxima terça-feira as ações e omissões do seu Governo nesta crise sanitária, disse: “A gente continua trabalhando a todo vapor, não tamos preocupados com essa CPI, nós não tamos preocupados”. Em seguida, ele anunciou a inauguração de uma dessas obras eternas.
Desde que descobriu o filão de se comunicar com o povo sem intermediários, Bolsonaro o adotou com fervor. Os FBs ao vivo são agora a zona de conforto deste presidente que não dá coletivas de imprensa, oferece poucas oportunidades de ser abordado diretamente pela imprensa e só concede entrevistas a jornalistas afins. É a sua bolha, onde ninguém o questiona ou critica. As entrevistas diretas incluem perguntas via um celular que um militar traz para ele, mas não vêm do povo, e sim de jornalistas de um programa radiofônico simpático a ele.
O Brasil acaba de cair para a 111ª posição entre 180 países na classificação anual da Repórteres Sem Fronteiras. A RSF sustenta que “o contexto tóxico em que trabalham os profissionais da imprensa brasileira” é culpa principalmente do presidente. “Os insultos, a estigmatização e as humilhações públicas orquestradas contra os jornalistas se tornaram a marca registrada do presidente Bolsonaro, de sua família e de seu círculo próximo”, acrescenta a RSF.
Durante as transmissões presidenciais ao vivo, os internautas comentam. Entre incentivos, elogios e bênçãos ardentes, petições antidemocráticas como a de Rubanubio Pereira Silva: “Presidente, esperamos uma intervenção militar com o senhor à frente”.
Neste país aficionado pelas redes sociais, muitos momentos viralizaram. Dois dos mais polêmicos: ele e seu então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, um trumpista, bebem um copo de leite em um gesto interpretado pelos internautas como um aceno aos supremacistas brancos. E no dia em que o Brasil ultrapassou 55.000 mortes por covid-19, o atual ministro do Turismo, Gilson Machado, tocou no acordeão a Ave Maria em homenagem às vítimas junto com o presidente da “gripezinha”, o ministro da Economia e a intérprete de sinais. Para os 400.000 que morreram, não houve homenagem.
Já que estamos falando de CPI da Covid, vale a pena entrar nas conclusões da mais nova e profunda pesquisa sobre os efeitos do negacionismo no número de casos e de mortes no Brasil: nos municípios onde o presidente Jair Bolsonaro teve mais de 50% dos votos no segundo turno de 2018, o risco de infecção foi 299% e o de mortes, 415% maior do que nos municípios onde ele perdeu a eleição.
Quando o foco fecha nas cidades mais ferrenhamente bolsonaristas, em que ele obteve mais de 70% no segundo turno, o resultado é ainda mais alarmante: quem vive num desses municípios chegou a ter 567% a mais de chance de se infectar e 647% a mais de risco de morrer do que numa cidade onde ele teve menos de 30% dos votos. Isso equivale a sete vezes mais mortes nas cidades onde Bolsonaro ganhou com ampla margem.
“O estudo joga luzes e mostra, metodologicamente, os efeitos nefastos do negacionismo dos líderes, particularmente sobre seus próprios apoiadores e seguidores”, registraram os autores, professores Sandro Cabral (Insper), Nobuiuki Ito (Ibmec) e Leandro Pongeluppe (Universidade de Toronto, Canadá). (Link).
Eles planejaram e executaram um trabalho ambicioso, que condensou os dados de mortes e casos de, nada mais nada menos, todos os 5.570 municípios brasileiros, durante as primeiras 52 semanas da pandemia, equivalentes a um ano. Todo esse banco gigantesco de dois milhões de dados foi cruzado com as informações do TSE sobre os resultados de 2018 em cada cidade.
É claro que outros fatores influenciam no maior ou menor risco de cidadãos e cidadãs por distribuição geográfica, renda, condições sanitárias, mas o estudo nos leva a uma conclusão lógica: onde as pessoas seguiram as orientações erradas e anticientíficas de Bolsonaro, todos ficaram mais expostos ao coronavírus.
Se o presidente combate ostensivamente o isolamento social e as máscaras – únicas “vacinas” possíveis antes das vacinas reais – as pessoas, particularmente as que votaram nele, passam a se aglomerar, a sair sem máscara, a se arriscar. Logo, a se contaminar e a contaminar os demais, inclusive quem não votou em Bolsonaro. E o risco de morte é maior para todos.
Um dado reforça a tese e é de fácil identificação visual nos gráficos da pesquisa: foi na sétima semana da pandemia, quando Bolsonaro fez o último (último!) pronunciamento oficial sobre a covid, no rádio e na TV, que o risco de infecção e morte aumentou claramente nos municípios com maioria bolsonarista em relação aos não bolsonaristas.
Dez semanas depois (na 17.ª), esse descolamento entre os registros nos dois blocos de cidades passa a ter fortíssima significância estatística. Com um detalhe: a partir da 38.ª semana, o distanciamento dispara. A dedução parece também lógica: ocorreu exatamente a partir das eleições municipais, quando os candidatos alinhados ao Planalto replicaram nos municípios bolsonaristas o discurso tóxico do “mito” no combate à pandemia.
A CPI, que começa quente hoje, com o depoimento do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, tem uma profusão de dados e vários caminhos a percorrer no negacionismo de Bolsonaro e de seu governo, incluindo uma guerra insana contra as vacinas, que levou o chefe da Casa Civil a se vacinar escondido. A pesquisa mostra até onde esse negacionismo levou o País.
Como destacaram os professores na apresentação do trabalho, “o estilo negacionista pode ser desastroso para toda a Nação e para a comunidade internacional”. Sim, o mundo não tem mais fronteiras, muito menos as regiões, Estados e municípios brasileiros. É impossível isolar os que se guiam pela ciência e a medicina dos que seguem cegamente os exemplos e as orientações perversas do presidente. Todos saem perdendo. E o resultado é perturbador.
Certa vez escrevi que a vida de uma barata não valia nada no Brasil. Em pânico, sem ter para onde fugir, elas estavam morrendo em massa por uma campanha de dedetização então em curso por algum governo. De Jair Bolsonaro em diante, a frase precisa ser outra: o que não vale nada é a vida do brasileiro.
Diante de uma pandemia que acabara de surgir e já assombrava o mundo, Bolsonaro classificou-a como uma "gripezinha", que pouparia quem tivesse "histórico de atleta" e só mataria os velhos, o que, segundo ele, não era nada demais. Nos meses seguintes, à medida que a peste se espalhava e o Brasil enterrava pais e avós, Bolsonaro continuou a fomentá-la, exibindo-se sem máscara, promovendo aglomerações e debochando dos mortos e de suas famílias.
Em seguida, saiu à praça como camelô da cloroquina, droga tão eficaz no tratamento precoce da doença quanto no da ejaculação precoce. Obrigou o Exército a fabricá-la e médicos e hospitais a prescrevê-la, o que resultou em ainda mais mortes, agora também de nossos filhos e netos. Não satisfeito, Bolsonaro desdenhou das vacinas, sabotou sua importação e suspendeu compras. Muitos que estariam hoje se beneficiando delas já foram para o cemitério.
Bolsonaro pôde fazer o que quis porque, livre dos profissionais que tentavam impor as medidas adequadas, escalou como ministro cenográfico um palhaço de farda, Eduardo Pazuello, pronto a trocar a chefia da faxina de um quartel pela de executor de uma política de extermínio.
Nunca uma CPI teve tantos e tão bem documentados crimes a investigar. Afinal, tudo o que Bolsonaro, Pazuello e seus asseclas disseram e fizeram foi gravado —até por eles mesmos, certos da impunidade. Trataram os brasileiros como se fôssemos baratas, mas, agora, num surto de covardia que só não causa mais repugnância porque esperado, quem busca buracos para se esconder, como baratas em pânico, são eles.
"Nunca vi a escola como um negócio que futuramente me daria retorno. Eu ia para a escola quando mais novo, pois era obrigado." Essa é a visão que um ex-estudante da rede pública tinha da escola. Ele agora faz parte da estatística de alunos que não concluíram a educação básica. Dados da PNAD Educação 2019 apontaram que 20% das 50 milhões de pessoas de 14 a 29 anos no país não completaram alguma das etapas da educação básica.O segundo maior motivo para a evasão escolar foi a "falta de interesse" e correspondeu a 29% do total de alunos que abandonaram a escola – o primeiro motivo é a necessidade de trabalhar (39%). Ao fazermos do diploma do ensino médio um pré-requisito para quase todos os empregos formais atualmente, criamos uma dificuldade de inserção no mercado de trabalho para aqueles que não o possuem. Nesse cenário, esses jovens acabam aceitando qualquer emprego para sobreviver, mesmo aqueles em que podem ser explorados ou não ter acesso a direitos trabalhistas básicos.Por essa razão, acho o termo "falta de interesse" raso e perigoso, pois ao definirmos 2,9 milhões de jovens assim, estamos, consequentemente, assumindo que eles simplesmente escolheram ter uma vida adulta de dificuldade financeira, falta de oportunidades e sujeita a exploração no mercado de trabalho. Além disso, perdemos a oportunidade de os ouvir para entender o que faltou na escola para eles, se viam sentido nela.Histórico de reprovaçãoPara entender um pouco as histórias de vida por trás da "falta de interesse", tive a oportunidade de conversar com quatro estudantes que abandonaram a escola e se enquadram no perfil. Um deles é do Amapá; uma é da Bahia; um, do Rio Grande do Sul; e o outro, de São Paulo.Por coincidência, todos tinham histórico de reprovação antes de optarem por parar de frequentar a escola. "Na última vez que reprovei, caiu a minha ficha. No primeiro dia de aula quando voltei, pensei que tinha ido para o terceiro ano e não tinha ido. Naquele dia eu chorei tanto, meu Deus do céu", diz o aluno do Sul. Segundo os estudantes, se não tivessem repetido outras vezes, não teriam desistido.Como os pais lidaram com as reprovações e a desistência? De acordo com os estudantes, de forma um tanto quanto indiferente. Segundo a aluna da Bahia: "Quando eu contei, eles já esperavam. Sabe a cara deles de 'tanto faz para mim, já esperava isso de você'. Aí meu pai disse que não valeria a pena tentar mais, pois iria reprovar novamente. Ali, para mim, meu mundo caiu. Coloquei na cabeça e nem tento mais. Sei que vou fracassar de novo. Foi ali que pensei, realmente devo parar, mas sinto muito falta".Distante do "mundo real"O maior motivo das reprovações foram as faltas. Eles simplesmente não tinham vontade de ir para a escola. Não viam sentido nem relação entre a instituição e o "mundo real" que conheciam. Principalmente, não enxergavam a escola como um instrumento de acesso a um futuro com mais oportunidades."Eu já tinha um pensamento de que estudo, lá na frente, não faria falta pra mim", diz o aluno de São Paulo. Já o do Amapá disse que "vivia bagunçando, queria ficar jogando bola. Fui expulso de uma escola, até hoje não me querem lá. Fui com alguns amigos. Ai me lasquei, né?"Talvez a grande dificuldade seja fazer com que esses jovens vejam sentido na escola. Certamente não será tentando os convencer, a qualquer custo, de que é importante ler livros, ter acesso à literatura clássica e aprender matemática. Falta um sentido mais prático. Penso que, primeiro, precisamos buscar formas de tornar o mais visual, óbvio e explícito possível a relação entre escolaridade e mercado de trabalho. Dessa forma, pelo menos, iremos conseguir trazer para a conversa esses alunos "desinteressados". Eles poderão se apropriar mais da escola sabendo que ela terá uma relação direta com os seus sonhos e planos futuros. Pois todos eles têm sonhos, mas não associam a escola como instrumento para os alcançar.Com eles na conversa e como parte ativa na construção de como a escola deveria ser, poderemos os ouvir e, principalmente, aprender com eles. Quais são as demandas que eles têm, mas que a escola não cobre? Como gostariam que fosse? O que falta para verem sentido nela? Dessa forma, teríamos na construção da educação brasileira também as vozes desses milhões de alunos que atualmente, infelizmente, não se interessam por ela.Vinícius De Andrade