sexta-feira, 30 de junho de 2023

Pensamento do Dia


 

Quanto Bolsonaro vale como cabo eleitoral?

Jair Bolsonaro será um bom cabo eleitoral? O PL pensa que sim. O partido já faz contas e espera que o ex-presidente prestes a tornar-se inelegível o ajude a eleger 1,5 mil prefeitos em 2024, quintuplicando o número de alcaides da legenda. Mas será que esse cálculo tem base ou é só um desejo meio delirante?

Quando o futuro é opaco, consultar o passado é um bom ponto de partida para as estimativas. E, a julgar pelo passado, Bolsonaro foi uma figura decisiva nas eleições de 2022 —ele conseguiu transformar um poste pessoal no governador de São Paulo—, mas teve um desempenho pífio como cabo eleitoral no pleito municipal de 2020. Na ocasião, o então presidente emprestou seu apoio a 13 candidatos a prefeito e a 45 a vereador. Desses todos, apenas 13 se elegeram, sendo só dois prefeitos, os de Parnaíba (PI) e Ipatinga (MG), que não são exatamente megalópoles.


É possível empilhar várias hipóteses para o fracasso. A que me parece mais convincente é que as eleições municipais são dissociadas daquelas para postos federais e estaduais. Pelo menos foi essa a explicação que o próprio Bolsonaro usou na ocasião. E eu concordo com ela.

Mesmo a força do bolsonarismo no pleito de 2022, que é inegável, merece uma análise mais detida. Penso que o ex-presidente perdeu a reeleição principalmente porque suas atitudes repeliram o eleitor moderado. É na faixa dos eleitores de direita não tão moderados que ele permanece influente. É só ver que figuras muito identificadas com seu governo, como o astronauta e a Damares, ganharam fácil assentos no Senado e ex-bolsonaristas que romperam com o chefe só colheram insucesso nas urnas, casos de Weintraub, Hasselmann e Frota.

A minha impressão é que Bolsonaro, com muito menos microfones do que tinha quando ocupava a Presidência, será relevante para definir quem no campo da direita terá um bom desempenho, mas dificilmente será um "king maker", um fazedor de reis.

Comedores de batatas

Que quadro impressionante é o Comedores de Batatas, de van Gogh. Usando uma paleta de cores escuras como preto, marrom e ocre, retratou uma cena do cotidiano camponês medieval, com sua miséria, escassez, falta de recursos. A mesa rústica, a chama trêmula de um lampião que ilumina as faces de crianças rudes, sôfregas, interrogativas. As mãos grosseiras da mulher partindo os pedaços. Escreveu o artista em carta ao seu irmão Théo que se aplicara conscientemente em dar a ideia de que essas pessoas que comem as batatas com as mãos, também lavraram a terra. Que o trabalho manual, árduo, trouxe-lhes a nutrição honesta. E assim, entre goles de café nas canecas e bocados de massa, a luta se desenvolve, sofrida e fraterna.
Raquel Naveira, "Leque Aberto"

A intentona golpista e os kids preto

É profundamente lamentável e, até mesmo inacreditável, que após quase quarenta anos do fim da ditadura militar, quando a sociedade brasileira, cansada de tantos arbítrios, truculências e corrupção, manifestou-se de forma veemente exigindo a redemocratização do País, as Forças Armadas voltem a se envolver na tentativa de um golpe contra o Estado Democrático de Direito.

Recentes reportagens investigativas publicadas pela Revista Piauí, aliadas aos dados que estão vindo ao conhecimento público pelos inquéritos que estão em curso na Polícia Federal, escancaram a participação de uma enorme parcela de militares, especialmente do Exército, na intentona golpista que culminou no fatídico 8 de janeiro. Sem dúvida, esse lastimável “evento disparador”, tão almejado e incentivado, jamais teria ocorrido sem a omissão, complacência e apoio dos militares. E todos sabiam que o objetivo desses criminosos era causar uma comoção social e pressionar as Forças Armadas a promover a intervenção militar, agindo contra a ordem constitucional e a democracia.

A reportagem da Revista Piauí afirma que a análise dos vídeos dos atos golpistas de 8 de janeiro demonstra ações próprias de pessoas que tiveram treinamento militar. As imagens demonstram ações coordenadas, com emprego de tática militar, de planejamento e de artefatos bélicos de uso exclusivo das FFAA. Quando chegaram à Praça dos Três Poderes, por exemplo, os golpistas dividiram-se em três grupos: um deles dirigiu-se para o Congresso, outro ao STF e um terceiro para o Palácio do Planalto, o que evidencia planejamento, uma vez que a tendência natural de uma multidão é caminhar unida, numa única direção.


Na realidade, a conspirata golpista foi gestada, em profundo desrespeito à soberania do voto popular e à democracia, desde o momento em que a Justiça Eleitoral declarou a vitória do presidente Lula. O ex-presidente e significativa parcela da cúpula das Forças Armadas, sem nenhuma prova ou evidência, passaram a questionar o resultado da eleição, notadamente o uso das urnas eletrônicas, assim como a atuação das autoridades da Justiça Eleitoral, numa atitude de “eleição boa é eleição a favor”. É dizer, o resultado só seria bom e correto se proclamasse a reeleição de Bolsonaro.

Incentivados por essas posturas, centenas de manifestantes indignados pela derrota de Bolsonaro, passaram a clamar por um golpe militar nas frentes dos quartéis. A concentração maior ocorreu em frente ao Quartel General do Exército em Brasília, área de segurança vedada a esse tipo de manifestação, de onde partiram as hordas que praticaram os atos terroristas – tentativa de explosão de carro com combustível nas proximidades do aeroporto de Brasília e depredações e tentativa de invasão da sede da Polícia Federal, quando foram incendiados 5 ônibus, 3 carros particulares e até uma viatura do Corpo de Bombeiros.

Esses manifestantes golpistas foram, sem dúvida, defendidos e incentivados pelos militares do Exército, que até mesmo impediram, antes da intentona golpista de 8 de janeiro, a atuação da Polícia Militar do Distrito Federal para dispersar os manifestantes alojados em frente ao Quartel General do Exército.

Isso não significa que a Polícia Militar do DF, em grande parte sabidamente bolsonarista, não tenha sido preliminarmente conivente com a intentona golpista de 8 de janeiro, ao facilitar o avanço dos manifestantes sobre as sedes dos Três Poderes da República.

Mesmo após os atos de vandalismo praticados em 8 de janeiro de 2023, quando ocorreram as depredações das sedes dos Três Poderes da República, os militares continuaram a defender os golpistas bolsonaristas. Tanto é que, na noite desses lamentáveis atos, já sob a intervenção do Governo Federal, as forças de segurança do Distrito Federal planejaram a prisão em massa de todos os envolvidos.

Nessa ocasião, por ordem do então Comandante do Exército, general Júlio Cesar Arruda, a PMDF foi impedida de acessar a área onde os golpistas foram concentrados, sendo confrontados por forças militares do Exército, até com o uso de tanques. Ao final das negociações, que envolveram o Comandante e três ministros do governo recém assumido – Flávio Dino, da Justiça; José Múcio Monteiro Filho, da Defesa; e Rui Costa, chefe da Casa Civil – ficou acordado que as prisões seriam efetivadas somente na manhã do dia seguinte. Tempo suficiente para que militares e seus parentes fossem avisados e fugissem do local...

Depois dos dados obtidos no celular do coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordem de Bolsonaro, não restam dúvidas de que o golpe foi detalhadamente planejado com a participação de militares de alta patente, da ativa e da reserva, a maioria deles do grupo dos chamados kids pretos, a força especial do Exército. De fato, tão logo chegou ao poder, Bolsonaro cercou-se dos kids pretos – única força que ele dizia confiar plenamente. Em sua gestão, Bolsonaro convocou pelo menos 26 kids pretos, entre eles o general Braga Netto, o general Luiz Eduardo Ramos, o tenente-coronel Mauro Cid, o general Eduardo Pazuello e o coronel Élcio Franco Filho.

A sorte é que, com as investigações e com os depoimentos nas CPIs, agora sabemos que os militares bolsonaristas são todos covardes: todos se apresentam como defensores da democracia e da ordem constitucional.

Mentem descaradamente sobre tudo. Mas, também sabemos que o golpe não se consumou, conforme a vontade de Bolsonaro e de muitos outros, porque boa parte do alto comando do Exército não demonstrou disposição para envolver-se numa aventura golpista de futuro incerto.

A verdade é que muitos brasileiros que lutaram pela redemocratização do país estão insatisfeitos com os resultados alcançados, especialmente com a atual desqualificada classe política. Mas isso não implica e nem se justifica que se queira derrubar a democracia. Ao contrário, todos devem continuar a luta pelo aperfeiçoamento da democracia, o que passa pela elevação da consciência da enorme parcela da sociedade que está excluída, social, econômica e politicamente, sobre a relevância da organização e participação popular.

O momento é propício para se corrigir equívocos do passado, promovendo-se uma profunda reformulação das Forças Armadas, mediante mudanças constitucionais que explicitem claramente a missão delas no Estado Democrático de Direito, de forma a evitar futuros eventos semelhantes aos ocorridos no passado recente.

Enquanto os militares não entenderem que não são um “poder moderador” não passaremos de uma “república de bananas”.

Os estrategas da glória

Os cultores da estratégia da glória
conduzem-se com pouca elegância,
mesmo sendo a glória ilusória
e só irrelevante extravagância.

Os famintos dela portam-se mal,
atropelando belas amizades,
ou liquidando-as com um punhal,
assim perdendo algumas virgindades!

O caçador de glória perde o tino,
para agradar a gregos e troianos.
Se necessário, faz mesmo o pino

e outros afincos euclideanos.
Caçar a glória exige ganância
e deselegante beligerância.

Eugénio Lisboa

A levar em conta o que ele fez, só cassar Bolsonaro por 8 anos é pouco

Abuso de poder político? Mas, como? Só porque ele recepcionou um grupo de embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, onde morava, e a televisão estatal transmitiu o evento ao vivo?

Ataques à democracia? Só porque ele sugeriu “aperfeiçoar” o processo eleitoral? A reunião com os embaixadores foi para uma troca de ideias. Ele ofereceu as suas, os embaixadores calaram.

É por isso que Bolsonaro só vê um resultado justo para seu julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral: a absolvição. A cassação dos seus direitos políticos seria um crime.


Não será hoje que Bolsonaro conhecerá o veredito do tribunal. O ministro relator do caso, Benedito Gonçalves, leu um resumo do seu voto de mais de 400 páginas a favor da condenação.

Bolsonaro se tornará inelegível, não podendo disputar eleições até 2030. E ficará à espera da conclusão de outros 15 processos a que responde no tribunal, o que poderá agravar sua pena.

Quando Bolsonaro se reuniu com os embaixadores em 22 de julho de 2022, o Congresso já rejeitara a proposta de restabelecer o voto impresso. Isso, porém, não o impediu de seguir em frente.

O voto impresso que Bolsonaro dizia querer de volta foi pretexto para que ele pusesse em dúvida a segurança das urnas eletrônicas e do processo eleitoral. Desacreditou-o o quanto pôde.

Ele diz que a cassação dos seus direitos políticos será “péssima” para a democracia. É justamente o contrário: ela será ótima para a democracia que ele tanto se empenhou em matar.

A cassação do único presidente que não conseguiu se reeleger servirá como uma espécie de linha riscada no chão a sinalizar: daqui não se passa. Quem tentar passar será punido.

Democracia que não se defende acaba um dia. Cláusula pétrea é um dispositivo constitucional que não pode ser alterado nem pela via de emenda à Constituição. A democracia é cláusula pétrea.

Órfão da tortura e da ditadura, Bolsonaro nunca disfarçou seu propósito de destruir a democracia e implantar no país um regime autoritário sob seu comando e amparado pelos militares.

Não conseguiu por pouco. No final de agosto de 2022, reunidos em Brasília, os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica decidiram apoiar o golpe que seria dado em 7 de setembro.

A cidade estava entupida de bolsonaristas de todo o país. Na Esplanada dos Ministérios, só seriam admitidos os que se submetessem à revista. Era proibido, ali, o acesso de veículos.

Antes da meia-noite do dia 6, as barreiras foram removidas e teve início a invasão de pedestres, de ônibus e de caminhões. O governador do Distrito Federal parou de atender ligações.

Grande parte dos ministros do Supremo Tribunal Federal estava fora da cidade. Luiz Fux, presidente do tribunal, foi para seu gabinete de trabalho e disparou ligações para chefes militares.

Se eles não suspendessem o golpe em curso, Fux poria a boca no trombone a denunciar o que ocorria. Os militares recuaram com medo do fracasso e do estrago em sua imagem.

Com a derrota de Bolsonaro em outubro, tramou-se outro golpe para evitar a posse de Lula. Na noite de 12 de dezembro, acampados à porta do QG do Exército visitaram Bolsonaro.

E do Palácio da Alvorada saíram para apedrejar o prédio da Polícia Federal, tocar fogo em ônibus e carros e tocar terror na região central de Brasília. A Polícia Militar limitou-se a assistir.

No dia 19 de setembro, uma voz do Supremo aconselhou Bolsonaro a viajar ao exterior, de vez que o Estado Maior do Exército estava dividido quanto ao eventual sucesso de um golpe.

Uma vez que não reconheceu a vitória de Lula e que decidiu não lhe transferir a faixa presidencial, Bolsonaro embarcou no dia 30 para Miami. De lá, assistiu à tentativa de golpe em 8 de janeiro.

Pelo conjunto da sua obra, para que nada parecido com o que se viu volte a repetir-se, Bolsonaro merece muito mais do que apenas tornar-se inelegível. Merece ser preso.