quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Apoiamos as declarações do presidente Lula e repudiamos as ofensas sionistas

Dando um passo além nas contínuas denúncias dos crimes cometidos por Israel contra os palestinos, o presidente Lula causou furor ao fazer uma comparação entre o que ocorre hoje em Gaza e o que Hitler fez com os judeus durante o nazismo.

A comparação entre genocídios é sempre delicada pois a experiência vivenciada por cada povo afetado é inigualável. Cada um representa uma narrativa singular e dolorosa na história das comunidades vitimadas. Logo, não há como estabelecer qualquer hierarquia entre genocídios. É impossível estabelecer uma métrica objetiva para determinar o 'pior' genocídio da história. Categorizar historicamente vítimas maiores ou menores é uma perigosa armadilha de reprodução de racismo.

A contradição de o povo judaico ser ora vítima e agora algoz é palpável, tenebrosa e desalentadora. Lula externou o que está no imaginário de muitos de nós. Uma comparação que causa muita dor a judias e judeus de todo mundo, que tiveram as suas vidas cindidas pelo genocídio dos judeus na Europa, e agora veem um crime similar sendo cometido, supostamente em seu nome. Enquanto coletivo de judias e judeus, temos antepassados que foram vítimas do Holocausto nazista, e entendemos que nosso imperativo ético é nos posicionarmos contra o genocídio do povo palestino e contra a utilização da nossa defesa como justificativa.

Se a criação e fundação de um Estado judaico foi uma medida de sobrevivência num mundo sitiado, ela logo se tornou um pesadelo. O Estado de Israel não trouxe emancipação verdadeira aos judeus pois a sua existência é mantida às custas da negação da autodeterminação dos palestinos. As lideranças israelenses seguem promovendo um massacre contra palestinos e ainda ameaçam a vida de judeus e judias em todo o mundo. Israel representa hoje a maior fonte de insegurança para todos os judeus do planeta ao usar nossa identidade como fachada e justificativa para sua campanha de terror.

Por isso, defendemos e acreditamos que as palavras de Lula são de grande importância pois levantam questões relacionadas à urgência da ação, como um chamado definitivo dirigido a todos para agir diante do que ocorre em Gaza neste momento. Frente à incapacidade da ONU e de várias organizações internacionais em conter a violência perpetrada por Israel em Gaza, destaca-se a importância vital da postura demonstrada por líderes internacionais como Lula, que levantam suas vozes contra o que é já considerado por incontáveis especialistas como um genocídio contra o povo palestino.

As palavras têm poder. Se a forma como Lula se expressou na ocasião foi pouco cuidadosa – tropeçando justamente neste ninho de comparações forçadas – sua fala tem o objetivo de atingir a imaginação e provocar uma crise moral sobre Israel. O pedido de impeachment protocolado pelos deputados bolsonaristas é uma medida descabida, assim como as acusações de antissemitismo – cujo real objetivo é deslegitimar o governo e a diplomacia brasileira. Não acreditamos que judeus brasileiros estão em risco por causa de sua declaração.

Apoiamos as colocações do presidente Lula e cobramos que a radicalidade de suas palavras seja colocada em prática. Seria um gesto diplomático de relevância gigantesca romper todas as relações entre o estado brasileiro e Israel, em especial as relações militares que também fortalecem a barbárie em terras brasileiras, com a compra de armas e tecnologias de controle social que são usadas para atingir a vida do povo negro nas favelas. Convocar o embaixador brasileiro em Tel Aviv foi um passo ainda insuficiente nessa direção.

Por fim, convidamos a todas e todos, mas principalmente ao governo brasileiro a atender as demandas do movimento internacional de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), liderado pelas bases da sociedade civil palestina. O povo palestino tem pressa e nossas ações têm poder.

Vozes Judaicas por Libertação (Coletivo é formado por judeus não sionistas que tem como objetivo criar um espaço alternativo à ideologia sionista e combater o colonialismo do Estado de Israel)

'Vamos completar o trabalho'

Aqueles que querem nos impedir de operar em Rafah estão basicamente nos dizendo: 'Percam a guerra'. É verdade que há muita oposição no exterior, mas este é exatamente o momento em que precisamos dizer que não vamos fazer metade ou um terço do trabalho.
Benjamin Netanyahu

Acabar a guerra “o mais rapidamente possível” quer dizer nada

Dada à sua natureza excessivamente conservadora, como demonstrado ao longo da história, a tradicional imprensa brasileira, só agora e com bastante atraso, começa a dar-se conta de que o maior obstáculo à paz no Oriente Médio é o governo de extrema-direita do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, pela terceira vez no cargo.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sabe disso, mas não quer admitir às vésperas de uma eleição difícil contra o ex-presidente Donald Trump. A maior colônia de judeus fora do Oriente Médio está justamente nos Estados Unidos. Israel é visto pelos americanos como seu maior porta-aviões naquela parte inóspita do mundo.

Os líderes das maiores potências ocidentais também sabem, mas suas ligações com o povo judeu, alimentadas por um antigo sentimento de culpa e negócios que interessam aos seus países, os impede de dizer com clareza que é preciso dar um basta à guerra que ameaça dizimar os palestinos. De resto, não ousam contrariar os Estados Unidos.


Em agosto de 1982, narra a jornalista Lúcia Guimarães na Folha de S. Paulo, o então presidente americano Ronald Reagan, com um telefonema, sustou o bombardeio israelense de civis no Líbano. Reagia assim a um dia de ataques que haviam deixado 100 civis mortos. Reagan ligou para o primeiro-ministro Menachem Begin e disse:

“Isto é um Holocausto”.

Begin, em tom sarcástico, respondeu, segundo Lou Canon, biógrafo de Reagan:

“Eu acho que eu sei o que é um Holocausto”.

Vinte minutos depois, Begin ligou de volta avisando que tinha suspendido o bombardeio. Biden não faz o mesmo com Netanyahu por razões que só ele e Deus conhecem. Não se passa um dia sem que Biden, pessoalmente ou por meio de porta-vozes, não diga que a matança de palestinos tem que ser interrompida.

Mas todas as resoluções apresentadas ao Conselho de Segurança que recomendavam o fim da guerra foram vetadas pelos Estados Unidos. Esta semana, mais uma foi vetada. O governo americano diz que prepara a sua, recomendando que a guerra seja cesse “o mais rapidamente possível”. Quer ambiguidade maior?

O mais rapidamente possível quer dizer o quê? Uma semana, um mês, um ano? Quem definirá o prazo para que os canhões silenciem, e os mísseis e bombas fornecidos pelos Estados Unidos deixem de ser jogados sobre palestinos em fuga dentro da Faixa de Gaza, a correrem para um lado e para outro obedecendo às ordens de Israel? É um tiro ao alvo.

Biden, e mais recentemente os líderes europeus, dizem que o fim da guerra implicará na devolução pelo Hamas dos reféns que eles fizeram, da libertação por Israel de palestinos presos em suas masmorras, e do início “o mais rapidamente possível” da criação de um Estado Palestino. É a velha tese dos dois Estados jamais implantada.

Na semana passada, por unanimidade, o governo de Netanyahu decidiu que não haverá Estado palestino. A decisão foi ratificada, anteontem, pelo Congresso de Israel. Dos 120 deputados, 99 de diferentes partidos políticos votaram de acordo com Netanyahu, e apenas nove contra, de partidos árabes.

Ahmad Tibi, líder do partido Arab Taal, interrompeu o discurso de agradecimento de Netanyahu gritando: “Será criado um Estado palestino! Apesar de suas palavras, ele será criado!” Após duas advertências do presidente da sessão, Ahmad foi expulso do plenário.

Lula falou em Holocausto para condenar a matança em Gaza. Mas ele não é o Reagan, nem o Brasil os Estados Unidos.