segunda-feira, 5 de outubro de 2020

Vendo Trump como ele realmente é

Esqueça a política por um momento. Trump é um homem de mau caráter

Ao desligar o som da TV, o debate presidencial mostrava as maiores forças de Joe Biden e a gigantesca fraqueza de Donald Trump.

Se você quiser entender quem ganhou o debate presidencial desta semana, tenha em mente um momento de nosso passado político que chamo de “Epifania de Stahl”. Durante a campanha presidencial de 1984, a repórter da CBS Lesley Stahl elaborou uma crítica dura e implacável das políticas de Ronald Reagan para o país, concentrando-se particularmente na disjunção entre o que Reagan dizia e o que fazia. A reportagem mostrava imagens de Reagan homenageando atletas paraolímpicos e inaugurando uma nova casa de repouso, mas a narração de Stahl revelava que, na verdade, seu governo tentara cortar fundos para os deficientes físicos e os programas habitacionais subsidiados.


A crítica foi ao ar como um segmento de quase seis minutos no noticiário noturno, e Stahl tinha certeza de que seus contatos na Casa Branca ficariam furiosos. Mas, em vez disso, ela recebeu um telefonema de Richard Darman, um dos assessores de Reagan, dizendo: “Que história ótima! Nós adoramos”. Stahl ficou perplexa e Darman explicou: “Ninguém ouviu o que você disse. Vocês da tevelândia ainda não entenderam, não é? Quando as imagens são poderosas e emotivas, elas se sobrepõem ao som, muitas vezes até o abafam completamente. O que quero dizer, Lesley, é que ninguém ouviu você”.

Quando comecei a assistir ao debate da terça-feira passada, pensei que o presidente Donald Trump estava ganhando. Ele estava no comando, dando golpes enérgicos, controlando a pauta e colocando o candidato democrata Joe Biden na defensiva. Biden quase nunca conseguia expor seus pontos de vista de forma clara e sem interrupções. Mas, aí, pensei na “Epifania de Stahl” e revi algumas partes do debate com o som desligado. Foi totalmente revelador. Livres das palavras, as imagens revelaram um contraste gritante. De um lado, você via um senhor de idade, um tanto combalido, cambaleando algumas vezes, mas mostrando um grande sorriso e um coração gentil. Do outro lado, você via um valentão da quarta série, um homem torpe, raivoso e emocionalmente descontrolado. Ele ficou de cara fechada e tentou abrir sorrisos amarelos durante todos os 90 minutos de debate.

Sempre achei que a “Epifania de Stahl” era um sinal da fraqueza da televisão. Mas esse debate me fez reconhecer sua força. Cortando todo o ruído, a tela abriu para o povo americano uma janela com vista para as personalidades dos dois candidatos. Lançou luz sobre as maiores forças de Biden e a gigantesca fraqueza de Trump. Esqueça a política por um momento. Trump é um homem de mau caráter, que abusou de pessoas, instituições e normas, sempre para tirar alguma vantagem pessoal. Foi isso que as imagens transmitiram.

As novas revelações sobre suas declarações de imposto de renda só confirmam o que sempre soubemos sobre ele. Como Drew Harwell reportou em 2016, na única vez que Trump esteve à frente de uma empresa de capital aberto, trapaceou os acionistas para benefício próprio. Ele transferiu para a empresa quase US$ 2 bilhões de dívidas pessoais e remunerou a si mesmo com dezenas de milhões de dólares, ao mesmo tempo em que levava a empresa à falência e limpava os bolsos dos acionistas. Talvez tudo tenha sido legal, mas pouquíssimos CEOS de empresas se comportam assim. Em uma sociedade complexa e civilizada, não podemos tratar como ilegais todas as ações antiéticas ou desagradáveis concebíveis. Acima e além das leis, deve haver normas.

A democracia não consegue funcionar sem alguma adesão às normas. Você não pode realizar debates presidenciais quando um dos lados simplesmente se recusa a cumprir as regras, constantemente interrompendo e importunando seu oponente e contestando tudo o que ele diz. Trump também está fazendo uma coisa nova e muito mais prejudicial. Ele mente de uma maneira que nenhum candidato jamais mentiu, totalmente livre de qualquer compromisso com os fatos. Os republicanos reconheceram que revogar o Obamacare sem nenhum programa para substituí-lo será politicamente impopular, mas não conseguem chegar a um acordo sobre uma alternativa. Para Trump, isso não representa nenhum problema: ele simplesmente afirma que tem uma alternativa.

Trump quebrou tantas normas que é difícil catalogá-las. Longe de aceitar que o outro lado também é legítimo, ele pediu para que sua adversária na disputa de 2016 fosse presa. Ele rejeitou se afastar de seus interesses comerciais e, já na cadeira de presidente, permitiu que governos estrangeiros cobrissem a ele e a sua família com presentes na forma de marcas registradas e receitas de hotéis. Os assessores da Casa Branca promoveram abertamente os interesses comerciais de Trump e de sua família. Ele usou seu poder para recompensar e ameaçar empresas – e, o que é mais preocupante, para intimidar a imprensa livre. Sob a direção da Casa Branca, várias agências federais vêm trabalhando para atacar o Twitter depois que a plataforma decidiu sinalizar alguns de seus tuítes mais flagrantemente falsos. O uso dos extraordinários poderes do estado contra oponentes políticos é um dos sinais mais perturbadores de autoritarismo.

Ao que tudo indica, Trump está bem atrás nesta eleição. Estamos assistindo a um homem sob pressão. E, se suas perspectivas continuarem sombrias, ele ficará mais desesperado, mais antiético e mais cruel. Vamos torcer para que a democracia americana consiga resistir ao ataque.

Ricardo Salles é o ministro mais eficiente de Bolsonaro

Enquanto a imprensa patinava nos clichês “ala ideológica” e “ala militar”, o sinistro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, passava a boiada da ala pragmática. Tem feito isso há 21 meses com inegável eficiência. Não é um fanático abitolado como o chanceler Ernesto Araújo. É um burocrata que está cumprindo o papel que lhe foi delegado: destruir o máximo possível no menor tempo possível. Não parece haver ninguém tão competente no ministério de Jair Bolsonaro.

Com aspecto de mauricinho do Itaim Bibi (São Paulo) ou do Leblon (Rio), poderia passar por bom moço, daqueles criados por avó. Mas atua como vilão de gibi. A caneta é a principal arma que usa para derrubar florestas, matar animais, dizimar povos indígenas. Mas, quando abre a boca, também avaliza e terceiriza a destruição. Ele não precisa se gabar da comparação, mas o sangue frio com que desempenha suas tarefas remete ao conceito “banalidade do mal”, criado pela filósofa Hannah Arendt para mostrar como o dia a dia do horror nazista era tocado por burocratas. Salles, porém, tem certo orgulho do que faz. É um pústula vaidoso.



Na semana que passou, ele lustrou um pouco mais sua biografia de vilão. À frente do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), revogou duas resoluções (302 e 303) que protegiam áreas de restingas e manguezais, biomas ricos em biodiversidade. Isso só foi possível porque, em maio de 2019, o governo arrasou o Conama, reduzindo o número de conselheiros de 96 para 23 e fazendo do órgão um cumpridor de ordens.

E a quem o governo serve? Madeireiros, garimpeiros, grileiros, construtores irregulares, lobistas de cassinos... Os principais clientes dos atos contra restingas e manguezais foram os interessados em erguer condomínios e hotéis nessas áreas e nas próximas a reservatórios de águas. É o esquema Milícia Imóveis, que a família Bolsonaro conhece bem da Zona Oeste carioca, transformado em política federal.

A juíza federal Maria Amelia Almeida Senos de Carvalho suspendeu as revogações. Mas na sexta (2) o desembargador Marcelo Pereira da Silva derrubou a liminar da juíza. Escreveu que não vê danos ao meio ambiente nas decisões do Conama.

Salles não peca pela omissão. Desde o início do governo, vem desmontando as redes de combate a crimes ambientais. Agora que Ibama e ICMBio estão em frangalhos, ameaça fundir os dois, embaralhando (e dificultando) suas missões. Confraterniza com a ala mais selvagem do agronegócio, como os pecuaristas que tocam fogo na Amazônia e no Pantanal. Anistia desmatadores. É íntimo de garimpeiros, tendo carregado alguns para Brasília num avião da Força Aérea Brasileira.

Homem de palavra, está levando a cabo o que disse na reunião ministerial de 22 de abril: a pandemia era a janela de oportunidade para fazer “passar a boiada”, as alterações nas regras ambientais para que o imoral vire legal. Na reunião do Conama ele tocou o gado.

Já se fala – de novo, pois Bolsonaro pensou nisso antes de tomar posse – em fazer do Meio Ambiente uma subpasta da Agricultura. Seria uma tentativa de malocar as maldades do governo na área, sinalizando para o mundo que as decisões não estão nas mãos de piromaníacos como Salles, mas nas da ministra Tereza Cristina e dos (sempre eles) militares. Sonha-se, portanto, com mais mentiras, como as que o presidente e o vice Hamilton Mourão dizem com frequência, arrotando “tolerância zero” e duvidando de satélites e cientistas.

Talvez não exista vilania grátis. Salles é investigado por enriquecimento ilícito durante o período em que foi secretário no governo de Geraldo Alckmin (PSDB), em São Paulo. Ele, que informara um patrimônio de R$ 1,4 milhão em 2012, declarou em 2018 ter R$ 8,8 milhões. O Ministério Público quer entender de que forma se deu tamanha prosperidade. Como dito, trata-se de alguém que faz as coisas acontecerem com rapidez.

E o Brasil vai na onda...

 


De costas para o gol

Desde o célebre livro de Stefan Zweig, e mesmo antes dele, o Brasil é reconhecido como o país do futuro. Às vezes, parece que o futuro chegou, e revistas estampam na capa um Cristo Redentor em forma de foguete subindo aos céus. Às vezes, a ideia toma a forma de um gigante que desperta e caminha com decisão. Para onde, José?

Apesar de toda essa fantasia, sinceramente não conheço um momento da história em que a possibilidade real de encontro com o futuro seja tão concreta.

A base dessa presunção é o fato de que a teoria econômica evoluiu no planeta. Não se acredita mais que o progresso é indissociável da destruição ambiental. A própria natureza deixou de ser vista como uma externalidade, um elemento passivo, um simples insumo. Agora, é vista como o centro da produção.

Nesse contexto, o Brasil não só emerge como uma potência ambiental, mas como o território onde mais se produz vida no planeta. As concepções mudam, e nada parece mais fora do lugar hoje do que a tese de que a conservação da natureza é um entrave ao progresso econômico.

Acaba de ser publicado o livro “Brasil, paraíso restaurável”, de Jorge Caldeira, Julia Marisa Sekula e Luana Schabib. Caldeira não é um idealista alheio às engrenagens reais da economia. Escreveu o livro “Mauá: empresário do Império” e também uma “História da riqueza no Brasil”, ampla e inteligentemente pesquisada.

O livro sobre o Brasil como potência ambiental é amparado em gráficos e mapas destinados a mostrar que a natureza preservada é o centro de criação do valor econômico.


Um dos capítulos do livro tem este título: “Queimar florestas é queimar dinheiro”. Nele é possível saber que os créditos de carbono no mundo hoje superam o volume das exportações brasileiras. Os créditos são dinheiro disponível para manter florestas em pé, retendo o carbono no subsolo.

Isso sem contar com produções sustentáveis, como as de açaí e castanha, e as incontáveis potencialidades das plantas.

É essa nova visão que faz com que empresas e fundos de pensão se interessem pela defesa do meio ambiente. De um modo geral, supõe-se que esse interesse é para agradar a consumidores, uma operação de marketing. Pode até ser isso também, mas hoje esse aspecto já se torna secundário.

O grande obstáculo para o Brasil ocupar esse espaço no mundo é o governo, que ainda associa progresso com destruição ambiental. A ideia de passar uma boiada sobre as normas de proteção é um eufemismo. Na verdade, querem passar bandos de javalis que devoram tudo pela frente.

No governo militar houve um encanto com esse tipo de progresso. Campanhas do tipo “bem-vinda poluição” circularam pelo mundo tentando atrair capitais já em declínio no Norte.

A destruição da Floresta Amazônica era vista como um triunfo da ação humana sobre a natureza. A mata era vista como um mito a derrubar para que se pudesse faturar.

Mas isso foi há meio século. É compreensível que a cabeça de Bolsonaro tenha se congelado na década dos 70, e ele sonhe com uma, duas, três, muitas Cancúns.

Mas os militares leem, viajam, frequentam cursos, seminários. Não poderiam respaldar essa política destrutiva, na esperança de nos tornarmos um país como os outros do século passado.

Não é só pelo processo destrutivo. Mas pelas evidências de um caminho econômico mais fértil, pela imensa possibilidade de o Brasil, finalmente, encontrar um futuro que não seja um efêmero foguete de capa de revista ou um sonolento gigante se pondo em marcha.

Desta vez, não seria um voo de galinha, mas sim a consciência de ser o país mais rico do mundo, em vida e energia, uma potência ambiental que explora racionalmente suas vantagens e reduz suas deformações como a disparidade de renda.

O futuro finalmente chegou. Há quem não o veja e prefira soltar uma boiada para pisotear sonhos realizáveis.

O Brasil talvez seja o único país hoje presente na agenda da eleição presidencial americana. Seria uma conspiração para derrubar nossas matas, esgotar nossos minérios e celebrar uma volta ao século XX? Ou um novo pacto para o futuro?
Fernando Gabeira

Um porre de palavras inflamáveis

Você me desculpe o desconforto da pergunta, mas como tem passado? Como tem passado depois de encarar os olhos baços da onça pintada? Evitou ver as fotos das sobras horríveis da devoração das queimadas, ou por acaso você também chegou a pôr os olhos nas antas carbonizadas, nos cervos dobrados de dor, nos jacarés consumidos feito pau de incenso? Será possível que um pesadelo dê lugar a outro, infinitamente, e nada seja de fato um sonho mau de que a gente possa despertar? Chuva de fuligem, um mar de cinza e carcaça, a terra toda chagada de fogo nas imagens de satélite, e os sons do pânico animal ensurdecidos pelo estalar das matas. Também para você tudo isso já passou do insuportável? Todos esses crimes sem condenados, todos esses ensaios de apocalipse, todas essas podres mentiras oficiais. Na falta de um não-metafórico estancar dessa sangria, sendo o sábado sempre ocasião de esperança para cronistas, sugiro um porre de palavras inflamáveis para amadurecer a nossa raiva, torná-la mais aguda, mais concentrada. Por exemplo, um porre de gritos dos tetéus e de risos das uiaras de Mário de Andrade o dia inteiro, um porre de acicates e açucenas de Waly Salomão noite adentro, para encararmos de novo a onça de olhos baços. Tetéus e uiaras, acicates e açucenas na veia, meu amigo, e a nossa raiva, bem cuidada, sem desperdício, fura o ar, precisa, implacável, veja: é uma flecha besuntada de curare.

Mariana Ianelli

Religião e a 'teoria da boiada'

Não passa um único dia sem que atos do governo e do governante exponham indícios significativos das deformações constitutivas do Estado brasileiro. Até religiões têm tido aí uma função.

É esse quadro de referência que dá sentido à decisão do presidente da República de vetar parcialmente o perdão das dívidas tributárias das igrejas, projeto apresentado ao Legislativo por deputado que é filho de conhecido pastor de igreja neopentecostal.

Ao mesmo tempo, numa rede social, mandou Jair Messias aos membros do Congresso o recado de que, se fosse deputado ou senador, votaria pela derrubada do veto. Vetou para não incorrer em crime de responsabilidade e no risco de perda do mandato. Cumpre a lei e a descumpre ao mesmo tempo porque o sistema tem uma brecha como essa, que o permite.

O Estado entende que as igrejas têm lucro. O que sugere, para quem crê, que, se tem lucro, não são igrejas e devem ser tributadas. Se são igrejas, não podem ter lucro, e o tributo não cabe. O presidente não vetou, porém, o descabido perdão das dívidas previdenciárias das igrejas. Dívida para com a previdência social é sagrada, pois o credor não é o governo, é quem trabalhou a vida inteira, contribuiu e dela depende ou vai depender.

Neste país, se o assunto envolve religião, é, supostamente, assunto de Deus. Nesse caso, vale tudo. A verdade é que temos uma questão religiosa, que se atualiza desde que houve o caso do “Cristo no júri”, em 1891.



Um tema suscitado pelo dr. Miguel Vieira Ferreira (1837-1895), engenheiro militar, doutor em matemática e física, republicano histórico, abolicionista e fundador e pastor da Igreja Evangélica Brasileira, a primeira dissidência local da Igreja Presbiteriana. Recusou-se a participar de uma sessão do júri se um crucifixo que ali havia não fosse removido.

A imagem era violação de sua liberdade de consciência. A questão se estende sem solução até hoje. No recinto do Supremo Tribunal Federal, um crucifixo desafia a premissa da liberdade religiosa dos cidadãos. Um dos ministros já o reconheceu informalmente.

Quando a República foi proclamada, um decreto proposto pelo ministro da Justiça separou o Estado da Igreja. A República não teria religião oficial. Isso não queria nem quer dizer que a prática religiosa é proibida. Ao contrário, a separação entre Estado e Igreja no Brasil teve por finalidade assegurar a democrática liberdade religiosa, a liberdade de consciência e o direito individual de cada qual ter ou não ter uma religião.

O Estado republicano proclamou-se, assim, um Estado em favor da tolerância religiosa decorrente da liberdade de crença. A religião passava a ser reconhecida como um bem dos direitos individuais. A sociedade é plural, e o Estado não pode ter nem impor religião.

O tempo passou. Os acatólicos, como os chamavam, se multiplicaram. Na categoria “evangélicos”, surgiram os neopentecostais, que dos protestantes se diferenciam e muito. Diferentes facções religiosas passaram a identificar-se com a chamada teologia da prosperidade.

É oposição à teologia da libertação, católica e, também, protestante, da opção preferencial pelos pobres. Especialmente com os neopentecostais, houve reforço da tese originalmente calvinista de que o dinheiro e a acumulação de capital são os indícios fortes da predestinação do crente à salvação.

O que ganhou sentido indevido, aliás, nas brechas da alienação popular e da estrutura do poder político, as de deixar passar a boiada, isto é, do que não parece ter abrigo na lei e na Constituição. Mas é da conveniência de alguém, do governo, ainda que não necessariamente do Estado, que deveria ser instrumento da vontade democrática do povo.

Tudo aqui se torna dependente da disposição do governante para transgredir e da coragem de nesse sentido ousar. Esse veto parcial pode ser compreendido nessa perspectiva.

As eleições de 2018 não elegeram simplesmente um governo. Deram respaldo a uma concepção de poder fundada em técnicas de transgressão do muito de fragilidade e de brechas que há na ordem política e no pacto implícito na Constituição de 1988. O sistema político brasileiro, historicamente, não é baseado nas regras pactadas, mas nas exceções que propositalmente comportam.

A “teoria da boiada” é a teoria das exceções da Constituição e das leis. Somos gente esperta, como o autor da tese. Base extralegal da esperteza de alguns que nos impede de chegar onde podemos.

O Brasil está sendo transformado num país de clandestinidades que atuam no sentido de demolir e apagar da lei e da prática do Estado conquistas democráticas que os governantes não foram autorizados a suprimir. Trata-se de uma usurpação antidemocrática de direitos, especialmente de direitos sociais.