terça-feira, 27 de junho de 2017
A tradição como argumento de defesa
Conjugadas com o que tem sido confessado com ar de superioridade e de modo finório por empreiteiros e empresários em suas delações premiados, revelando como corromperam políticos e compraram medidas provisórias com o objetivo de definir os marcos jurídicos das áreas em que atuam, as tentativas de anistiar parte do mundo político e colocar o Congresso como contraponto à Procuradoria-Geral da República e à Justiça Federal dão a medida do grau de deterioração das instituições. Dentre os problemas daí decorrentes, dois merecem destaque.
O primeiro diz respeito ao impacto político e jurídico de uma eventual revisão da decisão do STF que autoriza a prisão de quem foi condenado em segunda instância, obrigando-o assim a recorrer aos tribunais superiores de dentro de uma cela. Se as regras do jogo forem mudadas no desenrolar do próprio jogo para assegurar imunidade a quem se apropriou criminosamente de recursos públicos, o direito será relativizado como marco referencial, comprometendo a credibilidade das instituições judiciais – inclusive o STF. Quando regras são alteradas conforme conveniências de governantes e parlamentares envolvidos em negociações escusas com empresas incapazes de competir sem desonestidade, a coerência doutrinária do sistema jurídico se rompe. Ele perde sua identidade sistêmica. O resultado é a insegurança jurídica. No limite, uma crise do Estado de Direito.
O segundo problema está associado à percepção desse cenário por investigados e delatores. Nos últimos meses, eles alegaram que o caixa 2 faz parte dos costumes da política. Também afirmaram que essas práticas – proibidas por lei – consistiriam, culturalmente, no modelo prevalecente de financiamento de campanhas eleitorais. Um ex-ministro da Justiça declarou que “caixa 2 em campanhas é recorrente”. Em delação premiada, Emílio Odebrecht classificou como natural a captura do poder público por sua empreiteira mediante pagamento de propina. Argumento semelhante foi invocado por Joesley Batista. Essas falas evidenciam como a corrupção prostitui mandatos, corrói a ideia de interesse público, erode a noção de direitos e leva à perda da própria concepção de Estado. Ambos prometeram que adotarão princípios éticos e códigos de conduta em seus grupos. Antes de seu depoimento, Emílio divulgou um vídeo no qual afirmava que só terão futuro as organizações que se reciclarem e agirem com integridade e transparência – iniciativa que só comoveu incautos.
Quando examinada à luz da distinção feita por Max Weber entre as éticas de responsabilidade e de convicção, a ideia de que a corrupção é inerente à cultura do País peca por dois vícios. Por um lado, ao afirmar que “sempre se agiu assim”, o pessoal acusado de corromper a representação política e o poder público se esquece de que no Estado de Direito, onde há o predomínio de regras gerais, abstratas e impessoais, as relações socioeconômicas e políticas deveriam ser travadas sob a égide de uma ética de responsabilidade, com base na qual os políticos privilegiariam interesses coletivos acima de seus interesses pessoais. Ao afirmar que caixa 2 é “prática histórica e cultural”, portanto, banalizada, naturalizam a delinquência sistêmica, pondo interesses pessoais acima dos interesses coletivos com base na ética de convicção, pela qual os fins justificam quaisquer meios. Isso ficou evidente quando Emílio disse que a Carta ao Povo Brasileiro– ato estratégico para a vitória de Lula em 2002 – teve contribuição de sua empreiteira.
Por outro lado, quando invoca a ideia de cultura para justificar a apropriação do poder público por interesses privados, esse pessoal revela astúcia e autoconfiança. Para eles, a cultura se limita à recorrência de alguns comportamentos. Do mesmo modo que mentiras repetidas mil vezes se convertem em verdade, ilícitos praticados reiteradamente perderiam o vício da ilegalidade, tornando-se social e eticamente aceitos. Para esse pessoal, não há fronteira entre o legal e o ilegal, o moral e o imoral. Eles são incapazes de perceber que a cultura – que inclui conhecimentos, crenças, símbolos, hábitos e expectativas comuns de justiça – é um conceito complexo. Além das práticas sociais aprendidas de geração em geração, ela encerra uma relação de força. A aparente diversidade de identidades valorativas e ideológicas, na dinâmica da política, oculta a dominação de alguns grupos sobre outros, ao mesmo tempo que produz e reforça desigualdades.
O momento singular que o País atravessa, em decorrência da corrosão do sistema partidário, do esfacelamento da autoridade presidencial e do escancaramento dos esquemas de captura do Estado, exige reflexão sobre o que está em jogo. Há quem aplauda a Lava Jato. Há quem a critique por excesso de judicialização, apoiando a asfixia orçamentária da PGR. Há quem afirme que a corrupção sistêmica só foi possível por causa da fraca institucionalidade política, vulnerável a pressões conjunturais. Há quem veja as eleições diretas como uma catarse política. Há quem tema que o descrédito dos políticos desestimule o eleitorado a investir em lideranças novas e capazes de repensar as funções do Estado e fortalecer a democracia representativa, tornando-a mais resistente à corrupção. São opiniões importantes. Mas o que causa receio são os desdobramentos da eventual aprovação de uma anistia irrestrita aos políticos. Mais precisamente, é o risco de que a repulsa a ela estimule aventuras moralistas em 2018, agravando a perda de substância da democracia.
Afastar esses riscos e reconstruir o poder público é um desafio complexo para uma sociedade que sempre teve dificuldade de articular o econômico e o social com o político. A política, dizia Weber, é um “esforço tenaz, que exige paixão e senso de proporções, para atravessar grossas vigas de madeira”. A mensagem é clara: ainda que esse esforço não afaste esses riscos, podendo gerar “não a floração do estio, mas uma noite polar, glacial e sombria”, não há salvação fora da política.
O primeiro diz respeito ao impacto político e jurídico de uma eventual revisão da decisão do STF que autoriza a prisão de quem foi condenado em segunda instância, obrigando-o assim a recorrer aos tribunais superiores de dentro de uma cela. Se as regras do jogo forem mudadas no desenrolar do próprio jogo para assegurar imunidade a quem se apropriou criminosamente de recursos públicos, o direito será relativizado como marco referencial, comprometendo a credibilidade das instituições judiciais – inclusive o STF. Quando regras são alteradas conforme conveniências de governantes e parlamentares envolvidos em negociações escusas com empresas incapazes de competir sem desonestidade, a coerência doutrinária do sistema jurídico se rompe. Ele perde sua identidade sistêmica. O resultado é a insegurança jurídica. No limite, uma crise do Estado de Direito.
Quando examinada à luz da distinção feita por Max Weber entre as éticas de responsabilidade e de convicção, a ideia de que a corrupção é inerente à cultura do País peca por dois vícios. Por um lado, ao afirmar que “sempre se agiu assim”, o pessoal acusado de corromper a representação política e o poder público se esquece de que no Estado de Direito, onde há o predomínio de regras gerais, abstratas e impessoais, as relações socioeconômicas e políticas deveriam ser travadas sob a égide de uma ética de responsabilidade, com base na qual os políticos privilegiariam interesses coletivos acima de seus interesses pessoais. Ao afirmar que caixa 2 é “prática histórica e cultural”, portanto, banalizada, naturalizam a delinquência sistêmica, pondo interesses pessoais acima dos interesses coletivos com base na ética de convicção, pela qual os fins justificam quaisquer meios. Isso ficou evidente quando Emílio disse que a Carta ao Povo Brasileiro– ato estratégico para a vitória de Lula em 2002 – teve contribuição de sua empreiteira.
Por outro lado, quando invoca a ideia de cultura para justificar a apropriação do poder público por interesses privados, esse pessoal revela astúcia e autoconfiança. Para eles, a cultura se limita à recorrência de alguns comportamentos. Do mesmo modo que mentiras repetidas mil vezes se convertem em verdade, ilícitos praticados reiteradamente perderiam o vício da ilegalidade, tornando-se social e eticamente aceitos. Para esse pessoal, não há fronteira entre o legal e o ilegal, o moral e o imoral. Eles são incapazes de perceber que a cultura – que inclui conhecimentos, crenças, símbolos, hábitos e expectativas comuns de justiça – é um conceito complexo. Além das práticas sociais aprendidas de geração em geração, ela encerra uma relação de força. A aparente diversidade de identidades valorativas e ideológicas, na dinâmica da política, oculta a dominação de alguns grupos sobre outros, ao mesmo tempo que produz e reforça desigualdades.
O momento singular que o País atravessa, em decorrência da corrosão do sistema partidário, do esfacelamento da autoridade presidencial e do escancaramento dos esquemas de captura do Estado, exige reflexão sobre o que está em jogo. Há quem aplauda a Lava Jato. Há quem a critique por excesso de judicialização, apoiando a asfixia orçamentária da PGR. Há quem afirme que a corrupção sistêmica só foi possível por causa da fraca institucionalidade política, vulnerável a pressões conjunturais. Há quem veja as eleições diretas como uma catarse política. Há quem tema que o descrédito dos políticos desestimule o eleitorado a investir em lideranças novas e capazes de repensar as funções do Estado e fortalecer a democracia representativa, tornando-a mais resistente à corrupção. São opiniões importantes. Mas o que causa receio são os desdobramentos da eventual aprovação de uma anistia irrestrita aos políticos. Mais precisamente, é o risco de que a repulsa a ela estimule aventuras moralistas em 2018, agravando a perda de substância da democracia.
Afastar esses riscos e reconstruir o poder público é um desafio complexo para uma sociedade que sempre teve dificuldade de articular o econômico e o social com o político. A política, dizia Weber, é um “esforço tenaz, que exige paixão e senso de proporções, para atravessar grossas vigas de madeira”. A mensagem é clara: ainda que esse esforço não afaste esses riscos, podendo gerar “não a floração do estio, mas uma noite polar, glacial e sombria”, não há salvação fora da política.
Um fracasso de gerações
A pinguela está ruindo, e rapidamente. A ponte rústica, débil construção política no improviso do impeachment de Dilma Rousseff, desmorona aos olhos daquele que talvez tenha sido seu principal arquiteto na intimidade do poder, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Seis meses atrás, ao revisar a obra, ele achava que ainda era possível seguir até o fim, pela legitimidade de Michel Temer. “Foi eleito”, argumentou ao repórter Mario Sergio Conti. “Vice-presidente, mas foi eleito. Muita gente pode não ter consciência disso, mas é legal. Pode-se discutir o impeachment [de Dilma] e tal, mas Temer é legítimo ali na Presidência.”
Há 11 dias, depois de o Tribunal Superior Eleitoral absolver Dilma e Temer por excesso de provas em processo sobre crimes de abuso de poder econômico na eleição de 2014, Fernando Henrique registrou em nota à Agência Lupa: “Se tudo continuar como está, com a desconstrução contínua da autoridade [de Temer], pior ainda se houver tentativas de embaraçar as investigações em curso, não vejo mais como o PSDB possa continuar no governo. Preferiria atravessar a pinguela, mas, se ela continuar quebrando, será melhor atravessar o rio a nado e devolver a legitimação da ordem à soberania popular.”
Ontem, em artigo, notou que se desfazem “o apoio da sociedade” e o “consentimento popular ao governo”. Lembrou que esse aumento da “descrença popular” ocorre numa circunstância de esgotamento dos meios constitucionais para mudança de governo, e Temer, “ainda que se mantenha, terá enorme dificuldade para fazer o necessário”.
Propôs uma saída honrosa: “O presidente tem legitimidade para reduzir o próprio mandato, propondo, por si ou por seus líderes, emenda à Constituição que abra espaço para as modificações.”
Fernando Henrique foi dos poucos governantes a passar a faixa presidencial ao sucessor (Lula) igualmente eleito pelo voto direto. Desde a redemocratização, em três décadas o Brasil teve quatro presidentes escolhidos nas urnas. Dois (Collor e Dilma) acabaram destituídos.
Passaram-se apenas 15 meses desde o impeachment de Dilma, e, agora, o país está diante de uma inédita situação — a insustentável permanência de um presidente denunciado por corrupção no exercício da função. O enredo singular demonstra como é praticamente impossível aos melhores ficcionistas competir com a realidade política.
Se há um componente peculiar na cena brasileira, é o fracasso das gerações que ascenderam na política no ocaso da ditadura militar, dominaram o poder a partir da Constituinte de 1987, e só admitiram a renovação partidária oligárquica (49% dos deputados federais eleitos em 2014 tinham berço em dinastias políticas, segundo a ONG Transparência Brasil).
Da gênese à agonia, o governo Temer contém uma síntese desse histórico fiasco geracional. Conservadores, liberais e ex-comunistas, todos se mostraram incapazes de reconstruir as bases institucionais do país em harmonia com o capitalismo contemporâneo. O legado está aí: uma pinguela em ruína em direção à absoluta incerteza.
José Casado
Seis meses atrás, ao revisar a obra, ele achava que ainda era possível seguir até o fim, pela legitimidade de Michel Temer. “Foi eleito”, argumentou ao repórter Mario Sergio Conti. “Vice-presidente, mas foi eleito. Muita gente pode não ter consciência disso, mas é legal. Pode-se discutir o impeachment [de Dilma] e tal, mas Temer é legítimo ali na Presidência.”
Há 11 dias, depois de o Tribunal Superior Eleitoral absolver Dilma e Temer por excesso de provas em processo sobre crimes de abuso de poder econômico na eleição de 2014, Fernando Henrique registrou em nota à Agência Lupa: “Se tudo continuar como está, com a desconstrução contínua da autoridade [de Temer], pior ainda se houver tentativas de embaraçar as investigações em curso, não vejo mais como o PSDB possa continuar no governo. Preferiria atravessar a pinguela, mas, se ela continuar quebrando, será melhor atravessar o rio a nado e devolver a legitimação da ordem à soberania popular.”
Ontem, em artigo, notou que se desfazem “o apoio da sociedade” e o “consentimento popular ao governo”. Lembrou que esse aumento da “descrença popular” ocorre numa circunstância de esgotamento dos meios constitucionais para mudança de governo, e Temer, “ainda que se mantenha, terá enorme dificuldade para fazer o necessário”.
Propôs uma saída honrosa: “O presidente tem legitimidade para reduzir o próprio mandato, propondo, por si ou por seus líderes, emenda à Constituição que abra espaço para as modificações.”
Passaram-se apenas 15 meses desde o impeachment de Dilma, e, agora, o país está diante de uma inédita situação — a insustentável permanência de um presidente denunciado por corrupção no exercício da função. O enredo singular demonstra como é praticamente impossível aos melhores ficcionistas competir com a realidade política.
Se há um componente peculiar na cena brasileira, é o fracasso das gerações que ascenderam na política no ocaso da ditadura militar, dominaram o poder a partir da Constituinte de 1987, e só admitiram a renovação partidária oligárquica (49% dos deputados federais eleitos em 2014 tinham berço em dinastias políticas, segundo a ONG Transparência Brasil).
Da gênese à agonia, o governo Temer contém uma síntese desse histórico fiasco geracional. Conservadores, liberais e ex-comunistas, todos se mostraram incapazes de reconstruir as bases institucionais do país em harmonia com o capitalismo contemporâneo. O legado está aí: uma pinguela em ruína em direção à absoluta incerteza.
José Casado
A Lava Jato como purgação e maldição
Se a crise da democracia e da política é um fenômeno global, é preciso compreender o que há de particular na experiência hoje vivida pelo Brasil. Minha hipótese é de que as raízes da nossa atual crise estão no próprio processo de retomada da democracia após 21 anos de ditadura civil-militar. As raízes da nossa crise estão no apagamento dos crimes da ditadura e na impunidade dos torturadores. O Brasil retomou a democracia sem lidar com os mortos e os desaparecidos do período de exceção. Seguiu adiante sem lidar com o trauma. Um país que para retomar a democracia precisa esconder os esqueletos no armário é um país com uma democracia deformada. E uma democracia deformada está aberta a mais deformações. O que se infiltra no imaginário da população é que a vida humana vale pouco qualquer que seja o regime. E este não é um dado qualquer na atual crise.
É neste sentido o uso das palavras “purgação” e “maldição” do título deste artigo para se referir aos significados da Lava Jato. Se a operação é importante e é imperativo que ela continue, porque expõe a relação estabelecida entre governos, partidos e parte do empresariado nacional, a Lava Jato também revela, pelo seu avesso, o pacto do diabo que resultou na alma deformada da nossa democracia. A grande purgação nacional não é pela vida humana, mas pelo dinheiro. Não é pela carne, mas pela matéria inanimada. Quando finalmente combatemos a impunidade, o que nos mobiliza são os bens materiais, enquanto a vida segue sendo ferida de morte.
O impacto da Lava Jato sobre a República que agora afunda possivelmente seria outro se antes dela houvesse existido investigação, julgamento e punição dos crimes contra a vida humana praticados pelo Estado durante a ditadura. Como em vez disso houve apagamento e impunidade, a maldição da Lava Jato é a de reforçar, como efeito colateral, a natureza de nossa deformação. E sobre isso não há responsabilidade dos agentes da operação, mas sim uma responsabilidade coletiva do povo brasileiro e uma responsabilidade consideravelmente maior das elites que conduziram e disputaram o processo de transição da ditadura para a democracia e o poder no que se chamou de Nova República.
Não vou me deter aqui nos meandros desta escolha pela conciliação com o inconciliável – e pelo apagamento. Apenas registrar que tanto a Comissão da Verdade quanto a ação que questionava a aplicação da Lei de Anistia para torturadores do regime foram oportunidades recentes de mudar esse rumo. A Comissão da Verdade pouco mobilizou a população. E o Supremo Tribunal Federal decidiu não rever a Lei de Anistia.
Um dos dois votos favoráveis ao pedido de revisão da Lei de Anistia proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi do ministro Carlos Ayres Britto. Ele afirmou, em 2010: “Um torturador não comete crime político. Um torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado. Um torturador é aquele que experimenta o mais intenso dos prazeres diante do mais intenso sofrimento alheio perpetrado por ele. É uma espécie de cascavel de ferocidade tal que morde ao som dos próprios chocalhos. Não se pode ter condescendência com torturador. A humanidade tem o dever de odiar seus ofensores porque o perdão coletivo é falta de memória e de vergonha”.
A cena pornográfica que sintetiza a deformação da democracia brasileira é o discurso do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC) durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff (PT) na Câmara: “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o terror de Dilma Rousseff”. Em uma frase só, no centro da democracia que é o parlamento, o militar da reserva homenageava um torturador e assassino – e gozava com a tortura da presidente legitimamente eleita, cujo afastamento era ali decidido. Ainda que esta cena de real pornografia tenha sido apontada dentro e fora do Brasil, o fato de ela não ter produzido um horror absoluto e disseminado é apenas mais um sintoma de nossa deformação.
Também é bastante claro que a escolha pela conciliação e pelo apagamento dos crimes da ditadura, para além das circunstâncias do momento, tem raízes históricas mais longas e profundas. Ela vai se encontrar lá atrás com as razões pelas quais o Brasil foi o último país da América a abolir oficialmente a escravidão negra. E está na própria formação do que se chama de Brasil. Há bibliografia de qualidade sobre isso e muitas linhas de investigação ainda a serem seguidas.
Aqui, o objetivo é trazer para o debate da atual crise os significados deste apagamento. E os riscos de seguirmos pactuando novos apagamentos. E, portanto, girando em falso. Cada vez torna-se mais evidente que não só apagar, mas contornar as contradições em vez de enfrentá-las, só nos leva cada vez mais para o fundo do poço sem fundo.
Quando um país vive uma experiência como uma ditadura, em que o Estado sequestrou, torturou e executou cidadãos, é preciso elaborar o que se viveu e fazer marca do vivido. Num país, isso se faz com investigação dos crimes, julgamento e punição dos responsáveis, promovendo memória, debate e reflexão. É assim que se estabelece no imaginário da população que tortura e assassinato não serão tolerados – e que o cidadão pode contar com a justiça numa democracia. É também isso que empresta valor ao regime democrático – e que aponta a sua diferença para uma tirania.
Essa ideia pode se tornar mais clara quando se observa o exemplo de um crime contra a humanidade que está no imaginário de todos. Quem vai a Berlim ou a outras cidades alemãs, pode contar com um itinerário de monumentos e museus que mantém viva a memória do Holocausto e do extermínio de seis milhões de judeus, ciganos, homossexuais e pessoas com algum tipo de deficiência. Cada alemão que nasce hoje, mais de 70 anos depois do final da Segunda Guerra, sabe que esse horror aconteceu ao dar seus primeiros passos na rua e topar com os monumentos. E vai precisar pensar sobre isso, porque é também este o legado de ser alemão. Ser alemão é estar num dos países com melhor qualidade de vida da Europa e é também compartilhar desta memória. Responsabilidade é isso: não se pode pegar só uma parte do pacote.
Não se vai a futuro nenhum negando o passado. É também para isso que se faz marca do vivido. Marcas no julgamento dos criminosos, marcas no ensino dentro das escolas e no debate em todos os espaços, marcas físicas, como o Memorial do Holocausto no coração de Berlim. A céu aberto e ocupando 19 mil metros quadrados de área nobre, bem perto do Portão de Brandemburgo, a escultura nos desestabiliza com a força de seus 2.711 blocos de concreto de diferentes tamanhos, projetada para produzir o sentimento perturbador causado por “um sistema supostamente ordenado que perdeu o contato com a razão humana”.
O objetivo de fazer marca do vivido não é promover penitência ou versões de punição bíblica. Não é de culpa que se trata. E sim de responsabilidade coletiva. As marcas servem exatamente para evitar a repetição.
É neste sentido o uso das palavras “purgação” e “maldição” do título deste artigo para se referir aos significados da Lava Jato. Se a operação é importante e é imperativo que ela continue, porque expõe a relação estabelecida entre governos, partidos e parte do empresariado nacional, a Lava Jato também revela, pelo seu avesso, o pacto do diabo que resultou na alma deformada da nossa democracia. A grande purgação nacional não é pela vida humana, mas pelo dinheiro. Não é pela carne, mas pela matéria inanimada. Quando finalmente combatemos a impunidade, o que nos mobiliza são os bens materiais, enquanto a vida segue sendo ferida de morte.
A maldição da Lava Jato é a de reforçar, como efeito colateral, a natureza da deformação de nossa democracia
O impacto da Lava Jato sobre a República que agora afunda possivelmente seria outro se antes dela houvesse existido investigação, julgamento e punição dos crimes contra a vida humana praticados pelo Estado durante a ditadura. Como em vez disso houve apagamento e impunidade, a maldição da Lava Jato é a de reforçar, como efeito colateral, a natureza de nossa deformação. E sobre isso não há responsabilidade dos agentes da operação, mas sim uma responsabilidade coletiva do povo brasileiro e uma responsabilidade consideravelmente maior das elites que conduziram e disputaram o processo de transição da ditadura para a democracia e o poder no que se chamou de Nova República.
Não vou me deter aqui nos meandros desta escolha pela conciliação com o inconciliável – e pelo apagamento. Apenas registrar que tanto a Comissão da Verdade quanto a ação que questionava a aplicação da Lei de Anistia para torturadores do regime foram oportunidades recentes de mudar esse rumo. A Comissão da Verdade pouco mobilizou a população. E o Supremo Tribunal Federal decidiu não rever a Lei de Anistia.
Um dos dois votos favoráveis ao pedido de revisão da Lei de Anistia proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) foi do ministro Carlos Ayres Britto. Ele afirmou, em 2010: “Um torturador não comete crime político. Um torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado. Um torturador é aquele que experimenta o mais intenso dos prazeres diante do mais intenso sofrimento alheio perpetrado por ele. É uma espécie de cascavel de ferocidade tal que morde ao som dos próprios chocalhos. Não se pode ter condescendência com torturador. A humanidade tem o dever de odiar seus ofensores porque o perdão coletivo é falta de memória e de vergonha”.
A cena pornográfica que sintetiza a deformação da democracia brasileira é o discurso do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC) durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff (PT) na Câmara: “Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o terror de Dilma Rousseff”. Em uma frase só, no centro da democracia que é o parlamento, o militar da reserva homenageava um torturador e assassino – e gozava com a tortura da presidente legitimamente eleita, cujo afastamento era ali decidido. Ainda que esta cena de real pornografia tenha sido apontada dentro e fora do Brasil, o fato de ela não ter produzido um horror absoluto e disseminado é apenas mais um sintoma de nossa deformação.
Também é bastante claro que a escolha pela conciliação e pelo apagamento dos crimes da ditadura, para além das circunstâncias do momento, tem raízes históricas mais longas e profundas. Ela vai se encontrar lá atrás com as razões pelas quais o Brasil foi o último país da América a abolir oficialmente a escravidão negra. E está na própria formação do que se chama de Brasil. Há bibliografia de qualidade sobre isso e muitas linhas de investigação ainda a serem seguidas.
Aqui, o objetivo é trazer para o debate da atual crise os significados deste apagamento. E os riscos de seguirmos pactuando novos apagamentos. E, portanto, girando em falso. Cada vez torna-se mais evidente que não só apagar, mas contornar as contradições em vez de enfrentá-las, só nos leva cada vez mais para o fundo do poço sem fundo.
Quando um país vive uma experiência como uma ditadura, em que o Estado sequestrou, torturou e executou cidadãos, é preciso elaborar o que se viveu e fazer marca do vivido. Num país, isso se faz com investigação dos crimes, julgamento e punição dos responsáveis, promovendo memória, debate e reflexão. É assim que se estabelece no imaginário da população que tortura e assassinato não serão tolerados – e que o cidadão pode contar com a justiça numa democracia. É também isso que empresta valor ao regime democrático – e que aponta a sua diferença para uma tirania.
Essa ideia pode se tornar mais clara quando se observa o exemplo de um crime contra a humanidade que está no imaginário de todos. Quem vai a Berlim ou a outras cidades alemãs, pode contar com um itinerário de monumentos e museus que mantém viva a memória do Holocausto e do extermínio de seis milhões de judeus, ciganos, homossexuais e pessoas com algum tipo de deficiência. Cada alemão que nasce hoje, mais de 70 anos depois do final da Segunda Guerra, sabe que esse horror aconteceu ao dar seus primeiros passos na rua e topar com os monumentos. E vai precisar pensar sobre isso, porque é também este o legado de ser alemão. Ser alemão é estar num dos países com melhor qualidade de vida da Europa e é também compartilhar desta memória. Responsabilidade é isso: não se pode pegar só uma parte do pacote.
Não se vai a futuro nenhum negando o passado. É também para isso que se faz marca do vivido. Marcas no julgamento dos criminosos, marcas no ensino dentro das escolas e no debate em todos os espaços, marcas físicas, como o Memorial do Holocausto no coração de Berlim. A céu aberto e ocupando 19 mil metros quadrados de área nobre, bem perto do Portão de Brandemburgo, a escultura nos desestabiliza com a força de seus 2.711 blocos de concreto de diferentes tamanhos, projetada para produzir o sentimento perturbador causado por “um sistema supostamente ordenado que perdeu o contato com a razão humana”.
O objetivo de fazer marca do vivido não é promover penitência ou versões de punição bíblica. Não é de culpa que se trata. E sim de responsabilidade coletiva. As marcas servem exatamente para evitar a repetição.
Leia mais o artigo de Eliane Brum
Meu filho não é um boi
‘A questão essencial não é que estejamos sendo vigiados, é como chegamos a este ponto, ou seja, como se organizou uma imensa e poderosa rede de espionagem, sem que isto fosse debatido e decidido pelos cidadãos”.
A frase é de Edward Snowden, e toca num ponto chave da crise atual pao é um boior que passam em todo o mundo os regimes democráticos, a saber, instituições estatais, com amplo raio de ação, desempenhando atividades que envolvem múltiplos interesses, financiadas com dinheiro público, operam sem nenhum controle social.
Não se poderia dizer o mesmo em relação ao envolvimento decisivo de grandes empresas nas campanhas eleitorais e no processo de elaboração e de definição das leis que regem a sociedade? Este é um assunto que tem merecido a atenção do professor Larry Lessig, que dirige um centro de estudos sobre a corrupção, na Universidade de Harvard, e que mostra como a agenda dos debates é orientada e condicionada pelos interesses de grandes corporações econômicas. Assim, temas e questões que entram em choque com estes interesses são colocados à margem, seus defensores detratados como “irrealistas”, “lunáticos”, ameaças à ordem instituída. Não se trata apenas de denunciar a “compra” ou a “venda” de parlamentares ou de votações específicas, embora tais procedimentos se tornem quase comuns e sejam, em si mesmos, fatores de distorção do jogo político. Estamos diante de algo mais complexo, de fixar o que se deve ou não debater, de estabelecer a agenda em torno da qual deve se concentrar a atenção da opinião pública. Nesta ordem de ideias, a corrupção de alguns, ou da maioria dos políticos, seria apenas o varejo de um processo de corrupção no atacado, maior e mais amplo, do próprio sistema institucional.
Birgitta Jónsdóttir, poeta e política, fundadora do Partido Pirata na Islândia, adiciona uma outra questão, que teria jogado um papel importante nas últimas eleições islandesas — o medo. No mundo globalizado, onde impera a livre circulação de capitais, a ameaça de uma súbita e maciça fuga de capitais amedrontaria e inibiria tendências favoráveis a mudanças no sentido da contenção do poder econômico. Frente ao espantalho da crise, da instabilidade e do desemprego, as opções por um voto conservador tenderiam a se fortalecer.
Larry Lessig e Birgitta Jónsdóttir reuniram-se, em Moscou, com Edward Snowden para discutir os dilemas da democracia, por toda a parte ameaçada e fragilizada. Nos Estados Unidos, desrespeitando o voto universal, validado por um colégio eleitoral e antidemocrático, emergiu a inquietante — e despótica — figura de Donald Trump. Na Rússia, o governo de Vladimir Putin, embora legitimado por eleições, toma um rumo autoritário nítido, amparado por um nacionalismo exacerbado. Na China, o Partido Comunista mantém sob rédeas ditatoriais a população. No mundo árabe, declinou o impulso da “primavera” que suscitara tantas esperanças. Em seu lugar, desagregação, guerras civis, novas ditaduras. Até na Europa, onde pareciam sólidas as bases do Estado de bem-estar social, é notória, em vários países, a ascensão de partidos de extrema-direita. Mesmo ali onde estas forças são derrotadas, é perturbador o desapreço de expressivos segmentos do povo em relação ao regime eleitoral. Nas recentes eleições francesas este fato evidenciou-se mais uma vez. No segundo turno das eleições parlamentares, quase 58% dos eleitores inscritos não se deram ao trabalho de ir votar. Uma tendência histórica, flagrada desde os anos 1970 e 1980, quando o comparecimento às urnas alcançava com frequência a marca de 80%. De lá para cá, só aumentaram o descrédito e a desconfiança, sobretudo entre os jovens e as camadas populares, em relação à mal chamada “classe política”. Na América Latina, como sabemos, a situação não é nada melhor. No Brasil, em especial, a distância entre a aristocracia do poder, cevada a mordomias e protegida pelo repugnante foro privilegiado, e as pessoas comuns não cessa de aumentar, desmoralizando, cada vez mais, as instituições.
Timothy Snyder, da Universidade de Yale, estudioso do nazismo e do stalinismo, emite sinais de alerta ao identificar na situação atual semelhanças com a que o mundo viveu entre as guerras mundiais, quando os regimes autoritários e ditatoriais surgiram como alternativas para gentes desesperançadas, temerosas e descrentes.
É neste panorama desalentador que se torna significativa a traumática experiência do garoto que, em São Bernardo, foi torturado e tatuado na testa com uma frase infamante. Como observou José de Souza Martins, no berço das lutas democráticas brasileiras, a tortura perpetrada por elementos populares. Um sinal da força do autoritarismo nas bases da sociedade? A mãe da vítima protestou: “Meu filho não é um boi”. Resta saber se não estaremos virando, todos, uma grande boiada, a caminho do matadouro de novas ditaduras.
Daniel Aarão Reis
A frase é de Edward Snowden, e toca num ponto chave da crise atual pao é um boior que passam em todo o mundo os regimes democráticos, a saber, instituições estatais, com amplo raio de ação, desempenhando atividades que envolvem múltiplos interesses, financiadas com dinheiro público, operam sem nenhum controle social.
Não se poderia dizer o mesmo em relação ao envolvimento decisivo de grandes empresas nas campanhas eleitorais e no processo de elaboração e de definição das leis que regem a sociedade? Este é um assunto que tem merecido a atenção do professor Larry Lessig, que dirige um centro de estudos sobre a corrupção, na Universidade de Harvard, e que mostra como a agenda dos debates é orientada e condicionada pelos interesses de grandes corporações econômicas. Assim, temas e questões que entram em choque com estes interesses são colocados à margem, seus defensores detratados como “irrealistas”, “lunáticos”, ameaças à ordem instituída. Não se trata apenas de denunciar a “compra” ou a “venda” de parlamentares ou de votações específicas, embora tais procedimentos se tornem quase comuns e sejam, em si mesmos, fatores de distorção do jogo político. Estamos diante de algo mais complexo, de fixar o que se deve ou não debater, de estabelecer a agenda em torno da qual deve se concentrar a atenção da opinião pública. Nesta ordem de ideias, a corrupção de alguns, ou da maioria dos políticos, seria apenas o varejo de um processo de corrupção no atacado, maior e mais amplo, do próprio sistema institucional.
Larry Lessig e Birgitta Jónsdóttir reuniram-se, em Moscou, com Edward Snowden para discutir os dilemas da democracia, por toda a parte ameaçada e fragilizada. Nos Estados Unidos, desrespeitando o voto universal, validado por um colégio eleitoral e antidemocrático, emergiu a inquietante — e despótica — figura de Donald Trump. Na Rússia, o governo de Vladimir Putin, embora legitimado por eleições, toma um rumo autoritário nítido, amparado por um nacionalismo exacerbado. Na China, o Partido Comunista mantém sob rédeas ditatoriais a população. No mundo árabe, declinou o impulso da “primavera” que suscitara tantas esperanças. Em seu lugar, desagregação, guerras civis, novas ditaduras. Até na Europa, onde pareciam sólidas as bases do Estado de bem-estar social, é notória, em vários países, a ascensão de partidos de extrema-direita. Mesmo ali onde estas forças são derrotadas, é perturbador o desapreço de expressivos segmentos do povo em relação ao regime eleitoral. Nas recentes eleições francesas este fato evidenciou-se mais uma vez. No segundo turno das eleições parlamentares, quase 58% dos eleitores inscritos não se deram ao trabalho de ir votar. Uma tendência histórica, flagrada desde os anos 1970 e 1980, quando o comparecimento às urnas alcançava com frequência a marca de 80%. De lá para cá, só aumentaram o descrédito e a desconfiança, sobretudo entre os jovens e as camadas populares, em relação à mal chamada “classe política”. Na América Latina, como sabemos, a situação não é nada melhor. No Brasil, em especial, a distância entre a aristocracia do poder, cevada a mordomias e protegida pelo repugnante foro privilegiado, e as pessoas comuns não cessa de aumentar, desmoralizando, cada vez mais, as instituições.
Timothy Snyder, da Universidade de Yale, estudioso do nazismo e do stalinismo, emite sinais de alerta ao identificar na situação atual semelhanças com a que o mundo viveu entre as guerras mundiais, quando os regimes autoritários e ditatoriais surgiram como alternativas para gentes desesperançadas, temerosas e descrentes.
É neste panorama desalentador que se torna significativa a traumática experiência do garoto que, em São Bernardo, foi torturado e tatuado na testa com uma frase infamante. Como observou José de Souza Martins, no berço das lutas democráticas brasileiras, a tortura perpetrada por elementos populares. Um sinal da força do autoritarismo nas bases da sociedade? A mãe da vítima protestou: “Meu filho não é um boi”. Resta saber se não estaremos virando, todos, uma grande boiada, a caminho do matadouro de novas ditaduras.
Daniel Aarão Reis
Democracia em marcha
A histórica associação entre enormes estruturas burocráticas de administração centralizada e os regimes políticos degenerados é bem documentada.
Tocqueville registrou a tradição dirigista de centralização administrativa francesa como eixo de autoritarismo encadeando através do tempo os regimes monarquista, revolucionário e bonapartista.
O despotismo absolutista, o terror jacobino e as guerras napoleônicas tornaram-se possíveis pela concentração de poder inerente às engrenagens dirigistas.
Da mesma forma, a impressionante burocracia prussiana, da máquina militarista imperial aos correios, às ferrovias e à previdência social arquitetada por Bismarck, seguiu ampliando suas engrenagens muito além do Antigo Regime guilhermino. Proliferou em meio à avalanche social-democrata da República de Weimar, até atingir seu clímax no capitalismo de Estado sob comando do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães.
Degeneração moral e política também do socialismo soviético do século XX ao socialismo bolivariano do século XXI.
Essa linha lógica costura os fatos nos últimos 40 anos da História brasileira.
Os militares no Antigo Regime de 1964 e a social-democracia hegemônica desde a redemocratização, em 1985, empurraram os gastos públicos de menos de 20% para mais de 40% do Produto Interno Bruto.
A corrupção sistêmica tem aqui suas raízes profundas, penetrando muito além da superfície política. Envergonhou os militares, devastou a “direita” fisiológica e desmoralizou a “esquerda” social-democrata.
A Operação Lava-Jato devora o PT, o PMDB e o PSDB, grandes partidos que se revezam no poder há nove mandatos presidenciais.
A morte da Velha Política agora em 2017 marca o fim de uma era, e as campanhas eleitorais em 2018 serão o anúncio do nascimento da Nova Política.
Nossas instituições estão sendo testadas.
O governo Temer se comprometeu com o controle de gastos, a reforma trabalhista e a reforma da Previdência. Seu eventual sucessor, Rodrigo Maia, assumiu a Câmara dos Deputados com os mesmos compromissos.
Devem submeter as matérias ao Congresso, recorrendo ao “fechamento de questão” para sua aprovação. Sem isso, são alvos fáceis para as precipitadas sugestões de antecipação das eleições presidenciais.
Nossa democracia segue em marcha.
Paulo Guedes
Tocqueville registrou a tradição dirigista de centralização administrativa francesa como eixo de autoritarismo encadeando através do tempo os regimes monarquista, revolucionário e bonapartista.
O despotismo absolutista, o terror jacobino e as guerras napoleônicas tornaram-se possíveis pela concentração de poder inerente às engrenagens dirigistas.
Da mesma forma, a impressionante burocracia prussiana, da máquina militarista imperial aos correios, às ferrovias e à previdência social arquitetada por Bismarck, seguiu ampliando suas engrenagens muito além do Antigo Regime guilhermino. Proliferou em meio à avalanche social-democrata da República de Weimar, até atingir seu clímax no capitalismo de Estado sob comando do Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães.
Essa linha lógica costura os fatos nos últimos 40 anos da História brasileira.
Os militares no Antigo Regime de 1964 e a social-democracia hegemônica desde a redemocratização, em 1985, empurraram os gastos públicos de menos de 20% para mais de 40% do Produto Interno Bruto.
A corrupção sistêmica tem aqui suas raízes profundas, penetrando muito além da superfície política. Envergonhou os militares, devastou a “direita” fisiológica e desmoralizou a “esquerda” social-democrata.
A Operação Lava-Jato devora o PT, o PMDB e o PSDB, grandes partidos que se revezam no poder há nove mandatos presidenciais.
A morte da Velha Política agora em 2017 marca o fim de uma era, e as campanhas eleitorais em 2018 serão o anúncio do nascimento da Nova Política.
Nossas instituições estão sendo testadas.
O governo Temer se comprometeu com o controle de gastos, a reforma trabalhista e a reforma da Previdência. Seu eventual sucessor, Rodrigo Maia, assumiu a Câmara dos Deputados com os mesmos compromissos.
Devem submeter as matérias ao Congresso, recorrendo ao “fechamento de questão” para sua aprovação. Sem isso, são alvos fáceis para as precipitadas sugestões de antecipação das eleições presidenciais.
Nossa democracia segue em marcha.
Paulo Guedes
'Nada nos destruirá', diz Temer, subestimando poder de autocombustão
“Não há Plano B”, disse Michel Temer em solenidade no Planalto, nesta segunda-feira. É preciso reconhecer que o presidente tem razão. Se o que acontece no Brasil hoje significa alguma coisa, é a confirmação de que nunca houve um plano de contingência confiável ao fiasco de Dilma Rousseff.
O Plano A previa que Dilma nomearia Joaquim Levy para a Fazenda. Adotaria o programa de reformas econômicas defendido na campanha pelo rival Aécio Neves. O PIB voltaria a crescer. E ninguém prestaria atenção à roubalheira. Terminou em pantomima e impeachment.
O Plano B seria a reedição do Plano A, só que com o Henrique Meirelles no papel de neo-Levy e o PSDB de Aécio ocupando no palco posições que eram do PT. Sem os freios ideológicos de Dilma, Temer abraçou o receituário liberal sem culpa. O mercado estava adorando. Mas o presidente e seu PMDB esqueceram de maneirar.
Temer praticou, ele próprio, crime de corrupção passiva, acusa o procurador-geral da República Rodrigo Janot. Diante disso, o Plano C é… é… é… À medida que penetra o caos, o Brasil vai percebendo que também não há um Plano C. Fernando Henrique Cardoso tenta esboçar uma saída em cima da perna. Defende a renúncia do presidente e a convocação de eleições gerais. Ai, ai, ai…
À espera da denúncia em que a Procuradoria o tachará de corrupto, Temer proclamou nesta segunda-feira, rodeado de auxiliares investigados: “Nada nos destruirá. Nem a mim nem aos nossos ministros.” O inquilino do Planalto subestima o seu poder de autocombustão.
Temer finge não perceber. Mas seu governo foi reduzido a uma metáfora culinária. Tentou levantar o PIB, mantendo rebaixados os padrões morais da administração pública. E a receita desandou. A calda queimou. O presidente e o seu séquito de encrencados transformaram o pudim das reformas num vexame. Fizeram isso sozinhos, sem o auxílio de opositores.
O Plano A previa que Dilma nomearia Joaquim Levy para a Fazenda. Adotaria o programa de reformas econômicas defendido na campanha pelo rival Aécio Neves. O PIB voltaria a crescer. E ninguém prestaria atenção à roubalheira. Terminou em pantomima e impeachment.
O Plano B seria a reedição do Plano A, só que com o Henrique Meirelles no papel de neo-Levy e o PSDB de Aécio ocupando no palco posições que eram do PT. Sem os freios ideológicos de Dilma, Temer abraçou o receituário liberal sem culpa. O mercado estava adorando. Mas o presidente e seu PMDB esqueceram de maneirar.
Temer praticou, ele próprio, crime de corrupção passiva, acusa o procurador-geral da República Rodrigo Janot. Diante disso, o Plano C é… é… é… À medida que penetra o caos, o Brasil vai percebendo que também não há um Plano C. Fernando Henrique Cardoso tenta esboçar uma saída em cima da perna. Defende a renúncia do presidente e a convocação de eleições gerais. Ai, ai, ai…
À espera da denúncia em que a Procuradoria o tachará de corrupto, Temer proclamou nesta segunda-feira, rodeado de auxiliares investigados: “Nada nos destruirá. Nem a mim nem aos nossos ministros.” O inquilino do Planalto subestima o seu poder de autocombustão.
Temer finge não perceber. Mas seu governo foi reduzido a uma metáfora culinária. Tentou levantar o PIB, mantendo rebaixados os padrões morais da administração pública. E a receita desandou. A calda queimou. O presidente e o seu séquito de encrencados transformaram o pudim das reformas num vexame. Fizeram isso sozinhos, sem o auxílio de opositores.
Brasil foi dividido entre cinco grandes quadrilhas nas últimas duas décadas
Se você analisa as delações da JBS, as da Odebrecht e as das demais empreiteiras, a conclusão é mais ou menos a seguinte: a maior e mais perigosa, diferentemente do que diz o Joesley, era a quadrilha do PT. Era a mais estruturada, mais agressiva, mais eficiente e com planos de perpetuação no poder. Comandava a Petrobras, vários fundos de pensão e dividia o poder com as quadrilhas do PMDB nos bancos públicos. Sua maior aliada econômica foi a Odebrecht. O chefão supremo era o Lula. Palocci e Mantega, os operadores econômicos. Era o Comando Vermelho da política: pra se manter na presidência eram capazes de fazer o Diabo.
A segunda maior era a do PMDB da Câmara. Seus principais chefões eram Temer e Eduardo Cunha. Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima, Moreira Franco e Henrique Eduardo Alves eram os subchefes. Lúcio Funaro era o operador financeiro. Mandava no FI-FGTS, em diretorias da Caixa Econômica, em fundos de pensão e no ministério da Agricultura. Por causa do controle desse último órgão, tinha tanta influência na JBS. Era o ADA dos políticos — ou seja, mais entranhada nos esquemas do poder tradicional e mais disposta a acordos e partilhas.
A terceira era o PMDB do Senado. Seu chefão era Renan Calheiros. Seu guru e presidente honorário, José Sarney. Edison Lobão, Jader Barbalho e Eunício Oliveira eram outras figuras de proa. Mandava nas empresas da área de energia e tinha influência nos fundos de pensão e empreiteiras que atuavam no setor. Vivia às turras com a quadrilha do PMDB na Câmara, que era maior e mais organizada.
A quinta e última era o PSDB de Minas — ou, para ser mas preciso, o PSDB do Aécio. Era uma quadrilha paroquial, com raio de ação mais restrito, mas ainda assim mandava em Furnas e usava a Cemig como operadora de esquemas nacionais, como o consórcio da hidrelétrica do Rio Madeira.
Em torno dessas “big five” flutuavam bandos menores, mas nem por isso menos agressivos em sua rapinagem — como o PR, que dava as cartas no setor de Transportes, o PSD do Kassab, que influenciava ministérios poderosos como o das Cidades, o PP, que compartilhava a Petrobras com o PT, e o consórcio PRB-Igreja Universal, que tinha interesses na área de Esportes.
Havia também os bandos estritamente regionais, que atuavam com maior ou menor grau de independência em relação aos nacionais. O PMDB do Rio e seu inacreditável comandante Sérgio Cabral, por exemplo, chegaram a ser mais poderosos que os grupos nacionais. Fernando Pimentel comandava uma subquadrilha petista em Minas. O PT baiano também tinha voo próprio. Elas se diferenciam das quadrilhas tucanas que estavam apenas circunstancialmente restritas aos territórios que comandavam — mas sempre tiveram aspirações e influência nacionais.
Por fim, vinham parlamentares e outros políticos do Centrão, que eram negociados de maneira transacional no varejo: uma emenda aqui, um caixa 2 ali, uma secretaria acolá…
Digo tudo isso não para reduzir a importância do PT e o protagonismo do Lula nos crimes que foram cometidos contra o Brasil. Lula tem de ser preso e o PT tem que ser reduzido ao tamanho de um PSTU.
Mas ninguém pode dizer que é contra a corrupção se tolerar as quadrilhas do PMDB ou do PSDB em nome da “estabilidade”, “das reformas” ou de qualquer outra tábua de salvação que esses bandidos jogam para si mesmos.
E que ninguém superestime as rivalidades existentes entre esses cinco grandes grupos. Em nome da própria sobrevivência eles são capazes de qualquer tipo de acordo ou acomodação e farão de tudo para obstruir a Lava Jato.
Mas ninguém pode dizer que é contra a corrupção se tolerar as quadrilhas do PMDB ou do PSDB em nome da “estabilidade”, “das reformas” ou de qualquer outra tábua de salvação que esses bandidos jogam para si mesmos.
E que ninguém superestime as rivalidades existentes entre esses cinco grandes grupos. Em nome da própria sobrevivência eles são capazes de qualquer tipo de acordo ou acomodação e farão de tudo para obstruir a Lava Jato.
De carros a gado, o polêmico agronegócio da Volks na Amazônia
Uma fazenda-modelo para criar o "gado do futuro" e resolver parte do problema mundial da fome era o grande plano da montadora alemã Volkswagen em sua estratégia de ramificação de negócios no Brasil. Ao receber uma oferta do regime militar para participar do projeto de desenvolvimento da Amazônia, a empresa não perdeu a oportunidade de investir no agronegócio.
O projeto que, na década de 1970, parecia um ótimo investimento, com lucros garantidos, tornou-se, poucos anos, depois um pesadelo para o grupo alemão. Além de enfrentar acusações de ambientalistas sobre o desmatamento, a empresa se viu envolvida num escândalo sobre a exploração de trabalhadores em suas terras.
Acker acrescenta que, apesar de a montadora alemã não ser a única que desmatava a região, ela era o nome mais conhecido. "Por isso, o escândalo da Volkswagen foi uma oportunidade para que muitas associações, partidos políticos e ativistas chamassem a atenção internacional para a Amazônia", ressalta.
Apesar de tentativas de desenvolvimento da Amazônia ocorrerem desde o final do século 19, com os ciclos de exploração da borracha, somente após o golpe militar de 1964 foi posto em prática um plano extensivo para a ocupação e "modernização" da região.
Com o lema "integrar para não entregar", o regime militar fez do desenvolvimento da Amazônia uma de suas prioridades. Para isso criou a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), responsável por colocar em prática essas ideias e administrá-las, além de buscar investidores interessados em negócios na região.
Mesmo propagando o discurso de proteger a Amazônia para evitar sua internacionalização, os militares faziam vista grossa, e até promoviam, investimentos estrangeiros na região. Nesse contexto surgiu a fazenda-modelo da Volkswagen no sul do Pará.
Na época, duas versões sobre o pontapé inicial da iniciativa circularam. No Brasil, divulgava-se que a empresa alemã e principalmente seu presidente no Brasil, Wolfgang Sauer, faziam questão de cooperar com o projeto de colonização da Amazônia.
Na Alemanha, para conquistar o aval do conselho de administração, o presidente do grupo na época, Rudolf Leiding, alegou que o negócio foi um pedido do regime militar. Mesmo sem consultar o conselho, ele havia comprado parte do terreno onde seria a fazenda em 1973.
"Na reunião do conselho, a compra acabou sendo validada, pois já havia ocorrido. Como não conhecia muito bem a situação brasileira, o conselho simplesmente aprovou porque não sabia do que se tratava. Leiding tentou explicar que a Volkswagen teria muito lucro se investisse na Amazônia", disse Acker.
Nessa controvérsia surgiu a Companhia Vale do Rio Cristalino (CVRC) e, com ela, os planos da montadora de exportar o gado produzido no Brasil para Europa, Japão e Estados Unidos.
Em 1974, com o aval da Sudam, a Volkswagen deu início ao projeto para transformar o espaço de 140 mil hectares no sul do Pará numa fazenda-modelo. O primeiro passo foi desmatar a área para a criação do pasto. De acordo com a legislação da época, a empresa poderia botar abaixo as árvores em metade do território.
Os planos da Volkswagen eram ambiciosos. Na CVRC deveria ser criado o gado do futuro. Assim, a iniciativa mostraria que, com o uso de novas tecnologias, seria possível ter uma pecuária tão eficiente e lucrativa numa região de clima tropical como em climas temperados. O projeto tinha ainda intenções sociais. Leiding dizia que a fazenda forneceria proteína para nutrir a população do Terceiro Mundo, como na época eram conhecidos os países pobres.
Para isso, a montadora não economizou em tecnologia e pesquisa, investiu em estudos do solo e dos animais, monitorou pastagens e rebanho com um sistema computadorizado. Tudo parecia seguir o rigoroso padrão alemão de qualidade.
Porém, logo após as primeiras queimadas, ambientalistas começaram a denunciar a devastação promovida pela empresa e os impactos incalculáveis que o desmatamento poderia causar no clima global. Além disso, a Volks foi acusada iniciar a derrubada da floresta sem a autorização de todos os órgãos brasileiros responsáveis.
No final da década de 1970, essas denúncias chegaram à Alemanha e à Europa por meio de reportagens publicadas na imprensa internacional. O desmatamento causado pela Volkswagen no Brasil foi tema de debate no Bundestag e no Parlamento Europeu.
A montadora, no entanto, alegava que respeitava a legislação brasileira e derrubava somente o permitido, além de argumentar que usava os métodos utilizados por todos na região e que estava investindo no progresso do Brasil. As críticas dos ambientalistas, porém, estavam longe de ser as únicas enfrentadas pela empresa.
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O projeto que, na década de 1970, parecia um ótimo investimento, com lucros garantidos, tornou-se, poucos anos, depois um pesadelo para o grupo alemão. Além de enfrentar acusações de ambientalistas sobre o desmatamento, a empresa se viu envolvida num escândalo sobre a exploração de trabalhadores em suas terras.
Manchete, 1983 |
"Todas essas polêmicas que aconteceram na fazenda da montadora nos anos 1970 e 1980 ajudaram a construir a Amazônia como um espaço político nacional e internacional. A Volks acabou se tornando um símbolo da invasão da Amazônia por grandes empresários e grupos locais e estrangeiros", afirma o historiador Antoine Acker, cujo livro Volkswagen in the Amazon: The Tragedy of Global Development in Modern Brazil será lançado em julho.
Acker acrescenta que, apesar de a montadora alemã não ser a única que desmatava a região, ela era o nome mais conhecido. "Por isso, o escândalo da Volkswagen foi uma oportunidade para que muitas associações, partidos políticos e ativistas chamassem a atenção internacional para a Amazônia", ressalta.
Apesar de tentativas de desenvolvimento da Amazônia ocorrerem desde o final do século 19, com os ciclos de exploração da borracha, somente após o golpe militar de 1964 foi posto em prática um plano extensivo para a ocupação e "modernização" da região.
Com o lema "integrar para não entregar", o regime militar fez do desenvolvimento da Amazônia uma de suas prioridades. Para isso criou a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), responsável por colocar em prática essas ideias e administrá-las, além de buscar investidores interessados em negócios na região.
Mesmo propagando o discurso de proteger a Amazônia para evitar sua internacionalização, os militares faziam vista grossa, e até promoviam, investimentos estrangeiros na região. Nesse contexto surgiu a fazenda-modelo da Volkswagen no sul do Pará.
Na época, duas versões sobre o pontapé inicial da iniciativa circularam. No Brasil, divulgava-se que a empresa alemã e principalmente seu presidente no Brasil, Wolfgang Sauer, faziam questão de cooperar com o projeto de colonização da Amazônia.
Na Alemanha, para conquistar o aval do conselho de administração, o presidente do grupo na época, Rudolf Leiding, alegou que o negócio foi um pedido do regime militar. Mesmo sem consultar o conselho, ele havia comprado parte do terreno onde seria a fazenda em 1973.
"Na reunião do conselho, a compra acabou sendo validada, pois já havia ocorrido. Como não conhecia muito bem a situação brasileira, o conselho simplesmente aprovou porque não sabia do que se tratava. Leiding tentou explicar que a Volkswagen teria muito lucro se investisse na Amazônia", disse Acker.
Nessa controvérsia surgiu a Companhia Vale do Rio Cristalino (CVRC) e, com ela, os planos da montadora de exportar o gado produzido no Brasil para Europa, Japão e Estados Unidos.
Em 1974, com o aval da Sudam, a Volkswagen deu início ao projeto para transformar o espaço de 140 mil hectares no sul do Pará numa fazenda-modelo. O primeiro passo foi desmatar a área para a criação do pasto. De acordo com a legislação da época, a empresa poderia botar abaixo as árvores em metade do território.
Os planos da Volkswagen eram ambiciosos. Na CVRC deveria ser criado o gado do futuro. Assim, a iniciativa mostraria que, com o uso de novas tecnologias, seria possível ter uma pecuária tão eficiente e lucrativa numa região de clima tropical como em climas temperados. O projeto tinha ainda intenções sociais. Leiding dizia que a fazenda forneceria proteína para nutrir a população do Terceiro Mundo, como na época eram conhecidos os países pobres.
Para isso, a montadora não economizou em tecnologia e pesquisa, investiu em estudos do solo e dos animais, monitorou pastagens e rebanho com um sistema computadorizado. Tudo parecia seguir o rigoroso padrão alemão de qualidade.
Porém, logo após as primeiras queimadas, ambientalistas começaram a denunciar a devastação promovida pela empresa e os impactos incalculáveis que o desmatamento poderia causar no clima global. Além disso, a Volks foi acusada iniciar a derrubada da floresta sem a autorização de todos os órgãos brasileiros responsáveis.
No final da década de 1970, essas denúncias chegaram à Alemanha e à Europa por meio de reportagens publicadas na imprensa internacional. O desmatamento causado pela Volkswagen no Brasil foi tema de debate no Bundestag e no Parlamento Europeu.
A montadora, no entanto, alegava que respeitava a legislação brasileira e derrubava somente o permitido, além de argumentar que usava os métodos utilizados por todos na região e que estava investindo no progresso do Brasil. As críticas dos ambientalistas, porém, estavam longe de ser as únicas enfrentadas pela empresa.
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O azar é nosso
Aécio Neves é um homem de sorte. Como diria um velho amigo, "pega nada, titia". O ex-médico Abdelmassih também parece um homem de sorte. O sujeito que atropelou, de propósito, no domingo, 25, skatistas que comemoravam o dia mundial do Skate, nem ficará preso, diz o delegado que o ouviu nessa segunda.
Temer, então, nem se fala. Posa como homem de sucesso. Somam-se denúncias contra Temer e todos eles - e outros mais - e sobra hipocrisia no país da impunidade. Os denunciados pagam pouco, ou quase nada, à sociedade corrompida e aviltada.
Flagrado em conversa comprometedora, Aécio terá preservado seu mandato. O presidente do Conselho de Ética e Decoro do Senado não fez objeção ao dialogo suspeitíssimo em que Aécio pede dinheiro ao empresário investigado Joesley Batista.
Como agravante, Aécio ainda sugere que o montante solicitado a joesley fosse entregue "a um que a gente mate antes de fazer delação". Aécio responde a outros vários processos no Supremo Tribunal Federal. Um de seus seus casos parou nas mãos do ministro Gilmar Mendes, com quem tem uma relação amigável. A escolha do relator se dá por sorteio. Que sorte de Aécio!
Temer foi denunciado esta segunda pelo Procurador Rodrigo Janot, por corrupção. Mas (querendo parecer) alheio às questões que se acumulam na justiça contra ele, o presidente repete o discurso: está fazendo o melhor governo dos últimos tempos, e enaltece as reformas em andamento. Temer está nas gravações de Joesley, em encontro altamente duvidoso.
O ex-medico Abdelmassih, condenado a 278 anos de prisão, pelo estupro de 37 mulheres, acaba de ser agraciado - por uma juíza - com a permissão para cumprir a pena em casa. A indignação entre as vítimas é flagrante. Revolta que se deu quando a mulher de Sergio Cabral, Adriana Anselmo, recebeu a mesma regalia. Abdelmassih e Adriana são sortudos. E muito ricos.
O homem que atropelou, propositalmente, skatistas na rua Augusta, interditada para o transito, no Dia Mundial do Skate, se apresentou ontem pela manhã. Esse sujeito jogou seu carro contra os esportistas. Ainda assim, foi liberado pelo delegado assim que prestou depoimento.
Se exemplos não nos faltam, leis também não. São 181 mil normas federais. Ainda assim, há brechas para a impunidade ou abrandamento de penas. Tolerância legal num mundo de tantas intolerâncias.
Que o diga Fernanda (nome fictício), a mãe que roubou ovos de Páscoa e peito de frango de um supermercado, em 2015, e foi condenada a três anos e dois meses em regime fechado. Na prisão, em abril último, deu à luz seu quarto filho. Com ele, divide uma cela. E mais 12 detentas.
No discurso de segunda, Michel Temer garantiu que nada o destruirá nem ao seu governo. Nessa marcha da liberalidade legal e jurídica, que ninguém duvide de suas palavras. Sorte deles. Azar o nosso.
Temer, então, nem se fala. Posa como homem de sucesso. Somam-se denúncias contra Temer e todos eles - e outros mais - e sobra hipocrisia no país da impunidade. Os denunciados pagam pouco, ou quase nada, à sociedade corrompida e aviltada.
Flagrado em conversa comprometedora, Aécio terá preservado seu mandato. O presidente do Conselho de Ética e Decoro do Senado não fez objeção ao dialogo suspeitíssimo em que Aécio pede dinheiro ao empresário investigado Joesley Batista.
Temer foi denunciado esta segunda pelo Procurador Rodrigo Janot, por corrupção. Mas (querendo parecer) alheio às questões que se acumulam na justiça contra ele, o presidente repete o discurso: está fazendo o melhor governo dos últimos tempos, e enaltece as reformas em andamento. Temer está nas gravações de Joesley, em encontro altamente duvidoso.
O ex-medico Abdelmassih, condenado a 278 anos de prisão, pelo estupro de 37 mulheres, acaba de ser agraciado - por uma juíza - com a permissão para cumprir a pena em casa. A indignação entre as vítimas é flagrante. Revolta que se deu quando a mulher de Sergio Cabral, Adriana Anselmo, recebeu a mesma regalia. Abdelmassih e Adriana são sortudos. E muito ricos.
O homem que atropelou, propositalmente, skatistas na rua Augusta, interditada para o transito, no Dia Mundial do Skate, se apresentou ontem pela manhã. Esse sujeito jogou seu carro contra os esportistas. Ainda assim, foi liberado pelo delegado assim que prestou depoimento.
Se exemplos não nos faltam, leis também não. São 181 mil normas federais. Ainda assim, há brechas para a impunidade ou abrandamento de penas. Tolerância legal num mundo de tantas intolerâncias.
Que o diga Fernanda (nome fictício), a mãe que roubou ovos de Páscoa e peito de frango de um supermercado, em 2015, e foi condenada a três anos e dois meses em regime fechado. Na prisão, em abril último, deu à luz seu quarto filho. Com ele, divide uma cela. E mais 12 detentas.
No discurso de segunda, Michel Temer garantiu que nada o destruirá nem ao seu governo. Nessa marcha da liberalidade legal e jurídica, que ninguém duvide de suas palavras. Sorte deles. Azar o nosso.
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