Na saúde os números falam por si só. Ultrapassamos 4 mil mortos diários, os hospitais estão sobrecarregados, há filas nas UTIs. Em diversos locais o sistema de saúde entrou em colapso. Parte grande da culpa é do governo central. Quando já estava claro que havia um problema grave, o presidente sistematicamente minimizava a gravidade da crise. E ainda hoje defende tratamentos ineficazes, combate o uso de máscaras e o distanciamento social, e sabota medidas de lockdown decretadas por Estados ou municípios. Sua hostilidade a vacinas só diminuiu quando ficou claro que isso o prejudicava politicamente. Sua liderança, até agora, foi instrumental para piorar, e não melhorar, a situação de calamidade.
A falta de coordenação do Ministério da Saúde - a primeira vez em uma grande crise - revelou-se mais danosa que o negacionismo do presidente. Sem uma diretriz única para o país, cada Estado ou cidade decide suas políticas isoladamente, o que reduz a eficácia das mesmas. No auge da crise, demitiu-se um ministro que fazia um bom trabalho junto às secretarias estaduais, trocando-o por um militar que nada conhecia da área e se mostrou péssimo em gestão. Finalmente, a demora em negociar vacinas - não esqueçamos da hostilidade à vacina chinesa e a negativa às vacinas da Pfizer -, e ainda por cima com poucos fornecedores (somente dois!), é de inteira responsabilidade do governo federal.
Uma outra dimensão de muitas frustrações está na área econômica. A aliança entre os conservadores bolsonaristas e os liberais prometia uma revolução na economia. Seria a primeira vez que supostamente “não teríamos um governo social democrata de esquerda”, mas um legitimamente liberal. Passados dois anos, muito pouco foi privatizado e o responsável, Salim Mattar, saiu porque o estavam sabotando.
Abertura comercial foi esquecida e a negociação de acordos de comércio, com a União Europeia por exemplo, empacou. A reforma tributária também não caminha, pois a proposta do Ministério da Economia (ME), ao incluir a volta da CPMF, vai na direção contrária à racionalidade econômica. Mesmo a grande vitória do governo, a reforma da previdência, deveu-se muito mais ao Congresso que ao ME, que apostava em um sistema de capitalização inviável politicamente.
Bolsonaro sempre foi um populista intervencionista e essa é a faceta que está prevalecendo na economia em detrimento das políticas liberais. A saída dos presidentes da Petrobras e do Banco do Brasil, por discordarem de intervenções presidenciais nas suas gestões, mostra que a instrumentalização das estatais com objetivos políticos iguala-se ao visto nos governos petistas. O apoio velado do presidente a uma negociação orçamentária que aprovou despesas muito acima do Teto de Gastos, ignorando despesas obrigatórias, evidencia que o ME é hoje muito mais um apagador de incêndios que um formulador de políticas. O sonho liberal acabou muito antes de começar. A conta, em termos de juros, câmbio e estagnação do produto, já está sendo cobrada.
Na educação, depois de dois ministros ideológicos e vocais, que pouco ou nada entendiam do assunto, atingiu-se uma certa calmaria. Mas infelizmente as prioridades continuam erradas. O Brasil apresenta problemas gravíssimos de qualidade da educação, de abandono precoce de ensino médio, de atraso escolar, e nenhum deles vem sendo enfrentado. Já não se fala tanto em combate à ideologia de gênero - um falso problema -, mas gasta-se energia com políticas inúteis, como “homeschooling”, ou de retorno duvidoso, como a ampliação da rede de escolas militares.
O MEC deveria enfrentar os impactos da pandemia sobre a educação básica, coordenando esforços (e liberando verbas) para levar banda larga e “tablets” aos alunos pobres, bem como dar condições para se abrir escolas fechadas há um ano. Como já registrado neste espaço, a pandemia terá um impacto permanente e negativo sobre a educação dos mais vulneráveis, mas o MEC nada faz para atenuar o problema.
Na área ambiental, o ministro incentiva queimadas, derrubada de matas e combate o monitoramento por satélite. A devastação da floresta amazônica, que vinha diminuindo, voltou a aumentar, um resultado esperado por quem se alia a garimpeiros, grileiros e madeireiros por motivos eleitorais. Nas relações exteriores, o país isolou-se completamente, devido a uma lunática agenda anti-globalista que hostiliza seus principais parceiros comerciais e ofende aliados estratégicos. Na área da cultura... Bem, não há cultura neste (des)governo.
Na Justiça, Bolsonaro foi eleito com uma agressiva campanha anti-corrupção. Nomeou como ministro o símbolo desse combate, Sérgio Moro. Entretanto, essa agenda foi abandonada ao primeiro sinal de que a família do presidente seria investigada devido às “rachadinhas”. O ministro demitiu-se, por não aceitar a instrumentalização da Polícia Federal, o que parece estar ocorrendo, e a força tarefa da Lava-Jato foi enfraquecida. Para garantir sua sobrevivência, o presidente se apoiou no Centrão, uma aliança fisiológica que ele atacara no passado, acusando seus membros de corrupção.
Este governo vai mal em todas as dimensões que podemos pensar, seja por erros básicos de gestão, seja por escolhas equivocadas, ou por implantar políticas ideológicas sem qualquer evidência que as ampare. Como também parece não aprender com os erros do passado, há pouca esperança que corrija seus rumos. O estrago não terminou, infelizmente.