domingo, 23 de abril de 2017


Tristeza e alegria

Parece que, quanto mais se aprofunda na descoberta de “outro mundo selvagem e corrupto” atrás daquele oficial da política bem-comportada, mais os ânimos brasileiros se entusiasmam. Não de todos, mas quem tem um olho em terra de cegos enxerga que, com a demolição do império do mal, disfarçado nos colarinhos brancos e nas gravatas coloridas, um novo sistema pode e deve surgir. Erguer-se-á das cinzas de Sodoma e Gomorra para despertar o impávido colosso, gigante adormecido em berço esplêndido, que desde sempre anseia com ordem alcançar um progresso que lhe foi profetizado. E, se o papa é argentino, ao se assistir aos jornais nacionais, confirma-se que Deus é mesmo brasileiro.

Se faz mal ouvir e ver Marcelo Odebrecht explicar uma verdade que parecia destinada aos túmulos dos cemitérios, ao mesmo tempo mostra uma luz no fim do túnel.

Como o Mestre disse: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. Para os delatores, a verdade franqueia uma vida fora das grades de Curitiba, mas, para o povo, as delações representam a demolição da ruína de um sistema perverso, permitindo que dos escombros possa surgir outro, civilizado e sustentável.


A corrupção, presume-se, não terá por um bom tempo mais tapete estendido, não será mais a intransponível fórmula de relação do público com o privado. Vale lembrar que das revelações o marco histórico da corrupção coincide com o início das Operações Estruturadas, em 2003, exigindo o 16º andar inteiro do prédio-sede da Odebrecht em São Paulo. Com três diretores e dezenas de auxiliares distribuídos em vários países, possibilitando movimentação de bilhões de dólares, sem qualquer restrição ou investigação ao longo de 12 anos, ou até a Lava Jato prender o presidente da empreiteira.

Lamenta-se que o mesmo Coaf e outros órgãos federais com acesso às movimentações financeiras de todo o país – o mesmo Coaf que foi capaz de detectar e denunciar formiguinhas como o caseiro da chácara da corrupção frequentada por Antonio Palocci – não tenham visto nada de atípico nas dezenas de bilhões movimentadas pela Odebrecht entre 2003 e 2015. Em 12 anos não enxergaram nada de irregular. Não só na Odebrecht, mas nas dezenas de empreiteiras que “a cada milhão de propina ganhavam outros quatro”, como declarado pelos delatores. Nesse contexto as obras eram apenas pretexto.

O frenesi na orgia do ganho fácil se multiplicou exponencialmente, fugiu do controle, tomando conta de tudo que estava ao alcance. E pensar que nem mesmo com esse rio amazônico de dinheiro alguns beneficiados eram capazes de cuidar de suas despesas caseiras e colocavam nas contas das empreiteiras até pedalinhos com cabeça de cisne.

Embriagados pela overdose de poder, entraram num choque de realidade com a verdade surgindo, nua e crua, indefensável. As investigações que se seguirão confirmarão, provavelmente, quase tudo. A Odebrecht tem memórias e registros contábeis do que se passou com os bilhões distribuídos.

Embora sinta-se neste momento a tristeza deixada pelo estrago, a alegria começa a tomar conta de quem vê nesse processo um momento libertador de um sistema monstruoso que distorceu o Brasil e o mergulhou numa crise das mais graves do planeta. Além da Odebrecht, outras empresas e ainda o setor financeiro (os bancos) que se alimentavam do Brasil seguirão o mesmo caminho da delação.

O final será um sistema depurado. Disso um novo Brasil pode nascer.

A fênix

O Brasil é um país viciado em Estado. As caravelas de Cabral estavam repletas de nobres, padres e militares com salários adiantados. O descobrimento e a colonização do país foram obras de funcionários públicos.

Segundo o relato de Caminha, sobrava natureza; faltava ouro e prata para saciar o apetite mercantilista. A exploração do pau-brasil inspirou o batismo ecológico, mas a visão edênica do novo mundo não impediu a depredação da mata atlântica pela plantation da cana-de-açúcar.

O que fazer com a imensidão de terras? Nada mais adequado do que distribuir enormes glebas com a nobreza parasitária, as capitanias, com o prévio carimbo de hereditárias. Não deu certo. Apenas duas prosperaram. Teve cara que nem tomou posse da prebenda.


Mas havia a questão da segurança. Cria um governo-geral. Aí chega Tomé de Souza acompanhado de uma burocracia ineficiente e corrupta (Antonio Cardoso de Almeida, Pero Borges, equivalentes a Ministro da Fazenda, da Justiça e o Bispo Sardinha podem ser considerados os pais fundadores da propina e pixulecos).

Junto com degredados, o Governador trouxe As Ordenações Manuelinas, erva daninha da burocracia, tormento permanente na vida dos brasileiros. Depois dele, veio Duarte da Costa, bandidão, e o filho, Álvaro, vagabundo. E nada de espírito empreendedor. Aliás, produzir no Brasil é pecado.

Pobre Barão de Mauå! Infelizes os que desejam empreender! O Brasil ocupa posição 123 na avaliação do relatório do Banco Mundial Doing Business que mede o ambiente de negócios em 189 países.

Diante da herança escravocrata, da arraigada cultura patrimonialista que se manifesta na relação promíscua entre o apetite por privilégio dos falsos capitalistas, da burocracia corrompida e um desprezo cínico da política pela ética pública, não surpreende a dimensão a que chegou a venalidade das autoridades.

Ao assistir a narrativa natural e serena dos delatores delinquentes, sofri um choque profundo: o governo brasileiro foi inteiramente terceirizado!

O que esperar da completa falência de uma ordem política? Primeiro, acreditar na força restauradora das instituições; segundo, recorrer à Fênix, figura mitológica representada por um ave milagrosa que, depois de viver quinhentos anos, pratica a autoimolação na pira funerária do ninho de ramos do carvalho e dela surge uma nova Fénix que retira da árvore o próprio berço e o sepulcro do pai. A cada morte, ressurge uma Fênix nova. Simboliza a ressurreição e a imortalidade da esperança.

Que a nova Fênix dure mais de quinhentos anos!

Aprendizado

O professor Luiz Carlos Bresser-Pereira escreveu o manifesto Projeto Brasil Nação, que teve a adesão de diversos artistas, intelectuais, economistas e profissionais em geral. A marca do manifesto é a incapacidade dos signatários em aprender com os resultados das escolhas de política econômica feitas entre 2006 e 2014.

No início, o manifesto denuncia a decadência da indústria naval e a redução dos critérios de conteúdo nacional. Certamente os signatários são contrários à medida aprovada no Congresso Nacional de eximir a Petrobras de ser operadora única do pré-sal, por ser contrária à construção de "projetos com autonomia no campo do petróleo".
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Para os signatários do manifesto, a desastrosa situação a que chegou a Petrobras há poucos anos não foi causada pelas escolhas de gestão. Talvez eles coloquem tudo na conta da corrupção. A incapacidade de associar a alteração no plano de negócios da Petrobras já em 2003 e os resultados da empresa no fim do ciclo petista mantém a sociedade andando de lado. Em algum momento, repetiremos os mesmos erros. Não houve aprendizado.

Na parte macroeconômica, os signatários apoiam a realização de superavit em conta-corrente, isto é, que nós passemos a exportar poupança simultaneamente a uma elevação dos investimentos.

Se supusermos uma taxa de investimento na casa de 20% do PIB (Produto Interno Bruto), e dado que a poupança doméstica tem rodado a 15% do PIB, o manifesto defende uma elevação de uns seis pontos percentuais do PIB na poupança doméstica.

Dado que os signatários são contrários à reforma da Previdência e à emenda constitucional que estabeleceu teto para o crescimento do gasto primário da União, penso que a elevação da poupança doméstica resultará da redução do gasto de consumo das famílias. De onde virá a redução de seis pontos percentuais do PIB do consumo das famílias? Qual é a política tributária que promoverá alteração tão profunda no comportamento? Aparentemente os signatários não se preocupam com esse detalhe.

Para eles, os juros no Brasil são elevados porque há uma conspiração dos rentistas para mantê-los dessa forma. Não se perguntam sobre os motivos que mantiveram a inflação na casa de 6% ao ano entre 2010 e 2014. Não se perguntam sobre quais seriam os impactos na inflação se houvesse esforço para desvalorizar o câmbio.

O pior é que, ao longo do primeiro mandato de Dilma, tentou-se
desvalorizar o câmbio e reduzir os juros e colhemos somente inflação. Os signatários são incapazes de relacionar os fatos. Não houve aprendizado.

O manifesto politiza temas que têm natureza positiva. Estão na direção contrária, por exemplo, do excelente texto "A esquerda e a economia", de Celso de Barros, publicado no caderno "Ilustríssima" em 3 de julho de 2016.

A sociedade argentina regride há 70 anos. Não consegue aprender com os seguidos ciclos populistas, que sempre terminam com inflação elevada e, portanto, com algum plano de ajuste cujo custo maior é sempre pago pelos mais desfavorecidos. Também se caracteriza por ser uma sociedade que tudo politiza.

O Chile nos últimos 35 anos tem aprendido com as experiências do passado, tem recusado o caminho fácil do populismo, e o debate econômico ocorre de forma racional.

Em 1980, a renda per capita da Argentina era 84% superior à do Chile. Hoje, é 14% inferior.

Gente fora do mapa

Professores voluntários dão aula a moradores de rua em Nova Déli (Índia)

O passado do fracasso ou o futuro da frustração?

Destinam-se ao fracasso a greve geral marcada pelas centrais sindicais no próximo dia 28 e a manifestação em favor do Lula, que o PT pretende realizar em Curitiba a 3 de maio. Não que os trabalhadores estejam satisfeitos com o governo Michel Temer, muito pelo contrário. Da mesma forma, os companheiros sabem que seu partido anda na baixa e dificilmente sensibilizarão a capital do Paraná numa quarta-feira.

Pode até ser que os fatos desmintam as previsões, mas a verdade é que o Brasil de verdade faz tempo desligou-se do Brasil de mentirinha. Os 13 milhões de desempregados não podem fazer greve, enquanto ao PT, posto em frangalhos, falta motivação para antecipar a sucessão presidencial de 2018.


Mais do que indignar-se diante das delações que se sucedem todos os dias, o povão dedica profundo desprezo às informações sobre a corrupção que nos assola. Não parece disposto a se deixar influenciar pelos que sustentam a volta ao passado ou os que programam um futuro ainda pior.

Numa palavra, a nação rejeita as reformas fajutas do governo Michel Temer tanto quanto dá as costas aos que falharam na tentativa de mudá-la. O povão não irá às ruas, nem para exaltar o modelo que não deu certo, nem para apoiar as elites que pretendem aumentar seus privilégios e suas benesses.

Vale repetir, a vida é sempre mais fascinante do que a ficção: quem garante que não prevalecerá o passado do fracasso ou o futuro da frustração? Ou, numa terceira hipótese, que continuará tudo como está?

Reforma política? O quê e como/

O prazo final está à vista: 2 de outubro. Se nada for feito para mudar as regras das eleições até aquela data, a sociedade assistirá à maior reversão de expectativas dos últimos tempos. As razões são conhecidas: a política chegou ao fundo do poço. O eleitor dá as costas para a representação popular.

Um oceano de denúncias escancara as cataratas da corrupção. Bilhões, aqui, bilhões, acolá, com os Odebrecht relatando (e delatando), de maneira natural, como o Estado foi comprado e a propina era desviada, ou como a gestão do crime ganhou a pomposa nomenclatura de “departamento de operações estruturadas”.

Ante a radiografia da metástase, o eleitor espera divisar um novo horizonte, onde possa enxergar um país mais ético e menos imoral.

Esse horizonte só pode ser aberto com uma reforma política.

Há quem veja nela – e não são poucos – a panacéia para as mazelas da República. Afinal de contas, o voto distrital (misto, puro), o voto em lista, o final das coligações proporcionais e a cláusula de barreira, por si só, não melhorarão a qualidade da representação popular. Se forem considerados, isoladamente, esses fato­res darão mínima contribuição.

A questão maior diz respeito aos costumes tradicionais da política: o grupismo e o familismo, o mandonismo dos caciques regionais, o retalhamento dos espaços da administração pública, os recursos do Estado surrupiados de maneira escandalosa, a pasteurização partidária.

A cláusula de barreira, é claro, ao proibir a formação de siglas sem expressão eleitoral, pode até conferir densidade dou­trinária a quatro ou cinco grandes entes. Sozinha, porém, não será remédio eficaz para a moralização política.

A relação de causa e efeito na padronagem política não pode ser avaliada a partir de medidas pontuais e casuísticas, como pare­cem se configurar algumas ideias que balizam a Reforma Política.

O fato é que o tempo corre e as grandes questões do sistema político possuem uma raiz cultural. E, como se sabe, não se muda cultura por decreto, com imposição.

O fisiologismo, por exemplo, alimento predileto dos políticos, está fincado nas raízes mais profundas do que podemos chamar de modelo latino-americano de fazer política.

A lógica do modelo faz prevalecer o interesse individual sobre o ideal coletivo. Nesse caso, a política passa a ser um empreendimento do círculo de negócios. E a administração pública mais lembra a extensão do mandonismo feudal das velhas capitanias hereditárias.

Daí a conclusão de que a nossa modelagem democrática exibe feição de Primeiro Mundo, ao acolher o ideário da liberdade, da justiça, dos preceitos constitucionais e dos direitos individuais e sociais, mas, na prática, tem a índole do Terceiro Mundo.

Analisemos a representação política.

Costuma-se afirmar que o Congresso Nacional é o retrato apurado da comunidade nacional. Se os parlamentares tomam decisões erradas ou não dignificam o mandato, a culpa acaba sendo atribuída às massas que não sabem votar. Ora, isso é uma inverdade.

O que tem ocorrido é um deslizamento da democracia direta, a que é exercida pelo povo quando elege os representantes, por um complô organizado por interesses nem sempre consoantes com a vontade do eleitor. Afinal, não foi o eleitor que abriu os dutos da Petrobras ou autorizou os assaltos ao trem pagador do Estado.

Assim, os governos acabam sendo produto de acordos, barganhas e intermediações, deixando de refletir os resultados das urnas.

Os grupos de interesse, que se multiplicam por todos as esferas, assumem o lugar dos indivíduos como protagonistas da vida política.

O conceito de democracia ampliada da sociedade moderna é substituído pela prática da democracia restritiva, que se distancia do povo.

Não é sem razão, pois, que se acusa a democracia brasileira de estar esvaziada de conteúdo social.

Fechando o espetáculo de desvios e contrafações, vemos a formação da tríade que invadiu os espaços da administração pública: governantes/dirigentes de estatais, núcleos/partidos políticos e grupos de negócios privados.

O poder se concentra em protagonistas desses três territórios.

Por que a perversão prosperou?

Causas: a imensa tutela do Estado brasileiro, que acolhe os corpos da política e dos negócios; a força imperial do presidencialismo; a repartição da estrutura do Estado; o arrefecimento da força do Parlamento, que se torna refém do Executivo; a ausência de critérios racionais e de mérito na ocupação dos cargos públicos; o patrimonialismo, responsável pela apropriação da res publica pelo negócio privado.

Dentro dessa moldura, pontos isolados de uma reforma política poderão ser inconsequentes.

O governo Temer se desdobra para fazer as reformas essenciais para a retomada do desenvolvimento. Mas há grupos que resistem. Como em um cabo de guerra, há uma turma que puxa o cabo para os desvãos do passado.

As resistências às reformas são lideradas pelas corporações de ofício, que vivem às custas do Estado. As Centrais Sindicais, por exemplo. Com exceção de uma ou outra, querem a continuidade do imposto sindical obrigatório. Ou o Ministério Público do Trabalho, contrário a qualquer reforma na legislação trabalhista. Para esse grupo, quanto mais litígio na sociedade, mais poder terá a Justiça do Trabalho.

Em 2015, 1,2 milhão de processos correu pelas vias do Judiciário.

Em suma, reformar a cultura política significa reformar o cidadão. Cidadãos mais exigentes, cultos e preparados serão o oxigênio para a gestão mais racional de nossa democracia.

Até chegarmos a esse estágio civilizatório, teremos de conviver com partidos do faz de conta, administrações que mais se assemelham às capitanias hereditárias, tensões políticas constantes, justiça lenta e contingentes apinhados no balcão político das trocas.

Volto à questão do início deste artigo: o que fazer até 2 de outubro próximo para acenar às massas com algum pingo de esperança? Que o leitor tire suas conclusões.

Os cegos, mudos e surdos tecnológios

A vida nos é revelada pelos cinco órgãos dos sentido: tudo, absolutamente tudo, que sabemos sobre nós e o mundo que nos rodeia nos é revelado ao olharmos, ouvirmos, cheirarmos, degustarmos ou tatearmos. É assim que percebemos (nos damos conta) a realidade, tomamos consciência de nossa existência e deciframos o meio ambiente no qual estamos inseridos.

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Por consequência, quanto mais ampliarmos nossas sensações, maior será nossa compreensão e mais amplo o horizonte de vida. Isso pode nos angustiar ou nos serenizar na condução existencial. Um exemplo gritante é a dos hiper-preocupados. Ao se tornarem monotemático em relação à sua preocupação, eles empobrecem sua percepção do mundo, distorcem a realidade, sofrem por antecipação, perdem o humor e vivem numa realidade negativista, sofrida, irreal. Perdem o prazer que nossas sensações nos proporcionam. Dormem, comem, vivem o “problema”, deixando escaparem todos os encantos da natureza e do meio ambiente que os circundam. Ficam cegos, surdos, mudos, inodoros, sem sabor, sem sentir o prazer, a satisfação, a recompensa de existir. Em sua dimensão paralela, o ato de viver é um peso, uma cruz, uma tormenta sem fim.

Quer um moral da história? A preocupação é um inferno em vida ao nos roubar a alegria, o relaxamento, o sentido e os estímulos que estão disponíveis a cada instante na natureza, prendendo-nos numa cela solitária, escura e árida.

Como dizer aos filhos sobre a diversão que era brincar na rua e na chuva, fazer um patinete, um carrinho de rolimã e bola de meias, jogar bolinha de gude, bente altas? Tomar chuva no meio da pelada, jogar conversa fora na turma da esquina ou da escola? Paquerar com dificuldade incrível até roubar um beijo da musa da rua? Para tais experiências inesquecíveis e afetivas, precisamos de nossos olhos, ouvidos, nariz, paladar e tato, além de tempo, observação e curiosidade.

Tudo isso para alertar – e lamentar – crianças, adolescentes e adultos jovens sobre o quanto a tecnologia anda privando essas novas gerações da alegria, da emoção, do prazer em viver. Entristeço-me ao frequentar um restaurante e ver famílias mudas, cada qual envolto com seus smartphones – percebo o silêncio familiar, a falta da mesa de almoço, na qual, mesmo discordando, pais e filhos se comunicavam –, ou numa viagem de férias, os filhos, com seus fones de ouvido, quase explicitando sua negação ao diálogo.

Importante alertar que pesquisas recentes têm mostrado uma desativação e uma diminuição da capacidade cognitiva dos jovens. Em outras palavras, áreas nobres do cérebro responsáveis pelas funções de compreensão, julgamento, adaptação do indivíduo, construção de raciocínio e associação de ideias para se inserir ao mundo estão sendo prejudicadas pela passividade de nutrir de informações das redes, do Google e de similares. E pior: mais de 70% do conteúdo internáutico é falso e perigoso, pois direciona comportamentos radicais, negativos, mal-intencionados.

Por isso, o alerta, para que possamos voltar a habitar o mundo real, sair das tocas eletrônicas, frequentar a natureza. Desligar, desintoxicar desse vício alienante. Quem se lembra daquela imagem dos três macacos, com as mãos nos olhos, nos ouvidos e nas bocas? Foi uma profecia do que estamos vivendo. Haverá um tempo em que entenderemos como harmonizar a tecnologia com as leis naturais. Não dá para aceitar crianças e adolescentes tão precocemente adoecidos por distúrbios comportamentais, depressivos e com um estresse que não era típico nos anos 90.

E pensar que eu sonhava em ir à praia, jogar vôlei, ver o sol nascer. Na minha infância e na juventude, não ouvia falar de estresse, depressão ou suicídio. A vida era diversão, amizade, contar histórias e mentirinhas, fazer zoações. Adoro contar histórias. “Era uma vez um mundo onde não havia estresse entre crianças...”.

Paisagem brasileira

Brasil - Parque Estadual do Jalapão - Tocantins -:
Parque Estadual do Jalapão (Tocantins)

In vino veritas

Dois dias antes do primeiro turno das eleições presidenciais de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva experimentou um prazer raro: bebeu um Romanée-Conti 1997, um dos vinhos mais caros do mundo, presente do marqueteiro Duda Mendonça. Um mimo como tantos outros que Lula já aceitara - e continuou aceitando depois de eleito -, provavelmente custeado pela propina que irrigou o caixa dois de sua campanha.

Lula ainda não tinha chegado ao Planalto, o que aconteceu dois meses e meio mais tarde. A comemoração antecipada se deu pelo desempenho que tivera no debate da TV Globo, do qual também participaram José Serra, Ciro Gomes e Anthony Garotinho.

Nenhum texto alternativo automático disponível.

Passados 15 anos, nem o Romanée-Conti, que custou R$ 6 mil à época (hoje, raridade vendida a mais de R$ 40 mil), resistiu ao tempo: a garrafa vazia tomada por Lula, exibida como troféu na elegante Osteria Dell’Angolo, em Ipanema, foi furtada em 2009. Garotinho e Duda há muito se enrolaram com a Justiça, Ciro já anunciou que receberia a turma do juiz Sérgio Moro à bala e Lula se afunda na lama a cada frase de delatores.

Advogados do ex-presidente, notas do Instituto Lula e do PT, tentam fazer crer que delações e depoimentos que envolvam o nome dele são tirados a fórceps. A força-tarefa da Lava-Jato e Moro seriam torturadores que extraem dos detidos o que querem ouvir.

Emílio Odebrecht, que expôs sem qualquer cerimônia as facilidades que obteve nos governos petistas e o caráter de bon vivant do ex, mentiu. Marcelo Odebrecht, que aportou mais de R$ 700 milhões ao PT e aliados, também mentiu. O amigo Léo Pinheiro, dono da OAS, inventou que Lula pedira para que ele destruísse provas de dinheiro repassado ao PT.

As mentiras que forçaram os delatores a dizer não parariam por aí. As luxuosas reformas do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia não foram feitas sob a orientação da mulher de Lula, Marisa Letícia, e muito menos para agradá-lo. As empreiteiras investiram em projetos, engenharia, materiais e obras sem motivo algum. Talvez para agradar ao proprietário de fachada do sítio ou então para aumentar o valor de venda de um apartamento que a OAS nunca pôs à venda.

E, daqui a alguns dias, ao que tudo indica, o país pode conhecer as falácias que o ex-ministro Antonio Palocci tem a acrescentar no rol dos que mentem para se livrar da cadeia.

Mas se tudo é invencionice quando Lula é o acusado, vira verdade quando os alvos são os “golpistas” Michel Temer, ministros e políticos do PMDB e do PSDB. Chega a ser patético.

Mesmo sem sustentação lógica, esse continuará a ser o discurso.

Paralelamente, os fiéis a Lula contam com a própria Lava-Jato e seus delatores para enfiar mais gente no lamaçal, ampliando a sensação de que Lula, ainda que esteja enrolado, é só um entre centenas.

Querem fazer crer que ele estaria podre como os demais – ou até menos.

A redução de 14 pontos percentuais na rejeição a Lula na última pesquisa Ibope, em que aparece com 30% de votos consolidados para 2018, prova que a tática está dando certo.

Ainda há muita água para correr debaixo da ponte e também muita lama para mexer no curso da água até 2018.

Resta ainda saber se Léo Pinheiro apagou rastros, eliminando parte do entulho que pode enterrar de vez qualquer pretensão de Lula.

Hoje, sabe-se que o Romanée-Conti 1997 não foi exceção, e sim a regra.

A verdade

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A verdade é a luz pequena

ardendo na escuridão.
Da terra, ela nasce e cresce 
de vida, na tua mão.
Quem a encontra, gasta um rio
de palavras, inaugura 
braços e barcos, mostrando.
Ninguém a vê. De repente,
é um sol imenso no peito 
da multidão: é a verdade 
no centro do seu poder.
Mas ela também se acaba.
E quando se acaba
é uma brasa oca, faminta,
devorando o coração.
Thiago de Mello

Crime continuado

Um dos muitos balanços do Brasil após as imensas conquistas sociais dos três últimos governos, que a Ope­ração Lava Jato e a direita querem destruir com os processos contra a corrupção ora em andamento na Justiça, mostra que apenas 40% dos hospitais brasileiros têm leitos para o tratamento de crianças. Cerca de metade de todos os municípios do país continua, como há vinte anos, sem esgotos. Nossas “políticas públicas” na economia, feitas para proteger o trabalhador e distribuir renda, resultaram, segundo os últimos números, em mais de 13 milhões de desempregados, cujo rendimento está reduzido a zero. São cometidos hoje no Brasil 60.000 assassinatos por ano, mortandade que só ocorre em países em guerra como a Síria. No Rio de Janeiro, cinco dos sete conselheiros do Tribunal de Contas do Estado ─ que só existe para evitar que roubem as contas do estado ─ acabam de ser presos por corrupção. Cinco em sete: nesse ritmo vai ficar impossível, daqui a pouco, achar um único homem público no Rio que não seja ladrão. Foi preso também um ex-conselheiro, sendo que todos foram delatados pelo ex-­presidente do próprio TCE, que teve de se afastar no ano passado. Tudo isso acontece no entorno do ex-governador e atual presidiário Sérgio Cabral, o maior larápio que já passou pelo Rio de Janeiro desde Mem de Sá, segundo apontam as acusações feitas contra ele pelos sete lados do sistema judiciário nacional.


Dos 27 tribunais de contas dos es­tados, há investigações por corrupção em vinte. Cerca de 80% de todos os conselheiros atualmente no cargo são políticos, ou parentes de políticos, ou indicados por políticos. Por lei, quem nomeia os sete membros de cada TCE é o governador do estado, cujas contas vão ser fiscalizadas por eles; o mesmo governador tem ainda o direito de escolher um dos sete, e a Assembleia Legislativa, outros quatro. Sobram dois para representar o papel de “técnicos”. Descobriu-se, na recente e tumultuada operação sobre corrupção nos frigoríficos, que a maioria dos chefões que mandam nas áreas de vigilância do Ministério da Agricultura também é nomeada por políticos ─ não entendem nada de segurança sanitária, mas entendem tudo de multas e de fiscais. Roubou-se tanto nos Correios, nos últimos anos, que o governo não tem mais dinheiro para manter as suas operações; é um caso raro de monopólio que vai à falência. E o resto da ladroagem? Fundos de pensão das empresas estatais? Petrobras? Tudo que acaba em “bras”?

O que está dito aí acima, como se vê, é um balanço resumidíssimo do Brasil de hoje. Um balanço mais robusto exigiria, provavelmente, a prosa de um ministro do Tribunal Superior Eleitoral, como aquele que ainda outro dia escreveu 1 032 páginas para dizer se houve alguma coisa errada nas doações de dinheiro para a chapa vencedora das eleições presidenciais de 2014. É algo claramente acima das capacidades desta revista ─ e além dos limites de tolerância dos seus leitores. Fique-se, portanto, no resumo do resumo.

E, diante dessa situação de calamidade permanente, universal e progressiva, qual é a proposta que os políticos, partidos e outros donos do Brasil apresentam para curar as doenças atuais do país? Querem dar mais dinheiro público aos políticos. Parece um insulto, e é um insulto. Também é um esforço em favor do que a Justiça chama de “crime continuado”. Não existe, como sabe uma criança com 10 anos, absolutamente nenhuma razão para justificar uma coisa dessas; é impossível, de qualquer ponto de vista lógico, citar um único benefício que qualquer cidadão brasileiro poderia obter com o “financiamento público” da campanha eleitoral, como se apresenta essa aberração – salvo os próprios políticos, é claro. Bem poucos, entre todos eles, estão hoje (e estarão muito menos amanhã) a uma distância segura do camburão da Polícia Federal. O resultado é que estão obcecados por Curitiba, Bangu, Papuda e outros locais “premium” do sistema penitenciário nacional ─ e acham que a melhor maneira de não acabar indo para lá é meter ainda mais a mão no Erário, enquanto estão soltos, para ver se conseguem eleger-se no ano que vem e manter o direito à impunidade que a “imunidade parlamentar” lhes assegura. É isso. O resto é hipocrisia com teor de pureza de 100%.

Temos, assim, que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal preparam uma extorsão legal para obrigar o contribuinte a tirar do bolso 4 bilhões de reais, nos cálculos mais modestos, e entregar esse dinheiro aos candidatos às eleições de 2018. Como as doações das empresas estão legalmente proibidas, os políticos querem que a população pague diretamente as despesas das suas campanhas eleitorais. É o “financiamento público da campanha”. No mundo da conversa, essa sempre foi uma tese sagrada do PT e dos partidos de “esquerda”; pagar os custos dos candidatos com dinheiro do Erário evitaria, imaginem só, a “influência do poder econômico” nas eleições brasileiras. No mundo das coisas práticas, essas piedosas considerações jamais impediram o PT e o seu entorno de ser os maiores tomadores de dinheiro privado (empreiteiras de obras, bancos, grandes grupos, “campeões nacionais” etc.) nas épocas de eleição e adjacências. Para ficar no exemplo mais recente, a funesta eleição presidencial de 2014, a candidata oficial, Dilma Rousseff, foi capaz de gastar 300 milhões de reais em sua campanha. Cabe na cabeça de alguém que um candidato precise gastar 300 milhões para se eleger?

Os demais partidos e políticos, naturalmente, não poderiam estar mais de acordo com o PT e aliados nesse assunto ─ nada como um cofre público aberto para unir esquerda e direita no Brasil. Na verdade, todos já estavam de olho na massa, com ou sem proibição das “doações particulares”; mais dinheiro “do governo” é um sonho permanente. Mas agora o financiamento público virou necessidade de sobrevivência para a classe política. Em muitos casos, é a parte mais importante na busca do habeas-corpus preventivo que, acima de qualquer outra coisa, um mandato parlamentar passou a significar no Brasil de hoje. Pelos planos em discussão, o público será chamado a pagar ─ além do “fundo partidário” e da compensação dada às empresas de comunicação por causa do horário eleitoral obrigatório, gastos que já paga ─ um outro fundo, novo em folha, que servirá exclusivamente para as eleições. E fazer campanhas mais baratas? É a única solução que todos consideram “impossível”. O resultado final é o seguinte: o contribuinte, que já é roubado nos leitos hospitalares, nos esgotos, na segurança e em todos os demais serviços públicos que paga e não recebe, será roubado agora para pagar as despesas dos políticos que o roubam. Para piorar de vez, querem impor a votação em “lista fechada” – uma trapaça pela qual os votos não serão mais dados a um candidato escolhido pelo eleitor, mas a um bloco de políticos que cada partido terá o direito de nomear. Imaginem-se os gigantes que vão parar nas tais listas – sim, são esses mesmos em que o leitor está pensando.

É a nossa grande “reforma política”.

Temer acha corrupção 'triste', mas não faz nada

Carlos Drummond de Andrade escolheu como epígrafe do livro Claro Enigma um verso de Paul Valéry: “Les événements m’ennuient”. Significa: os acontecimentos me entediam. Ou me chateiam, numa tradução livre. Michel Temer poderia adotar o mesmo verso como lema de sua gestão. Mais do que revolta, o comportamento do presidente diante da crise moral começa a provocar uma onda de tédio.

Em entrevista à espanhola TVE, Temer concordou com o entrevistador quando ele disse que é triste ter dezenas de políticos acusados de corrupção no Brasil. “Sim, me parece triste, não posso falar outra coisa”, aquiesceu o entrevistado, antes de deixar claro que sua tristeza não tem a menor serventia: “Em relação a essas investigações, temos que esperar que o Poder Judiciário condene ou absolva as pessoas.”


Dois espetáculos não cabem no mesmo palco. Ou no mesmo governo. Dividido entre uma encenação e outra, a plateia não dá atenção a nenhuma das duas. Temer anuncia que está em cartaz a novela das reformas. Mas a hecatombe da Odebrecht faz piscar outra palavra no letreiro: c-o-r-r-u-p-ç-ã-o. A estratégia de Temer é clara: simular desgosto com a podridão e tentar arranca as reformas do Congresso apodrecido.

Noutra entrevista, dessa vez à agência de notícias Efe, Temer reiterou que deseja descer ao verbete da enciclopédia como o presidente que ''reformulou o país''. Vaticinou: ''A melhor marca do meu governo, será colocar o país nos trilhos.” Bocejos! O presidente parece dar de barato que, na disputa por um lugar no cartaz, o vocábulo “reformas” prevalecerá sobre “corrupção”. Será?

Fernando Henrique Cardoso gosta de dizer que, sob atmosfera caótica como a atual, o Brasil costuma avançar. De fato, a crise atenuou as resistências ideológicas às reformas. As corporações ainda brigam pela preservação de privilégios. Mas estão meio zonzas. Amedrontado, o Congresso talvez se mexa.

Supondo-se que Temer consiga aprovar algum tipo de reforma trabalhista e previdenciária, os efeitos das mudanças serão avaliados mais adiante. A imagem do seu governo, porém, é um problema urgente. Com a popularidade roçando o chão, Temer associa sua agonizante figura a uma tríade de símbolos tóxicos: cumplicidade, suspeição e acobertamento.

Acomodado por delatores no centro de cenas nas quais foram negociadas verbas eleitorais espúrias e propinas milionárias, Temer só não é investigado porque a Procuradoria-Geral acha que ele dispõe de imunidade temporária enquanto estiver na cadeira de presidente. Contra esse pano de fundo enodoado, o presidente passa a sensação de que não dispõe de moral para agir. Daí, por exemplo, a presença de ministros suspeitos no governo.

Quando escuta Temer dizer que fica “triste” com a suspeita de roubalheira que recai sobre tantos políticos, a plateia boceja de tédio. As manifestações do presidente dão sono antes de irritar. Confrontadas com os avanços da Lava Jato, suas palavras mostram que, no Brasil da Lava jato, o pesadelo tornou-se menos penoso do que o despertar.

Em meio aos dois espetáculos que estão em cartaz, Temer se divide. Do ponto de vista econômico, a aura do presidente pertence à modernização. Do ponto de vista político, Temer se esforça para simbolizar o que há de mais anacrônico. Acossado pela hecatombe moral, Temer reage à moda do avestruz: enfia a cabeça na sua pseudo-tristeza. De duas, uma: ou Temer morrerá de tédio ou acabará gritando diante do espelho: “Fora, Temer”.

Imagem do Dia

Dazer Ramirez Guzman ( México)

Viramos voyeurs

Há um outro lado aparecendo nisso tudo. E é aquele nosso lado ruinzinho. Estamos tendo, sim, certo prazer em assistir ao espetáculo tenebroso – pílulas delatórias em vídeos de péssima qualidade tanto em som quanto imagem, mas que já aguardamos o próximo ansiosamente dia após dia, como em um seriado viciante. Não chega a ser um prazer exatamente sexual, mas sacia certo gosto de vingança e pela curiosidade. Queremos saber tudo, como se passaram as práticas íntimas destes relacionamentos tão envolventes

Abrimos a janela. Agora estamos espicaçados. Queremos ver mais, saber mais; já que começou que siga, se revele por completo, sem limites, se desnude à nossa frente – e se mostre exatamente assim, já quase sem pudor, escancarado. Queremos ver, ouvir os sussurros, quantos dólares, euros, joias, o luxo, os presentes e como se chamavam na intimidade de seus encontros entre quatro paredes de lugares nobres. As senhas que os excitavam, as cenas que criavam para as suas estripulias.


Sentados em nossas salas de estar prestamos atenção neles, os atores dos filmetes legendados; a sala, o ambiente, as roupas que usam, os gestos que fazem, os olhares, como se distraem os advogados que os acompanham nas entrevistas que lembram as do antigo programa Ensaios do saudoso Fernando Faro, a voz que falava ao ouvido do artista central orientando o roteiro. Nestes casos, os delatores têm bom português, falam bem, se expressam e seguem uma linha de raciocínio. E falam, falam. Vemos até que falaram mais até do que lhes foi perguntado, se soltaram, aliviados, até excitados, como se tudo aquilo estivesse guardado tanto tempo em suas gargantas que já machucava.

Nós, daqui, assistimos. Homens que ganharam muito, alguns já bem senhores, quase uma centena de empregados da grande empresa que dominava e dirigia o Brasil, cada um em uma área, um canto, com uma missão. Hábeis manipuladores dos fantoches políticos nesse imenso teatro da vida pública de eleitos e autoridades no cenário de grandes obras a céu aberto.

(Como estarão as suas famílias? O que suas abastadas senhoras estão explicando às amigas, como estarão lidando com os bens apreendidos? Com quanto sairão disso?)

Não podemos nos culpar de ter virado voyeurs. É um prazer que nos restou, já que Justiça-justiça mesmo é coisa que vai longe – se é que vai. Foi sacanagem o que fizeram, o que levou o país a uma derrapada brochante. Nada como apreciar os detalhes saborosos, os termos, os traídos, seus amorosos diálogos de sedução, a prostituição escancarada.

Ok, se acha que voyeur é forte demais. Viramos brecheiros, na popular linguagem do Nordeste e outras regiões brasileiras. Observamos pelo buraco da brecha, da greta ou da fechadura. Da tevê, do rádio, da internet. Bisbilhotamos o que disseram. Fofocamos sobre isso nas redes sociais. Ainda tiramos um sarrinho, para completar.

Eles não usaram preservativos em suas relações achando que jamais seriam descobertos ou vistos, e nem nós em nossos sonhos mais loucos imaginaríamos que poderíamos vir a assistir cenas tão fortes, tão quentes, tão ousadas.

E que tudo isso nos deixasse assim, com tanta vontade de… esganá-los. De prendê-los com algemas que não são bem as de pelúcia.

Desmoralizou geral

O Brasil desmoralizou-se em todos os sentidos, a nação vive à mercê dos jogadores da nossa honorabilidade, somos um povo que já conseguiu entronizar o ridículo de si mesmo
Jackson de Figueiredo

Rólulo enganoso

Dia desses, lendo o sério jornal "The Times", do Reino Unido, deparei-me com uma daquelas matérias que deveriam ser objeto de ampla reflexão. Trata-se de uma séria denúncia sobre a qualidade dos alimentos ofertados às nossas crianças e as consequências do seu consumo.

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O texto começa noticiando o alerta de uma das mais respeitadas cirurgiões-dentistas do Reino Unido, Michaela Dalton: "a prática de rotular cereais, iogurtes e sucos ricos em açúcar como ‘saudáveis' para crianças está contribuindo para uma epidemia de cáries".

Mais detalhadamente, adverte ela que estes produtos "são rotulados como isentos de açúcar e completamente naturais, porém apresentam alta concentração de açúcares de frutas, que são muito ácidos e nocivos aos dentes".

Fundamentando sua afirmação, esta profissional apresenta uma pesquisa realizada recentemente na Irlanda, sobre 347 crianças, segundo a qual 23% tiveram dentes extraídos antes de completarem seis anos de idade, e incríveis 60% antes dos nove anos de idade!

Foram apresentados alguns exemplos de produtos cujos rótulos, malgrado conformes a legislação, escondiam verdades sérias: um cereal, retratado como "saudável e rico em vitamina D", continha 6,3 gramas de açúcar por porção de 30 gramas. Um bolinho de chocolate, cujo rótulo destacava-o como "isento de cores artificiais ou preservativos", deixava de alertar para o fato de que a cada 30 gramas iam 8,8 gramas de açúcar. E um iogurte, anunciado como saudável e rico em vitamina C e cálcio, não trazia em seu rótulo nenhum alerta sobre o fato de que cada porção de 40 gramas continha 4,35 gramas de açúcar.

Este quadro tem um custo econômico óbvio: constatou-se que o custo do tratamento dispensado a cada criança, no valor de 819 Euros, é oito - sim, oito - vezes maior do que medidas de prevenção convencionais. Estes dados coincidem com um outro estudo, realizado na Escócia, demonstrando que gastos anuais de 102 Euros por criança a título de prevenção ensejaram uma robusta redução de 56% no número de cáries.

Seria este quadro mundial? Alcançaria o Brasil? Eis aí um bom tema para reflexão pelo nosso mundo jurídico, ao qual cabe a tutela dos denominados "interesses difusos". Afinal, como bem nos alertava Karl Menninger, "tudo o que você faz por uma criança ela fará pela sociedade".

Pedro Valls Feu Rosa

O país mudou, não voltará a ser o que era

Por mais esperada que fosse, a divulgação do real teor das delações dos executivos da Odebrecht deixou a opinião pública estupefata, horrorizada com a desfaçatez com que, por anos e anos, a cúpula política do país foi tão escandalosamente subornada.

Levará algum tempo até que o sentimento de indignação e perplexidade, que perpassa todos os segmentos da sociedade, possa ser canalizado para a superação do gigantesco desafio de reconstrução do sistema político que o país tem pela frente. E, no entanto, com a opinião pública ainda mal refeita do seu estado de choque, já se ouvem críticas à suposta reação exagerada da mídia aos fatos que as delações trouxeram à luz.

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Para relativizar a importância do que foi revelado e tentar vender a ideia de que os danos não são tão sérios como tem sido propalado, já houve quem se apressasse em brandir, como evidência inequívoca dos exageros da mídia, que “só” 30% dos senadores, 45% dos governadores e 8% dos deputados federais foram, por enquanto, objeto de pedidos de inquérito!

Não bastasse a contundência desses percentuais, é bom lembrar que a lista completa inclui oito ministros de Estado, os presidentes do Senado e da Câmara, boa parte dos senadores mais proeminentes do país, parcela substancial das cúpulas dos maiores partidos, quatro dos principais pré-candidatos a presidente em 2018 e os governadores dos três maiores estados da Federação. Para não falar de vários ex-presidentes da República.

Não chega a bom destino quem não sabe de onde parte. Para que possa superar as colossais dificuldades políticas que vieram à tona com a divulgação das delações, é importante — e salutar — que o país consiga perceber, com toda a nitidez possível, as reais proporções do problema, sem se deixar levar pelo ilusionismo de visões escapistas.

Enxergar o problema como ele é, com a gravidade que lhe é inerente, não impede que se entenda que sua solução terá de ser eminentemente política. Quanto a isso não há o que se discutir. Inclusive porque não há outra solução possível.

Fácil não será. O que se teme é que um sistema político tão enfermo e disfuncional não consiga se reformar e assegurar bases sólidas para sua paulatina renovação. O temor não é infundado. Mas afigura-se bem menos preocupante do que aparenta ser, quando visto da perspectiva adequada.

É preciso ter em conta que, independentemente do que venha a ser a reação do Congresso e da classe política de uma forma geral, o país já mudou. E muito. Na esteira da Lava-Jato e operações similares, o Brasil passou por mudanças profundas. E não voltará a ser o que era.

Relações entre empresas e o governo mudaram de vez. Órgãos de controle mais atuantes, Justiça mais célere, mídia cada vez mais vigilante e opinião pública em estado permanente de alerta impedem, hoje, que o grau de promiscuidade revelado nas dantescas delações da Odebrecht volte a ser observado no futuro.

Em todos os níveis de governo, as relações entre empresários e agentes públicos passou a ser pautada, de lado a lado, por muito menos disposição a assumir riscos. A corrupção tornou-se incomparavelmente mais arriscada. E isso está fadado a ter desdobramentos de grande importância nas disputas eleitorais.

Ao mesmo tempo, a cabeça de boa parte dos eleitores também parece ter mudado. A intolerância com a corrupção tornou-se muito maior do que jamais foi.

É contra o pano de fundo dessa nova realidade que se deve avaliar em que medida o clamor por renovação da representação política encontrará espaço para se manifestar nas eleições de 2018.

É natural que parlamentares acossados pela Lava-Jato tentem “fazer o diabo” para assegurar a reeleição que lhes garantirá a manutenção da prerrogativa de foro especial. E é até possível que, com isso, consigam retardar, em alguma medida, a renovação da representação política que hoje se faz necessária. Mas não conseguirão detê-la. O avanço dessa renovação tornou-se inexorável. O País mudou.

Rogério Furquim Werneck