quinta-feira, 29 de julho de 2021

Pensamento do Dia

 


A habitação não é um mercado; é um direito!

A situação da habitação nas principais áreas urbanas do País não é menos do que dramática!

Custos crescentes para a compra ou o arrendamento e a expulsão especulativa da população nos principais centros urbanos, a par de uma frequente precariedade ou mesmo clandestinidade (ou informalidade, se quiserem) dos vínculos contratuais, agravaram brutalmente a dificuldade no acesso à habitação. Na Grande Lisboa, o mercado de construção de novas casas praticamente não gera habitação a preços acessíveis às classes intermédias; só se constrói gama alta.

Os resultados estão aí. Regresso em força da construção clandestina (e do florescente negócio ilegal associado); sobrelotação das habitações; cada vez mais famílias, imigrantes, idosos sujeitos a soluções precárias, a morar em partes de casa e a acentuada exploração.

A procura de habitação pública junto dos municípios e organismos do Estado deixou de ter origem predominante no estrato populacional elegível para a chamada habitação social e passou a ter dezenas de milhares de famílias que, até aqui, garantiam pelos seus meios a habitação e agora não conseguem.

A habitação deixou há muito de ser tratada, pelas políticas públicas, como um direito cuja concretização, como a saúde ou a educação, também tem de ter uma resposta do Estado. Foi remetida para a condição de ativo de mercado para bancos, fundos, investidores ou promotores imobiliários. É sintomático que depois do PER, na década de 1990, o único investimento financeiro relevante do Estado na habitação tenha sido o crédito bonificado.

Três décadas depois, anunciam-se verbas robustas do Plano de Recuperação e Resiliência para esta área. É positivo, mas já não vai chegar para as necessidades.


A política pública de habitação não pode estar refém, para que haja investimento, da existência de verbas europeias. Ela tem de ter, no Orçamento do Estado, as verbas adequadas às exigências da sociedade. Tem de incluir a regulação da especulação imobiliária, que, além de negar habitação a quem dela precisa, vai descaracterizando muitos territórios urbanos. Tem de alterar de imediato a Lei dos Despejos (também conhecida como do arrendamento), que continua a fazer vítimas nas principais cidades. E regulamentar devidamente a nova Lei de Bases.

A política de habitação de que precisamos no País exige mais habitação pública, muito para além da resposta à habitação social (que também precisamos de aumentar). Tem de garantir que as classes intermédias, os idosos, as pessoas com deficiência ou os jovens tenham acesso à habitação. Enquanto, em Portugal, apenas 2% do parque habitacional é público, noutros países europeus esse valor chega a 30 por cento. Mais habitação pública terá, além do mais, um importante efeito regulador no mercado, tornando-o também mais acessível.

A política de habitação tem de cuidar da qualidade das casas. O conforto térmico é, por exemplo, uma questão essencial num tempo em que se prenunciam mais frequentes vagas de calor. A habitação pública não pode continuar a ser de medíocre qualidade.

A política de habitação não pode estar entregue quase só aos municípios, porque a desresponsabilização da administração central reduz a resposta à emergência que se vive.

A habitação é mais do que a casa. É o seu entorno, os espaços públicos, equipamentos e acessibilidades que o servem. Isso também é política de habitação.

Se queremos garantir verdadeiramente o direito à habitação, ela não pode continuar a ser predominantemente um negócio. Este direito tem de ser assegurado por políticas públicas com alto grau de prioridade, incluindo orçamental. Tem de ser não só habitação social, mas habitação para todos. Tem de ser uma casa, mas também um ambiente urbano saudável. Tem de travar a especulação e os despejos arbitrários.

A política de habitação não pode ser um fogacho a cada 30 anos. Tem de ser constante! Porque a habitação é um dos mais básicos direitos. E o nosso povo está longe de ter esse direito assegurado.

O bazar de Bolsonaro

O presidente Jair Bolsonaro pode ser ignorante em muitas coisas, mas sabe fazer contas à moda dele. Na aritmética bolsonarista, dois mais dois sempre são mais que quatro, conforme o desejo de sua freguesia no Congresso – de cuja fidelidade o presidente depende para sobreviver no cargo.

Foi com base na matemática do fisiologismo que Bolsonaro calculou em R$ 4 bilhões o valor do fundo eleitoral, que distribui recursos públicos para financiar campanhas. É mais ou menos o dobro do que foi destinado para a eleição municipal de 2020 – e um pouco inferior ao que foi bloqueado e cortado no orçamento da Educação deste ano.


Bolsonaro não chegou a esse valor sozinho, é claro. Teve ajuda dos líderes políticos e de partidos que cobram cada vez mais caro para participar da base aliada e defender seu impopular governo.

Como se sabe, o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 encaminhado pelo governo ao Congresso, e aprovado no dia 15 passado, estabelece que o valor do fundo eleitoral seja equivalente a 25% da soma dos orçamentos da Justiça Eleitoral de 2021 e 2022. Técnicos da Câmara calcularam que isso dá em torno de R$ 5,7 bilhões, quase o triplo do fundo eleitoral de 2020.

Os governistas poderiam ter impedido que essa aberração prosperasse, mas escolheram nada fazer. Assim que a aprovação do aumento do fundo eleitoral tornou-se pública, causando justificada indignação, o presidente Bolsonaro, como já se tornou praxe, tratou de tentar se livrar da responsabilidade. Acusou o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos, que presidiu a sessão que votou a LDO, de impedir que o aumento do fundo fosse derrubado. O exame do que aconteceu naquela sessão, contudo, mostra que o deputado Ramos apenas seguiu o regimento, enquanto os governistas colaboravam decisivamente para a aprovação.

Para efeito da encenação dos bolsonaristas e de seus associados, nada disso importa. Bolsonaro prometeu vetar o aumento do fundo: “Seis bilhões para fundo eleitoral? Pelo amor de Deus!”, disse o presidente, com fingida indignação.

Passadas duas semanas, Bolsonaro trocou a indignação pela resignação – esta, tão falsa quanto aquela. Informou a seus aduladores no cercadinho do Alvorada que não vetará os R$ 5,7 bilhões, mas apenas “o excesso do que a lei garante”. Segundo Bolsonaro, “a lei (prevê) quase R$ 4 bilhões” e “o extra de R$ 2 bilhões vai ser vetado”. O presidente disse que não pode “vetar o que está na lei”, porque, se o fizer, estará “incurso em crime de responsabilidade”.

Em entrevista à Rádio Itatiaia, Bolsonaro voltou a falar na tal “lei”, provavelmente referindo-se à Lei 13.487, que instituiu o fundo eleitoral. “Diz na lei que a cada eleição o valor tem que ser corrigido levando-se em conta a inflação. Então, eu tenho que cumprir a lei”, disse o presidente. Não há nada disso na lei.

Supondo-se que houvesse obrigação legal de reajustar o fundo eleitoral pela inflação, contudo, o valor jamais chegaria aos tais R$ 4 bilhões anunciados pelo presidente. Se aplicados os índices inflacionários previstos na LDO encaminhada pelo seu próprio governo, e não o peculiar cálculo do presidente, o fundo teria de ser reajustado para R$ 2,197 bilhões.

Portanto, nem as vírgulas do discurso do presidente são verdadeiras, como já não eram verdadeiras no palavrório de Bolsonaro ao informar em 2019 que também não poderia vetar o aumento do fundo eleitoral naquela ocasião porque, ora vejam, corria o risco de sofrer impeachment por crime de responsabilidade.

É evidente, conforme declarou o deputado Marcelo Ramos, que Bolsonaro faz apenas “jogo de cena”, posando de presidente zeloso com o dinheiro público enquanto avaliza, na prática, a duplicação do fundo eleitoral, para alegria dos congressistas. Não se sabe exatamente que instrumento legal o presidente usará para aprovar o fundo eleitoral de R$ 4 bilhões, mas criatividade é o que não falta entre os oportunistas.

Em se tratando de um fundo eleitoral que nem deveria existir, qualquer centavo é imoral. Mas os tempos não são exatamente virtuosos. No bazar presidencial, está tudo a preço de ocasião.

O pacto com o Centrão

O presidente Jair Bolsonaro confirmou, na manhã de ontem, depois de duas horas e meia de conversa, a indicação do senador Ciro Nogueira (PI), presidente doPP, para o estratégico cargo de ministro-chefe da Casa Civil do Palácio do Planalto. Entre suas tarefas, estão a coordenação dos principais programas do governo, a participação nas decisões sobre remanejamento de verbas do Orçamento, a construção de alianças regionais e a articulação com o Congresso Nacional, na qual terá dois objetivos prioritárias: domar a CPI da Covid no Senado, em que os governistas estão em minoria, e articular a aprovação do voto impresso na Câmara. São duas missões quase impossíveis, a esta altura do campeonato.

O repertório de mudanças bem-sucedidas no Palácio do Planalto, em momentos de apuros, não é pequeno. Entretanto, também houve fracassos. Um deles ocorreu no governo Collor, quando o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, assumiu a recém-criada Secretaria de Governo. Collor tentara manter seu governo afastado do jogo político-partidário e, por meio de medidas provisórias, viabilizar seu programa. Entretanto, no início de 1992, o recrudescimento da inflação, o crescimento do desemprego e as denúncias envolvendo membros do governo levaram-no a buscar uma base parlamentar que lhe assegurasse apoio.

Havia duas hipóteses: ceder alguns postos ao PSDB, que fracassou; ou trazer para o governo o PDS (atual PP), o PTB e o PL, a solução adotada. Entretanto, Pedro Collor, irmão do presidente, denunciou a existência de vasto esquema de corrupção no interior do governo, que teria sido montado por Paulo César Farias, o PC, ex-tesoureiro de sua campanha presidencial. Em consequência, uma CPI no Congresso começou a investigar o governo. Na ocasião, Bornhausen afirmou: “As CPIs nunca deram em nada”. No final de agosto, porém, aconselhou Collor a renunciar ao mandato. O resto da história todos já sabem.


Outro fracasso foi a indicação de Michel Temer, vice-presidente da República, como articulador político do governo, após a vitória do deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) na disputa pela Presidência da Câmara, contra o petista Arlindo Chinaglia (SP), candidato da presidente Dilma Rousseff, que interferiu na eleição e foi derrotada. Temer assumiu em 7 de abril de 2015, após as manifestações ocorridas no mês anterior, quando milhares de pessoas foram às ruas pedir o impeachment de Dilma. As funções da Secretaria de Relações Institucionais passaram à alçada da Vice-Presidência. Temer procurou acalmar os ânimos, porém, quatro meses depois, deixou a articulação, alegando ter sofrido boicote em seu trabalho. Ainda se reuniu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e lideranças do PMDB, na tentativa de aproximar o partido do governo.

Dilma fizera uma reforma ministerial em 5 de outubro, cortando oito da 39 pastas e ampliando o espaço do PMDB, que passou de seis para sete ministérios, incluindo a pasta da Saúde; Ciência, Tecnologia e Inovação; dos Portos; Agricultura; Minas e Energia; Turismo e Secretaria de Aviação Civil já eram controlados pelo PMDB. Entretanto, em 2 de dezembro, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) acatou um dos pedidos de abertura do processo de impeachment de Dilma. Dias depois, Eliseu Padilha deixou o governo e, em seguida, Michael Temer enviou carta à presidente da República na qual afirmou: “Passei os quatro anos de governo como vice decorativo… Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas”. O desfecho da crise todos também conhecem.

O presidente Bolsonaro não vai matar a fome de elefantes com alface. Tudo bem que o PP seja o antigo PDS, originário da Arena, o partido do regime militar, mas o Centrão tem outras legendas gulosas. A repactuação do “sistema de poder” entre os militares, as oligarquias nordestinas, as igrejas evangélicas e setores empresariais que apoiam o governo, sobretudo do agronegócio, depende de três variáveis: uma redistribuição de cargos na Esplanada, principalmente nos ministérios “capilarizados”; a retomada do crescimento econômico e um horizonte eleitoral nos estados no qual Bolsonaro consiga resgatar sua expectativa de poder nas eleições de 2022.

Cadê a nossa liberdade?

Todo autocrata enche a boca para falar de liberdade. O autocrata brasileiro chama juiz de imbecil e pedófilo em nome da liberdade; ameaça fechar tribunal e encher boca de jornalista de porrada em nome da liberdade; aponta fraude sem provas nas eleições que venceu e impõe condições às próximas em nome da liberdade; sugere a você morrer asfixiado em nome da sua liberdade “post mortem”. “Ela não é dissociada do oxigênio que respiramos”, já disse.

Quando Bolsonaro perguntou esses dias “cadê nossa liberdade?”, ele se referia à liberdade de divulgar notícia falsa. Afinal, se o gabinete do ódio, que chama de “gabinete da liberdade”, sofre tímidas restrições de plataformas privadas para desinformar sobre a pandemia e manipular nossas emoções políticas, restava só ensaiar uma canetada contra as redes.

A liberdade econômica, princesa de Paulo Guedes, encontra seus limites no fígado de Bolsonaro e no bolso do centrão. E vice-versa. Serve para uma Havan, não para qualquer Facebook.

Apesar da insistência dos profetas da democracia “risco zero”, que tentam nos tranquilizar e recalibram seus detectores de “instituições funcionando” para que os gritos das ruas e os sussurros dos generais sejam ignorados, o Brasil lidera a terceira onda de autocratização no mundo. Assim concluiu o relatório “Autocratização se torna viral”, produzido pelo centro de pesquisa V-Dem (Varieties of Democracy).


Esse processo segue passos meio padronizados: governos atacam a mídia, a ciência e a sociedade civil; constroem inimigos por discurso de ódio e desinformação, reprimem a divergência e atiçam a incivilidade; aos poucos, vão eviscerando a capacidade estatal de fiscalizar o poder e responsabilizar infratores.

Alimentam desconfiança no voto e terminam pela transformação constitucional do país. Não deixam de realizar eleições, mas combatem as pré-condições de eleições livres e justas. Aos poucos a democracia eleitoral dá lugar à chamada autocracia eleitoral, ou autoritarismo competitivo. Isso se um golpe à antiga não encerrar o processo antes, mas tem sido recurso ultrapassado e dispensável.

Para dimensionar a corrosão do espaço cívico com menos abstração ou impressionismo, vale olhar para o conjunto de casos de agressão ou inviabilização arbitrária das liberdades. O repertório tático de um governo autoritário conjuga asfixia financeira, estigmatização e intimidação pública e privada e, se preciso for, repressão. Tudo isso por meios mais ou menos explícitos, mais ou menos formais.

No campo da liberdade de expressão, o relatório da organização Artigo 19 sobre 2019-2020 descreve como e por que, no espaço de poucos anos, o Brasil foi de país “aberto” para país “restrito”. Estudos assim, contudo, não conseguem mensurar o quanto práticas de intimidação e o acosso jurídico de alvos específicos, ao despertarem medo pelo exemplo, desencadeiam um cala-boca geral.

O índice mundial de liberdade de imprensa, calculado pela organização Repórteres Sem Fronteiras, mostra que o país declinou e ingressou na categoria vermelha, classificada como “difícil”, a segunda pior numa escala de cinco.

A liberdade científica e acadêmica segue o mesmo padrão. No índice global de liberdade acadêmica, construído pelos centros V-Dem e Global Public Policy Institute, o Brasil caiu para categoria C numa escala de A a D. Na América Latina, estamos melhor que a Venezuela, pior que todos os outros. Se você acha que o colapso digital do CNPq, nesta semana, tem a ver com isso, você acertou.

Não temos ainda um índice de liberdade artística para oferecer. Mas quem acompanha a vida cultural do país sabe a gravidade do momento: exposição de fotos sobre a construção democrática do país, em Juiz de Fora, foi suspensa porque o juiz viu nela “engenhos de publicidade”; secretaria de cultura inviabiliza apoio ao Festival de Jazz do Capão, com parecer extravagante que define a finalidade da música (“glória de Deus e a renovação da alma”).

Se quiser discutir liberdade de informação, acompanhe a redução da transparência oficial e as novas práticas de sigilo, acompanhadas pela máquina de desinformação. Se quiser falar de liberdade religiosa, olhe não apenas para os numerosos ataques de intolerância, mas ao centrão teocrático em Brasília.

Cadê nossa liberdade? Está aí. Vai reclamar?