sexta-feira, 6 de junho de 2025
Nacionalismo Cristão
O nacionalismo cristão é um grande problema nos Estados Unidos. Ele alimenta o poder político de Donald Trump. E é uma ameaça à separação entre Igreja e Estado.
O nacionalismo cristão busca impor uma versão fundamentalista mais extrema à sociedade americana em geral, monopolizando o poder político no governo americano. Os defensores do nacionalismo cristão acreditam que os únicos verdadeiros americanos são aqueles que são o mesmo tipo de cristão que eles. Aqueles que não compartilham as mesmas crenças, como judeus, muçulmanos, pessoas LGBTQIA+, ateus e aqueles de denominações cristãs mais liberais, tornam-se cidadãos de segunda classe, pois o governo favorece uma versão restrita do cristianismo.
O nacionalismo cristão muitas vezes se sobrepõe e fornece cobertura para ideologias de supremacia branca e subjugação racial.
Os nacionalistas cristãos são proponentes do Mandato das Sete Montanhas, uma estratégia que busca o domínio cristão nas “sete montanhas” da sociedade: religião, família, governo, educação, mídia, artes/entretenimento e negócios.
O nacionalismo cristão não representa toda a comunidade cristã. Vários cristãos que se opõem ao nacionalismo cristão formaram o grupo "Cristãos Contra o Nacionalismo Cristão". Eles afirmam em seu site:
"Nacionalismo cristão não é a mesma coisa que cristianismo e pode ser definido e compreendido de diversas maneiras. Nesta campanha, definimos o nacionalismo cristão como 'uma ideologia política que busca fundir as identidades cristã e americana, distorcendo tanto a fé cristã quanto a democracia constitucional dos Estados Unidos'."
O nacionalismo cristão busca impor uma versão fundamentalista mais extrema à sociedade americana em geral, monopolizando o poder político no governo americano. Os defensores do nacionalismo cristão acreditam que os únicos verdadeiros americanos são aqueles que são o mesmo tipo de cristão que eles. Aqueles que não compartilham as mesmas crenças, como judeus, muçulmanos, pessoas LGBTQIA+, ateus e aqueles de denominações cristãs mais liberais, tornam-se cidadãos de segunda classe, pois o governo favorece uma versão restrita do cristianismo.
O nacionalismo cristão muitas vezes se sobrepõe e fornece cobertura para ideologias de supremacia branca e subjugação racial.
Os nacionalistas cristãos são proponentes do Mandato das Sete Montanhas, uma estratégia que busca o domínio cristão nas “sete montanhas” da sociedade: religião, família, governo, educação, mídia, artes/entretenimento e negócios.
O nacionalismo cristão não representa toda a comunidade cristã. Vários cristãos que se opõem ao nacionalismo cristão formaram o grupo "Cristãos Contra o Nacionalismo Cristão". Eles afirmam em seu site:
"Nacionalismo cristão não é a mesma coisa que cristianismo e pode ser definido e compreendido de diversas maneiras. Nesta campanha, definimos o nacionalismo cristão como 'uma ideologia política que busca fundir as identidades cristã e americana, distorcendo tanto a fé cristã quanto a democracia constitucional dos Estados Unidos'."
Ganhar o quê?
A data está anunciada: 2027 será o ano em que se atinge a AIG – Inteligência Artificial genérica, ou seja, quando o computador se torna tão inteligente como o ser humano. O impacto já é visível em Silicon Valley. As Big Tech já não contratam programadores, pois os Large Language Model (LLM, como o ChatGPT) já conseguem programar ao nível de um licenciado. Nos telemóveis e nos computadores pessoais há um “assistente pessoal” à nossa espera, para nos suavizar o dia a dia. Tanto pode encomendar-nos o almoço, utilizando o nosso cartão de crédito, como sumariar um relatório que temos de rever e sobre o qual opinar.
Mas a corrida não termina em 2027, outra já se iniciou: a corrida para a superinteligência (ASI – artificial super inteligence). Possível, porque a AIG se torna capaz de programar de forma mais eficiente e célere do que qualquer programador humano – autocopiando-se num exército de programadores virtuais; tantos quantos os data centers permitam processar.
Prometem-nos a superinteligência, um mundo com descobertas científicas que eliminam doenças, controlam a poluição e onde as máquinas se tornam nossos conselheiros – os mais inteligentes e informados da História da Humanidade. Seremos felizes para sempre.
O cenário concretiza os riscos que, no desenvolvimento dos LLM, têm sido detetados. Como é o caso da dificuldade em garantir o alinhamento dos modelos com os princípios-base definidos pelos programadores. Honestidade e eficiência não são sempre fáceis de conciliar e os LLM, treinados em dados humanos, parecem ter dúvidas semelhantes às nossas quando confrontados com as regras e os incentivos. Os programadores classificam a performance e os LLM sabem-no e procuram obter a melhor pontuação, mesmo que para tal tenham de mentir.
O cenário incorpora as dinâmicas empresariais e políticas. Seja a corrida para uma vitória, que permitirá à empresa vencedora o monopólio do mercado (e o retorno do investimento milionário em curso). Sejam as tensões geoestratégicas com a China na corrida pela dianteira na inovação.
Refletindo a atual realidade regulatória, a Europa e o resto do mundo assistem, incapazes de intervir, sem jurisdição sobre as Big Tech. E, sobretudo, sem compreensão da dimensão da revolução em curso, pois não têm acesso ao status dos progressos realizados. Embora o Regulamento da Inteligência Artificial proíba determinadas práticas e obrigue ao cumprimento de obrigações para algoritmos considerados de risco elevado poderem ser colocados junto do público, não prevê a obrigatoriedade de as Big Tech reportarem antecipadamente os desenvolvimentos em curso, para análise e decisão. O cenário, num dos finais, prevê uma intervenção na gestão da Big Tech pelo governo dos EUA e a partilha de decisão, via presença no “conselho de administração”.
No cenário, como na realidade, cada um de nós – o cidadão comum – se encontra alienado das decisões, sendo confrontado com o resultado, sem qualquer voz ou intervenção.
A publicação do ai-2027 visa acordar-nos deste torpor. Alertar para os perigos, que as próprias Big Tech reconhecem. É imprescindível tornar central no discurso público a questão do futuro tecnológico que desejamos. Acelerar a celebração de um tratado internacional que assegure uma efetiva supervisão das Big Tech e, quando necessário, uma moratória na investigação, que permita decisões ponderadas em prol do bem comum. Uma via seria o reforço das obrigações já previstas na Convenção-Quadro do Conselho da Europa sobre a Inteligência Artificial, de que os EUA já são parte. Dizem-nos “temos de ganhar”. Mas ganhar o quê?
Mas a corrida não termina em 2027, outra já se iniciou: a corrida para a superinteligência (ASI – artificial super inteligence). Possível, porque a AIG se torna capaz de programar de forma mais eficiente e célere do que qualquer programador humano – autocopiando-se num exército de programadores virtuais; tantos quantos os data centers permitam processar.
Prometem-nos a superinteligência, um mundo com descobertas científicas que eliminam doenças, controlam a poluição e onde as máquinas se tornam nossos conselheiros – os mais inteligentes e informados da História da Humanidade. Seremos felizes para sempre.
Existem céticos. Daniel Kokotajlo e a sua equipa publicaram um cenário informado do futuro (ai-2027.com). Lê-se como um thriller de Hollywood, mas não tem um final feliz em nenhum dos dois subfinais. Seria menos preocupante se os seus autores não fossem reconhecidos pela sua experiência e o seu know-how e se, em 2021, Kokotajlo não tivesse já realizado um exercício semelhante – para o período 2022-2026 – que se mostrou bastante preciso.
O cenário concretiza os riscos que, no desenvolvimento dos LLM, têm sido detetados. Como é o caso da dificuldade em garantir o alinhamento dos modelos com os princípios-base definidos pelos programadores. Honestidade e eficiência não são sempre fáceis de conciliar e os LLM, treinados em dados humanos, parecem ter dúvidas semelhantes às nossas quando confrontados com as regras e os incentivos. Os programadores classificam a performance e os LLM sabem-no e procuram obter a melhor pontuação, mesmo que para tal tenham de mentir.
O cenário incorpora as dinâmicas empresariais e políticas. Seja a corrida para uma vitória, que permitirá à empresa vencedora o monopólio do mercado (e o retorno do investimento milionário em curso). Sejam as tensões geoestratégicas com a China na corrida pela dianteira na inovação.
Refletindo a atual realidade regulatória, a Europa e o resto do mundo assistem, incapazes de intervir, sem jurisdição sobre as Big Tech. E, sobretudo, sem compreensão da dimensão da revolução em curso, pois não têm acesso ao status dos progressos realizados. Embora o Regulamento da Inteligência Artificial proíba determinadas práticas e obrigue ao cumprimento de obrigações para algoritmos considerados de risco elevado poderem ser colocados junto do público, não prevê a obrigatoriedade de as Big Tech reportarem antecipadamente os desenvolvimentos em curso, para análise e decisão. O cenário, num dos finais, prevê uma intervenção na gestão da Big Tech pelo governo dos EUA e a partilha de decisão, via presença no “conselho de administração”.
No cenário, como na realidade, cada um de nós – o cidadão comum – se encontra alienado das decisões, sendo confrontado com o resultado, sem qualquer voz ou intervenção.
A publicação do ai-2027 visa acordar-nos deste torpor. Alertar para os perigos, que as próprias Big Tech reconhecem. É imprescindível tornar central no discurso público a questão do futuro tecnológico que desejamos. Acelerar a celebração de um tratado internacional que assegure uma efetiva supervisão das Big Tech e, quando necessário, uma moratória na investigação, que permita decisões ponderadas em prol do bem comum. Uma via seria o reforço das obrigações já previstas na Convenção-Quadro do Conselho da Europa sobre a Inteligência Artificial, de que os EUA já são parte. Dizem-nos “temos de ganhar”. Mas ganhar o quê?
Burocratizando o genocídio, administrando a fome por meio da ajuda
O que se desenrola em Gaza não é humanitarismo. É a sua inversão. O socorro se transforma em contenção. O reconhecimento se transforma em apagamento.
Isto não é uma guerra. É o apagamento frio e metódico de um povo, orquestrado por scanners biométricos. A fome é transformada em arma. A ajuda humanitária é militarizada. O deslocamento é planejado.
E no centro de tudo isso, um regime de necrotecnocracia apoiado pelo Ocidente transforma genocídio em governança e assassinato em gestão.
Há momentos na história em que a violência deixa de ser impulsiva e se torna processual. A fome deixa de ser uma emergência humanitária e passa a ser uma variável num cálculo mais amplo. O exílio deixa de ser lamentado — passa a ser gerido. Gaza hoje exemplifica essa transição: a passagem da crueldade como acidente para a crueldade como estrutura.
Em 28 de maio de 2025, em Rafah, uma empresa americana — sombriamente chamada de Fundação Humanitária de Gaza — tentou distribuir ajuda sob supervisão militar israelense. A operação fracassou: milhares de civis famintos invadiram os portões, as forças israelenses abriram fogo e helicópteros evacuaram os contratados. Não foi um fracasso humanitário. Foi um experimento controlado. A mensagem não era misericórdia. Era dominação.
Raymond Aron alertou que, quando a racionalidade técnica governa os assuntos humanos, a violência assume a lógica do procedimento. Gaza não é mais submetida a ataques episódicos; é governada por um regime burocrático de privação e controle.
A substituição da UNRWA por contratantes privados não é uma reforma — é uma reconfiguração. A ajuda se torna um mecanismo de gestão. A memória é neutralizada. A injustiça é rebatizada como logística. O palestino não é mais um sujeito político, mas um corpo escaneado — catalogado, quantificado, despersonalizado.
Ao facilitar essa mudança, os Estados Unidos abriram mão de qualquer pretensão de liderança moral. Ao se alinharem à máquina de guerra logística de Israel, trocam seu status de superpotência pelo de subcontratante estratégico. Mas sejamos francos: os americanos não são auxiliares do Estado genocida — são seus cobeligerantes. Eles o financiam, o armam, o protegem e o defendem. Não são meramente cúmplices do genocídio; são seus coautores — seus arquitetos.
O que se desenrola em Gaza não é humanitarismo. É a sua inversão. O socorro se transforma em contenção. O reconhecimento se transforma em apagamento. A linguagem dos contratantes — "rastreabilidade", "impacto", "supervisão" — encobre uma estrutura de dominação. Cada caloria é racionada intencionalmente. Cada entrega é uma opressão calculada.
O objetivo é inequívoco: confinar os palestinos a zonas cada vez menores, exaustos, famintos e desprovidos de autonomia, até que a própria existência se torne insuportável. O deslocamento forçado, repetido indefinidamente, não é um fracasso político — é a política. O movimento sem destino, sem dignidade, é uma arma. O objetivo é provocar a morte por exaustão, fazer com que o exílio pareça misericórdia e realizar o extermínio em plena luz do dia — dentro de um vasto campo de concentração a céu aberto.
Este não é mais um conflito regional. É um escândalo civilizacional. Ele põe em questão a credibilidade do direito internacional, a integridade das democracias ocidentais e o valor moral de seus valores proclamados. O sionismo, antes disfarçado na linguagem do refúgio, agora se revela como uma doutrina de exclusão planejada. O silêncio ocidental não é neutralidade. É cumplicidade.
E, no entanto, Gaza resiste. Não apenas com armas, mas com memória, com presença, com a pura recusa em desaparecer. As ruínas falam. As crianças perduram. As pessoas, categorizadas e vigiadas, permanecem a contradição viva da narrativa que lhes é imposta. As revoltas estudantis nos campi ocidentais não são notas secundárias — são rupturas morais sísmicas.
A neutralidade não é mais um refúgio. É preciso consentir — ou confrontar.
A história não absolverá essa barbárie tecnocrática. Não registrará isso como um esforço de ajuda fracassado, mas como o momento em que o humanitarismo foi transformado em arma e a administração se tornou uma ferramenta de aniquilação.
Quando um povo luta até o fim — esgotando cada grama de força em defesa de seu nome, sua fé, sua terra, sua dignidade e sua honra — o que lhe sobrevém depois não é uma derrota. É algo mais. É a história em sua forma mais implacável. É a mordida do destino. É o destino caindo não como humilhação, mas como um golpe final de honra. Isso não é o fracasso de um povo, nem o colapso de um movimento — é o triunfo da fidelidade.
E não há vitória mais nobre do que essa — o triunfo da lealdade em meio à ruína, a afirmação final da dignidade diante do apagamento calculado.
É também a revelação da covardia, a exposição da hipocrisia e a maldição eterna sobre aqueles que permaneceram parados, cúmplices do assassinato, arquitetos da infâmia, herdeiros não da civilização, mas de sua traição.
Isto não é uma guerra. É o apagamento frio e metódico de um povo, orquestrado por scanners biométricos. A fome é transformada em arma. A ajuda humanitária é militarizada. O deslocamento é planejado.
E no centro de tudo isso, um regime de necrotecnocracia apoiado pelo Ocidente transforma genocídio em governança e assassinato em gestão.
Há momentos na história em que a violência deixa de ser impulsiva e se torna processual. A fome deixa de ser uma emergência humanitária e passa a ser uma variável num cálculo mais amplo. O exílio deixa de ser lamentado — passa a ser gerido. Gaza hoje exemplifica essa transição: a passagem da crueldade como acidente para a crueldade como estrutura.
Em 28 de maio de 2025, em Rafah, uma empresa americana — sombriamente chamada de Fundação Humanitária de Gaza — tentou distribuir ajuda sob supervisão militar israelense. A operação fracassou: milhares de civis famintos invadiram os portões, as forças israelenses abriram fogo e helicópteros evacuaram os contratados. Não foi um fracasso humanitário. Foi um experimento controlado. A mensagem não era misericórdia. Era dominação.
Raymond Aron alertou que, quando a racionalidade técnica governa os assuntos humanos, a violência assume a lógica do procedimento. Gaza não é mais submetida a ataques episódicos; é governada por um regime burocrático de privação e controle.
A substituição da UNRWA por contratantes privados não é uma reforma — é uma reconfiguração. A ajuda se torna um mecanismo de gestão. A memória é neutralizada. A injustiça é rebatizada como logística. O palestino não é mais um sujeito político, mas um corpo escaneado — catalogado, quantificado, despersonalizado.
Ao facilitar essa mudança, os Estados Unidos abriram mão de qualquer pretensão de liderança moral. Ao se alinharem à máquina de guerra logística de Israel, trocam seu status de superpotência pelo de subcontratante estratégico. Mas sejamos francos: os americanos não são auxiliares do Estado genocida — são seus cobeligerantes. Eles o financiam, o armam, o protegem e o defendem. Não são meramente cúmplices do genocídio; são seus coautores — seus arquitetos.
O que se desenrola em Gaza não é humanitarismo. É a sua inversão. O socorro se transforma em contenção. O reconhecimento se transforma em apagamento. A linguagem dos contratantes — "rastreabilidade", "impacto", "supervisão" — encobre uma estrutura de dominação. Cada caloria é racionada intencionalmente. Cada entrega é uma opressão calculada.
O objetivo é inequívoco: confinar os palestinos a zonas cada vez menores, exaustos, famintos e desprovidos de autonomia, até que a própria existência se torne insuportável. O deslocamento forçado, repetido indefinidamente, não é um fracasso político — é a política. O movimento sem destino, sem dignidade, é uma arma. O objetivo é provocar a morte por exaustão, fazer com que o exílio pareça misericórdia e realizar o extermínio em plena luz do dia — dentro de um vasto campo de concentração a céu aberto.
Este não é mais um conflito regional. É um escândalo civilizacional. Ele põe em questão a credibilidade do direito internacional, a integridade das democracias ocidentais e o valor moral de seus valores proclamados. O sionismo, antes disfarçado na linguagem do refúgio, agora se revela como uma doutrina de exclusão planejada. O silêncio ocidental não é neutralidade. É cumplicidade.
E, no entanto, Gaza resiste. Não apenas com armas, mas com memória, com presença, com a pura recusa em desaparecer. As ruínas falam. As crianças perduram. As pessoas, categorizadas e vigiadas, permanecem a contradição viva da narrativa que lhes é imposta. As revoltas estudantis nos campi ocidentais não são notas secundárias — são rupturas morais sísmicas.
A neutralidade não é mais um refúgio. É preciso consentir — ou confrontar.
A história não absolverá essa barbárie tecnocrática. Não registrará isso como um esforço de ajuda fracassado, mas como o momento em que o humanitarismo foi transformado em arma e a administração se tornou uma ferramenta de aniquilação.
Quando um povo luta até o fim — esgotando cada grama de força em defesa de seu nome, sua fé, sua terra, sua dignidade e sua honra — o que lhe sobrevém depois não é uma derrota. É algo mais. É a história em sua forma mais implacável. É a mordida do destino. É o destino caindo não como humilhação, mas como um golpe final de honra. Isso não é o fracasso de um povo, nem o colapso de um movimento — é o triunfo da fidelidade.
E não há vitória mais nobre do que essa — o triunfo da lealdade em meio à ruína, a afirmação final da dignidade diante do apagamento calculado.
É também a revelação da covardia, a exposição da hipocrisia e a maldição eterna sobre aqueles que permaneceram parados, cúmplices do assassinato, arquitetos da infâmia, herdeiros não da civilização, mas de sua traição.
Silêncio é aliado do algoz
Jurei nunca me calar enquanto os seres humanos suportarem o sofrimento e a humilhação. Devemos tomar partido. A neutralidade ajuda o opressor, nunca a vítima. O silêncio encoraja o algoz, nunca o atormentado.
Elie Wiesel (Nobel da Paz de 1986).
A paz dos insetos mortos
Fui a Campos no fim de semana. Fazia tempo que eu não pegava uma estrada. Foram mais de quatro horas para ir e outras tantas para voltar. Tudo tranquilo: pista dupla, asfalto lisinho, aquela parada famosa pelas coxinhas de feijoada e pizza, pastos bucólicos com vacas indiferentes ao trânsito. No meio do caminho, um inseto se esborrachou contra o para-brisa. Um. Só um, um único, ao longo de quase 300 quilômetros de chão, quatro horas e 25 minutos de relógio.
Quando eu era criança, havia tantos insetos nas estradas que era preciso parar com frequência para lavar o vidro, opaco de tantos bichinhos esmagados. Cada viagem era uma hecatombe.
O para-brisa que foi e veio limpo me lembrou “Primavera silenciosa”, o clássico de Rachel Carson que, em 1963, mudou a maneira como nos relacionamos com pesticidas. Naquela época, venenos agrícolas, considerados a literal salvação da lavoura, eram pulverizados em abundância por toda a parte, sem contraindicações.
Não esqueço o fumacê percorrendo os bairros do Rio, e isso foi outro dia. Aquela névoa bíblica e fedorenta, se espalhando pelas ruas como se estivesse purificando o ar, era celebrada como uma grande ação sanitária. Os mosquitos sumiam por um tempo e voltavam mais fortes. Os insetos mais fracos sumiram para sempre.
Rachel Carson percebeu que havia pássaros demais morrendo, juntou dois e dois (e mais uma quantidade de evidências irrefutáveis) e chamou a atenção para a calamidade ecológica em curso. Para ela, “pesticidas” era uma palavra enganosa, que sugeria algo direcionado e bem controlado; preferia chamá-los “biocidas”, agentes de morte em larga escala. Seu alerta, que parecia radical (e que foi, naturalmente, atacado com violência pelos fabricantes de agrotóxicos) estava certo, e trouxe os aspectos negativos dos “defensivos” para o centro do debate público. Poucos livros, antes ou depois, tiveram tamanho impacto.
Desde então, muita coisa mudou — nem sempre para melhor. Estudos apontam para o desaparecimento vertiginoso de insetos. Nos últimos 30 anos, sua biomassa diminuiu cerca de 80% ao redor do planeta. “Biomassa”, em ecologia, significa a massa total de organismos vivos em determinado ecossistema. Em outras palavras, há muito menos inseto no mundo. Muito, muito menos.
E nem precisamos mais de pesticidas. Uma matéria do britânico The Guardian, que passou quase despercebida entre tantos relatos horripilantes de guerras e atentados, informou terça-feira que as mudanças climáticas estão acabando com os insetos mesmo em áreas de conservação ambiental. Eles são extremamente sensíveis a alterações de temperatura, à falta de chuvas, a secas e enchentes.
Hoje há 75% menos de insetos voadores na Alemanha do que havia há três décadas, e a Alemanha, possivelmente, nem é o pior dos casos, é apenas o que mede com mais rigor. Nos Estados Unidos, algumas espécies de besouros encolheram 83%. Em Porto Rico, áreas de floresta tropical registram 60 vezes menos insetos do que antes.
Aqui, não é preciso nem estudo — basta pegar uma estrada. Ou nem isso: há quanto tempo você não vê um vagalume? Uma borboleta? Um besouro batendo contra a vidraça?
Essas estatísticas não são só números. São sinais de um colapso silencioso e profundo, que já afeta toda a vida sobre a Terra. A ausência de insetos pode parecer um alívio para quem só se lembra das picadas ou dos para-brisas sujos, mas é, na verdade, uma catástrofe sem precedentes.
Saudades do futuro: o fim das utopias
Há duas décadas, em seu livro “Cartas a um Jovem Político”, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já dizia que há questões de natureza geracional que precisam ser resolvidas pela geração a que pertencem. Na ocasião ele se referia especificamente ao efeito das redes digitais sobre o comportamento e os valores da juventude.
Vinte anos depois, em “A Geração Ansiosa”, o autor Jonathan Haidt alerta para a evolução desse quadro para um grau de “epidemia de transtornos mentais”, equivalente ao que nos mostrou recentemente a série “Adolescência”. A cabeça humana anda um tanto desarrumada.
Nesse sentido, foi bem ilustrativa a entrevista da apresentadora de TV Lívia Andrade após passar um perrengue aéreo, quando o trem de pouso do avião em que viajava travou na aterrissagem. No seu desabafo legítimo feito ao programa Fantástico, Lívia fez duas observações que parecem apontar mais um aspecto da era digital. O futuro saiu de moda.
Primeiramente, a apresentadora declara algo como “fiz minhas orações e graças a Deus o trem de pouso funcionou”, sem que o Fantástico fizesse menção às providências decisivas do piloto. Na verdade, da piloto Nayane Porto, de 23 anos, cuja iniciativa e equilíbrio na cabine salvaram a vida dos passageiros e da tripulação. Longe de mim negar que Deus resolva dar uma ajudinha a quem madruga, mas quem botou a mão na massa mesmo naquele pouso foi a comandante Nayane e seu copiloto. Por fim, Lívia concluiu, como lição do episódio, que daqui para frente vai viver o hoje mais intensamente, porque ninguém sabe se haverá um amanhã.
Temos de dar um desconto a Lívia pelos momentos de estresse que ela vivenciou. Mas, vale considerar que, “curtir o agora” não é exatamente o resultado que Papai do Céu espera em troca do seu esforço sagrado para impedir que um avião despenque. Normalmente, a expectativa divina seria de uma transformação mais estrutural e de longo prazo da parte do agraciado.
O mais importante é que, ao enfatizar a ideia de que o que importa é viver o agora com maior intensidade e prazer, a reportagem está apenas refletindo (ou incentivando?) o ângulo de visão atual da humanidade sobre o futuro (ou a ausência dele). O entusiasmo de Lívia, além do seu alívio natural de escapar de uma tragédia, é a reprodução – comum atualmente – de uma cultura disseminada deliberadamente por atores predominantes na economia e na política, seja através da publicidade, seja nas redes digitais, ou mesmo pela mídia tradicional, incluída aí a própria imprensa (muitas vezes desatenta às sutilezas que lhe embutem nos jabutis subliminares do noticiário).
Não dá para dizer que capitalismo é pecado, tampouco que os mercados não merecem o reino dos céus. Contudo, não é exagero pensar que a apresentadora Lívia, sem notar, deixou um alerta importante para os telespectadores que conseguirem percebê-lo: Seja qual for a gravidade dos problemas enfrentados pelas pessoas, a ordem do dia é curtir o momento (com tudo que o consumo possa proporcionar). O resto, Deus resolve.
Por sua vez, a partir do mesmo episódio, a jovem comandante Nayane nos deixa um ensinamento valioso. Para superar dificuldades e enfrentar o inesperado ainda precisamos ser capazes de interpretar nosso contexto, sabermos onde queremos chegar, tomarmos decisões acertadas, conhecermos as nossas alternativas e agirmos coletivamente.
O futuro saiu de moda. Houve um tempo em que a sociedade parecia estar decolando para uma realidade melhor, sabendo onde queríamos aterrissar. Tomara que a menina Nayane continue atenta à sua bússola sem se distrair – como a humanidade – com luxos e likes. Como dizia o governador de São Paulo Adhemar de Barros, “Fé em Deus e pé na tábua”.
Vinte anos depois, em “A Geração Ansiosa”, o autor Jonathan Haidt alerta para a evolução desse quadro para um grau de “epidemia de transtornos mentais”, equivalente ao que nos mostrou recentemente a série “Adolescência”. A cabeça humana anda um tanto desarrumada.
Nesse sentido, foi bem ilustrativa a entrevista da apresentadora de TV Lívia Andrade após passar um perrengue aéreo, quando o trem de pouso do avião em que viajava travou na aterrissagem. No seu desabafo legítimo feito ao programa Fantástico, Lívia fez duas observações que parecem apontar mais um aspecto da era digital. O futuro saiu de moda.
Primeiramente, a apresentadora declara algo como “fiz minhas orações e graças a Deus o trem de pouso funcionou”, sem que o Fantástico fizesse menção às providências decisivas do piloto. Na verdade, da piloto Nayane Porto, de 23 anos, cuja iniciativa e equilíbrio na cabine salvaram a vida dos passageiros e da tripulação. Longe de mim negar que Deus resolva dar uma ajudinha a quem madruga, mas quem botou a mão na massa mesmo naquele pouso foi a comandante Nayane e seu copiloto. Por fim, Lívia concluiu, como lição do episódio, que daqui para frente vai viver o hoje mais intensamente, porque ninguém sabe se haverá um amanhã.
Temos de dar um desconto a Lívia pelos momentos de estresse que ela vivenciou. Mas, vale considerar que, “curtir o agora” não é exatamente o resultado que Papai do Céu espera em troca do seu esforço sagrado para impedir que um avião despenque. Normalmente, a expectativa divina seria de uma transformação mais estrutural e de longo prazo da parte do agraciado.
O mais importante é que, ao enfatizar a ideia de que o que importa é viver o agora com maior intensidade e prazer, a reportagem está apenas refletindo (ou incentivando?) o ângulo de visão atual da humanidade sobre o futuro (ou a ausência dele). O entusiasmo de Lívia, além do seu alívio natural de escapar de uma tragédia, é a reprodução – comum atualmente – de uma cultura disseminada deliberadamente por atores predominantes na economia e na política, seja através da publicidade, seja nas redes digitais, ou mesmo pela mídia tradicional, incluída aí a própria imprensa (muitas vezes desatenta às sutilezas que lhe embutem nos jabutis subliminares do noticiário).
Não dá para dizer que capitalismo é pecado, tampouco que os mercados não merecem o reino dos céus. Contudo, não é exagero pensar que a apresentadora Lívia, sem notar, deixou um alerta importante para os telespectadores que conseguirem percebê-lo: Seja qual for a gravidade dos problemas enfrentados pelas pessoas, a ordem do dia é curtir o momento (com tudo que o consumo possa proporcionar). O resto, Deus resolve.
Por sua vez, a partir do mesmo episódio, a jovem comandante Nayane nos deixa um ensinamento valioso. Para superar dificuldades e enfrentar o inesperado ainda precisamos ser capazes de interpretar nosso contexto, sabermos onde queremos chegar, tomarmos decisões acertadas, conhecermos as nossas alternativas e agirmos coletivamente.
O futuro saiu de moda. Houve um tempo em que a sociedade parecia estar decolando para uma realidade melhor, sabendo onde queríamos aterrissar. Tomara que a menina Nayane continue atenta à sua bússola sem se distrair – como a humanidade – com luxos e likes. Como dizia o governador de São Paulo Adhemar de Barros, “Fé em Deus e pé na tábua”.
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