segunda-feira, 18 de julho de 2022

Não somos ainda uma nação

A imensa maré de lama que envolve políticos na recém aprovada PEC dos Benefícios, a violência policial estampada pelas telas de TV, a partir do horripilante estupro de parturientes vulneráveis, as negociações que jogam candidatos em negociações escandalosas, a gestão sem rumo, a administração federal entregue à volúpia dos donos do poder, fazem parte do mesmo tecido institucional: o do Brasil das trevas, o Brasil sob máscara, o Brasil das milícias.

A PEC dos Benefícios contém um estratagema: a aprovação de estado de emergência. Em outras palavras, será permitido ao governante adotar medidas extremas para ajudar as massas carentes, significando isso orçamentos extraordinários, inserção de milhões de famílias nos pacotes assistenciais, estouro das contas públicas. Não se pode deixar à mingua populações famintas, hoje somando quase 50 milhões de brasileiros. Mas, por que só agora a pouco menos de três meses das eleições? Cooptar eleitor com a sopa do assistencialismo é crime. Daí a necessidade de se aprovar uma PEC para driblar a ordem constitucional.

Desse modo, realizaremos uma eleição com artifícios e ferramentas de pressão. O Brasil mascarado irá às urnas. E em sua caminhada, carregará, a par de gente séria (temos de admitir que ainda dispomos dessa espécie), usurpadores, criminosos, pilantras, cínicos, vivaldinos e laranjas, categoria em expansão, essa gente que fornece o óleo para lubrificação dos esquemas de apropriação ilícita do dinheiro público.


O poder invisível está estocando seus arsenais. Mais de 40 bilhões de reais encherão os dutos eleitorais. Mas a estratégia de combate aos poderes invisíveis, voltados para a arbitrariedade e a rapinagem, requer a força da pressão coletiva, mais que simples castigos aos criminosos. Pois toda mudança de cultura se ampara na vontade geral. E sabemos que para limpar a cara do Brasil que dá vergonha, é preciso que os sentimentos do povo se irmanem aos poderes normativos. Sob esse prisma, vemos a sociedade ainda estagnada, observando a paisagem, mesmo com organizações fazendo questionamentos. O Judiciário, por sua vez, é questionado. Jogam sujeira em sua imagem.

No campo do Brasil Arbitrário e Violento, o campeonato é disputado, entre outros, por contingentes das extremidades do arco ideológico, que inserem o país numa disputa de cabo de guerra. O que um lado fará se ganhar a eleição? Pôr lenha na fogueira? Convocar militares para reverter os resultados do pleito?

O fato é que um véu de incerteza teima em cobrir o espírito nacional, adensando as expectativas, aumentando as angústias e diminuindo a crença nas instituições políticas e sociais. Em quase todos os aspectos da vida nacional, impera a dúvida. Não sabemos até onde irão os limites da Constituição ou como serão as formas para se chegar ao consenso sobre questões centrais. Ignoramos o intrincado jogo de poder. O que se sabe é que a desconfiança no processo eleitoral está disseminada. Um dano à democracia.

Vive-se em um ambiente de caos. Ninguém sabe, mas todos se aventuram a garantir suas verdades. Versões e fofocas se espalham. As Forças Armadas parecem ter tomado gosto pelo poder. Foram embora o respeito, a disciplina, a ordem, a ética, a força do compromisso, a dignidade. A improvisação campeia. Poucos se lembram dos hinos pátrios. Desprezamos ou não damos o devido valor ao conceito de Nação. O que nos importa é um pedaço de terra, uma propina, um alto salário, um feudo na área pública. Felizmente, na área privada, os empreendedores se dedicam ao labor.

Ora, Nação é um conjunto de valores, que reúne amor ao espaço físico e espiritual, solidariedade, orgulho pelo país, civismo e atavismo. Onde estão as bandeiras brasileiras nas portas das casas? Onde e quando se canta o hino nacional? Quem sabe contar histórias sobre os nossos antepassados?

Só é notícia o que é deslize. O torto, o errado, o inusitado vence a coisa certa. A violência nivela a cultura por baixo. Sem rumo, o povo banaliza a criminalidade. Morreu fulano, beltrano? Ah, uma briga de rua.

É triste. Não somos, ainda, uma Nação.

Militares são inimigos de meio Brasil?

Sou um cidadão brasileiro que vota na esquerda. Tenho uma pergunta para as Forças Armadas brasileiras: vocês são um exército que eu compartilho com meus compatriotas de direita, ou são o braço armado dos meus adversários nas eleições?

As Forças Armadas ainda são brasileiras, ou aceitaram o papel de braço armado da extrema-direita que Jair Bolsonaro lhes ofereceu? São o exército de uma república democrática ou uma milícia de direita sustentada com dinheiro público?

Pergunto pelo seguinte: está cada vez mais claro que há gente nas Forças Armadas do Brasil tentando roubar a eleição para Jair Bolsonaro.


É fácil identificá-los. Se um militar está dando palpite sobre urna eletrônica ou TSE é porque é um político bolsonarista infiltrado nos quartéis. Como todo político bolsonarista, quer dar um golpe de estado para roubar dinheiro público e matar trabalhadores, na bala, na fome ou por falta de vacina.

O ano de 2022, aliás, é especial para a ala golpista das Forças Armadas. Esse ano o escândalo Proconsult comemora seu 40º aniversário.

Ninguém nunca viu fraude na urna eletrônica, mas todo mundo já viu militares brasileiros tentando roubar uma eleição: foi em 1982, no Rio de Janeiro, quando a ditadura tentou fraudar a eleição para governador que Leonel Brizola havia ganho. Para fazê-lo, usaram uma empresa corrupta para contabilizar os votos, a Proconsult. Para comemorar os 40 anos do escândalo Proconsult, os bolsonaristas agora pedem "apuração paralela".

Como em 1982, é tudo bandidagem, é tudo roubalheira.

No dia de hoje, bem mais que a metade do povo brasileiro pretende votar contra Jair Bolsonaro. Cerca de metade dos brasileiros pretende votar em Lula. Pouco mais de 10% pretende votar em Ciro, Tebet, ou nos outros candidatos.

Os militares pretendem roubar a voz e os votos, o dinheiro e os direitos de mais do que metade dos brasileiros? Pretendem fazer isso e continuar sendo sustentados pelo imposto de 100% dos brasileiros?

No caso dos militares que criticam urna eletrônica e TSE, a resposta é obviamente sim. Eles querem roubar mais da metade do Brasil.

Em uma república funcional, o cidadão não pode ter um segundo de dúvida de que as Forças Armadas são politicamente neutras.

Se o Brasil entrar em guerra, eu tenho que me apresentar para lutar. Se na trincheira meu oficial me der a ordem de me jogar sobre uma granada para salvar meus camaradas de armas, eu tenho que pular para a morte. Se entre a ordem e o salto eu gastar um segundo pensando "por que ele não mandou um direitista saltar?", a bomba explode e a trincheira toda morre.

Se membros graduados das Forças Armadas continuarem seus ataques ao TSE, essa relação de confiança entre mais da metade do Brasil e os compatriotas a quem confiamos a guarda das armas da República demorará décadas para ser restaurada, mesmo se o golpe de Bolsonaro der errado.

Se os ataques ao TSE continuarem, a farda brasileira será reduzida a uniforme de um partido político especialmente vagabundo, o bolsonarismo. Para Bolsonaro, a farda é só o uniforme de um tipo de funcionário público que mela eleição quando a direita perde. Retomando a pergunta do começo do texto: eu gostaria de saber se ele tem razão.

Brasil em tempo de semear

 


Tripla insensatez

Há livros dedicados a analisar a estupidez política de líderes do passado. Não conheço livro que analise a insensatez múltipla de dirigentes e opositores, promovendo tragédia histórica. O Brasil de 2022 será um tema de análise da tripla insensatez na política.

De um lado, o Presidente com a estupidez de anunciar com meses de antecedência que não respeitará o resultado das urnas. Insensato aos fatos, porque para ter sucesso, o golpe exige surpresa; e porque, se tiver êxito, é muito provavelmente que seja descartado, uma vez que não liderará as Forças Armadas, depois que rasgar 56 milhões de votos e a Constituição que lhe dá legitimidade para compensar sua total falta de liderança. Além disto, basta ler história para saber que nenhuma ruptura do pacto constitucional provoca coesão e rumo duradouro para o país.


Ao lado, a insanidade dos comandantes militares, que certamente conhecem mais história do que o capitão que expulsaram e os eleitores fizeram presidente. Sabem o risco que o país sofrerá se a Constituição for rasgada, se um presidente despreparado for imposto, ou se este for destituído, e no lugar for imposto um comandante militar sem votos. Mesmo se o golpe for vitorioso e ficar 21 anos, graças à tortura e ditadura, não será benéfico para o país nem para as Forças Armadas.

Os generais comandantes parecem não ter aprendido a importância da surpresa na execução de uma estratégia. Já manifestam que não respeitarão o resultado das eleições se as urnas não estiverem de acordo com o que eles querem. Desmoralizam a democracia ao tentar tutelar o processo eleitoral, e com isto desmoralizam as Forças Armadas por se transformarem em milícias politiqueiras. Aceitaram estas urnas em dez eleições anteriores, agora, insensatamente, avisam que usarão este argumento para recusar o resultado das eleições se não for o que eles desejam. É uma estupidez, mas estão praticando sem respeito aos juramentos, à história nem aos julgamentos que receberão no futuro.

Demonstram estupidez ao deixarem, óbvio a qualquer inteligência, como será o golpe, com roteiro que consiste em: compactuar com um fundo secreto para comprar votos com dinheiro público, se isto não der o resultado que esperam, usam o estado de emergência já aprovado pelos parlamentares, denunciam que o resultado não é confiável, desconectam a energia durante a noite da apuração, milícias impedem a circulação de transporte, especialmente no Nordeste e outras áreas reconhecidamente a favor de outro candidato, usam as denúncias feitas contra o candidato Lula por personalidades progressistas, convocam o Congresso, dificultam a presença de parlamentares opositores, deslegitimam as votações e convocam novas para daqui a dois anos, prorrogam os mandatos de todos os atuais dirigentes, muitos dos quais perderam a eleição; se não for suficiente a compra dos parlamentares por dentro, cercam o Congresso e o STF, e as casas onde moram os líderes da oposição “para protege-los”: medida aceita sobretudo se antes ocorrerem atos de violência, como o assassinato do tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu.

Sabendo disto, as oposições se comportam de forma igualmente insensata: sabem o que pode acontecer, mas não sabem o que fazer para barrar o golpe. Não se unem, não fazem um manifesto conjunto em defesa da democracia, se acusam mutuamente, detonam pontes que seriam necessárias no segundo turno, não elaboram um programa comum tal como: fim da reeleição, combate à inflação, medidas para gerar emprego, defesa da Amazônia, recuperação do prestígio internacional, enfrentar as sequelas do covid, fim do sigilo de processos por corrupção, regras que vacinem o governo contra corruptos.

A história mostra insensatez de muitos governantes. O Brasil mostra insensatez tripla: das Forças Armadas, do governante e dos líderes da oposição.

Religião e ciência

Todas as ações e todas as imaginações humanas têm em vista satisfazer as necessidades dos homens e trazer lenitivo a suas dores. Recusar esta evidência é não compreender a vida do espírito e seu progresso. Porque experimentar e desejar constituem os impulsos primários do ser, antes mesmo de considerar a majestosa criação desejada. Sendo assim, que sentimentos e condicionamentos levaram os homens a pensamentos religiosos e os incitaram a crer, no sentido mais forte da palavra? Descubro logo que as raízes da ideia e da experiência religiosa se revelam múltiplas. No primitivo, por exemplo, o temor suscita representações religiosas para atenuar a angústia da fome, o medo das feras, das doenças e da morte. Neste momento da história da vida, a compreensão das relações causais mostra-se limitada e o espírito humano tem de inventar seres mais ou menos à sua imagem. Transfere para a vontade e o poder deles as experiências dolorosas e trágicas de seu destino. Acredita mesmo poder obter sentimentos propícios desses seres pela realização de ritos ou de sacrifícios.


Porque a memória das gerações passadas lhe faz crer no poder propiciatório do rito para alcançar as boas graças de seres que ele próprio criou. A religião é vivida antes de tudo como angústia. Não é inventada, mas essencialmente estruturada pela casta sacerdotal, que institui o papel de intermediário entre seres temíveis e o povo, fundando assim sua hegemonia. Com frequência o chefe, o monarca ou uma classe privilegiada, de acordo com os elementos de seu poder e para salvaguardar a soberania temporal, se arrogam as funções sacerdotais. Ou então, entre a casta política dominante e a casta sacerdotal se estabelece uma comunidade de interesses.

Os sentimentos sociais constituem a segunda causa dos. fantasmas religiosos. Porque o pai, a mãe ou o chefe de imensos grupos humanos, todos enfim, são falíveis e mortais. Então a paixão do poder, do amor e da forma impele a imaginar um conceito moral ou social de Deus. Deus-Providência, ele preside ao destino, socorre, recompensa e castiga. Segundo a imaginação humana, esse Deus-Providência ama e favorece a tribo, a humanidade, a vida, consola na adversidade e no malogro, protege a alma dos mortos. É este o sentido da religião vivida de acordo com o conceito social ou moral de Deus. Nas Sagradas Escrituras do povo judeu manifesta-se claramente a passagem de uma religião-angústia para uma religião-moral. As religiões de todos os povos civilizados, particularmente dos povos orientais, se manifestam basicamente morais. O progresso de um grau ao outro constitui a vida dos povos. Por isto desconfiamos do preconceito que define as religiões primitivas como religiões de angústia e as religiões dos povos civilizados como morais. Todas as simbioses existem mas a religião-moral predomina onde a vida social atinge um nível superior. Estes dois tipos de religião traduzem uma ideia de Deus pela imaginação do homem. Somente indivíduos particularmente ricos, comunidades particularmente sublimes se esforçam por ultrapassar esta experiência religiosa. Todos, no entanto, podem atingir a religião em um último grau, raramente acessível em sua pureza total. Dou a isto o nome de religiosidade cósmica e não posso falar dela com facilidade já que se trata de uma noção muito nova, à qual não corresponde conceito algum de um Deus antropomórfico. O ser experimenta o nada das aspirações e vontades humanas, descobre a ordem e a perfeição onde o mundo da natureza corresponde ao mundo do pensamento. A existência individual é vivida então como uma espécie de prisão e o ser deseja provar a totalidade do Ente como um todo perfeitamente inteligível. Notam-se exemplos desta religião cósmica nos primeiros momentos da evolução em alguns salmos de Davi ou em alguns profetas. Em grau infinitamente mais elevado, o budismo organiza os dados do cosmos, que os maravilhosos textos de Schopenhauer nos ensinaram a decifrar. Ora, os gênios-religiosos de todos os tempos se distinguiram por esta religiosidade ante o cosmos. Ela não tem dogmas nem Deus concebido à imagem do homem, portanto nenhuma Igreja ensina a religião cósmica. Temos também a impressão de que os hereges de todos os tempos da história humana se nutriam com esta forma superior de religião. Contudo, seus contemporâneos muitas vezes os tinham por suspeitos de ateísmo, e às vezes, também, de santidade. Considerados deste ponto de vista, homens como Demócrito, Francisco de Assis, Spinoza se assemelham profundamente.

Como poderá comunicar-se de homem a homem esta religiosidade, uma vez que não pode chegar a nenhum conceito determinado de Deus, a nenhuma teologia? Para mim, o papel mais importante da arte e da ciência consiste em despertar e manter desperto o sentimento dela naqueles que lhe estão abertos. Estamos começando a conceber a relação entre a ciência e a religião de um modo totalmente diferente da concepção clássica. A interpretação histórica considera adversários irreconciliáveis ciência e religião, por uma razão fácil de ser percebida. Aquele que está convencido de que a lei causal rege todo acontecimento não pode absolutamente encarar a ideia de um ser a intervir no processo cósmico, que lhe permita refletir seriamente sobre a hipótese da causalidade. Não pode encontrar um lugar para um Deus-angústia, nem mesmo para uma religião social ou moral: de modo algum pode conceber um Deus que recompensa e castiga, já que o homem age segundo leis rigorosas internas e externas, que lhe proíbem rejeitar a responsabilidade sobre a hipótese-Deus, do mesmo modo que um objeto inanimado é irresponsável por seus movimentos. Por este motivo, a ciência foi acusada de prejudicar a moral. Coisa absolutamente injustificável. E como o comportamento moral do homem se fundamenta eficazmente sobre a simpatia ou os compromissos sociais, de modo algum implica uma base religiosa. A condição dos homens seria lastimável se tivessem de ser domados pelo medo do castigo ou pela esperança de uma recompensa depois da morte.

É portanto compreensível que as Igrejas tenham, em todos os tempos, combatido a Ciência e perseguido seus adeptos. Mas eu afirmo com todo o vigor que a religião cósmica é o móvel mais poderoso e mais generoso da pesquisa científica. Somente aquele que pode avaliar os gigantescos esforços e, antes de tudo, a paixão sem os quais as criações intelectuais científicas inovadoras não existiriam, pode pesar a força do sentimento, único a criar um trabalho totalmente desligado da vida prática. Que confiança profunda na inteligibilidade da arquitetura do mundo e que vontade de compreender, nem que seja uma parcela minúscula da inteligência a se desvendar no mundo, devia animar Kepler e Newton para que tenham podido explicar os mecanismos da mecânica celeste, por um trabalho solitário de muitos anos. Aquele que só conhece a pesquisa científica por seus efeitos práticos vê depressa demais e incompletamente a mentalidade de homens que, rodeados de contemporâneos céticos, indicaram caminhos aos indivíduos que pensavam como eles. Ora, eles estão dispersos no tempo e no espaço. Aquele que devotou sua vida a idênticas finalidades é o único a possuir uma imaginação compreensiva destes homens, daquilo que os anima, lhes insufla a força de conservar seu ideal, apesar de inúmeros malogros. A religiosidade cósmica prodigaliza tais forças. Um contemporâneo declarava, não sem razão, que em nossa época, instalada no materialismo, reconhece-se nos sábios escrupulosamente honestos os únicos espíritos profundamente religiosos.
Albert Einstein, "Como Vejo o Mundo"

E aquela do Nelson?

Nelson Rodrigues nos ensinou que toda unanimidade é burra, que sofremos do complexo de vira-lata e só os profetas enxergam o óbvio. E muitas outras frases que as pessoas repetem já sem saber da autoria. Menos famosas são as que ele escreveu sobre o Brasil nos anos 70 e ainda fazem total sentido. Exemplos.

"Outrora os melhores pensavam pelos idiotas. Hoje os idiotas pensam pelos melhores." "O brasileiro tem suas trevas interiores. Convém não provocá-las. Ninguém sabe o que existe lá dentro." "Com o tempo e o uso, todas as palavras se degradam. Por exemplo: ‘liberdade’. Hoje, ‘liberdade’ é a mais prostituída das palavras."

"O ‘homem de bem’ é um cadáver mal informado. Não sabe que já morreu." "Tomem nota: ainda seremos o maior povo ex-católico do mundo." "Não há no mundo elites mais alienadas do que as nossas." "Subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos." "Hoje é muito difícil não ser canalha. Todas as pressões trabalham para o nosso aviltamento pessoal e coletivo." "No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte."


"O Brasil gaba-se de ser uma democracia racial. No entanto, poderíamos indagar uns dos outros: ‘E os negros? Onde estão os negros?’ É uma pergunta sem resposta. As casacas estão aí, e os vestidos de baile, os cargos, as funções, as estátuas. Mas, no Brasil, nunca se viu um negro de casaca, nunca se viu uma estátua equestre de negro, nunca se viu um grã-fino negro. Enquanto um sábio negro não puder ser nosso embaixador em Paris, nós seremos o pré-Brasil."

"Em Brasília, todos são inocentes e todos são cúmplices." "O Brasil deixou de ser o Brasil. Hoje estamos sendo esmagados pelo anti-Brasil." E esta, que profetiza o nosso momento de hoje e que devia nos fazer pensar: "Quando os amigos deixam de jantar com os amigos por causa da ideologia, é porque o país está maduro para a carnificina."

Bolsonaro, o patriota de mentira

Está marcada para logo mais a partir das 16h no Palácio da Alvorada a mais escandalosa demonstração do que é ser patriota à moda Bolsonaro e seus afins. O país nunca viu nada parecido.

A convite dele, cerca de 40 embaixadores dos mais importantes países do mundo se reunirão para ouvi-lo falar sobre sua falta de confiança no sistema eleitoral brasileiro.

Não importa que o mesmo sistema que hoje ele tanto emporcalha lhe tenha dado 7 mandatos de deputado e um de presidente. A 76 dias das próximas eleições, Bolsonaro tenta desacreditá-lo.

Em 1970, na fase mais violenta da ditadura militar instalada no país 6 anos antes, dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, foi a Paris para uma palestra no Palácio dos Esportes.

E ali, diante de 10 mil pessoas, denunciou que no Brasil a ditadura torturava e matava. Na volta, foi batizado de “bispo vermelho” pelos militares e proibido de falar em público.

Pelos 9 anos seguintes, a imprensa não pôde citar mais o nome do arcebispo, acusado de mentir e de não ser um patriota. O governo sabotou sua indicação para o Prêmio Nobel da Paz.

“É absurdo e antipatriótico o presidente convidar embaixadores para questionar uma instituição nacional, o Poder Judiciário”, observa Flávio Dino (PSB), ex-governador do Maranhão.

À época da palestra de dom Hélder, havia fartas provas de torturas, mortes e desaparecimentos de presos políticos. Bolsonaro não tem uma única prova de fraude em 26 anos de voto eletrônico.

Se tem, jamais apresentou. Se tivesse, já deveria tê-las remetido ao exame da Justiça Eleitoral, a quem cabe pela Constituição garantir a realização de eleições seguras, limpas e justas.

As de outubro, decididamente serão justas, mas não pelo que Bolsonaro diz e não prova, mas pelo que ele fez com o apoio do Congresso ao emendar a Constituição para se beneficiar.

Os candidatos têm o direito de disputar eleições em iguais condições. A recente emenda dá vantagens a Bolsonaro e a todos que os que mamam nas tetas do Orçamento Secreto da União.

Os militares se comportam como se eles, mais do que os civis, fossem patriotas, pessoas que amam sua pátria, que agem em sua defesa e que normalmente não enxergam defeitos em seu país.

Censuraram dom Hélder por entender que ele não poderia falar mal do seu país no exterior. Calam-se e apoiam Bolsonaro quando ele está pronto a fazê-lo diante de representantes de outros países.

O que pretende Bolsonaro com a peça que encena esta tarde para deleite ou assombro do mundo? Antecipar que não aceitará os resultados das eleições de outubro caso seja derrotado?

Não se dá conta de que será o protagonista de mais um ato digno de uma República de Bananas? Que o Brasil se cobrirá de vergonha por causa disso? Ou está pouco se lixando?

A ditadura de 64 acabou depois de 21 anos, mas o golpismo que fazia parte do DNA dos militares continua a circular nas veias dos que um dia expulsaram Bolsonaro do Exército por má conduta.

Talvez tenham se arrependido.