quarta-feira, 25 de maio de 2016

A inércia da Casa do Povo

A corrupção é uma regra nos negócios públicos. Por outro lado, num mesmo cenário calamitoso como esse, o que vemos é uma inércia do Congresso Nacional na aprovação de medidas legislativas que possam reverter esse quadro. Um sistema político e jurídico que deveria estar numa CTI, mas que não há iniciativas legislativas nesse sentido.
O Congresso pode escolher ser uma casa de reabilitação e cura para esse sistema corrupto ou ser uma casa que aceite a corrupção como regra.
Roberson Pozzobon, procurador da República

E se os mais ricos ajudassem a pagar o rombo nas contas públicas?

O Governo interino de Michel Temer anunciou nesta terça-feira linhas gerais de suas estratégia para reequilibrar as contas públicas. O eixo principal é criar uma regra para congelar o gasto público, incluindo limitar gastos com saúde e educação modificando a Constituição. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou, em coincidência com empresários, que a carga tributária é alta e que, neste momento, não se contempla aumento de impostos. Especialistas ouvidos pelo EL PAÍS, no entanto, afirmam que há espaço para aumentar a tributação das camadas mais ricas da sociedade, distribuindo a "fatura" do ajuste imediato e de longo prazo de forma mais justa entre ricos e pobres. Defendem, como prioridade, a volta do imposto de 15% sobre lucro e dividendos recebidos por donos e acionistas de empresas.

Caso a cobrança desse tributo, que foi extinto em 1995, no Governo Fernando Henrique Cardoso, voltasse a ser cobrado, o Governo poderia arrecadar mais de 43 bilhões de reais por ano, segundo estudo feito pelos pesquisadores Rodrigo Orair e Sérgio Gobetti, do Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea). O montante representa, por exemplo, um ¼ do rombo esperado nas contas públicas de 2016, estimado na semana passada em 170,5 milhões de reais. A regra não foi alterada nos anos Lula e Dilma. Em 2015, o senador Lindebergh Farias apresentou projeto de lei para modificá-la, mas ele está parado no Senado.

"Hoje, grande parte do que os empresários ricos ganham não é tributada. Um trabalhador com salário de 8.000 reais paga um imposto de renda de 27,5%. Já um dono de uma grande empresa que fatura mais de 500 mil reais a título de lucros e dividendos pode não pagar nada como pessoa física", explica Orair, que ressalta que o Brasil é um dos poucos países que ainda isentam esse imposto. O sistema clássico de tributação prevê imposto na pessoa jurídica e, posteriormente, havendo distribuição de dividendos aos acionistas, também na pessoa física. Dos 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne economias desenvolvidas e algumas em desenvolvimento, apenas um, a Estônia, não cobra esse tributo. Alguns tributam mais na pessoa física, outros na pessoa física, mas em média, de acordo com Orair, a parcela de lucros tributada pelo Estado é mais alta do que a do Brasil.

Ainda segundo o pesquisador, só após essa mudança, a progressividade das alíquotas do Imposto de Renda, outra mudança defendida por especialistas, seria efetiva, já que ela só incide sobre os salários. A volta da cobrança desse imposto seria inclusive mais interessante que a polêmica recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), na opinião do especialista. "É mais fácil argumentar sobre uma medida que vai afetar o topo da cadeia de um país tão desigual que falar na CPMF, que é um imposto regressivo (afeta de maneira proporcionalmente igual ricos e pobres)", explica.

Segundo dados do Ministério da Fazenda, 2,1 milhões de pessoas no Brasil eram acionistas ou donos de empresas em 2013. O grupo, no entanto, é diverso, já que vai desde um microempresário a um acionista de uma grande companhia. "Por isso, defendo que poderíamos pensar também em uma volta do imposto progressiva, mais justa, com valores diferentes para diferentes faturamentos", explica Orair. O projeto de lei atualmente no Senado (PLS) 588/2015 prevê o imposto sobre a distribuição de lucros e dividendos, mas sugere que a isenção seja mantida apenas para empresários inscritos no Simples Nacional, com receita bruta anual de até 3,6 milhões de reais.

Nara Cristina Taga, coordenadora de Direito Tributário Aplicado da FGV, explica que, quando o tributo sobre lucros e dividendos deixou de ser cobrado em 1995, o país vivia um momento de desenvolvimento em que houve um esforço de criar mecanismos de incentivo para o setor empresarial. "O país queria aquecer a economia criando incentivos, mas essa isenção não contribui tanto para o crescimento. Então, porque manteríamos isso?", questiona.

De lá pra cá, também houve uma revisão dos estudos de distribuição de renda e de tributação. Um dos trabalhos que ganhou maior projeção foi o do economista Thomas Piketty, autor do best-seller "Capital no século XXI". "Economistas como ele revisaram essa ideia de que não era papel da tributação distribuir renda, que ela deveria ser neutra. Essa visão não era realista, não nos levou ao crescimento e sim a concentração de renda", explica Orair.

"Não é questão de aumentar ou diminuir a carga, mas redistribuir a carga tributária brasileira. Isso implica aumentar a tributação na renda", já defendeu Marcelo Medeiros, pesquisador da UnB e do IPEA que ao lado de outros pesquisadores aplica metodologia de Piketty no Brasil.

O fim da Bolsa-Empresário aconteceu mesmo?

Dentre a série de medidas de impacto apresentadas na tarde de hoje pelo Governo Temer na área econômica, nenhuma pareceu tão impactante, dentro de uma agenda positiva, quanto o fim do maldito bolsa-empresário.

Recapitulando o que é o bolsa-empresário:
“A ideia era relativamente simples: o governo obrigava o BNDES a emprestar dinheiro para empresários a juros que variavam de 6,5% a 11% ao ano, enquanto, para custear esse programa, captava recursos no mercado financeiro através de títulos da dívida pública que raramente eram vendidos abaixo da taxa de 12% ao ano. Como a captação do dinheiro era mais cara que o seu empréstimo, a conta desse prejuízo ficava, como sempre, para o pobre pagador de impostos.
Não por coincidência, apenas 1% dos empresários beneficiados (…) recebeu o equivalente a 56% dos empréstimos baratos concedidos. Certamente também não é coincidência que grande parte desses empresários investiu grandes quantias de recursos em campanhas de candidatos ligados ao governo federal nos últimos anos.”

O principal programa de bolsa-empresário, o PSI, havia sido fechado em janeiro deste ano por absoluta falta de verbas, pois como é sabido, o país quebrou. O problema é que os valores repassados pelo Governo ao BNDES para a finalidade de custeio desse programa nunca foram quitados.

Em suma, o Governo captou dinheiro a juros altos e repassou ao BNDES para emprestar para empresários a juros baixos, arcando com a diferença, mas esperando que pelo menos o repasse fosse quitado um dia, e isso não aconteceu, pois não se sabe exatamente A TAXA DE INADIMPLÊNCIA DO DINHEIRO EMPRESTADO COM SUBSÍDIOS.

É absolutamente plausível pensar que esse dinheiro emprestado com subsídio de juros pelo Governo via BNDES esteja com altíssima taxa de inadimplência. Dentre os clientes preferenciais desse dinheiro estão a Friboi, o Grupo X de Eike Batista e os negócios de Bumlai.

Estando esse dinheiro com alta taxa de inadimplência, o banco passa a ter prejuízo, bem como o Governo ao tentar reaver parte desse dinheiro.

Os valores apresentados pelo Presidente Temer são assustadores. De acordo com ele, o PT repassou para o BNDES cerca de 500 bilhões de reais nos últimos anos, sendo tudo destinado ao alto empresariado amigo do PT. O retorno de 100 bilhões de reais para os cofres do Governo, ou seja, 20% do valor total repassado, apenas ameniza parte do prejuízo, mas fica a dúvida: o BNDES terá condições de, no longo prazo, quitar toda essa dívida?

Parece que não.

Com o BNDES desalavancado, fica claro que agora o banco não terá mais instrumentos financeiros para manter a política de bolsa-empresário. Mesmo com o fim do programa PSI, a existência desse dinheiro no caixa do BNDES mantinha a sobra do retorno desse programa de transferência de renda de pobres para ricos, o Robin Hood às avessas. Tanto é que Dilma chegou a ameaçar o retorno dessa prática em março. Agora essa ameaça chega ao fim.

Essa medida, embora positiva para fins de responsabilidade fiscal, restaurando o caixa do Governo e impedindo o fluxo de dinheiro público para investidores do PT, traz um outro problema, que é o estrangulamento do crédito para investimentos, afinal, o BNDES acabou se tornando o motor propulsor desse tipo de gasto “produtivo”, ainda que elitizado para quem tinha influência no planalto.

A solução para liberação de crédito para investimentos privados passa por um difícil dilema.

Em tempos onde a União Federal apresenta déficit primário de 170 bilhões de reais, rodando financeiramente somente com largas quantias de recursos obtidos através do lançamento de títulos da dívida pública no mercado, títulos esses que basicamente secam a poupança nacional, para que o Governo pare de tomar essa poupança de assalto e libere parte dela para o investimento produtivo, precisará promover cortes radicais na despesa pública, em termos de onze dígitos (bilhões), caso contrário o país não terá como aumentar sua produtividade para superar a crise de maneira sustentável, travando em um círculo vicioso de subconsumo. Espero que o Governo tenha força de vontade para conseguir completar esse desafio.

A conta da farra petista chegou, e essas medidas são essenciais para começar a pagá-la.

Bernardo Santoro

Por qual TV lutamos?

Poucos dias antes da votação do impeachment, a presidente Dilma Rousseff nomeou um novo presidente da EBC, o jornalista Ricardo Melo, com mandato até 2020. É bizarro que um governo com menos de uma semana pela proa faça nomeações importantes com mandato dessa extensão. Ao assumir, Michel Temer naturalmente exonerou o candidato de sua antecessora e nomeou o também jornalista Laerte Rimoli. Ricardo Melo entrou com uma ação no STF, e as duas partes reclamam o direito de ter feito o que lhes parecia o correto.

O caso não teria implicações maiores, não fosse a EBC uma empresa constituída com o fim de criar a TV Brasil, conhecida na intimidade por TV Lula. Disfarçada de televisão pública, a TV Brasil tem sido até agora uma televisão estatal. Não apenas integrava a máquina publicitária do governo petista, como praticava ilícito maior, aparelhando-se de forma análoga a outras empresas do governo.


Tratando-se de empresa de comunicação — ironicamente Empresa Brasil de Comunicação — e controladora de uma rede nacional, o caso ganha maior gravidade. Ela absorveu emissoras estatais — NBR, Radiobrás — e, misturando-as à antiga TVE, procurou passar a impressão de que tudo era a mesma coisa. Não era. A EBC abriu os cofres do Estado prometendo construir uma televisão pública — o que seria nobre e necessário — para, na verdade, criar uma máquina de propaganda governamental cara, ineficiente e ilegítima.

Alguns dos mais ousados e bem-sucedidos modelos de excelência em televisão são públicos, a começar pela BBC. Públicos, mas não estatais. A televisão desconhece inovações que tenham nascido em berços do Estado. Desde que a TV Lula foi implantada, surgiu a possibilidade que, numa cultura televisiva bastante sólida como a brasileira, e em meio a um cenário de bom desempenho financeiro mas alto engessamento das emissoras privadas, a televisão pública pudesse se impor como fiadora do gosto popular, do trabalho com a expressão, da construção mínima de uma televisão brasileira não comprometida com o desempenho meramente comercial.

Mas, nos seus nove anos de existência, a TV Brasil não investiu um centavo no que deveria ser sua obrigação: renovação de linguagens, desenvolvimento de formatos, geração de talentos, ousadia formal e vanguarda tecnológica. Agora, quando se discute quem tem o direito de nomear sua direção, isso é prioritário e urgente. Já perdemos tempo demais investindo o dinheiro da população brasileira para lhes devolver novelas angolanas e pregações populistas, onde deveria estar o refinamento de soluções televisivas.

O Brasil tem uma sólida estrutura de TV privada. São emissoras amadas pelo público, mas que muitas vezes não podem investir no novo, sob pena de perder posições de mercado. Cabe ao Estado ousar, apostar no inusitado, criar outros modelos de televisão, montar uma TV que esteja à frente de seu tempo, e não a reboque do velho, do ineficiente e do arcaico.

A ferramenta que dispõe para isso hoje é a EBC. Ele só tem então duas opções: ou exerce o seu direito de, com o dinheiro da população, criar novos paradigmas de televisão, ou tranca a porta, joga fora a chave e vai gastar o dinheiro do povo em outro lugar.

Nelson Hoineff