domingo, 22 de julho de 2018

Brasil das pré-candidaturas


O mecanismo

A perda de prestígio e de rumo do Brasil tem nomes. Sem citar os pecadores, o que despertaria polêmica, vamos aos pecados, para que, revelados, ao menos se atenuem.

A verdade vos libertará. Exatamente a verdade tem que ser mostrada sem paixão nem torcida. Doa a quem doer, para que depois não doa por quatro anos a milhões de ingênuos e inocentes.

Quase sempre um governante em Minas ou no Planalto, antes de assumir, se fez preceder de acordos e compromissos fisiológicos, negócios espúrios com financiadores, partidos e grupos que atuam e se locupletam na esfera pública. Perde-se aí a possibilidade de dar certo. Deixa-se o Estado refém dos favores de campanha e de retribuir acordos lesivos ao interesse difuso e popular.


A visão “negocial” da política impõe ao eleito “comprometido” transformar-se em tomador de conta do galinheiro para dar livre acesso às raposas. O acerto precisa ser “honrado”, devolvendo centenas de vezes mais o que foi financiado na campanha. Assim, quem manda não é bem o eleito, mas os financiadores, os partidos, aqueles que, depois, ditam as decisões. Os exemplos abundam nas revelações da operação Lava Jato. Interessante, embora romanceada, a série “O Mecanismo” da rede Netflix. Dá uma ideia de Brasil.

No ambiente luxurioso e aloprado de mordomias e esbanjamentos com o dinheiro público, chafurdam figuras que, na vida real e competitiva, teriam lugar de chapéu na mão nas escadarias de uma igreja. A política se transformou numa transgressão quase permanente. Política não é mais o que significa, “o modo e a arte de convivência na comunidade”. Serve, sobretudo, ao mecanismo para explorar a ingenuidade da população e, assim, engordar a si com aquilo que se retira dela. A roda gira a favor do constitucionalmente incorreto.

O mal que esgarça como lâmina a economia da nação se expandiu tão rapidamente, atingindo um aspecto monstruoso que envergonha o Brasil e sua gente, que faz milhões sonharem em sair daqui, como se sai de um pesadelo.

Os governos são entregues a incompetentes cujo maior compromisso é serem fiéis às regras do mecanismo, não interessa a experiência e a competência.

Paradoxalmente, chegou-se até a figura do ministro laranja, aquele que se presta a encobrir a ação delituosa de partidos. O único predicado necessário é saber ler, escrever e acima de tudo manter aberta a porta do galinheiro.

Nota-se que as pequenas obras, talvez as mais necessárias à qualidade de vida da população e que são imprescindíveis garantias de educação e saúde são menosprezadas, justamente por estarem ao alcance de milhões de empresas competitivas e trabalharem sem margem de desvios. Gasta-se despudoradamente o valor de mil unidades básicas de saúde, que atenderiam 12 milhões de cidadãos a vida toda, pelo estádio que hospedou apenas três jogos da Copa do Mundo e ficou, depois, às moscas.

Quando um governo é deixado refém, tem que ceder ao financiador, ao partido, ao bandido.

As regras eleitorais desta eleição foram aprovadas para cercear a livre escolha, via o artificialismo, para exploradores manterem-se onde estão: no poder.

Uma pesquisa divulgada recentemente que estimulou o entrevistado a escolher entre os principais candidatos ao governo de Estado de Minas revelou a definição de apenas 43% do eleitorado, com 57% decidido anão votar. Assusta. Mais ainda a rejeição dos mais citados nas intenções de votos. Isso mostra, em geral, que prevalece antipatia, e não admiração.

Quer dizer, a avalanche de votos nulos e brancos é hoje superior ao volume de intenções da soma de votos de todos os candidatos. Isso pode levar a eleição a ser decidida em favor de um candidato com mais de 50% de rejeição.

Seguindo adiante na análise, entende-se o risco de ingovernabilidade do próximo eleito, já que este assumirá sem respaldo da maioria, mas apenas em decorrência da maior fraqueza do adversário que passar de turno.

A eleição está “sem propostas”, ancorada aos defeitos alheios. Que governo teremos? Insustentável e sem apoio para tomar as medidas necessárias para que o Estado se recupere?

A campanha será marcada, como já é em grande parte, por personalismo, acertos de bastidores, alianças, falta de programas e, ainda, presença de velhas figuras que retornarão a seus lugares sem levar a responsabilidade de compromissos claros. Sem planos, sem apontar quadros competentes. Teremos uma campanha inútil.

Valerá ter uma cota menor de defeitos para vencer. E isso será lamentável.

Notícias sob medida

Tenho um amigo que gosta de receber o jornal em papel diariamente só para ver a sua capa, o espaço em centímetros de celulose que cada notícia ocupa. Quer vê-las todas de uma vez, numa captura de tela; curiosa expressão para definir uma situação tão analógica. Às vezes rio dele, mas devo admitir que o compreendo. O que ele está pedindo é o critério editorial, essa mensagem que um veículo nos dirige, essa expectativa de ver o que ele nos traz hoje.


Lembrei disso quando uma jornalista do The Guardian perguntou a Christopher Wylie o que o levara a vazar o assunto dos dados do Facebook e da Cambridge Analytica, e o analista não estava tão preocupado com o direito à privacidade dos 87 milhões de pessoas, e sim com algo maior. Disse que usando o microtargeting em suas campanhas percebeu como estamos pondo em risco o funcionamento da nossa sociedade. “Em vez de você dizer o que pensa em praça pública e deixar que as pessoas venham e tenham essa experiência compartilhada, o que você faz é sussurrar no ouvido de cada eleitor. Diz uma coisa a um, e outra ao seguinte. Pomos a sociedade em risco de fragmentação, de uma maneira em que já não há experiências nem entendimento compartilhado. Se não tivermos isso, como podemos ser uma sociedade funcional?”

Wylie de repente entendeu algo que vários autores vêm estudando nos últimos anos: como o Twitter e o Facebook podem estar influenciando o debate político. Eli Pariser e Cass Sunstein alertaram sobre os problemas das câmaras de eco numa época em que a troca de informações é a base das experiências compartilhadas, e na qual recebemos conteúdos cada vez mais personalizados.

Além de consumidores somos cidadãos, e como tal deveríamos avaliar as redes sociais, proteger nossos lugares públicos e desenvolver ferramentas contra a fragmentação

E o que meu amigo, o do jornal em papel, tem a ver com isso? Você verá. Assim como no Facebook, Twitter ou mesmo nos resultados do Google, o conteúdo que nos chega através de muitos sites está adaptado às nossas preferências. É verdade que os filtros são necessários diante de uma quantidade de informação inabarcável por si só, e por isso abraçamos tudo o que essas plataformas põem à nossa disposição para facilitar a nossa vida. Por que não ver trailers de séries que poderemos gostar, e receber os anúncios de objetos que compraremos? Por que não ler um jornal personalizado a cada manhã? Espere aí. A soberania do consumidor é boa, mas não é tudo. Há sinais de que estamos restringindo nossos espaços públicos de debate e com eles as condições para uma democracia sã.

Sunstein explica que um sistema onde a liberdade de expressão funciona bem tem dois requisitos: a exposição não escolhida, que propicia certo acaso – ou seja, que as pessoas se encontrem expostas a temas ou notícias não previamente selecionados – e, em segundo lugar, as experiências compartilhadas. Sem elas, uma sociedade heterogênea terá dificuldades para abordar problemas sociais.

Todos nós lemos mais, nos sentimos mais bem informados e mais capazes de fazer ouvir nossa opinião através das redes sociais. Vimos como as redes podem ser fóruns públicos cruciais em processos democráticos, como na Primavera Árabe. Mas esses mesmos sistemas de comunicação são os que influíram na vitória do Brexit e de Donald Trump através de fake news e campanhas de marketing.

Estudos sobre a fragmentação mostram que uma de suas consequências é a dificuldade de entendimento mútuo, e que a polarização dos grupos é um fenômeno muito real na Internet e que pode levar ao extremismo e à violência.

Quando o Facebook ou qualquer site personaliza seu serviço de notícias, eles se perguntam se os usuários estão recebendo o que desejam. Mas, além de consumidores, somos cidadãos, e sob essa óptica deveríamos avaliar as redes sociais, proteger nossos espaços públicos e desenvolver ferramentas contra a fragmentação. Como cidadãos podemos solucionar problemas coletivos – como o da poluição do ar – que como consumidores não conseguiríamos enfrentar.

Muito se pode fazer a partir daqui para promover melhores debates públicos. Alguns autores propõem um “botão do acaso”, e estão sendo feitos experimentos com artigos que mostram uma opinião contrária no rodapé de uma notícia que você acaba de ler. Tomara que funcionem. Eu tenho claro que meu amigo, embora não suspeite, é um defensor da descoberta diária a partir da sua querida capa do jornal de papel.

Marilín Gonzalo

Ironias banais do Brasil

Declarar-se “anti sistema” e ao mesmo tempo depender do establishment político para vencer a eleição é tão penoso quanto risível. Fácil é maldizer o fisiologismo, complicado é render-se em articulações que mais tarde cobrarão o apoio em sinecuras. Há nisso tudo aparente esquizofrenia, que sugere paradoxos e contradições. Mas, no interior do sistema e da cultura política, isto tudo apenas revela ironias banais no Brasil.

Salvo pequenas exceções, a maioria dos candidatos faz pose, renega o fisiologismo e condena a corrupção. Não hesita, porém, correr atrás de apoios; oferece espaços e recursos à turma do Centrão e a alguns ícones do fisiologismo nacional. Pudores se dobram à realpolitke ao mais básico (e duvidoso) dos bens eleitorais, o tempo de TV durante a campanha.

Se é fato que não se governa sem vencer a eleição, o problema é que se governa muito mal quando a vitória eleitoral se dá a qualquer custo. O filme é conhecido. Contudo, nesta fase do certame, governar ainda parece ser preocupação de segunda ordem.

Por outro lado, partidos do adesismo e fisiologismo nacionais se aproximarem assim a esmo de candidatos díspares. Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin, Ciro Gomes e o Plano B do PT… Difícil encontrar pontos em comum entre eles. Nada os aproxima, nem o diagnóstico da situação do país, nem os valores que carregam. Menos ainda as personalidades. Ainda assim, nenhuma aliança é descartada.

Não há intersecção entre esses nomes, estilos ou propostas. Ainda assim, partidos como PR, PP, Dem e Solidariedade se quedam paralisados como quem está em dúvida diante de uma bifurcação na estrada. Mas, o que menos interessa é o caminho se todos levarem ao mesmo lugar: ao governo, em 2019.

O certo é que quase ninguém se coliga por afinidade ideológica ou por em busca de um consenso programático. Os interesses são menos abstratos e muito mais concretos que isso. Há quase sempre um leilão: leva a mesa quem der mais em instrumentos políticos que farão eleger maior bancada ou expressar a melhor perspectiva de vitória. Tudo muito mais simples.

***

Em vista disso, líder nas pesquisas eleitorais, Jair Bolsonaro tem encontrado um paredão de dificuldades para fechar alianças e compor sua coligação para outubro. Em tese, a força eleitoral do ex capitão deveria estar acompanhada por correspondente importância política. Não está. Contraditoriamente, é a força centrífuga do sistema que o afasta.

Bolsonaro tem se consolidado como candidato orgânico da parcela mais conservadora e reativa da sociedade. Isto lhe dá sólida base, em torno de 15% ou 20% o que, numa eleição como esta, leva à liderança no primeiro turno. Mas, ao mesmo tempo, parece ser pouco, quase nada, para o segundo turno, quando a eleição se define de verdade.

Confinado ao estilo e ao tipo de carreira política que fez, o ex capitão tem dificuldade em expandir seu diálogo e se aproximar do eleitor de centro, bem mais moderado. A limitada capacidade de ampliação o fere profundamente, formando um círculo negativo (para ele): sem ampliar, não terá coligações e portanto tempo de TV. Sem isto, não consegue ampliar.

O fisiologismo nacional é sagaz: apostar num eventual campeão do primeiro turno, que fique pelo meio do caminho no segundo é o mesmo perder a eleição de largada. Pragmáticos e voltados ao poder, políticos fazem conta: querem inteiro, não pela metade.

O caso de Geraldo Alckmin se assemelha, mas também se difere. O tucano seria quem garantiria melhor convívio ou pelo menos maior previsibilidade, depois de eleito. Contudo, como garantir hoje que decolará logo mais, amanhã, quando o horário de TV começar? O tempo pode ser curto para se desvencilhar das bolas de chumbo que traz aos pés: Aécio Neves e Michel Temer, além da inconveniência de amigos arrolados pela Lava Jato. A incerteza em relação ao ex-governador é grande. Mas, em relação aos outros também.

Ciro Gomes, menos comprometido por aliados e correligionários, é, porém, a instabilidade encarnada numa pessoa. Seus movimentos não são retilíneos nem tampouco uniformes. É ziguezagueante. Dono de uma loquacidade ímpar, “avança, para, e recua; recua, avança e para”. Acerta e erra com a mesma facilidade com que fala; tropeços verbais também esfolam joelhos, além da sensação de segurança. Esta de xingar um promotor de fdp foi mais uma de lascar.

As circunstâncias até ajudam, mas, Ciro parece ser tão capaz de ganhar a eleição quanto de perder uma eleição ganha. Por ser menos imprevisível, entre todas as incertezas, Alckmin pode ser compreendido como a dúvida menos incerta. Obviamente, há dificuldades com a decolagem. Mas, alguma aposta, aos 45 do segundo tempo tem que ser feita. O ex-governador é leito mais sereno. Ao final, a rapaziada do Centrão pode se ver em maior perspectiva. Na eleição e no eventual governo.

Como qualquer tipo de investidor, esse tipo de político é avesso ao risco. Quer segurança, previsibilidade, se não para o país, para a manutenção do poder. Por isso, nem mesmo Lula e o PT estão descartados. Tudo depende da perspectiva que se abre. (“Haverá transferência dos votos de Lula para o Plano B?”, deve se perguntar Valdemar Costa Neto…) Política é jogo de expectativas tanto quanto a economia. E, ao final, ninguém rasga dinheiro.
Carlos Melo 

Pensamento do Dia


Antes de Depois: as pessoas 'fakenstein'

A loucura da vaidade e avidez por mudanças para aparecer bem, de bonita ou de bonito, nas redes sociais, nas selfies e etceteras faz surgir uma nova sorte de criaturas, meio humanas, meio alguma coisa grotesca indefinível. A situação está tomando um rumo que faz com que muitos virem também mortos nas mãos de despreparados, ou, quando têm sorte e não ficam aleijados, apenas patéticos sendo enganados por promessas de milagres.


Antes era bem mais difícil fazer alguma transformação mais radical no corpo. Era preciso e indispensável procurar um bom cirurgião plástico e seu hábil bisturi, com custo em geral muito alto, e a clara necessidade de ficar em estaleiro por alguns dias. Não era coisa de você entrar por uma porta de um jeito e sair de outro como o que vêm sendo proposto ultimamente por todo tipo de malandros prontos a lucrar com a sandice alheia. Dr. Bumbum é grão de areia nesse zoológico sobrenatural.

A coisa vem num assustador crescendo: primeiro foram as lipoaspirações. Enfia um cano e puxa gordura daqui, dali. Pega dali, põe lá atrás. Muitas vítimas acabaram foi sem gordura nenhuma; literalmente, ossos. Enterrados, inclusive. Apareceram então as aplicações de botox e ácidos com nomes proparoxítonos. Rugas e expressões esticadas, paralisadas, bocas parecendo que acabaram de levar uma ferroada de vespa. Peles do rosto amarradas, meio que costuradas com fios de ouro – sempre tem algum elemento assim, nobre, sendo propagandeado – esticadas, atrás da orelha.

Agora até que anda um pouco mais suave e calmo, mas o comércio de próteses de silicone para os seios também causou um belo estrago na paisagem humana que habita a terra quando começaram a aparecer umas mulheres que dificilmente avistam seus próprios pés diante daquela dupla frontal anexada, de bolas que chegam a conter até 750 ml. Teve umas pondo mais de litro. A pessoa chega, mas o peito vem antes, abrindo portas. Coisas de moda. “Alguém” determina o padrão e lá vai o trenzinho seguindo. Os traseiros cresceram.

(E, vejam, tudo isso sem falar no criminoso avanço de venda de hormônios, anabolizantes e outras drogas para os que querem parecer saudáveis nas fotos feitas em academias. Daí saem aquelas mulheres com acentuadas vozes travestidas que eu ainda não sei o que virarão depois de alguns anos – talvez muxibas).

O problema não é, claro, o importante avanço da medicina e das pesquisas na área de cosmética, aperfeiçoamento do corpo humano, retardamento da velhice, busca de auto estima e valorização estética. Isso é direito. Que fique claro.

O problema é a mentira, a proliferação indiscriminada de aproveitadores profissionais, alguns nem um pouco profissionais ou qualificados, prometendo mágicas. Tem dentista aplicando botox, descascando dentes para enfiar uma tal lente de porcelana sem exatamente informar consequências e quanto tempo aquele efeito lindeza vai durar. Tem salões de cabeleireiros, ops, esteticistas ou outros títulos super rebuscados, prontos a injetar, furar, puxar, pintar, tatuar as caras das pessoas, inclusive com sobrancelhas de fazer inveja aos melhores diabos e monstros da história da humanidade. Coisas permanentes. Ficou bom? Que bom. Puxa, deu errado, não gostou? Que pena. Não tem volta. Nem em dinheiro, nem em satisfação.

Esses dias o caso do Dr. Bumbum (!!!) e sua mãe trouxe à tona na imprensa alguns depoimentos assustadores de outras vítimas, muitas que estavam caladas, algumas até sem convívio social e envergonhadas depois da barbeiragem pela qual pagaram bem caro. Meninas, gente jovem, que se submeteram a esse açougueiro. Quase todas (inclusive a que morreu) queriam ficar bonitas para as fotos nas redes sociais.

Repara que agora tudo quanto é criancinha, adolescentes ainda imberbes, postam fotos com batonzinho e fazendo boca de pato.

Vamos falar sobre bullying estético? Seria necessário o quanto antes ressaltar para a geral que muitas destas celebridades e subcelebridades que vemos todas serelepes nas fotos passaram por verdadeiras transformações, mas não “no real”, sim no banho de loja, no dinheiro que entra na conta, no tratamento da imagem, em maquiagens ou photoshops? Que elas não são exatamente daquele jeito, quase impossível? Cinturas sem osso, peles translúcidas, barrigas negativas, dentes resplandecentes, cabelos de boneca.

Além das fake news, teremos de nos preocupar também com as fake pessoas, as "fakensteins."

Tempos de roubo descarado

A realidade que estamos vivendo é estranha, exótica, excêntrica: o que está determinando quase que um favoritismo eleitoral é a reunião desses partidos para discutir tempo de televisão e divisão de dinheiro público
Miro Teixeira (Rede)

Chegar ao século 21, uma boa pauta de governo

O próximo governo será um dos mais inovadores da história nacional se conseguir trazer o Brasil ao século 21 ou, no mínimo, até a sua vizinhança. Impedir a quebra do Estado, ameaçado por uma dívida enorme e crescente, será uma condição preliminar - essencial, é claro, mas insuficiente para atualizar o País. Há meio século, economias como a sul-coreana e outras da Ásia, bem menores que a brasileira, apenas começavam a se mover. A Tailândia mal dispunha de algumas indústrias simples no começo dos anos 1980, quando iniciou um programa de modernização com apoio do Banco Mundial. A China estava longe de ser uma potência produtiva, exportadora e, até há pouco tempo, inovadora. Todas se moveram muito mais que a brasileira. O Brasil ficou em 80.º lugar entre 137 países na avaliação de competitividade publicada em setembro do ano passado pelo Fórum Econômico Mundial. Ocupou a 26.ª posição entre os exportadores, em 2017, de acordo com a Organização Mundial do Comércio (OMC), embora tenha continuado entre as dez maiores economias. Permaneceu entre os últimos, em 2015, no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), nos exames de ciência, matemática e linguagem. Hoje, além de ser uma das mais fechadas, a economia brasileira continua pouco preparada, a começar pelo domínio da própria língua pela maioria das pessoas, para participar do jogo mundial.


O Brasil é competitivo na agropecuária e na mineração. Na indústria, a Embraer e umas poucas empresas ficam muito acima dos padrões dominantes no País. Pouca inovação, ineficiência e baixo investimento produtivo compõem a maior parte do cenário, desde o planejamento estatal, a gestão dos serviços públicos e a oferta de infraestrutura, até a formação escolar, miserável e pouco ambiciosa, oferecida à maior parte dos brasileiros.

Essa formação indigente, visível no dia a dia e confirmada por quase todas as comparações internacionais, é um dos maiores entraves à integração no jogo internacional, ao desenvolvimento social e, naturalmente, à consolidação de uma democracia real e moderna. Não se conseguirá desatolar o País sem uma política educacional séria e realista. Será indispensável abandonar o populismo, encerrar a multiplicação de universidades mal planejadas e abandonar a facilitação, demagógica e eleitoreira, do ingresso em cursos ditos superiores - frequentemente superiores só no rótulo oficial.

A educação pouco tem sido explorada, no entanto, na fala da maior parte dos candidatos ou possíveis candidatos à Presidência da República. Além disso, raramente a discussão de temas educacionais, no Brasil, toma os padrões internacionais como referência. Autoridades, quando mencionam problemas ou avanços, quase sempre se limitam à experiência brasileira. Comparam-se os números de hoje com os de alguns anos atrás para medir os progressos ou tropeços, mas quase nunca se olha para fora, pelo menos no debate público.

Nas piores manifestações, a visão da política educacional pouco ou nada se afasta do assistencialismo. Há alguns anos, houve quem classificasse como elitista a exigência de padrões gramaticais na educação pública, especialmente no ensino proporcionado a crianças pobres. Terão os coreanos seguido esse padrão complacente em seu caminho para se tornar uma potência industrial, tecnológica e comercial?

É quase surpreendente, contra esse pano de fundo, a manifestação do tucano Geraldo Alckmin numa entrevista ao jornal Valor, publicada na última quinta-feira. Falando sobre suas propostas de governo, ele tratou das condições para levar o País a um crescimento econômico mais veloz e sustentável por um longo período. O programa, segundo explicou, deve incluir uma agenda de competitividade, baseada em primeiro lugar na “educação básica, infantil, fundamental, média e técnica”. Esse é exatamente o conjunto negligenciado pelos programas populistas. Facilitar ingresso em faculdades pode dar mais votos, mas, no caso brasileiro, nada proporcionou em termos de competitividade e de avanço social sustentável.

O ex-governador mencionou, na entrevista, a fixação de metas. Um ganho de 50 pontos no Pisa, argumentou, pode proporcionar 1% a mais de crescimento econômico. Pode-se discutir se a meta é realista e suficientemente ambiciosa, mas o foco é tão inovador quanto promissor. Além de valorizar a formação anterior à universidade, mal tratada por muito tempo, a proposta elege como referência o padrão internacional. No último exame Pisa, em 2015, com 70 países participantes, os estudantes brasileiros ficaram em 63.º lugar em ciências, em 65.º em matemática e em 59.º em leitura. O Brasil obteve 401 pontos em ciências, 407 em leitura e 377 em matemática. Ficou, portanto, bem abaixo das médias de 493 pontos, nos dois primeiros casos, e de 407, no terceiro. Dentre os latino-americanos, Chile, Colômbia, México e Costa Rica ficaram acima do Brasil.

Nada importante se fará nos próximos anos, é claro, se o governo for incapaz, por negligência ou incompetência, de conter o avanço da dívida pública. Ninguém conterá esse avanço sem um severo controle do gasto oficial e sem maior eficiência administrativa, objetivos incompatíveis com as bandeiras populistas. É fácil entender por que muitos dos analistas mais competentes, dentro e fora do Brasil, estão avaliando principalmente as possibilidades de arrumação fiscal a partir do próximo ano.

Mas a arrumação fiscal é só uma condição para todo o resto. A pauta de fortalecimento econômico envolverá itens fáceis de enumerar, como a elevação do investimento em meios de produção, a racionalização dos tributos e a busca de bons acordos comerciais e de integração internacional. O esforço será incompleto sem um programa educacional eficiente e livre de populismo. Alguém ganhará votos propondo um programa desse tipo?

Javalis Selvagens sabem

Agora que os Javalis Selvagens saíram, é hora de a seleção brasileira entrar na caverna escura e de lá só dar as caras quando entender como, caramba!, aqueles moleques não panicaram?! Que técnica de jogo é essa? É o arroz? Aquela saudação de mãos postas?

O que faz com que o time dos milionários brasileiros trema as pernas, e tudo mais que lhes vai em cima, quando sofre um gol banal? Os juniores dos Javalis Selvagens, trancados em meio à lama escura, próximos do fim anunciado para a hora seguinte, simplesmente meditaram sorridentes à espera de uma solução.


Os Javalis Selvagens não enfrentaram a mixaria dos diabos belgas. Eles se viram olho no olho com a morte imediata, isto se a indigitada das gentes não estivesse invisível na escuridão. Ninguém via nada, os diabos de todas as nações estavam na tocaia. Nenhum garoto gritou. Por que o Brasil da Copa de 2018, diante de dificuldades menores, alarmou-se em pânico? Tinha sido assim em 2010, quando sofreu um gol da Holanda e imediatamente o volante Felipe Melo pisou de raiva vingativa a perna do Robben, e foi expulso. Os Javalis Selvagens controlaram-se. Diante da derrota que parecia iminente, foram encontrados sem tremeliques no meio das trevas. Zero de desespero. Que chá eles tomam? Que Deus? Que técnico é esse?!

Quem viu os jogos da Copa da Rússia ficou com a impressão de que essas seleções inventaram agora jogadores de dois mil metros de altura aos quais só custa aparar com a cabeça a bola que vem do escanteio. Grandes coisas! De futebol mesmo esses grandalhões devem ter visto no máximo aquele vídeo em que o Pelé, diminuindo-se de glórias, ensina a cabecear — bastava ficar de olhos abertos para ver em que direção se está mandando a bola. O Pelé era baixo, precisava de alguma artimanha para sair do chão. Esses sujeitos do futebol de laboratório são altos, fortes, mas quando voam não dão asas à imaginação. Como foram chatos esses gigantes cabeceadores que resolveram a Copa com os procedimentos permitidos pelas centimetragens extras! Que vida lamentável essa de se postar ali na altura da pequena área, com toalha e sabonete, à espera do famigerado chuveirinho!

O Brasil está completando 60 anos da frase redentora de Nelson Rodrigues, aquela de que graças à seleção campeã de 1958 o país havia deixado de ser um vira-lata entre as nações. Foi um momento de afirmação, o fim da crença de uma covardia atávica que a todos de verde e amarelo acometeria na hora de decidir. Agora a viralatice pátria está nos nervos. Um país à flor da pele. Por que será que os Javalis Selvagens, ao verem a morte de perto, simplesmente não piscaram para qualquer manifestação de desespero, enquanto nos campos da Rússia, ao serem atropelados pelo De Bruyne e o Lukaku, os jogadores brasileiros esqueceram imediatamente todos os recursos que lhes eram inerentes e começaram a chutar bolas sem qualquer sentido para longe do gol adversário?

Nervos de aço só nas letras de Lupicínio Rodrigues. Os jogadores da seleção nessas últimas Copas, ao primeiro gol adversário fizeram-se com os nervos em frangalhos. Perderam aí. Foi uma Copa do Mundo triste, essa que idolatrou os jogadores velocistas, versão ludopédica do Usain Bolt. Eles ganharam a capacidade de correr feito uns loucos, agora com o plus da dificuldade de não perder o controle da bola presa aos pés. Esses novos robôs do futebol cabeceiam muito, correm mais ainda, mas não sabem o valor de uma caneta, não traçam o compasso necessário para o drible da vaca. Toda essa ausência de talento tornou a temporada de um aborrecimento infindo. As estatísticas estão aí com sua antipatia indesmentível. Nunca se fez tanto gol de falta. Como sabe qualquer João Saldanha de botequim, qualquer Oldemário Touguinhó de quitanda, basta treinar o dia inteiro com aquela barreira de bonecos de lata e logo se colocará a bola lá onde a coruja dorme. Chegará o dia, aguardem a próxima Copa, em que a Fifa, assim como já acontece no futebol americano, permitirá a entrada em campo daquele jogador que simplesmente dará o chute e em seguida se porá medíocre de volta ao banco, à espera de uma nova falta.

Os jogadores brasileiros continuam sendo os melhores do mundo, com os talentos mais imprevisíveis e, se isso é um passo importante para botar a mão na taça, é preciso que se dê mais um.

É preciso parar de tremer diante da possibilidade do fracasso, da bola aérea ou do contra-ataque. Se o adversário faz o primeiro gol, o Deus-nos-acuda entra em campo e a desgraça se completa. Ao Brasil Bom de Bola, campeão mundial no controle de embaixadinhas, falta controlar os nervos. Na Copa do Brasil em 2014 também foi assim, e lá está a imagem inesquecível do capitão Thiago Silva, incumbido da responsabilidade de ser o macho dos machos, chorando sentado na bola, no pânico lamentável de bater um pênalti. Por que tremem tanto assim esses rapazes, todos apavorados com uma simples bola nas costas? Os Javalis Selvagens parecem saber a resposta. Cabecearam de olhos abertos no contrapé da morte. Sem faniquito. Mereceram ganhar a Copa.
 Ana Maria Machado