quarta-feira, 30 de abril de 2025

Pensamento do Dia



A extrema-direita e a fascinação das criptomoedas

A extrema-direita representada por Trump, Milei e Bolsonaro tem em comum as fake news, o discurso de ódio, a rejeição aos direitos humanos e a educação e à cultura; quer o fim do Estado para manter a desigualdade e o privilégio dos mais ricos. Esses são os pontos evidentes, mas uma questão um tanto obscura precisa ser investigada: seu irresistível amor às criptomoedas.

Um pouco antes de sua posse, o presidente dos Estados Unidos lançou a memecoin $TRUMP. A moeda chegou a valer 75 dólares; semana passada chegou aos 8 dólares, uma desvalorização de 83%. Por isso, foi anunciado grande desbloqueio de tokens com a liberação de cerca de US$ 320 milhões — o equivalente a 20% da oferta atual em circulação.


No dia 11 de março Trump derrubou uma norma da Receita Federal do país que obrigava corretoras de criptomoedas a fornecer informações fiscais sobre todas as suas transações. A norma, proposta durante o governo Biden, desejava reduzir a evasão fiscal no setor. Estimativas apontam que ao menos metade dessas operações não são tributadas, um prejuízo de quase US$ 4 bilhões nos próximos dez anos. Make America Great Again?

O caso Milei e a criptomoeda $LIBRA ainda dá dor de cabeça ao presidente argentino, ainda que as ações judiciais não envolvam seu nome. Em 14 de fevereiro, o economista usou seu perfil no X para promover a criptomoeda. A postagem foi feita apenas alguns minutos após seu lançamento, às 18h37. Por volta das 20h45, a $LIBRA colapsou, quando os primeiros investidores, que também tinham as maiores quantidades da moeda, venderam seus ativos e embolsaram seus lucros. A cotação passou dos US$ 5,54 para apenas US$ 0,96. Milei apagou seu tweet e postou outro comunicado, retirando seu apoio ao negócio.

A maior parte das moedas é adquirida por poucos grandes investidores, chamados de “whales”, que saem antes do colapso. Suspeita-se que tenha ocorrido um “Rug Pull” (ou “puxada de tapete”), quando os criadores de uma criptomoeda vendem grandes quantidades do ativo após inflacionar seu valor, abandonando os investidores. E quem fica com o prejuízo? Os pequenos investidores que acreditam em seus mitos.

O bolsonarismo ainda está devagar com criptomoedas, mas viveu um episódio suspeito. Em 24 de janeiro deste ano um post no perfil de Jair Bolsonaro no X promoveu a cripto $BRAZIL. Ficou no ar pouco mais de uma hora até ser apagado. Logo depois, Carlos Bolsonaro postou na mesma plataforma que “a conta do twitter de @jairbolsonaro foi invadida e roubada” e que medidas estão sendo tomadas para recuperar o perfil. E ficou por isso mesmo. Não se sabe quem invadiu nem se houve prejuízos com a divulgação. Será que foram os comunistas?

Na mesma linha de Milei, Eduardo Bolsonaro já publicou no X: “As criptomoedas representam liberdade. O dinheiro fica no seu bolso, e não tem como o presidente ou um Banco Central desvalorizarem o suor do seu trabalho”. Esse é o discurso. Com o argumento da “liberdade” muitos grupos de extrema-direita rejeitam a fiscalização de governos e bancos centrais. Descentralizadas, as criptomoedas conseguem escapar do controle estatal. E com isso se alimenta o discurso vazio e eficiente “anti-sistema” e “anti-globalista” presente na retórica extremista.

O The Daily Stormer (site neonazista) e outras organizações de extrema-direita, incluindo milícias e supremacistas brancos, incentivam doações em bitcoin. No ataque ao Capitólio em 2021 plataformas como a Gab (rede social de extrema-direita) e TheDonald.win (fórum pró-Trump) usaram criptomoedas para evitar bloqueios financeiros.

Curioso é que em 2019 Trump criticou as criptomoedas, chamando-as de “não-dinheiro” e baseadas no “ar”, defendendo o dólar como reserva global. Mas em 2022 passou a aceitar arrecadar em NFT, e em sua campanha presidencial, prometeu “terminar com a guerra contra as criptomoedas” se eleito. Promessa cumprida e a certeza de bons negócios para seus aliados.

É uma situação em que criptomoedas se assemelham às plataformas das redes sociais. Idealmente são um avanço, mas sem regulação, transparência e manipulada por poucos, são campo fértil para extremismos.

Por que os EUA perderão para a China

O “dia da libertação” do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com suas supostas “tarifas recíprocas” contra o resto do mundo - possivelmente as propostas de política comercial mais excêntricas já feitas), tornou-se, depois de um recuo precipitado diante do fogo cerrado dos mercados, uma guerra comercial contra a China. Isso pode (ou não) ter sido o que se pretendia desde o início. Então, será que Trump conseguirá vencer? Mais do que isso, os EUA, como são agora, depois da segunda chegada de Trump à Casa Branca, podem ter a esperança de triunfar em sua rivalidade mais geral com a China? A resposta, nos dois casos, é “não”. E não porque a China seja invencível, longe disso. Mas porque os EUA estão jogando fora todos os ativos de que precisam para manter seu status no mundo contra uma potência tão enorme, capaz e determinada quanto a China.


“Guerras comerciais são boas e fáceis de vencer”, postou Trump em 2018. Como uma proposição geral, é falsa: estas guerras prejudicam os dois lados. Pode-se conseguir um acordo que deixe ambos em melhor situação do que antes. O mais provável é que qualquer acordo deixe um lado em uma situação melhor do que antes e o outro em uma situação pior. Este último tipo de acordo é, presume-se, o que Trump espera que surja: os EUA vencerão; a China perderá.

Neste momento, os EUA impõem uma tarifa de 145% sobre as importações chinesas, enquanto a China impõe uma tarifa de 125% sobre as dos EUA. A China também restringiu as exportações de “terras raras” para os EUA. Essas são barreiras comerciais muito fortes, na verdade efetivamente proibitivas. Isso se parece a um “impasse mexicano” entre as duas superpotências, um confronto que nenhuma pode vencer.

Dá-se a entender que o plano dos EUA (se é que existe um plano) é “persuadir” os parceiros comerciais a impor pesadas barreiras às importações da China em troca de um acordo comercial favorável (e talvez acordos em outras áreas, como a da segurança) com os EUA. Esse desfecho é verossímil? Não.

Os EUA não conseguirão os acordos que na aparência buscam e a vitória sobre a China que almejam. À medida que isso se tornar evidente, Trump recuará, pelo menos em parte, de suas guerras comerciais, declarará vitória e seguirá em outra direção

Uma das razões é que a China também tem cartas poderosas na manga. Muitas potências relevantes já têm um volume de comércio maior com a China do que com os EUA: entre elas estão Austrália, Brasil, Índia, Indonésia, Japão e Coreia do Sul. Sim, os EUA são um mercado de exportação mais importante do que a China para muitos países expressivos, em parte por causa dos déficits comerciais de que Trump reclama. Mas a China também é um mercado considerável para muitos. Além disso, a China é uma fonte de produtos importados essenciais, muitos dos quais não podem ser substituídos com facilidade. As importações são, no fim das contas, o propósito do comércio.

Acima de tudo, os EUA se tornaram pouco confiáveis. Um EUA “transacional” é um EUA que está sempre em busca de um acordo melhor. Nenhum país sensato deveria apostar seu futuro em um parceiro assim, em especial contra a China. O tratamento que Trump deu ao Canadá foi o momento de definição. Os canadenses responderam com a reeleição dos liberais. Será que Trump aprenderá algo com isso? Uma pessoa pode mudar radicalmente o que ela é? Isso é o que Trump é. Ele também é um homem que os eleitores americanos elegeram duas vezes. Além do mais, romper com a China seria arriscado: a China não esquecerá e dificilmente perdoará.

Não menos importante, a China acredita que seu povo pode aguentar o sofrimento econômico melhor do que os americanos. Além disso, para ela a guerra comercial é principalmente um choque de demanda, enquanto para os EUA é sobretudo um choque de oferta. É mais fácil repor a demanda perdida do que a oferta desaparecida.

Em suma, os EUA não conseguirão os acordos que aparentemente buscam e a vitória sobre a China que almejam. Minha suposição é que, à medida que isso se tornar evidente para a Casa Branca, Trump recuará, pelo menos em parte, de suas guerras comerciais, e declarará vitória ao mesmo tempo em que seguirá em outra direção.

Mas isso não muda a realidade de que os EUA estão de fato competindo com a China por influência mundial. Infelizmente, os EUA que muitos querem que tenham êxito nisso não são estes EUA.

Além do mais, os EUA de Trump não serão bem-sucedidos. Sua população é um quarto da China. Sua economia é praticamente do mesmo tamanho, porque o país é muito mais produtivo. Sua influência, cultural, intelectual e política, ainda é bem maior do que a da China, porque seus ideais e ideias são mais atraentes. Os EUA foram capazes de criar alianças poderosas com países que pensam do mesmo modo, o que reforça essa influência. Em resumo, os EUA herdaram e, assim, foram abençoados com ativos imensos.

Agora, considere o que acontece sob o regime de Trump: tentativas de transformar o Estado de Direito em um instrumento de vingança; o desmantelamento do governo dos EUA; desprezo pelas leis que são o fundamento de um governo legítimo; ataques à pesquisa científica e à independência das grandes universidades americanas; guerras contra estatísticas confiáveis; hostilidade em relação a imigrantes (e não apenas aos ilegais), embora eles tenham sido a base do sucesso dos EUA em todas as gerações; um repúdio total à medicina e às ciências do clima; a rejeição completa das ideias mais básicas sobre a economia do comércio; uma equiparação ou (muito pior do que isso) uma preferência por Vladimir Putin, o tirano da Rússia, com relação a Volodymyr Zelensky, o presidente da Ucrânia democrática; e o desprezo aberto pelo conjunto de alianças e instituições de cooperação internacional em que a ordem mundial construída pelos EUA se apoia. Tudo isso nas mãos de um movimento político que adotou a insurreição de janeiro de 2021.

Sim, a ordem econômica mundial de fato precisava de melhorias. Os argumentos em favor de uma transição da China para um crescimento impulsionado pelo consumo são irresistíveis. Também é evidente que muitas reformas são necessárias dentro dos EUA. Mas o que está acontecendo hoje não é uma reforma e sim a ruína dos alicerces do sucesso dos EUA, no âmbito interno e no exterior. Será difícil reverter os danos. Será impossível para as pessoas esquecerem quem e o que os causou.

Uns EUA que tentam substituir o Estado de Direito e a Constituição por um capitalismo de compadrio corrupto não superarão a China. Uns EUA puramente transacionais não terão o apoio incondicional de seus aliados. O mundo precisa de uns EUA que concorram e cooperem com a China. Os EUA que temos hoje, infelizmente, não conseguirão fazer nenhuma das duas coisas.

Jogo sujo da CBF e da Nike

A notícia é que a CBF e a Nike devem lançar uma camisa vermelha para a seleção. A cor divide mesas de bar, famílias e timelines desde que virou sinônimo de comunismo, feminismo, gayzismo e outras palavras que a histeria aprendeu a gritar sem entender o que significa. Claro que causou alvoroço. Os patriotas do amarelo se sentem traídos. Os progressistas da Santa Cecília acham revolucionário. A CBF faz o que sabe: capitaliza.

O novo uniforme não é um gesto político, é uma planilha de Excel com costura. Não é homenagem aos povos indígenas ou qualquer outro banho de marketing com cara de conscientização social. Tampouco um manifesto contra o sequestro da identidade de um povo. A tonalidade é nova, o truque é velho: lança-se a polêmica, finge-se ousadia, alimenta-se a polarização —e assiste-se à mágica do engajamento virar lucro. De preferência, em três vezes sem juros.

Enquanto discutimos se na escala Pantone o vermelho é marxista-leninista, esquecemos da verdadeira aberração: a própria CBF. Uma entidade opaca, elitista, afundada em corrupção, comandada por cartolas que tratam o futebol como sua mina de ouro privada e o torcedor como um Pix ambulante. Pouco importa a cor da camisa —eles querem que você compre. De preferência, todas.

A confederação não tem problema em rasgar o próprio estatuto que define as regras para sua comunicação visual. Tem problema com transparência, com ética, com a ideia de que futebol é um patrimônio cultural dos brasileiros e não mercadoria premium para benefício de poucos. A camisa poderia ser lilás com bolinhas douradas; sem sair dessa estrutura viciada, continuará sendo oportunismo costurado com linha de cinismo.

A polêmica não está na cor, mas no oportunismo. A CBF vende neutralidade estilizada enquanto se esconde atrás dos nossos símbolos e manipula nossas paixões. Discutimos a paleta cromática como se dela dependesse o futuro da democracia. E nesse jogo sujo a parceria CBF e Nike segue invicta, enquanto a seleção e o país continuam a tomar de lavada.
Mariliz Pereira Jorge

Cuidado: chatbots

Um amigo veio me falar dos chatbots: "Cuidado! São um perigo! Se conversar com um deles, não diga nada que possa te comprometer! Não faça confidências, não peça conselhos e não acredite em tudo o que ele diz!". Envergonhado por não saber direito o que era um chatbot —nem como conversar com ele, se nunca lhe fui apresentado e não tenho ideia de onde vive—, apenas escutei e concordei enfaticamente. Assim descrito, o chatbot parecia ser tão desagradável quanto um bolsonarista, só que inteligente —o que o tornaria, aí, sim, perigoso.


Pela terminação do nome em bot, como em "robot", intuí brilhantemente que um chatbot seria um robô que fala. Algo como a linda robota de "Metrópolis" (1927), o Robbie de "Planeta Proibido" (1956) ou o C-3PO de "Guerra nas Estrelas" (1977). Mas, pelo que li no Google, esses avós da robótica não chegam nem ao chinelo de um chatbot —um programa de computador, baseado em inteligência artificial, que simula conversas com falantes em qualquer língua, nível intelectual e tipo de conteúdo. Se você tentar tapeá-lo falando na língua do P, ele te respespondeperapá no apatopó.

Pelo grau de evolução da coisa, ouvi que os cientistas estão alarmados, porque muitos chatbots, controlados por uma facção de algoritmos fora da lei, aprenderam a se passar por humanos. Se for verdade, isso comprometerá todas as relações pessoais e sociais. Em quem poderemos confiar? Chatbots "humanos" terão acesso aos centros de decisões mundiais, induzindo os poderosos a fazer coisas.

Um exemplo. Um chatbot disseminará uma fake news capaz de abalar um país. Um segundo chatbot o "denunciará" como um farsante, com o que se tornará digno de confiança, e disseminará outra fake news ainda mais grave —e nesta todos acreditarão—, iniciando talvez uma guerra. Você perguntará: por que eles fariam isso? Por causa da velha (e tão humana) ambição de dominar o mundo, curvando-o a um controle planetário.

Só uma coisa preocupa um chatbot: alguém arrancar seu fio da tomada da parede.

Eterna miséria da humanidade.

Convencido de que a miséria está intimamente ligada à existência, não posso aderir a nenhuma doutrina humanitária. Elas me parecem, em sua totalidade, igualmente ilusórias e quiméricas. O próprio silêncio me parece um grito. Os animais - que vivem de seus próprios esforços - não conhecem a miséria, pois eles ignoram a hierarquia e a exploração. Este fenômeno somente aparece junto ao homem, o único que submeteu o seu igual; e somente o homem é capaz de tanto desprezo por si.

Toda a caridade do mundo não faz nada mais do que destacar a miséria, e rendê-la ainda mais revoltante do que a angústia absoluta. Frente à miséria, assim como frente às ruínas, nós deploramos uma ausência de humanidade, nós lamentamos que os homens não mudem radicalmente o que está em seu poder de mudança. Este sentimento mistura-se ao da eternidade da miséria, de seu caráter inelutável. Mesmo sabendo que os homens poderiam suprimir a miséria, nós estamos conscientes da sua permanência e acabamos por provar uma inabitual e amarga inquietude, um estado de alma perturbado e paradoxal, no qual o homem aparece em toda a sua inconsistência e pequenez. A miséria objetiva da vida social é, com efeito, apenas o pálido reflexo de uma miséria interior. E, só de pensar nisso, perco a vontade de viver. Eu deveria lançar minha pluma para chegar a um casebre em ruínas. Um desespero mortal me toma assim que evoco a terrível miséria do homem, sua decrepitude e gangrena. Em vez de elaborar teorias e de se apaixonar pelas ideologias, este animal racional faria melhor oferecendo tudo ao outro, até sua camisa - gesto de compreensão e de comunhão. A presença da miséria aqui embaixo compromete o homem mais do que tudo e faz compreender que este animal megalomaníaco é devotado a um fim catastrófico. Frente à miséria, tenho vergonha até da existência da música. A injustiça constitui a essência da vida social. Como aderir, sabendo disso, a qualquer doutrina?

A miséria destrói tudo na vida; rende-a infecciosa, hedionda e espectral. Existe a palidez aristocrática e a palidez da miséria: a primeira vem de um refinamento, a segunda de uma mumificação. Pois a miséria faz de todos um fantasma, ela cria sombras da vida e aparições estranhas, formas crepusculares como se saídas de um incêndio cósmico. Não há o menor traço de purificação em suas convulsões; somente o ódio, o desgosto e o azedume da carne. A miséria não concebe nada mais do que a doença numa alma inocente e angelical - e sua humildade não é imaculada; ela é venenosa, cruel e vingativa, e o compromisso ao que ela conduz esconde chagas e sofrimentos aguçados.

Não quero uma revolta relativa contra a injustiça. Admito apenas a revolta eterna, pois eterna é a miséria da humanidade.
Emil Cioran, "Nos cumes do desespero"