sexta-feira, 2 de novembro de 2018

O soldado Moro

Petistas, esquerdistas, condenados, investigados, juristas e advogados reagiram mal à ida do juiz Sérgio Moro para o Ministério da Justiça de Jair Bolsonaro, mas, mais uma vez, eles estão em minoria e, no fim, o PT vai ficar falando sozinho. A grande maioria, principalmente nas redes sociais e no mercado financeiro, não foi só a favor, mas entusiasticamente a favor da novidade.

Segundo Bolsonaro, Moro agiu como “soldado, indo à guerra sem medo de morrer”. De fato, Moro sabia que os ataques seriam implacáveis, mas balançou os prós e contras e assumiu a trincheira com inimigos definidos, objetivos claros e a ambição de reunir todo o aparato federal possível para jogar o combate à corrupção e ao crime organizado no centro do governo e da própria agenda política.

Ao resgatar para a Justiça o recém-criado Ministério da Segurança Pública, Moro terá uma Polícia Federal fortalecida, a Controladoria-Geral da República e, se a lei permitir, também o Coaf, unidade de inteligência para detectar movimentações atípicas e crimes financeiros transnacionais.


Assim, Moro deixa de ser o juiz de Curitiba e passa a ser o principal responsável pelo combate à corrupção na administração pública e o “xerife” contra organizações criminosas que pululam pelo País afora. Lutará também por novas regras anticorrupção, contra a lei de abuso de autoridade e para evitar retrocessos na Lava Jato. Com ele, vai ser difícil “estancar a sangria”.

Moro nem deve ter se dado conta disso, mas pode vir também a ter um papel adicional: funcionar como escudo contra quaisquer ameaças ou investidas verbais contra o estado democrático de direito. Por mais que tenha divergências, até rusgas, com um ministro ou outro, nesse caso cerrará fileiras com o Supremo pela Constituição.

Bolsonaro, que disparou graças à condenação firme à corrupção, prometeu aparato e munição a Moro, seu maior troféu na formação do Ministério. Estava tão feliz pelo golaço que ontem mesmo deu entrevista coletiva, leve, coloquial. Só errou ao barrar os jornais, uma implicância boba. E atiçou a curiosidade ao admitir que tem “pouco contato” com o vice, general Hamilton Mourão, mas isso é outra história.

A ida de Sérgio Moro para a Justiça, porém, ainda vai dar muito pano para a manga da oposição, particularmente do PT. Ontem, petistas diziam que “caiu a máscara” de Moro e enumeravam decisões que tomou como magistrado que, segundo eles, prejudicaram diretamente o ex-presidente Lula, preso em Curitiba e impedido pela Lei da Ficha Limpa de concorrer contra Bolsonaro na eleição.

Segundo eles, tudo está explicado. O vazamento da conversa entre a então presidente Dilma Rousseff e Lula às vésperas da nomeação dele para a Casa Civil, com o foro privilegiado de brinde, além da divulgação de parte da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci contra Lula e o PT bem no meio da eleição. Agora, o partido promete passar das palavras aos atos, ou melhor, às ações para tentar até mesmo anular a condenação – logo, a prisão – de Lula.

Não dará em nada, mas chateia, cria saias, ou melhor, “togas-justas” no Supremo e engrossa o discurso de entidades internacionais que até agora ainda querem acreditar que o impeachment de Dilma foi “golpe” e que Lula é “preso político”.

Como se diz no jargão da economia, Moro já tinha precificado essa reação e essas acusações antes de desembarcar no Rio ontem para dizer sim a Jair Bolsonaro. Além da vaidade, da ambição profissional e do sonho de se firmar para sempre como o líder do combate à corrupção – tudo isso legítimo –, Moro aceitou o cargo com duas certezas: a de que dará um choque na corrupção sistêmica e a de que o Brasil nunca será como antes. Boa sorte!

Gente fora do mapa


Mano Brown e a música do PT

A realidade é que o PT tem muita dificuldade de encarar a realidade. Contribui para isto o romantismo da esquerda, o superdimensionamento de seu papel na política nacional, a arrogância oceânica e a vaidade temerária que possui. Isto tudo, agora, reforçado pelo parcial sucesso no primeiro turno e por uma avaliação incorreta a respeito do resultado do segundo. Não compreendeu o que na lata lhe disse Mano Brown: “a cegueira que atinge lá [o eleitorado de Jair Bolsonaro] atinge nós também. Não tem o que comemorar.” Foi vaiado.

Disse mais o vocalista dos Racionais:afirmou não gostar de política “porque política não rima, não tem suingue, não tem balanço, não tem nada que me interesse. Eu gosto de música.'' A política já foi bossa nova, já foi rock´n´roll, já deu samba e fez Hip hop. Contudo, hoje é dissonante. Sua rima é pobre, o charme é zero, o resultado é ralo. Em especial, a banda do PT parou para ver o tempo passar. Calou o som que possuiu um dia.

O cidadão comum tem questões, medos e anseios que o sistema não compreende. Seu presente é incerto e ainda mais o futuro. Foram imensas as transformações que o atingiram na sua tradicional concepção de família, no que tinha por ideal como emprego; revolucionou a tecnologia o mundo do trabalho. Na segurança, no mais elementar ato de cidadania que é o de andar nas ruas, o terror de uma bala perdida encontrar um dos seus.


Mas nem por isso a política deixou de ser necessária, um imperativo para a humanidade, num mundo muito mais complexo que antes. Disse Caetano Veloso que “ele [Jair Bolsonaro] trouxe complexidade”; na verdade, JB a revelou. A complexidade que o PT não apreende, pois tanto quanto Bolsonaro parece fazer parte de outro século, de outra realidade. Com o agravante, como assinalou Mano Brown, de perder o pulso das ruas, muito mais que a eleição.

Em virtude disto, é inevitável reconhecer que o país precisa de uma nova oposição cuja maior virtude residirá na disposição para reconhecer erros e se corrigir, na organização de uma ampla frente ampla capaz de reavaliar o mundo e reinterpreta-lo. Um mundo com Donalds Trumps, que fazem Marine Le Pen parecer uma freira moderada; num tempo em que o dimensional Jair Bolsonaro é eleito presidente num país multirracional, multicultural e multifacetado de glórias e tragédias.

O PT, no entanto, sob esta perspectiva, parece incapaz de reunir e arejar os derrotados por Bolsonaro: PDT, PSB, PSOL, PSTU, PCdoB, MDB, PSDB; a sociedade. Menos ainda aqueles que contra o PT anularam ou votaram no ex-capitão, e mesmo assim não se sentem representados porque, no fim, não era exatamente o que queriam.

Opartido foi para a derrota acreditando que, na segunda-feira, ainda amanheceria como protagonista da oposição, sem que tivesse muito mais a dizer a não ser atribuir culpas aos outros por sua derrota diante de Bolsonaro. Uma derrota recheada de erros estratégicos, de teimosia, de estreitismo político, econômico e intelectual. Nem o parceiro PCdoB ficou para o café da manhã.

Suspeito que o PT não tenha, infelizmente, nada a dizer senão que, logo mais, sem tardar, irá lançar mão da surrada palavra de ordem “Fora Bolsonaro”, repetindo o que fez com Collor, FHC e mais recentemente com Michel Temer, sem mostrar as saídas do labirinto; apenas, mais uma vez, amaldiçoando a escuridão que de fato existe. E isto já não basta pois a realidade ficou, como indicou Caetano, mais complexa e Jair Bolsonaro é um aflitivo exemplo vivo disso, dessa complexidade e desse enigma que precisam ser decifrados.

Ok, reconheça-se que hoje é muito fácil falar mal do PT. Quase não há custo e ainda pode soar como providencial, oportunista e velado tributo à nova ordem que se instalou com a eleição. Mas, é melhor encarar a realidade de que há um longo caminho para a oposição e para reconstrução da política no Brasil.

Neste momento, o caminho consiste em baixar a bola do PT, até para reintegrar parcela de seus membros. Descobrir e colocar novos atores em cena. Encontrar novas rimas, novo balanço, redescobrir o suingue de uma nova política. Compor sua música.
Carlos Melo

A grande ameaça

A ameaça à democracia brasileira veio da corrupção, de partidos políticos que quiseram seu bem próprio, em vez do bem público, e a frustração profunda que isso produziu na população brasileira
Thomas Shannon, ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil

Com Moro, Bolsonaro tranca o PT na sua fábula

A campanha eleitoral de 2018 impôs ao PT o desafio de superar sua lulodependência. O partido deveria guindar Lula à condição de totem e iniciar sessões de fisioterapia política para aprender a andar sem a muleta presidiária. Entretanto, num instante em que uma ala do petismo cobrava internamente a abertura de novos caminhos, Jair Bolsonaro trancou os arquirrivais na velha fábula da perseguição política. Fez isso ao tornar Sergio Moro ministro da Justiça.

“…Sergio Moro revelou definitivamente sua parcialidade como juiz e suas verdadeiras opções políticas. Sua máscara caiu”, escreveu o PT em nota oficial. “Moro foi um dos mais destacados agentes do processo político e eleitoral. Desde o começo da Operação Lava Jato agiu não para combater a corrupção, mas para destruir a esquerda, o Partido dos Trabalhadores e o governo que dirigia o país.” Indagado sobre a reação, Bolsonaro divertiu-se: se eles estão reclamando, é sinal de que acertamos, declarou.

Com um único movimento, o capitão atingiu dois objetivos: grudou o selo de moralidade da Lava Jato no casco do seu futuro governo e manteve o PT no círculo vicioso da criminalização da política. Como se sabe, o PT foi criminalizada pelos criminosos petistas que violaram cofres públicos ou autorizaram o roubo, beneficiando-se dele. Lula meteu-se nessa encrenca porque quis.

Ao içar Sergio Moro de Curitiba para Brasília, Bolsonaro ofereceu ao PT um demônio providencial para o qual transferir as culpas por todos os seus fiascos. O tempo que os rivais utilizariam para estruturar a oposição é desperdiçado no esforço para tentar transformar corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa em perseguiução política.

A nota do PT bateu bumbo: “Moro sempre foi um juiz parcial, sempre agiu com intenções políticas, e isso fica evidenciado aos olhos do Brasil e do mundo, quando ele assume um cargo no governo que ajudou a eleger com suas decisões contra Lula e a campanha de difamação do PT que ele alimentou, em cumplicidade com a maior parte da mídia.”

Ao morder a isca de Bolsonaro, o PT revela que não aprendeu muita coisa com o castigo das urnas. Quem elegeu o capitão foi a maior força política da temporada de 2018: o antipetismo. Trancafiado em sua fábula, o PT ainda não notou. Entretanto, perto do maremoto provocado pela aversão do eleitorado ao PT, a influência de Moro e o poder da mídia não passam de chuviscos.

Sob nova direção

Nunca na história deste país se viu um governo democrático montar um ministério sem toma lá dá cá com os partidos. Se Bolsonoro conseguir, será uma façanha. Pela primeira vez, os políticos não poderão transformar os ministérios e estatais em feudos e suas equipes em quadrilhas. Diz ele que vai escolher os melhores para cada pasta, mas isso depende do que ele entende por “melhores”...

Sim, é ótimo reduzir os ministérios e outras máquinas de cooptação e de torrar dinheiro público, onde qualquer mequetrefe tem carro com motorista, que é o simbolo mais afrontoso dos privilégios que ele promete acabar. Além de cortar cargos, é preciso cortar carros, e motoristas, gasolina e oficina. Quem pode ser contra isso?


Só a ideia de chamar o juiz Sergio Moro para o Ministério da Justiça, ainda que ele não aceitasse, já seria uma sinalização de forte apoio à Lava-Jato e ao fim da impunidade, que é pior do que a corrupção em si. Corrupção há em toda parte, mas impunidade institucionalizada só aqui e em cleptocracias africanas.

Para isto, quanto mais estatais, melhor: o aparelhamento e as indicações políticas resultam no que se viu na Petrobras e em outras estatais. As privatizadas são movidas a eficiência e resultados, a corrupção é prejuízo para os acionistas. Quanto mais crescem, melhor para emprego e salários, e maiores os impostos pagos ao Estado. O que é melhor?

É patético o PT achar que os 45 milhões de votos em Haddad foram para o partido. Assim como o antipetismo elegeu Bolsonaro, foi o antibolsonarismo que deu essa votação a Haddad. Por isso, Ciro Gomes, o PDT e outros partidos querem formar uma frente de oposição — sem o PT.

Mas as hordas fanáticas ainda continuam se escoiceando em combate, com um lado insistindo na denúncia falsa da histórica fake do “kit gay”, e o outro, na fake “a ONU determinou que Lula fosse solto”, que foi só uma recomendação de dois conselheiros de um subcomitê, sem efeito legal no Brasil.

O que é pior: não saber perder ou não saber ganhar?

Pensamento do Dia

Pawel Kuczynski

Uma ciência política cética

Há competência na maioria dos eleitores para escolher o presidente?

O número de títulos recentes que trazem um olhar cético sobre a democracia cresce. No caso específico que analiso aqui, esse olhar cético cai sobre a figura do eleitor. Não conhecemos nenhum sistema político melhor, mas isso não deve nos impedir de refletir de forma menos apaixonada sobre a democracia.

Existem dois modos de se fazer ciência política. Um primeiro, mais conhecido, pensa a democracia como projeto a ser aperfeiçoado nas suas virtudes. Modo muito necessário, que não é posto em dúvida por nenhum autor que represente uma abordagem mais empírica e cética da ciência política (este é o segundo modo de se fazer ciência política). As virtudes da democracia são o voto, os limites institucionais do poder representativo, a liberdade, a autonomia dos poderes, enfim, os pesos e contrapesos.


Bartels e Achen, em 2016, no seu “Democracy for Realists” (Democracia para Realistas), com sólida base empírica, nos chamavam a atenção para o fato de que a democracia é carregada de expectativas míticas (“folk theory of democracy”). Uma delas é que eleitores com maior formação educacional fazem escolhas “melhores” ou escapam de viés ideológico pesado na sua prática como eleitor. Pelo contrário, sabemos que muitos intelectuais, professores acadêmicos e jornalistas (os especialistas) votam a partir de cargas ideológicas latentes ou explícitas muito distantes do que se poderia chamar de escolhas racionais. Insistências em partidos e ou candidatos duvidosos são frequentemente objeto de culto devocional por parte de especialistas. Isso é óbvio.

Pessoas não especialistas não dispõem de tempo ou interesse prioritário dedicado a política e eleições. Na maioria das vezes estão morrendo, enterrando mortos, casando ou separando, tendo filhos e pagando contas demais para dar atenção ao tema. Segundo nossos dois autores, a maioria esmagadora das pessoas, quando se envolvem e debatem política, o fazem para reforçar suas crenças e destruir as dos outros, como as mídias sociais deixam muito claro.

Outra obra, ainda mais cética, também de 2016, escrita por Jason Brennan, “Against Democracy” (Contra a Democracia), vai mais longe em seu ceticismo para com a competência do eleitor. Os inteligentinhos não devem entender o título do livro ou a discussão que ele traz como uma proposta tosca de sistemas totalitários.

A dúvida de Brennan, que apresento aqui apenas em um dos seus aspectos, é se há competência na maioria esmagadora dos eleitores para decidir quem deve fazer a complexa gestão das sociedades. Brennan nos apresenta uma tipologia lúdica, mas nem por isso menos potente.

Os eleitores estariam divididos em três tipos. Os dois primeiros, representantes da maioria esmagadora; o terceiro, uma figura extremamente rara entre os eleitores. O primeiro são os “hobbits”, eleitores sem nenhum conhecimento sobre política ou temas como gestão de governo. Costumam ser desinteressados e votam de modo absolutamente inconsistente. Estes são disputados a ferro e fogo (por conta de seu peso numérico) pelo segundo tipo, os “hooligans”, eleitores aguerridos, com maior conhecimento de política, mas absolutamente enviesados ideologicamente, e cegos a qualquer crítica ao seu modo de pensar. O Brasil está tomado por “hooligans” nas mídias sociais. Agressivos, assertivos e impermeáveis a qualquer racionalidade cética em relação às suas crenças.

Por último, os “vulcanos” —referência ao personagem do planeta Vulcan, Mr Spock, do filme “Jornada nas Estrelas”, conhecido por sua inteligência superior, científica, sincera e racional. Um tanto blasés, bem informados e sem viés ideológico, não têm nenhum impacto nos resultados eleitorais, devido ao seu caráter numérico insignificante e à sua visão complexa da política. Em tese, salvariam a democracia de sua derrocada populista. Mas, infelizmente, são raríssimos. E a democracia é um regime de quantidades.

Outra obra cética é “People vs Democracy” (Povo x Democracia), de Yascha Mounk, essa de 2018. Para o autor, existem duas grandes ameaças à democracia. A primeira vem do caráter populista dela e de como as mídias sociais empoderam o indivíduo em sua tentação populista. Democracias podem eleger líderes muito populares e muito autoritários. Outra ameaça são agências como o Banco Central Europeu esvaziar o voto por considerá-lo irrelevante e incompetente em assuntos econômicos. Alguém discordaria que o cidadão comum não entende nada de economia complexa?

Luiz Felipe Pondé

No fundo do poço

Quatro anos atrás, apenas quatro anos atrás, o ex-­presidente Lula estava no topo do mundo — ou, pelo menos, acreditava que não havia ninguém acima dele no resto do planeta. Tinha sido presidente da República, eleito e reeleito, por oito anos seguidos. Nesse período, por uma razão ou outra, convenceu os grandes colossos do pensamento político brasileiro e internacional de que seu governo havia sido um fabuloso sucesso, e de que ele, pessoalmente, era um novo Stupor Mundi, o “Espanto do Mundo” neste despertar do século XXI. “He’s the man”,disse dele Barack Obama — ele é “o cara”. Outros altos lordes da cena mundial, do secretário-geral da ONU ao Santo Padre o Papa, lhe prestavam homenagem. Economistas, sociólogos e filósofos acreditavam que Lula conseguira “avanços sociais” inéditos para o Brasil — uma combinação rara de distribuição de renda, eliminação da pobreza e progresso econômico. Tinha eleito sua sucessora Dilma Rousseff, uma nulidade da qual ninguém jamais ouvira falar — e, mais ainda, conseguira o quase milagre da sua reeleição, em 2014. Tinha sobrevivido a pelo menos um escândalo gigante, o da corrupção em massa de parlamentares do mensalão. Tinha descoberto o pré-sal e ia fazer o Brasil entrar na Opep. Tinha construído um estádio bilionário para o Sport Club Corinthians Paulista.

Neste domingo, ao se encerrar a apuração do segundo turno da eleição presidencial de 2018, Lula estava na lona — ou, se quiserem, continuava na sua viagem rumo ao fundo do poço, que ele iniciou dois ou três anos atrás e imaginou que fosse capaz de interromper com uma vitória eleitoral milagrosa. Seu candidato, Fernando Haddad, foi derrotado por um adversário que até seis meses atrás não existia na política brasileira. Confirmou-se, no segundo turno, o que foi anunciado no primeiro: Lula, hoje, é uma garantia de derrota para tudo o que aparece ligado ao seu nome. Quer ganhar uma eleição? Mostre ao eleitorado, como fez Jair Bolsonaro, que você é 100% contra Lula. Seu partido virou picadinho. Sua reputação continua em ruínas, e só afundou mais com a ação arruaceira do PT para tumultuar o pleito. Pior que tudo, Lula sai das eleições no mesmo lugar onde estava quando entrou nelas: na cadeia, cumprindo há sete meses uma pena de doze anos por corrupção e lavagem de dinheiro. Após mais de trinta anos no centro das decisões, pode estar a caminho de ser eliminado como uma força ativa na vida política do Brasil.

O que aconteceu com Lula e com o PT em tão pouco tempo? É extraordinariamente pesado para Lula, depois de usar um maciço sistema de forças, pressões e dinheiro para convencer o público de que é um “preso político” condenado sem “provas”, receber a sentença que ele recebeu do eleitorado brasileiro: não, não queremos mais que você seja presidente; queremos, isto sim, que você continue na cadeia. Está na cara que em algum momento, entre as alturas de 2014 e o desastre da eleição de 2018, alguma coisa deu horrivelmente errado. O que foi? Na verdade, muitas coisas deram errado — ou, mais exatamente, quase nada mais deu certo desde o momento em que, já no segundo governo Dilma, a Justiça brasileira começou a investigar de verdade a corrupção no governo. A Operação Lava-Jato foi um terremoto em câmera lenta. Continua até hoje a mandar gente para a penitenciária, mas no início praticamente ninguém acreditava que aquilo fosse dar em alguma coisa. Nunca tinha dado. Por que iria dar agora?

Acontece que a Lava-Jato e o trabalho do juiz Sergio Moro, mais o Ministério Público, a Polícia Federal e o TRF4 de Porto Alegre, acabaram, sim, dando em muita coisa — na verdade, jamais uma ação do Judiciário brasileiro deu em tanta coisa. Eventualmente, com o tempo, mostraram que o rei estava nu, ao provar que nos governos de Lula e de Dilma a prática da corrupção superou a roubalheira de qualquer outra época, talvez em qualquer lugar do mundo. Lula esteve entre os que não acreditaram que a terra começava a tremer. Estava errado.

Pior que estar errado é continuar errando, e nisso Lula tem se mostrado insuperável ao longo de seus anos de desmanche. Não é tão complicado assim entender o porquê. Um dos problemas do ex-presidente é essa coisa de dizerem o tempo todo que ele é um gênio da política, um cérebro com capacidade sobrenatural para sair ganhando de qualquer desastre em que se mete. Falam assim os devotos, os admiradores liberais, a mídia, o mundo e os adversários. A complicação é que o ex-presidente acredita nisso tudo. Parece não compreender que, quando os entendidos em política anunciam que Lula é capaz de voar, quem tem de acreditar é a plateia, não ele. Mas Lula acredita — e, como não voa, só pode mesmo acabar despencando no chão. Talvez ninguém tenha resumido a situação tão bem quanto o senador eleito Cid Gomes, do Ceará, ao ser confrontado com um pelotão de fiéis que gritavam “Lula, Lula”, logo após o naufrágio no primeiro turno. “O Lula está na cadeia, babaca.”

Sua principal conquista, hoje, se resume a sair um dia da prisão — pouca coisa para quem já esteve na primeiríssima classe da vida. O fato é que o ex-presidente não soube reagir quando começou a sofrer derrotas, e a melhor demonstração disso é que não quis, em nenhum momento, admitir que tinha sido derrotado em alguma coisa. Em vez disso, e de pensar com seriedade nas causas de seus problemas, resolveu embarcar num cruzeiro de ilusões. Problema? Que problema? No primeiro tombo complicado, no episódio do mensalão, começou dizendo que tinha sido “apunhalado pelas costas” e que o povo merecia “desculpas” — mas, um minuto depois de ver que ia escapar do desastre a preço de custo, voltou atrás e passou a jurar que não havia acontecido nada de errado, imaginem só que absurdo. Daí em diante, nunca mais acertou o passo. Como se livrou do primeiro desastre, achou que iria se livrar de todos — só que, na vida real, não estava se livrando de nada. Estava apenas aumentando o tamanho do buraco em que tinha se enfiado.

A sequência é bem conhecida. Lula errou horrendamente quando escolheu Dilma para guardar sua cadeira de presidente por quatro anos. Errou de novo quando ela não quis sair e inventou de ser reeleita; em vez de exigir que o “poste” fosse embora para que ele próprio se lançasse candidato à Presidência, como planejava, fez de conta que estava tudo bem. Seguiu-se, daí, a maior calamidade que Lula e o PT poderiam esperar — Dilma foi um desastre ainda pior depois da reeleição, e tanto ele como o partido ficaram olhando, sem fazer nada, enquanto a grande “gerente” mandava tudo para o espaço. Quando o povo foi para a rua, em multidões cada vez maiores, Lula e o PT decidiram que não estava acontecendo nada; era só um bando de “coxinhas” fazendo barulho no domingão. Quando perceberam, enfim, que aquilo tudo estava simplesmente levando ao impeachment de Dilma, perderam de novo. Lula tentou ser ministro — foi barrado pela Justiça, que a essa altura já estava roncando à sua volta. Mudou-se para Brasília, imaginando que tinha poder para virar a votação no Congresso a favor de Dilma. A sucessora acabou deposta por quase três quartos dos votos.

Não passou pela cabeça de Lula nem pela dos dirigentes do PT, a essa altura, que a situação toda estava indo para o saco. Ao contrário: acharam que a grande ideia era “ir para cima” e balançar ainda mais o barco. Inventou-se a lenda do golpe — não colou. Partiram para uma briga com a opinião pública, do tipo “ou eu ou ele”, entre Lula e Sergio Moro, o “juizinho do interior” — deu Moro, disparado. Em vez de montar uma defesa jurídica profissional, técnica e voltada para a eficácia, Lula decidiu transformar seu processo numa “causa política”, sonhando que “a população” fosse bloquear o trabalho normal da Justiça e salvar o seu couro — apesar de todas as provas de que “a população”, já fazia muito tempo, estava pouco ligando para o que lhe acontecia. Ficou apostando em safar-se com trapaças jurídicas miúdas, ou com traficâncias no submundo dos tribunais superiores, ou com acertos secretos na “segunda turma” do STF — capaz, no imaginário petista, de salvar da cadeia não só Lula, mas quem Lula mandasse ser salvo. Não deu em nada. Com ele já trancado em sua cela em Curitiba, montou-se a fantasia de um acampamento gigante em torno da prisão, que ali ficaria “até Lula ser solto”. No seu momento de maior esplendor, o cerco reuniu 500 pessoas. Chegou a ficar com setenta. Há muito tempo não existe mais. A “convulsão social” com “derramamento de sangue” prometida pelo alto-comando do PT jamais apareceu. “A ONU” mandou soltar Lula, anunciou-se através do mundo. Ninguém ligou — possivelmente nem a ONU.

A última tentativa de virar o jogo, com a campanha eleitoral, teve o seu desfecho neste domingo, com o resultado que se sabe. Como em quase tudo o que tem acontecido com Lula e o PT no passado recente, foi uma sucessão de erros, cegueira e ilusões. Começou com a alucinação de que Lula, preso e condenado em duas instâncias a doze anos de xadrez, seria o candidato do partido. Daí em diante só piorou. Em nenhum momento o ex-presidente tentou entender por que, afinal de contas, tanta gente estava querendo votar em Jair Bolsonaro. Nem ele nem o seu sistema de apoio se interessaram em pensar um pouco nas propostas do adversário — e muito menos em propor alguma alternativa a elas. 

Ficaram repetindo, do começo ao fim, a mesma lista de acusações a Bolsonaro, apesar do evidente pouco-caso da maioria do eleitorado em relação a todas elas — homofobia, racismo, fascismo, elogio à tortura, desprezo à mulher, defesa do porte de armas, intenção de criar uma ditadura no Brasil. Deram a impressão de não ter percebido que nada disso tirou um voto sequer do concorrente. Nem mesmo notaram a realidade básica de que não podiam tratar como “inimigo”, ou “ameaça”, um candidato que não era nem inimigo nem ameaça para os 50 milhões de brasileiros que votaram nele no primeiro turno. Onde está o “gênio político” que não prestou atenção a nenhuma dessas coisas?

Lula e o PT tiveram uma ilusão fatal, também, com a sua celebradíssima capacidade de “transferir votos” e de transformar “postes” em governantes vitoriosos. Há transferência a favor, claro, mas hoje em dia o problema é que Lula, ao mesmo tempo, transfere voto contra para os seus candidatos; ganha um, perde dois. Já transferiu com sucesso votos para Dilma e para o próprio Fernando Haddad, presenteado com a prefeitura de São Paulo. Mas aí era outro Lula. Já há dois anos, na última vez que se pôde medir seu condão de transferir votos, não transferiu nada — não funcionou, aliás, com o mesmo Haddad, que perdeu a prefeitura no primeiro turno para um adversário que nunca tinha disputado uma eleição na vida. O PT, nas eleições municipais de 2016, foi moído nas urnas. Lula, a essa altura, era um Lula a caminho da cadeia; já não conseguia eleger postes, como não elegeu agora. A ficha demorou a cair. A votação do primeiro turno avisou: “Fora, Lula”. E qual a primeira coisa que Haddad fez logo depois de ter ouvido esse recado? Foi visitar Lula na cadeia.

Houve uma tentativa aparentemente desesperada, aí, para virar a casaca — mas já era tarde demais. Os cérebros estratégicos do partido acharam melhor, no segundo turno, que Haddad se transformasse num personagem de fic­ção, inexistente até a véspera. Queriam que ele aparecesse, de repente, como um sujeito que não tinha nada a ver com Lula. Tiraram o nome do ex-presidente da campanha, e sumiram as máscaras com o rosto de Lula sobrepondo-se ao de Haddad. O vermelho foi suprimido da paleta de cores do PT — tudo ficou subitamente verde-amarelo. O programa do candidato foi mudado: apagaram alguns dos pontos mais claramente suicidas e instruíram o até então Lula-Haddad-Lula-Haddad-Lula-Haddad a fazer uma cara de Fernando Henrique. Perda de tempo. Galinha que anda com pato, como ensina o dito popular, acaba morrendo afogada. Haddad andou tanto com Lula que acabou entrando na água com ele. Entrou vestido de verde-amarelo, mas a roupa a essa altura não adiantava mais nada. Também não adiantou fingir que era Haddad.

Em seu desabamento progressivo, Lula, com a ajuda empolgada do PT, quis representar o papel de mártir. Péssima ideia. Brasileiro, no fundo, não gosta de gente que está na cadeia. Não acha que as penitenciárias estejam cheias de injustiçados. Acha o contrário — que há muita gente culpada do lado de fora. Para a maioria do eleitorado, Lula não é vítima, nem preso político. É só um político ladrão que foi condenado — como deveriam ser nove entre dez dos que continuam soltos. Não é um julgamento sereno, mas é assim que a massa pensa e continuará pensando, e vai apenas perder seu tempo quem quiser convencê-la do contrário. Revela muito da decomposição política de Lula e do PT o fato de terem achado que uma cela de cadeia é um lugar capaz de despertar admiração no povo ou de servir como centro de comando de uma campanha eleitoral.

A vida é cheia de surpresas, como acaba de mostrar a eleição de Bolsonaro, e coisas que nunca aconteceram antes sempre podem acontecer um dia. Lula e seu complexo de forças, mais a quase totalidade dos que se dedicam a explicar o que ocorre na política brasileira, precisariam recomeçar do zero para ter alguma chance de entender, algum dia, o que está havendo com o Brasil de 2018 — e o que pode vir pela frente. Há várias maneiras de fazer isso, mas uma delas, certamente, é admitir que existe neste país uma imensa quantidade de gente inconformada com quase tudo o que o poder público lhe serviu nos últimos trinta anos, de José Sarney a Michel Temer. Os políticos perderam o controle das ruas — e para a esquerda, que sempre imaginou que a rua estaria do seu lado, a perda é uma calamidade ainda maior. O fato real é que Lula e seu partido não têm mais nada a ver com a massa, como não tinham nas manifestações de 2015 e 2016. Quem leva gente à praça pública, hoje, é o presidente eleito Jair Bolsonaro. Enquanto essa realidade não for encarada com firmeza, ele continuará sem competição verdadeira.

A insanidade das sacolas plásticas no Brasil

Estou na fila do caixa de um grande supermercado no Rio. Antes de sair, assegurei-me que o meu celular estava carregado. Pois eu sei que vou ter tempo para ler um jornal inteiro. A fila diante de mim nem é tão longa assim, são só seis outros clientes. O problema é outro: a sacola plástica.

Pois, por motivos cuja plausibilidade até agora tem me escapado, tudo o que se compra no Brasil tem que ser embalado em sacos plásticos. E isso, mesmo quando é retirado uns minutos mais tarde, como um pacotinho de chicletes.

Por isso, todo comerciante brasileiro que se preze tem um monte de sacos plásticos sob o balcão: sacolas azuis, pretas, brancas, em geral de qualidade duvidosa, rasgando logo. Por que ainda não se inventaram no Brasil bolsas plásticas que não arrebentem: esse permanecerá um dos eternos mistérios deste país

O medo de rasgar é também o motivo por que tudo é duas vezes mais lento no supermercado, pois tem que ser embalado logo em duas sacolas. O complicado processo de acondicionar uma dentro da outra devora o tempo de todos.

E assim o tempo escoa na fila. A caixa espera pacientemente até cada cliente ter realmente colocado tudo em duas sacolas, antes de atender ao próximo comprador. Decerto seria possível resolver esse problema bem facilmente, com uma ripa divisória, mas o atraso tecnológico não é o tema desta coluna.

Outra coisa que me surpreende: o supermercado recompensa os clientes que não usem sacolas plásticas com um desconto de três centavos para cada cinco produtos comprados. Então se deveria pensar que, num país com 13 milhões de desempregados, essa possibilidade de poupar fosse avidamente empregada.

Mas, longe disso, nem mesmo as caixas parecem conhecer a regra – embora a lei que obriga o supermercado a dar esse desconto esteja pregada nas paredes. Eu, pelo menos, tenho sempre que lembrar as funcionárias, toda vez que arrumo minhas compras numa mochila.

Faço isso de modo bem demonstrativo, para mostrar às outras pessoas: "Vejam só: vai rápido e é muito mais prático." Sou alemão, e temos esse jeito de querer sempre educar o resto do mundo. Mas nesse caso acho até que se justifique, pois o problema é sério.

No Brasil são distribuídas cerca de 1,5 milhão de sacolinhas por hora, como divulgou o Ministério do Meio Ambiente. Portanto chega-se a 13 bilhões de sacos plásticos por ano. Onde eles vão parar? Na maioria das vezes, infelizmente, na rua, e dali para o esgoto, que acaba entupido. Ou na floresta, num rio ou no mar, e por fim na barriga de uma baleia, matando-a.

Para fabricar uma bolsa plástica, utiliza-se petróleo ou gás natural, água e energia, e são liberados efluentes (dejetos líquidos). Portanto sua produção é altamente poluente.

As que seguem para os depósitos de lixo causam problemas, pois o plástico retém a água, impermeabilizando o solo e os aterros, dificultando a biodegradação dos resíduos orgânicos. De acordo com dados da associação de direitos do consumidor Proteste, as sacolas plásticas duram 200 anos quando são enterradas junto com o lixo comum. Isso, após terem sido utilizadas só por uns minutos.

É certo que os brasileiros não são os campeões mundiais das bolsas plásticas: os americanos jogam fora, a cada ano, 100 bilhões delas, o que significa o desperdício de 12 milhões de galões de petróleo. E também sei que no Brasil muitos lhes dão uma breve segunda vida, como sacos de lixo. Além disso, desenvolveu-se no país uma verdadeira cultura da sacola plástica. Por vezes me parece que os vendedores têm medo de ofender o freguês se não oferecerem a sacolinha.

Apesar disso, os brasileiros deveriam dar uma olhada no mundo, por exemplo para países como Bangladesh, Quênia ou Ruanda, onde sacos plásticos são banidos. É isso mesmo: esses países em desenvolvimento estão muito à frente. A pequena Ruanda, que já foi devastada por um genocídio, é considerada até mesmo como país mais limpo da África – coisa que posso confirmar, pois estive lá.

Outro exemplo: na Indonésia, uma das principais nações produtoras de lixo plástico, duas comunidades islâmicas conclamam o total de seus 100 milhões de fiéis a evitarem o material e a adotarem bolsas de bambu. Não seria essa uma boa ideia para a Assembleia de Deus ou a Igreja Universal?

Na Alemanha, aliás paga-se no supermercado entre 0,40 e 1,25 real por cada sacolinha plástica, o que resultou na redução do consumo a menos da metade, desde 2015. Hoje, os cidadãos do país gastam, em média, 29 sacolas por ano. Ou seja, exatamente tantas quantas o homem à minha frente na fila do supermercado acaba de usar para embalar suas compras.

Mas espera-se que em breve tudo isso vá mudar, pois parece que está chegando o fim dos sacos plásticos descartáveis nos supermercados. Uma nova lei banirá por completo seu uso no estado do Rio de Janeiro. Em seu lugar, bolsas reutilizáveis até 60 vezes e, depois, biodegradáveis, e com uma resistência mínima de dez quilos.

É grande a minha esperança de que essa lei seja implementada no próximo ano e que não se gere uma polêmica como em São Paulo. Lá, os sacos plásticos foram banidos dos supermercados, depois voltaram, foram proibidos novamente, e no fim tudo ficou como sempre esteve.

O que me dá esperança são os canudinhos. A versão plástica foi proibida no Rio, eles agora devem ser biodegradáveis. É fato que muitos estabelecimentos ainda ignoram a lei, mas recentemente, na feira, um vendedor de cocos me entregou um canudinho de palha, dizendo: "Aqui, custa um pouco mais para mim, mas é melhor para o planeta".
Philipp Lichterbeck