terça-feira, 13 de setembro de 2016

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Meio sérculo perdido?

Muitos de vocês ainda se lembram da “década perdida” vivida pelo Brasil nos anos 80 e que, na verdade, se prolongou até o início dos anos 90, quando o plano real conseguiu colocar o país no caminho do desenvolvimento sustentável.

Foram anos muito difíceis, caracterizados por inflação elevada, variação negativa do produto interno bruto, aumento do endividamento do governo e da população, paralisação do setor produtivo como um todo e escassez de crédito.

As grandes recessões, de uma forma geral, se iniciam com crises internacionais. Entretanto, elas se agravam quando o país não está preparado para enfrentá-las, algumas vezes sem o devido o lastro financeiro e outras, pela adoção de medidas equivocadas, como aconteceu nos últimos anos, quando fomos atingidos por um intervencionismo exagerado, que acabou impedindo o crescimento da economia, diminuindo a produção, aumentando o déficit público, e gerando uma grave crise na oferta do emprego.

Mesmo que o ajuste fiscal venha a ser aprovado nas condições necessárias para a retomada do desenvolvimento, levaremos anos para atingir um patamar razoável numa economia que ainda é a nona do planeta.

Mais de 95% de nossas empresas se inserem na categoria das MPE (micro e pequenas) que, para incrementarem a sua competitividade, precisam ser inseridas no fluxo de comércio internacional. Entretanto, esbarramos em dois problemas: um excessivo protecionismo e um desempenho relativamente baixo no índice de inovação das empresas, determinante para o aumento dessa competitividade.

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Adicionalmente, a situação mudou nos últimos 40 anos e a educação, ao lado da economia, da infraestrutura e da capacidade inovadora, passou a ser uma das causas principais do retrocesso no desenvolvimento de um país.

Hoje há um visível descompasso entre a oferta e a demanda da mão de obra, fruto, em parte, da histórica incapacidade de equacionarmos e solucionarmos os problemas da educação, em todos os níveis.

O desenvolvimento dependerá, inexoravelmente, de quadros técnicos suficientemente bem preparados para atender às crescentes necessidades do setor produtivo.

Recentemente, o MEC divulgou os resultados do IDEB (Índice do Desenvolvimento da Educação Básica) de 2015, e eles são decepcionantes, pois, pelo “andar da carruagem” (como dizia a minha avó), não atingiremos as metas programadas, por nós mesmos, nos prazos esperados.

O IDEB mede o desempenho e as taxas de aprovação dos alunos das redes pública (todos) e privada (por amostragem) nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática. Embora nas cinco primeiras séries do ensino fundamental tenha ocorrido algum avanço, verifica-se que, nas séries seguintes (da 6ª a 9ª) e no ensino médio, os resultados foram muito ruins.

No caso do ensino médio, precisaremos de décadas para alcançar a meta programada para 2021 (5,2, mas é provável que não passemos de 3,9). O fato é que os estudantes já trazem muitas deficiências, que se acumulam ao longo dos anos cursados.

Além disso, ainda insistimos numa estrutura curricular pesada, com muitas disciplinas, sem levarmos em conta as peculiaridades e vocações das regiões, das escolas, e dos estudantes.

Nossos professores não são valorizados, tanto na carreira, como na remuneração.

Os cursos de licenciatura também necessitam de mudanças urgentes, adaptando-os às novas concepções de estruturas curriculares, centradas em novos processos ensino-aprendizagem, na formação transdisciplinar e no uso das novas tecnologias de informação.

O Ministério da Educação, que considerou a situação vergonhosa, já anunciou alterações positivas para o ensino médio, que pretende, mesmo que por meio de uma medida provisória, implantar. Sem as mudanças, o país correrá o risco de ver meio século perdido.

A era pós-verdade

No caso de Eduardo Cunha, não colou. Acho que nem seus amigos acreditaram que ele ganhou o dinheiro que abastecia suas contas na Suíça vendendo carne enlatada aos africanos. Já Dilma Rousseff teve mais êxito em convencer parte da opinião pública de que a ruína econômica em que ela nos meteu é fruto só da crise internacional.

Cunha e Dilma não são casos isolados. O semanário "The Economist" deu a capa de sua última edição para uma interessante reportagem sobre a política "pós-verdade". Ilustra o conceito com Donald Trump afirmando que Barack Obama é o criador do Estado Islâmico e a campanha do Brexit dizendo que a permanência do Reino Unido na União Europeia custa US$ 470 milhões por semana aos cofres britânicos. Não é preciso mais do que alguns neurônios e um computador para descobrir que ambas as afirmações são falsas, mas, ainda assim, elas prosperaram.

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Obviamente, a centenária publicação reconhece que governantes sempre mentiram, mas conjectura que vivemos uma era em que está ficando cada vez mais fácil para políticos inventar qualquer coisa e se dar bem.

Parte do problema é a natureza humana. Nossos cérebros têm uma perigosa inclinação por acreditar naquilo que nossos sentimentos dizem que está certo e evitam o trabalho de conferir a veracidade das teses de que gostamos. E, se nunca foi fácil estabelecer o que pode ser considerado um fato na política, isso está se tornando cada vez mais difícil.

Para "The Economist" são dois os motivos. Primeiro, instituições que se encarregavam de facilitar a formação de consensos como escolas, ciência, Justiça e mídia vêm sendo vistas com mais desconfiança pelo público. Além disso, passamos a nos informar através de algoritmos que, em vez de nos expor ao contraditório, nos enterram cada vez mais fundo naquelas versões que já estávamos mais dispostos a acreditar. Daí aos reinos mágicos é só um pulinho.

Hélio Schwartsman

Em defesa de um governo republicano

" No sólo estamos en el universo , el universo está en nosotros . "- Neil…:
O governo Michel Temer tem apenas duas semanas. Não parece. Dá sinais de envelhecimento precoce. O curioso é que a área econômica vai bem. O mesmo se aplica às relações exteriores. Já no restante dos ministérios vai muito mal. A falta de coordenação política sinaliza para a sociedade que Temer ainda é apenas o presidente interino. Cada ministro administra a sua pasta como se não houvesse uma autoridade maior, o presidente da República. Continuam enclausurados, não viajam, não divulgam suas ações e, mais grave, priorizam cada um o seu projeto político. Assim, o ministério assemelha-se a uma federação de ministros, isolados uns dos outros, sem uma ação coletiva.

Paradoxalmente, a relação com o Congresso Nacional vai bem. Temer tem maioria nas duas casas. Até o momento, a desarticulação no interior do governo não se refletiu no outro lado da Praça dos Três Poderes. Mas a necessidade de dar um rumo seguro é indispensável para garantir apoio congressual às reformas e demais ações do governo. Nenhum Congresso apoia presidente fraco — ou, quando isto ocorre, há uma sarneyzação, uma paralisia do Executivo. E na situação que vivemos — em plena depressão econômica — não há cenário pior que esse. A economia necessita da estabilidade política. É uma condição sine qua non para retirar o país da crise e buscar, no ano que vem, um crescimento positivo do PIB.

Hoje, a instabilidade não é produto da insatisfação na sociedade. As ações do PT e de seus asseclas eram esperadas. Afinal, perderam milhares de cargos na estrutura de Estado e as facilidades para negócios lesivos ao interesse público, como vimos no mensalão e no petrolão. Não há resistência ideológica. Nada disso, a resistência é financeira. Perderam a boquinha, daí a ira. No conjunto da sociedade, as manifestações têm pouco expressão. Mas desqualificá-las significa dar a elas um protagonismo que não têm. Depois do impeachment, a sociedade aguarda um governo responsável, atuante, que respeite as leis, garanta a ordem pública e que enfrente a crise. A preocupação do governo não deve ser com os representantes do derrotado projeto criminoso de poder. Não. Seu foco é o povo brasileiro, especialmente os pobres, os que mais sofrem com a crise produzida pelo petismo.

É inegável que a tarefa de Michel Temer não é fácil. O panorama de hoje é muito distinto em relação à 1992. Naquele momento, Itamar Franco assumiu e formou um governo de união nacional. Permaneceram na oposição o PT e Antonio Carlos Magalhães. Agora, a situação é mais complexa. O PT não é o PRN. Dilma conseguiu 20 votos contra o impeachment, Collor apenas três. E o leninismo tropical tomou durante 13 anos e cinco meses o aparelho de Estado. Usou, abusou e deixou na estrutura estatal seus militantes-funcionários não só nos cargos de confiança, mas também como servidores concursados. Despetizar o Estado é tarefa essencial não apenas para o sucesso do governo, como também para a sobrevivência da democracia no nosso país.

É inegável que nestas duas semanas o governo se comunicou mal, muito mal. Os boatos espalhados pelo PT tomaram conta do país. E a pecha de que Temer pretende acabar com os direitos sociais e trabalhistas acabou assumindo ares de verossimilhança. É evidente que o país precisa urgentemente das reformas. A questão central é como construí-las dialogando com a sociedade e apresentando seus benefícios. Isso é mais importante do que obter — o que não acontecerá — o apoio das centrais sindicais. Enfrentar as corporações é uma tarefa democrática. Mas é preciso demonstrar que governa para todos e que não admite qualquer tipo de privilégio, independentemente de quem é favorecido.

O Ministério é ruim. Necessita ser modificado. A justificativa para a sua formação — a aprovação do impeachment — já passou. Os ministros têm de estar afinados com as reformas e com o espírito do governo. E serem competentes, o que poucos são. Por outro lado, o presidente tem de evitar, neste momento, deslocamentos ao exterior. A viagem à China foi em má hora e teve um péssimo efeito interno. Foi um anticlímax após a grande vitória do impeachment. Quem assumiu? Rodrigo Maia. Muitos se perguntaram: Rodrigo o quê? E agora Temer ameaça ir à ONU. Que importância tem discursar na ONU? E, pior, na eventual ausência de Maia, quem assumirá o governo será Renan Calheiros!

Ainda há tempo para Temer efetuar os acertos necessários. Necessita apresentar ao país a situação em que encontrou o governo. É fundamental retirar do PT a bandeira recém-alçada de defesa dos direitos dos trabalhadores. Entregaram o país com 12 milhões desempregados e em meio à maior crise econômica da nossa história. É preciso se lembrar da Lava-Jato e de que altos dirigentes petistas foram condenados pela Justiça, alguns pela segunda vez em um lustro — como José Dirceu.

Faz bem para o governo exercer a autoridade — e ainda mais ao Brasil. É preciso dar um basta à baderna. Os criminosos derrotados pelo impeachment não podem ditar o ritmo das mudanças. São uma minoria barulhenta, é verdade, mas apenas uma minoria. Cabe ao governo assumir a direção das reformas, explicá-las à população, convencer os brasileiros de que elas são indispensáveis para o futuro do país. Mas também deve mostrar que não transigirá frente ao grande capital espoliador. Tem de eliminar as benesses recebidas pela burguesia petista, a do capital alheio. E pode começar esta tarefa revelando os criminosos empréstimos do BNDES.

Michel Temer, não tema. A maioria da população brasileira quer que seu governo dê certo.

Marco Antonio Villa

Imagem do Dia

Golpe para quem?

O discurso petista do golpe já está ultrapassando qualquer índice de poluição sonora. O som estridente da verborragia atinge até os ouvidos menos sensíveis. Os defensores do meio ambiente deveriam protestar contra tamanho disparate barulhento!

Certamente, para os países mais desenvolvidos do Planeta, o novo governo foi plenamente reconhecido. O G-20 expôs um presidente no pleno exercício de suas funções, tornando-se interlocutor dos Estados que representam mais de 85% do PIB global.


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Para os países mais importantes da América Latina, a saber, Argentina, Colômbia e México, o novo governo goza de pleno reconhecimento. Os que se insurgem são Venezuela, Equador e Bolívia, que deveriam ser mais propriamente enquadrados na América Latrina. Eles representam, hoje, a maior poluição de ideias do mundo.

O processo de impeachment demorou longos nove meses, com a ex-presidente exercendo todos os seus direitos. Apesar das chicanas de seu advogado, nenhum de seus recursos para anular o julgamento foi acatado pelo Supremo.

Aliás, o julgamento foi presidido pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski, conhecido por sua simpatia pelo PT e indicado para o cargo pelo ex-presidente Lula. O presidente do Senado, Renan Calheiros, por sua vez, foi um fiel escudeiro da ex-presidente e, em várias ocasiões, demonstrou o seu profundo apreço por ela. Seriam golpistas?

O rito do processo foi determinado pelo Supremo, tendo sido, no início, objeto de sérias disputas envolvendo os grupos favoráveis e contrários ao impeachment. Neste contexto, o PT chegou a festejar as regras finalmente adotadas. Será que o PT também seria golpista?

Talvez o seja, por não aceitar o resultado de todo um processo institucional, em que o país mostrou a vitalidade de suas instituições democráticas. Talvez o seja, também, por não acatar a própria Constituição brasileira, esta mesma sob a qual governou por 13 anos. Renegou a Constituição quando de sua promulgação, usufruiu dela e, agora, se volta contra ela.

O partido não possui, tampouco, nenhum pudor em denegrir o país na esfera da política exterior, sem se importar, minimamente, com o que isto poderia eventualmente significar internamente em termos de investimentos e emprego. A sua política é a do quanto pior melhor.

Golpe, então, para quem? Para o narcisismo petista, os incautos, os militantes e para os quadros partidários que procuram fugir da Lava-Jato e de suas consequências.

Denis Rosenfield

A melhor legenda

Lula na posse da nova ministra do STF
República suja pela corrupção impune tomba nas mãos de demagogos, que, a pretexto de salvá-la, a tiranizam
Celso de Mello, ministro do STF

A marcha dos privilegiados do atraso começa a perder força

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O Brasil não pode ficar refém da agenda do atraso. Isso a que se assiste nas ruas, em número inexpressivo quando comparado com o de brasileiros que se manifestaram em favor do impeachment, é expressão do Brasil que olha para trás, do Brasil do atraso, do Brasil da mistificação.

O país tem uma reforma trabalhista para fazer. E não para cortar direitos, mas para conceder direitos a milhões de pessoas que estão na informalidade. A reação do pior sindicalismo a esse debate é, atenção para a expressão, o berro de uma elite sindical, divorciada da esmagadora maioria do povo brasileiro.

O país tem uma reforma da Previdência para fazer. Não! Não é para punir velhinhos. Ao contrário: é para que os idosos do futuro tenham o que receber.

O país tem de atrair capital para a infraestrutura, e isso implica abrir uma nova rodada de privatizações e concessões, sem as quais o dinheiro não chega, e continuaremos mergulhados no atraso.

O país tem de cortar gastos, ou se faz isso, ou não teremos juros a níveis civilizados, que possma permitir o crescimento sustentável do país.

Não se está aqui a falar de uma agenda “progressista”. Não se está aqui a falar de uma agenda “conservadora”. Estamos apenas tratando de matemática. Esta é uma ciência da natureza. Não se gasta o que não se tem. Ou se gasta, já que países não fecham. Mas se produzem, então, inflação, pobreza, desemprego, recessão… Isso tudo que o PT nos deixa como herança.

Quando os gatos-pingados do sr. Guilherme Boulos vão às ruas, ainda que sejam alguns milhares — em número, reitero, irrisório quando se levam em conta o movimento que depôs Dilma e o conjunto dos brasileiros —, eles representam não o país dos desassistidos, não o país dos humilhados, não o país dos pobres.

Ao contrário: eles estão marchando em defesa de um regime que fez a economia brasileira recuar uma década, que nos condenou ao atraso, que elevou a taxa de desemprego a mais de 11%, que espoliou o povo, que quebrou a Petrobras, que nos colocou na retaguarda do crescimento no mundo e na América Latina.

Então cumpre indagar: quem perdeu com isso? Obviamente foram os mais pobres. Quem ganhou com isso? Obviamente foram essas estruturas encarquilhadas de poder.

O sr. Guilherme Boulos, do MTST, marcha com tanta determinação em favor do Velho Regime porque ele e seu movimento eram beneficiários daquela ordem — ou daquela desordem. O mesmo se diga de João Pedro Stedile, do MST, e de Vagner Freitas, da CUT.

O presidente Michel Temer tem um desafio imenso, sim: governar para a maioria do povo brasileiro, não para meia dúzia de petistas e de outros esquerdistas que se alimentaram das tetas oficiais.

A fábula do golpe

Em 1571 Michel Eyquem, conhecido como Montaigne, o nome das terras que herdou, decidiu dedicar-se à interpretação da natureza humana. Legou-nos um livro brilhante, Os Ensaios” (Companhia das Letras). Foi escolarizado primeiramente em latim e leu todos os clássicos do pensamento social. O volume deveria ser leitura compulsória para todos os que almejam desvendar os mistérios e significados da ação humana.

A versão definitiva e póstuma é de 1595 e nela Montaigne impôs a si próprio explicar por que “os que se empenham em examinar as ações humanas jamais ficam tão atrapalhados como para juntá-las sob a mesma luz, pois comumente elas se contradizem de modo tão estranho que parece impossível que venham da mesma matriz”. A inconstância humana foi um dos seus temas favoritos, pois “nosso modo habitual é seguir as inclinações de nosso desejo, para a esquerda, para a direita, para cima, para baixo, conforme nos leva o vento das ocasiões”. Em consequência, “não vamos, somos levados, como as coisas que flutuam, ora suavemente, ora com violência”.

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Os episódios políticos recentes em nosso país, até chegar ao impeachment e ao inacreditável “fatiamento” da decisão final, nos remetem à sabedoria contida naquele livro de quase cinco séculos e à explicação que nos propõe acerca das escolhas humanas – “em quem se fiar para saber o que é louvável?”. Ou, então, será que “os que tentaram reformar os costumes do mundo por novas opiniões reformaram os vícios da aparência, (mas) os da essência os deixam lá” e, assim, o que no passado seria condenável passou a ser naturalizado, como temos observado regularmente em outros aspectos da vida social, segundo os “vícios de outrora, costumes de hoje”? Se a presidente foi apeada do poder, por seus malfeitos, mas pode seguir na vida pública, por que todos os demais em situação análoga não serão igualmente beneficiários de tamanha bizarrice? Que maquinações teriam sido urdidas, que os cidadãos, em sua inocência política, desconhecem? Como seria importante saber as reais razões que motivaram a estapafúrdia decisão, pois “é justo que se faça grande diferença entre os erros que vêm de nossa fraqueza e os que vêm de nossa maldade”, destacaria o filósofo seiscentista. Se houve má-fé e intenções inconfessadas, muito em breve a fatura será cobrada e nós, os brasileiros, vamos pagar a conta, como tem sido o costume.

Similarmente, a difundida fabulação de um suposto golpe atende aos mesmos indisfarçados interesses, seja de Dilma, a personagem principal da trama, ou, então, do campo petista diretamente atingido. É a estratégia ideal, que os anos vindouros comprovarão. Os petistas sabem, como alertou Montaigne, que “assim como o prato da balança pende necessariamente quando foi carregado, assim o espírito cede às coisas evidentes” e o uso repetido, ad nauseam, do incriminatório “golpista”, em todos os momentos e situações, acabará se enraizando no coletivo social e se tornará uma “coisa evidente”. É sina da qual o governo Temer não se livrará, pois sempre surgirá um militante para gritar o bordão e gerar o embaraço público. O comportamento social tende à simplificação, aqui se diferenciando dos pensadores, não se aplicando aos cidadãos a frase de Dante que Montaigne cita em Os Ensaios, a qual nos ensina: “não menos que saber, duvidar me agrada”.

Aqui existe outro aprendizado consagrado: na vida social, a repetição, ainda que absurda, acaba aprofundando suas raízes e a vasta maioria dos cidadãos prefere viver sob argumentos dúbios, ou até falsos, a seguir sob incertezas. Se a sintaxe do “golpe” é insustentável, pouco importa, pois é preferível viver em acordo com algum catecismo, qualquer que seja, porque “a alma que não tem objetivo estabelecido se perde”. E com aguda percepção Montaigne ainda insistiu sobre a leveza das decisões humanas, segundo as quais “é preciso tudo explorar e comprar de cada um segundo sua mercadoria, pois em casa tudo serve; e até a tolice e a fraqueza alheia o instruirão”. E assim, infelizmente, “todos nós estamos fechados e encolhidos em nós mesmos e temos a visão limitada ao comprimento de nosso nariz”. O comportamento dos indivíduos, dessa forma, acaba sendo equívoco e sujeito a erros, pois “é em meio de brumas e às apalpadelas que somos levados ao conhecimento da maioria das coisas”.

Encurralado pelos acontecimentos, o campo petista precisa da verborragia do “golpe” para não desaparecer. Sua ambição é a conquista do poder e se se curvar deixará de ser um partido político. Por isso a vitimização servirá tanto à biografia de Dilma como ao partido, segmentando o mundo da política, aos olhos dos cidadãos, entre os “golpistas” e os “perseguidos” petistas. E na política, binômios simplificadores sempre são mais promissores.

É uma fábula pobre, mas em ambiente rebaixado como o nosso será suficiente e talvez em 2018 alguns efeitos do arranjo terminológico já possam ser colhidos. Afinal, como destacou o filósofo das terras de Montaigne, em tais contextos os escrúpulos não contam, porque “quem opõe o custo ao fruto da virtude, este é, decerto, bem indigno de sua companhia e não conhece suas graças nem seu bom uso”. Ao campo petista não interessará, nesta conjuntura, “que sua consciência e sua virtude reluzam em suas palavras, e tenham apenas a razão como guia”. A mentira, esta, sim, tem sido mais produtiva em seus resultados.

Qual será o preço da farsa ora em curso, seja a artimanha do Senado ou o delírio do golpe? Não sabemos, mas novamente o genial pensador nos ensinou: “A maldade absorve a maior parte de seu próprio veneno e envenena-se (…), pois a razão apaga as outras tristezas e dores, mas engendra a do arrependimento, que é mais grave, uma vez que nasce no interior, como o frio e o quente das febres”.

A gente vai levando...

O golpe do papa

O papa Francisco cancelou sua viagem ao Brasil em 2017 afirmando que o país “vive um momento triste”. Vamos traduzir essa tristeza: o líder máximo da Igreja Católica está apoiando Dilma Rousseff, a despachante da quadrilha que depenou o país entristecido. Mas a tristeza sentida pelo sumo pontífice não é com o roubo, é com a punição aos ladrões.

O papa Francisco, de maneira indireta, portanto dissimulada, portanto covarde, está fazendo coro com a militância ideológica que grita contra o golpe de Estado – esse em que a criminosa golpeada dialoga com os golpistas (e ri com eles), sob a regência constitucional da Corte máxima do país. Uma bandeira de mentira, fajuta e imunda, que agora é levantada também pelo papa Francisco.

Isso não teria a menor importância num mundo que soubesse distinguir um líder espiritual de um mercador da bondade. Mas a demagogia supostamente progressista – na verdade reacionária – é hoje a commodity mais valorizada do planeta, e nenhum candidato à popularidade perante as massas admite mais abrir mão dela. Até a alemã Angela Merkel, guardiã quase solitária da responsabilidade europeia, andou fazendo proselitismo com o tema dos refugiados. Se você não der ao menos uma bicadinha na vitamina populista, você morre.

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A gangue que inventou o golpe no Brasil para brincar de resistência democrática – e se encher da preciosa vitamina demagógica – está quebrando tudo. Durante 13 anos quebraram por dentro, agora estão quebrando por fora – o que é bem mais prático e leve. O caixa da revolução está cheio, após a proverbial transfusão da Petrobras, dos bancos públicos e dos fundos de pensão. O lanche é mortadela por questão de estilo, poderia ser caviar. E não existe vida mais fácil: você recruta um bando de inocentes úteis e não inocentes alugados e manda todo mundo para cima da polícia. Fustigar a boçalidade das polícias militares é brincadeira de criança para essa turma. Não tem erro.
O caixa da revolução está cheio. O lanche é mortadela por razão de estilo, mas poderia ser caviar

O papa Francisco e sua falsa tristeza apoiam essa depredação teatral – que tem consequências reais e sujas de sangue. O religioso bonzinho, com seu gesto grave – vamos repetir: grave – de desistir da visita ao Brasil por causa do impeachment, jogou uma tocha nessa gasolina. Não adianta fugir dessa responsabilidade. Não adianta rebolar na retórica. Não adianta fazer cara de piedade. O papa abriu mão da missão de paz do estadista para entrar num jogo partidário. Se meteu num conflito político nacional para exacerbá-lo – para dar sua contribuição incendiária.

A política existe para organizar a vida das sociedades. Só isso, mais nada. Não é um campeonato de siglas, cores e credos, nem um palco para apoteoses românticas. No caso do Brasil, o governo canastrão do PT incensou todos esses símbolos emocionais e fulminou a organização social e institucional. Isso não é política, é contrabando.

O governo Temer assumiu no cenário de terra arrasada e está repetindo o governo Itamar (por questão de sobrevivência): dando espaço a quem entende de administração pública, substituindo militância partidária com o dinheiro dos outros por trabalho. É o PMDB, há os caciques velhos, há a podridão – mas os principais cargos de comando foram entregues aos bons. Assim como fez Itamar, no mesmo PMDB.

Há 23 anos isso deu no Plano Real – o momento mais significativo da história recente em que a política serviu para organizar a sociedade. Os veículos da mudança foram o PMDB e o PSDB, mas a virtude não estava neles. Estava nos homens. Sempre está.

Repetindo a ruína do pós-Collor, a ruína do pós-PT abriu uma janela de oportunidade para quem quer usar o poder para organizar, e não para surfar. Os surfistas estão naturalmente desesperados, porque num país organizado as ondas de malandragem somem da política – ou ao menos ficam pequenininhas, sem força para impulsionar os proselitismos coitados e os heroísmos de aluguel. É preciso, portanto, bagunçar.

É claro que alguém que sai de casa para forjar um tumulto e posar de perseguido pela polícia não vale a mortadela que come. Mas o interessante é imaginar o que essa criatura pensa a sós com seu travesseiro. Se o país tivesse de repente um surto de dignidade, a fila do confessionário chegaria a Roma. Puxada pelo papa.

Os asnos do Palácio do Planalto e a lição de Voltaire

De 1715 a 1723, depois da morte de Luís XIV, a França foi governada por um Regente, tio de Luís XV, ainda uma criança. Jovem afoito e estouvado, chegou a Paris François Marie Arouet, para tornar-se um dos principais críticos dos costumes da realeza e do clero. Apelidava-se de Voltaire. O Regente vira-se obrigado a intenso programa de contenção de gastos e despesas, determinando, entre outras medidas, que se vendesse a metade das cavalariças reais. Voltaire escreveu logo depois que melhor faria o Regente se em vez das centenas de cavalos de raça, vendesse o monte de asnos que evoluíam em torno do trono.

Num domingo, passeando pelo Bois de Boulogne, o Regente deparou-se com Voltaire. Cumprimentando-o, disse que daria a Monsieur Arouet a oportunidade de apreciar uma das mais bizarras vistas de Paris, que ele certamente não conhecia.

Logo vieram os soldados e levaram Voltaire para a prisão da Bastilha, onde ficou por quase um ano. Tinha liberdade para escrever, e lá completou a peça “Édipo”, de amplo sucesso na capital francesa por conta das alusões a tiranos, fidalgos e sacerdotes.


Amigo influentes conseguiram que o Regente revogasse a prisão e fizesse mais, assinando decreto que concedia ao jovem autor uma pensão vitalícia “para que enfrentasse as despesas com habitação e alimentação”.

De volta, Voltaire escreveu que aceitava a oferta, mas apenas pela metade. Agradecia que o tesouro real cuidasse de sua alimentação, mas quanto à sua habitação, deixasse que ele mesmo cuidaria…

Nova ordem de prisão foi expedida, mas o Regente tratou de negociar: soltaria Voltaire se ele embarcasse imediatamente para a Inglaterra, o que aconteceu. Ficou proibido de frequentar Paris, o que só fez aos noventa anos de idade.

Esse episódio é pinçado da larga biografia do irreverente gênio da literatura francesa, a propósito das dificuldades que o nosso Regente, versão 2016, vem enfrentando. Seria melhor que oferecesse para seus desafetos uma visão de Brasília, tomada da Papuda. Depois, uma sinecura qualquer para que ninguém recomendasse dever livrar-se dos asnos que evoluem no Palácio do Planalto…

Vagas recordações

O que é um momento? Um segundo, um minuto, o equivalente a uma cena de filme ou de minissérie? Quantos momentos há numa vida? Momentos referem-se necessariamente a acontecimentos, ou existem mesmo na paisagem dos não acontecimentos, aquela que se faz de cotidiano e de esquecimento, tecida em pequenos gestos que se repetem, dia após dia? Tomar banho é um momento? Abrir a janela? Alimentar os gatos?

Uma jornalista me perguntou qual foi o momento mais feliz da minha infância. Levei um tempo para responder, porque vivi vários momentos felizes, mas não consegui me lembrar de nenhum momento único, especial, que sobressaísse em relação aos demais momentos.

Eu me lembro de brincar no gramado do sítio. Não num dia específico, mas em tantos dias que é impossível saber quantos foram. Eu me lembro do cheiro e da cor da grama, e dos meus pés na grama.

Eu me lembro de correr por esse mesmo gramado colhendo castanhas com meu pai. Castanhas são frutas agressivas, que nascem dentro de uma bola de espinhos, e é preciso ter muito cuidado ao manuseá-las.

(Eu me lembro também de bater a cabeça numa paineira num dia em que estávamos brincando de pique, e eu me desequilibrei numa descida: morríamos de medo dos espinhos das castanhas, mas foi um dos espinhos da paineira que ficou espetado um pouco acima da minha orelha. Fiquei assustada, achando que quando arrancasse aquilo de lá o cérebro ia escapar pelo buraco, mas felizmente a previsão não se concretizou.)

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Em me lembro das tardes e noites frias de Friburgo e do cheiro da lenha queimando na lareira. Eu me lembro de ficar quieta num canto lendo. Eu me lembro de me distrair vendo a multidão de insetos que eram atraídos pela luz da sala e ficavam passeando pelos vidros, procurando uma brecha para entrar.

A cidade cresceu desordenadamente, as matas acabaram e, com o tempo, os insetos foram embora.

Sobretudo, eu me lembro do meu avô vindo me tirar da cama, no meio da noite, para irmos lá fora olhar para o céu e para as estrelas, reconhecendo as constelações.

As estrelas continuam lá, mas o céu não é mais tão bonito.
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A jornalista me perguntou qual foi o grande momento de horror da minha vida.

Tenho sorte. Ou não vivi grandes momentos de horror, ou consegui esquecê-los com tanta eficiência que é como se não tivessem acontecido.

Eu me esqueço muito mais do que me lembro.

Conheço gente que guarda datas, que descreve em detalhes coisas que eu nem me dei conta que aconteceram.

Não sei o que é melhor (ou pior). Ter apenas vagas lembranças, como eu tenho, dissolve o passado numa nuvem amorfa, num ruído de fundo em que nada brilha particularmente, mas também nada dói.

A falta de memória é uma espécie de antidepressivo natural, que arredonda as pontas e lixa os cantos.
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Eu me lembro do espanto da tecnologia. Meus netos não têm esse espanto, e provavelmente nunca terão. Nada é impossível no mundo deles, tudo já foi conquistado, e o que não foi é só questão de tempo ou de recursos. Eles acham tudo normal.

Eu me lembro do meu espanto diante de um monitor na Silicon Graphics, na Califórnia, em que a imagem de uma esfera de borracha espelhada quicando num chão quadriculado refletia o grupo embasbacado que contemplava aquele monitor, capturado por uma câmera de vídeo. Naquela época, um PC como o que eu tinha não conseguia sequer renderizar uma esfera imóvel, quem dirá aquela esfera impossível. Éramos umas tantas pessoas e ficamos ali paradas, sem ar, diante daquele prodígio. Eu me lembro de ter visto uma lágrima brilhando no canto do olho de um colega japonês, mas isso, quem sabe, é só mais um truque do tempo.

Eu me lembro do meu espanto sucessivo a cada nova geração de câmeras digitais; eu me lembro do meu espanto com os disquetes de 3”1/2 e sua assombrosa capacidade de armazenagem de 1.44MB.
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Não consegui responder quando foi a última vez em que fiquei inteiramente desconectada do mundo, embora me lembre que isso era possível. Eu me lembro que, para não ter ideia do que estava acontecendo no planeta, bastava sair da cidade.

Eu me lembro de percorrer as ruas de cidadezinhas perdidas no Himalaia, durante uma viagem entre o Nepal e o Tibete, enfrentando um frio pavoroso, para buscar notícias em lanhouses. E nunca vou me esquecer de como eram essas lanhouses, todas iguais, pequenas, xexelentas, tão cheias de fumaça de cigarro que mal se viam os demais usuários.

Por outro lado, eu me lembro exatamente quando foi a primeira vez em que percebi que o mundo tinha ficado de fato pequeno: eu estava atravessando uma planície da Anatólia, na Turquia, mas consegui ligar para o Brasil do celular, que, mesmo em Ipanema, não pegava direito. Foi tão espantosa essa ligação, que gastei muitos e muitos minutos descrevendo para o Millôr, do outro lado da linha, a paisagem que estava vendo.

Mais tarde me explicaram a origem do milagre: graças às bases militares americanas, a Turquia tinha, já naquele distante ano de 1999, uma das melhores redes de telecomunicações do mundo.

Olhando hoje, em retrospecto, imagino que, no mês seguinte, tenha recebido uma das contas de telefone mais salgadas da minha vida; mas disso, felizmente, eu não me lembro mais.

Cora Rónai