O presidente Jair Bolsonaro trata a coisa pública como se fosse o quintal de sua casa de veraneio na vila de Mambucaba, em Angra dos Reis, aquela na qual Wal do Açaí fazia faxina, com salário pago pela Câmara dos Deputados. Lida com os bens do Estado com a sem-cerimônia com que ele os filhos, ao longo dos anos, foram empregando parentes e agregados em seus respectivos gabinetes legislativos, pagando-lhes, no papel ao menos, altos salários sem que as pessoas precisassem comparecer ao emprego. Não se sabe se recebiam mesmo o dinheiro ou se apenas serviam de laranjas para que recursos públicos fossem embolsados pelos detentores dos mandatos.
Por que afirmo isso?
A Petrobras, uma empresa de economia mista, mas controlada pelo governo, rompeu o contrato que mantinha com o escritório de advocacia comandado por Felipe Santa Cruz, presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, segundo informa Mônica Bergamo na Folha. No ano passado, o escritório venceu em favor da empresa uma causa trabalhista de imodestos R$ 5 bilhões. Vale dizer: o escritório não está sendo dispensado por ineficiência. Trata-se de vingança mesmo.
Bolsonaro lançou-se numa guerra despropositada contra Felipe. Relembro: a OAB recorreu contra uma decisão da Justiça Federal que, de modo absurdo e ilegal, havia determinado a quebra de sigilo bancário de Zanone Manuel de Oliveira, advogado de Adélio Bispo de Oliveira, o homem que deu a facada no então candidato Bolsonaro. Nota: o advogado não era investigado, e a OAB nada mais fez do que defender uma prerrogativa legal de um associado.
Foi o que bastou para o presidente da República lançar-se com uma fúria boçal contra Felipe, afirmando saber o que havia acontecido com Fernando Santa Cruz, seu pai, que desapareceu em 1974, depois de preso por agentes do DOI-CODI do Rio. Afirmou: "Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele".
Segundo documentos oficiais, Fernando desapareceu depois de preso e torturado. Cláudio Guerra, ex-delegado do DOPS do Espírito Santo, disse à Comissão da Verdade que incinerou ao menos uma dezena de corpos de militantes executados na Usina Cambahyba, em Campos dos Goytacazes (RJ). Fernando estaria entre eles.
Bolsonaro, no entanto, deu outra versão. O pai do presidente da OAB teria sido justiçado por integrantes da AP, Ação Popular, grupo esquerdista ao qual ele havia pertencido, mas do qual já havia se distanciado, ligando-se a uma dissidência. É mentira! O presidente da República não revela a origem da sua versão fantasiosa. Até porque, em 2011, já havia apresentado uma outra: Fernando teria desaparecido depois de uma bebedeira no Carnaval.
A fala de Bolsonaro gerou uma onda de indignação até entre seus admiradores moderados. Felipe recorreu ao STF, cobrando esclarecimentos. No dia 1º, o ministro Roberto Barroso concedeu duas semanas para o presidente se explicar. A extrema-direita bolsonarista, no entanto, ficou excitada e foi para as redes sociais para alardear, em tom de denúncia, que o escritório a que Felipe pertence tinha a Petrobras entre seus clientes. Tinha. E daí? Trata-se de uma empresa de economia mista que precisa de advogados. A companhia não é propriedade privada do presidente.
Bolsonaro, no entanto, é movido pelo rancor. Suas decisões são pautadas por um óbvio espírito de retaliação. E ele o faz de dois modos: apresenta-se como aquele que vai contar a verdade sobre o regime militar instaurado em 1964, combatendo, por consequência, os esquerdistas — e esquerdista é qualquer um que não concorde com ele — e também evidencia uma sede inextinguível de vingança contra adversários.
E o resultado está aí. Uma empresa de economia mista é tratada, então, como propriedade privada — no caso, sua —, evidenciando que desafiá-lo tem um preço. O que é estupefaciente nessa coisa toda é que não foi Felipe a desafiá-lo. O presidente da República resolveu se insurgir contra aquela que era uma obrigação da OAB, Como ele se fez na política ignorando todos os limites da civilidade, houve por bem tripudiar sobre a memória de um morto, cujo corpo não foi nem será encontrado porque transformado em cinzas pela ditadura.
A direção da Petrobras, claro!, vai chamar para si a decisão. Afinal, Bolsonaro não deixou a sua assinatura em nenhum papel determinando que a direção da empresa usasse a coisa pública para as vinganças pessoais do presidente da República.
Isso tudo, no entanto, tem um preço. Bolsonaro pode aguardar pelos efeitos inevitáveis da mais certa, embora jamais escrita, de todas as leis: a do retorno. Seu estoque de futuros acertos de contas, em pouco mais de sete meses de governo, é gigantesco.
Felipe anuncia que recorrerá à Justiça com uma ação de reparação de danos. É o mínimo que tem a fazer. Trata-se, creio, de um exemplo escancarado de abuso de poder e de uso da coisa pública para fins privados.
quarta-feira, 7 de agosto de 2019
Teoria das baratas de Bolsonaro realça diferença entre civilização e barbárie
Logo, soa plausível a muita gente que criminosos dominados sejam mortos. Não lhes ocorre que são nessas situações que a civilização se distingue claramente da barbárie, o certo se contrapõe ao errado.
É compreensível a alguém que se depare com um crime atroz ter ganas mortais contra o agressor. Jamais o Estado, sob pena de se igualar aos facínoras. Ao puni-lo de acordo com a lei, demonstra a superioridade e a evolução da civilização através dos séculos. Não se defende —parafraseando o poeta Jair Bolsonaro— que a polícia enfrente o crimesoltando pombinhas brancas. É obviamente lícito que, como recurso capital, policiais matem agressores em combate ou que representem iminente ameaça à vida de quem quer que seja.
O problema é que parte dos trogloditas que fazem arminhas com as mãos quer é execução pura e simples. Bala na nuca. "Os caras vão morrer na rua igual barata, pô, e tem que ser assim", disse Bolsonaro ao defender, novamente, o vale tudo policial.
É de pensamentos assim que surgiram as milícias, os esquadrões da morte —grupos elogiados por Bolsonaro em sua carreira— e toda sorte de quadrilhas armadas e fardadas a serviço de nada mais nada menos que ela mesmo, a bandidagem.
Criminosos já morrem como baratas em ruas e presídios, em números crescentes, e alguém tem se sentido mais confiante para andar pelas ruas das metrópoles do país?
Ideias e ações que destoem da sua primária concepção de segurança pública devem acordar na cabeça presidencial o mesmo macaquinho tocador de pratos que habita o cérebro de Homer Simpson. Em momentos assim, a falta de gente como Clóvis Rossi fica mais evidente. "Desrespeito à vida é sempre injustificável, sob pena de se implantar a lei de talião e, de olho por olho em olho por olho, acabarmos todos cegos."
Errado continua
Ninguém mais quer muita conversa (com Bolsonaro), por conta de posições muito radicais. Então, era um erro o Brasil do PT e acho que hoje a gente começa a ver um erro do Brasil bolsonaristaGustavo Bebianno, ex-secretário-geral da Presidência
Um tostão furado de fumo podre
No impeachment de Dilma Rousseff, um acordo entre os então presidentes do Senado, Renan Calheiros, e do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, mandou às favas o princípio constitucional da obrigação do chefe de Estado deposto de passar oito anos sem cargo público. Em nome do direito sagrado da petista a ser “merendeira da escola”, a ex-“presidenta” foi dispensada da obrigação constitucional, candidatou-se ao Senado por Minas e foi punida pelo eleitor com o último lugar na contagem dos votos.
O atual presidente do STF, Dias Toffoli, extrapolou muito suas funções ao decretar punição rigorosa da lei a qualquer cidadão que criticar publicamente os membros de sua grei. Do alto de sua delirante onipotência, ele indicou o colega Alexandre de Moraes para relatar o inquérito punitivo, sem sorteio nem consulta aos pares do plenário. No Brasil de hoje, decreto de presidente do STF não se discute, cumpre-se, como diziam os políticos de antanho em relação aos juízes em geral. O relator censurou a revista Crusoé por ter publicado notícia oficial considerada ofensiva à honra de el-rey.
O mundo desabou sobre Moraes e a censura caiu. Mas a decisão abusiva, monocrática e totalitária, com data de extinção prevista durante o infame “recesso branco” dos supremos magistrados, foi prorrogada até novembro. Em 1.º de agosto, agora mês de nosso maior desgosto, o inquérito 4.781 do STF ganhou novas e mais graves consequências. Decretou a condenação de qualquer cidadão que ouse insultar os supremos no velho e sagrado sigilo telefônico. E mais: suspenderá do cargo e do serviço público o servidor de Banco Central, Coaf e Receita Federal que fiscalizar movimentações financeiras da cúpula dos três Poderes. Nem do registro dos abusos de Nero consta ignomínia de tal jaez.
No Brasil, assim como a plebe assistiu ao golpe militar que gerou a República insana, só resta penar “bestializada” (apud José Murilo de Carvalho) sob arroubos tirânicos do advogado reprovado duas vezes em concursos para juiz de primeira instância. No Congresso, paralisado por seus próprios “malfeitos” (apud Dilma Rousseff), ninguém se arrisca a perturbar os deuses imperfeitos do raso Olimpo. Na Câmara, Rodrigo Maia, o Botafogo do propinoduto da Odebrecht, tem a autoridade moral de uma lesma para evitar esta assustadora, mas não surpreendente, tomada de poder pelos togados. No Senado, outra eminência do baixo clero, Davi Alcolumbre, não é besta de chamar a atenção para um Poder que acaba de perdoá-lo por eventuais traquinagens contábeis em eleição, depois do perdão majestático da rainha Rosa Weber.
Um bando de néscios da extrema direita, que se acham no poder porque têm acesso ao regente Carlos, por copiarem suas diatribes no Twitter, ainda acredita na iniciativa do chanceler Eduardo de fechar o STF com um jipe, um cabo e dois soldados. E na inocência do mano Flávio, coveiro da CPI da Lava Toga no Senado. É de matar de rir. Ou de chorar.
Nesta entrada de oitavo mês de governo, o pai deles, Jair, já abusou da própria incapacidade de usar palavras no sentido certo. Não se sabe se é por ignorância ou se é por esperteza. Com o aval de Donald Trump, insiste na ideia de nomear o caçula Eduardo, embaixador em Washington. Não é nepotismo, pontificou. E Trump, em pessoa, ecoou. Rasguem os dicionários, queimem-nos em praça pública, a palavra que denuncia a prática incompatível na República (beneficiar parente com dinheiro público) virou hipocrisia. Assim como qualquer pessoa que considere alguém do STF passível de fiscalização tributária, o cristão que discordar do capitão e seus filhotes foi, é e será sempre hipócrita. Será insultado de hipócrita, por exemplo, quem não acha certo o clã ter nomeado 102 garrotes mamões das tetas da loba que nutriu Rômulo e Remo, fundadores de Roma. Trata-se de um recorde de não se orgulhar. Mas se o fato destoa, pior para ele. A “nova política” mata a “velha” de vergonha.
Jair assombrou a Nação dizendo que sente falta de um ministro “terrivelmente evangélico” no STF. Seu advogado-geral, André Mendonça, é o nome que cabe nesse susto. Pastor evangélico e fâmulo de Toffoli. Que importa que tenha dito que a vaga do decano Celso de Mello, a ser aberta em 11 meses, seria de Sergio Moro? Inspira-se em Michel Temer. Verba volant, este escreveu. As de Jair comem alpiste na gaiola.
Ele disse a senadores que queriam manter o Coaf na Justiça que na Economia as diretrizes de Moro seriam mantidas por Paulo Guedes. Mas agora pressiona o ministro da Economia para defenestrar Roberto Leone, presidente do Coaf escolhido pelo ex-juiz. O motivo da demissão seria sua crítica à decisão de Toffoli que, ao proibir o compartilhamento de dados da inteligência financeira, da Receita Federal e do Banco Central, com o Ministério Público e a Polícia Federal, beneficiou o primogênito Flávio.
Como dizia meu avô, a palavra do presidente não vale um tostão furado de fumo podre.
Bolsonaro trata o governo como uma ferramenta política pessoal
Jair Bolsonaro decidiu adotar essa bajulação como critério orçamentário. Depois de dizer que alguns governadores do Nordeste não devem "ter nada", ele afirmou que não vai negar recursos aos estados administrados pela oposição —com uma condição.
Aquele dinheiro é público, e a Constituição diz que a máquina estatal deve seguir o princípio da impessoalidade. Bolsonaro dá de ombros e trata o governo como uma ferramenta política particular.
A insistência em nomear o filho para a embaixada em Washington segue essa lógica, como se espaços públicos fossem domínios familiares. "Tem que ser filho de alguém. Por que não pode ser meu?", perguntou.
O presidente só consegue exercer o poder de maneira personalista. Fomenta divisões contra seus adversários e usa o cargo para aplicar retaliações. Nesta terça (6), anunciou mudanças na publicação de balanços financeiros em jornais e se vangloriou: "Retribuí parte daquilo que grande parte da mídia me atacou".
Bolsonaro também desfigura as funções do governo para encaixá-lo a suas fixações ideológicas. Ao jornal O Estado de S. Paulo, ele disse que o próximo chefe do Ministério Público não deve ficar "só preocupado de forma xiita com questão ambiental ou de minoria". Ignorou a missão do órgão de proteger o meio ambiente e outros direitos coletivos.
O resultado é uma avacalhação ainda maior das já desmoralizadas instituições republicanas. Diz-se que um governante costuma se adequar à cadeira que ocupa ao longo do tempo. Bolsonaro preferiu deformar a sua.
Dados mostram explosão do desmatamento na Amazônia
Segundo o Sistema de Detecção do Desmatamento na Amazônia Legal em Tempo Real (Deter), em julho, 2.254,9 quilômetros quadrados de floresta foram devastados. Em relação ao mesmo período do ano passado, o aumento do corte raso foi de 278%. Este foi o maior crescimento nas taxas de desmatamento desde que o Inpe adotou sua atual metodologia em 2014.
Um grande aumento do desmatamento já havia sido apontado em junho, quando a devastação da floresta cresceu 88% em relação ao mesmo mês de 2018. A divulgação destes dados causou uma crise entre o Inpe e o governo de Jair Bolsonaro, que culminou com a demissão do presidente do instituto.
Logo após a divulgação dos dados que revelaram o aumento do desmatamento em junho, Bolsonaro contestou a informação e acusou o então diretor do Inpe, Ricardo Galvão, de mentir e de agir "a serviço de uma ONG". Em resposta, Galvão rebateu as críticas, defendendo o trabalho do instituto.
"Ele [Bolsonaro] tem um comportamento como se tivesse falando num botequim. Isso me assustou muito. Ele fez acusações indevidas a pessoas do mais alto nível da ciência brasileira, e não foi só eu", disse Galvão em entrevista ao Jornal Nacional.
Bolsonaro voltou então a atacar Galvão na última quinta-feira e ameaçá-lo de demissão durante uma coletiva de imprensa, que foi convocada pelo Ministério do Meio Ambiente para contestar novamente a metodologia do Inpe. O presidente disse que os números teriam sido "espancados" para atingir o país e chamou de "irresponsabilidade" a divulgação dos dados.
Já o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, apresentou mapas para supostamente mostrar que os dados do Inpe seriam "sensacionalistas" e "não condizentes com a realidade", alegando que 31% dos registros das maiores áreas desmatadas contabilizadas em junho último teriam ocorrido, na verdade, em meses passados.
Diante da crise, Galvão acabou sendo exonerado. O afastamento do diretor foi criticado por ambientalistas. Na segunda-feira, o ministro de Ciência e Tecnologia, que é responsável pelo Inpe, nomeou o oficial da Aeronáutica Darcton Policarpo Damião, que é formado em Ciências Aeronáuticas e tem doutorado em desenvolvimento sustentável, para assumir o comando do instituto interinamente.
Em entrevista ao jornal O Globo, Damião garantiu que o instituto continuará divulgando dados sobre o desmatamento, porém, afirmou que isso ocorrerá apenas em situações alarmantes e após o presidente e os ministros do Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia terem sido informados. O diretor interino disse ainda que não está convencido que o aquecimento global seja causado pela ação humana.
Já Pontes afirmou a jornalistas nesta segunda-feira que os dados do Inpe não passaram por filtros antes de serem divulgados. "A entrega dos dados será feita com transparência. Isso é importante. Precisamos trabalhar na solução do problema que é reduzir esse desmatamento", disse.
O Brasil abriga 60% da Floresta Amazônica, que é um regulador chave para os sistemas vivos do planeta e também para o índice de chuvas no país. Suas árvores absorvem cerca de 2 bilhões de toneladas de dióxido de carbono por ano e liberam 20% do oxigênio do planeta.
Depois de ter sido considerado uma história de sucesso ambiental, o Brasil vem perdendo esse espaço, principalmente, desde a eleição de Bolsonaro, que já declarou várias vezes a intenção de explorar a floresta e negou a existência das mudanças climáticas. Devido ao discurso do presidente e à agenda ambiental do governo, especialistas temem que o desmatamento atinja níveis alarmantes nos próximos anos.
Nos últimos meses, o governo brasileiro reduziu a composição do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), além de tentar transferir a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura. O ministro Ricardo Salles questionou publicamente a eficiência do Fundo Amazônia, que aloca dinheiro para projetos voltados a diminuir o desmatamento.
A cultura individualista
Ao abrir o leque de direitos sociais e individuais, a Carta construiu as vigas institucionais, conferindo-lhes autonomia, liberdade e competência funcional. Sistemas e aparelhos se robusteceram. O Estado liberal e o social convergiram em direção ao Estado Democrático de Direito, sob o qual o Poder Judiciário assume posição de relevo, fato que explica seu papel preponderante de hoje.
A judicialização da política, fenômeno dos últimos tempos, tem por base a ausência de legislação infraconstitucional, o que permite ao Judiciário entrar no vácuo e interpretar as normas.
Instituições do Estado de defesa do regime, da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais ganharam impulso. O Ministério Público, por exemplo, como instituição essencial à função jurisdicional, incorporou a missão de guardião maior da sociedade. Ganhou respeito, mas passou a ser questionada por seus exageros.
A Polícia Federal se reforçou como encarregada da segurança pública, preservação da ordem e a incolumidade de pessoas e patrimônio, em parceria com instâncias do Judiciário. E assim penetra nos espaços mais obscuros da vida criminosa e nos porões da administração pública.
Contribui para consolidar pilares éticos e morais e a preservar boas práticas políticas. Também ganhou uma legião de adversários por suas operações espetaculosas com nomes simbólicos. Como pano de fundo, a Constituição de 88 propiciou ao aparelho do Estado a competência para organizar estruturas e métodos capazes de garantir segurança e equilíbrio social.
A isso se somam outros sistemas, como o Gabinete de Segurança Institucional, o Tribunal de Contas da União, a Corregedoria-Geral da União, além do Parlamento e suas Comissões de Inquérito, máquina suficiente para monitorar pessoas físicas e jurídicas. Aí a coisa desanda, ao abrir imensos vácuos. A política é como a água corrente: preenche os vazios.
Tarefas assemelhadas se repartem e dirigentes são atingidos pelo fogo das vaidades. Se as ferramentas do Estado fossem desprovidas de sentimentos, teríamos gigantesca estrutura comprometida com o bem comum. Coisa difícil.
O bem da coletividade passa pelo personalismo num País que privilegia a marca pessoal. O Estado-Espetáculo abre o palco da visibilidade. Toda ação é precedida pela louvação do dirigente. O ministro Moro é o xerife-mor, mesmo sob tiroteio. Juízes e procuradores dão o tom das orquestras da justiça e da política. Alas e grupos se formam, matizes políticos se expandem e o espetáculo ganha fogo alto.
A querela se espalha, como se vê hoje nos três Poderes. O que fazer com a massa que agita atores e instituições? O óbvio: cumprir o dever nos limites prescritos pela lei, despir a vaidade, usar o bom senso para evitar duplicação de tarefas e profissionalizar estruturas, deixando-as imunes aos partidarismos. Cada Poder com suas funções. Se novo controlador vier para comandar o já existente, o País andará em círculos.Gaudêncio Torquato
Velhas práticas chegam à nova política
É inédito o peso político depositado pelo presidente da República sobre uma indicação para embaixador. O presidente Jair Bolsonaro transformou o caso numa questão pessoal. Reclama que as discussões sobre a capacidade do filho 03 para o exercício do cargo ficaram em segundo plano, mas trata qualquer questionamento técnico sobre o assunto como ataque à sua própria honra e também à do filho.
No Palácio do Planalto, o encaminhamento que o Senado dará à indicação não será visto como a apreciação de uma mensagem trivial do Executivo. Mas como deferência ou ofensa do Legislativo ao presidente da República, uma visão distorcida da relação ideal entre os Poderes.
No campo jurídico, o desafio será sacramentar a legalidade de uma iniciativa que já é alvo de questionamentos e terá como protagonista quem um dia já zombou da facilidade de se fechar o Supremo Tribunal Federal.
O governo precisará derrubar as ações que tentam enquadrar o caso como nepotismo, num momento em que o STF vem lhe impondo uma série de derrotas. Mesmo assim, a aposta em Brasília é que a maioria dos ministros do Supremo também não deve criar obstáculos à nomeação de Eduardo. Primeiro porque o cargo de embaixador pode ser considerado função de representação do presidente em outro país, embora obviamente ele também seja responsável pelo tratamento dos assuntos de Estado. Além disso, aliados de Bolsonaro não tardariam a lembrar exemplos de integrantes da cúpula do Judiciário que ajudaram a impulsionar a carreira de seus próprios filhos na magistratura ou na advocacia.
Aos poucos, o presidente vai testando os limites da institucionalidade e tratando como opositor qualquer um que questione suas ideias e declarações, as quais muitas vezes não são levadas a sério como deveriam.
O plano de nomear o filho Eduardo para a embaixada de Washington, por exemplo, foi gestado muito antes de o deputado ultrapassar a barreira etária imposta pela Constituição para o exercício da função. Vistos em perspectiva, os sinais estavam evidentes e possivelmente não receberam a atenção necessária em razão da enxurrada de ruídos sempre presente nas falas presidenciais.
Em novembro do ano passado, logo depois da eleição, Eduardo viajou aos Estados Unidos para representar o presidente eleito. À época, o discurso adotado foi que lá estava para ajudar o Brasil a recuperar a credibilidade no exterior.
A postura do deputado federal provocou incômodo entre diplomatas e autoridades do governo Michel Temer, que se sentiram excluídos de tratativas mantidas com altos representantes do governo americano. Com direito a imagens que já se tornaram registros históricos, Eduardo desfilou com um boné da campanha à reeleição do presidente americano, Donald Trump, atropelando um limite caro aos diplomatas de carreira: a não interferência em processos políticos internos de outros países.
Depois veio o protagonismo obtido durante a visita oficial de Bolsonaro aos Estados Unidos, quando sentou-se no Salão Oval da Casa Branca ao lado do presidente, local normalmente ocupado pelo principal auxiliar presidencial da área, o chanceler.
Mas nada se compara a uma entrevista de Jair Bolsonaro à TV Band, em março. Na ocasião, afirmou que foi Donald Trump quem convidou o parlamentar a participar do encontro reservado, pois Eduardo é amigo de seu filho. O presidente negou que tenha havido menosprezo ao ministro Ernesto Araújo, e emendou com tranquilidade: "Inclusive já propuseram até e acham que eu posso indicar meu filho Eduardo, que fala duas línguas e tem um amplo conhecimento de mundo, para ser embaixador nos Estados Unidos".
Bolsonaro não revelou a nacionalidade do autor da sugestão, se americana ou brasileira. Mas demonstrou, por outro lado, já saber o que aconteceria quando a até então inconcebível decisão começasse a ser colocada em prática. "Eu disse: 'A gente vai apanhar de graça da imprensa'. Então, nós vamos ficar, por enquanto... não discutir esse assunto", completou na entrevista, numa época em que o deputado ainda não havia completado os 35 anos necessários para assumir o posto de embaixador.
Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, Eduardo Bolsonaro realizou reuniões nos últimos meses com autoridades americanas e defendeu a aproximação entre os dois países em várias oportunidades. É interlocutor de integrantes da oposição ao presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e recentemente começou a ampliar sua área de atuação com visitas à Indonésia e aos Emirados Árabes Unidos.
A máquina do Itamaraty será colocada em funcionamento para garantir que sua passagem seja bem sucedida. Mas, pelo menos num primeiro momento, sua atuação como embaixador deve servir muito mais ao projeto político dos Bolsonaro do que aos interesses nacionais. Eduardo desembarcará em Washington com a missão de defender a imagem do pai no exterior, será uma fonte sempre à disposição da mídia internacional quando for preciso rebater qualquer tipo de denúncia contra o governo. Trabalho não faltará.
Enquanto isso, aqui e acolá o presidente já começa a mencionar a possibilidade de Eduardo vir a ser nomeado ministro das Relações Exteriores. Convém não tratar as declarações como bravata.
Sobre o anarcocapitalismo
O anarcocapitalismo —investigado em reportagem de Fabio Zanini para a Folha— é uma dessas opiniões. É a proposta de que o Estado deixe de existir, mas não a propriedade privada. Ele nos desafia a voltar aos conceitos básicos e indagar: por que o Estado é desejável?
O Estado brasileiro é notoriamente ineficiente. O caos tributário, a má vontade regulatória, a multiplicação de estatais e a má qualidade do serviço público tornam compreensível o apelo de uma utopia anárquica.
A propriedade privada e a livre iniciativa, que dão origem ao processo de mercado, são instituições brilhantes por harmonizar o interesse individual ao coletivo: mesmo o mais egoísta se vê obrigado a oferecer algo de valor aos demais para receber deles algo em troca. Com o uso da moeda, esse processo gera preços que, por sua vez, transmitem informação sobre a escassez relativa dos diversos bens e serviços, de maneira muito mais dinâmica e aberta à correção constante do que qualquer planejador central seria capaz.
Mas isso não dá conta de todos os nossos problemas. A proteção ao meio ambiente é um deles. Há interesses para destruir e poluir, gerando lucros astronômicos para alguns (e, sim, preços mais baixos) no curto prazo. Mas e o preço pago pelos afetados pela poluição e pelo desmatamento? E as gerações futuras pagarão por essa escolha? Isso não é contabilizado no mercado.
A existência de um mercado dinâmico, que gere empregos, é condição necessária para a ascensão social das classes mais baixas. Mas sem um sistema que garanta acesso à educação, saúde e um mínimo de condições de vida, essa ascensão fica muito mais sofrida e incerta. O Brasil já viveu sem que o Estado se preocupasse em universalizar a educação: o resultado era o analfabetismo geral. Ele precisa melhorar, não se ausentar.
Em séculos passados, a teoria da propriedade proposta por John Locke (se um pedaço de terra não tem dono, o primeiro que se apropriar dele com seu trabalho vira o dono) justificou a tomada violenta de terras comunitárias na Inglaterra e de territórios indígenas nas colônias americanas. Hoje, justificaria o desmatamento da Amazônia.
Afinal, é o aparato estatal que age ilegitimamente ao obstruir o trabalho de madeireiros, garimpeiros e grileiros sobre terras sem dono.
Há ainda o problema da desigualdade. O capitalismo desenfreado sem nenhum anteparo estatal partiria da desigualdade de riquezas e oportunidades tal como ela é nos dias de hoje. E o processo histórico que gerou essa realidade desigual não se pautou, nos últimos 500 anos, pelas regras da livre concorrência e da meritocracia...
Qual o valor de defender uma liberdade abstrata se essa defesa resultará, na prática, em muita liberdade para poucos privilegiados enquanto muitos carecem do básico e, portanto, da liberdade de se desenvolver? Por que a liberdade que depende da redistribuição vale menos do que a que depende da manutenção da propriedade atual? Menos Estado não significa necessariamente mais liberdade.Joel Pinheiro da Fonseca
Ainda lidamos com o lixo como na Idade Média
A bioeconomia exige consumidores mais conscientes. Entender as nossas necessidades e estudar melhor os produtos que serão adquiridos. Essa nova dinâmica impulsiona a utilização de fontes renováveis e biodegradáveis nos produtos e nas embalagens. Esse caminho ganha impulso importante a partir das regulações estabelecidas em alguns países, como Reino Unido, Suíça, China, Índia, e até em cidades brasileiras que restringem materiais de recursos não renováveis. O consumidor passa a entender que a escolha na gôndola é muito importante e busca produtos de base biológica, produzidos a partir de recursos renováveis.
Ao empoderar o consumidor da sua responsabilidade, outra etapa importante, que muitas vezes fica longe da atenção de todos, ganha espaço, o descarte. Não podemos continuar descartando o lixo que produzimos como se fazia na Idade Média, colocando-o em ruas ou a céu aberto, ignorando as consequências desse gesto danoso e ultrapassado.
Diante da poluição global causada pelos resíduos sólidos, principalmente os provenientes dos polímeros derivados do petróleo, a adoção de melhores práticas e a migração para produtos de base renovável são o caminho. Produtos de papel têm origem sustentável e podem retornar à cadeia produtiva, mas também são facilmente compostáveis, sendo biodegradáveis em poucos meses.
Para incentivar que haja o correto descarte e os produtos não sejam enviados para aterros, quando poderiam ser reciclados, as indústrias investem no desenvolvimento da infraestrutura de coleta seletiva e nas cooperativas, na adaptação do seu parque fabril para a incorporação de fibras recicladas, e na educação ambiental das comunidades do entorno da sua operação. Só a Klabin, por exemplo, investiu cerca de R$ 400 milhões em aumento de capacidade de produção de papel reciclado, na cadeia de catadores e aparas e em educação ambiental.
O resultado é que o Brasil figura entre os maiores recicladores de papel do mundo, com 5,1 milhões de toneladas retornando ao processo produtivo por ano. A taxa de recuperação estimada é de 68%. De todo o lixo que é enviado para aterro normal, 13% ainda são papel. Apesar de uma participação relativamente baixa, o setor acredita que esse desempenho poderia ser melhor.
Muitos produtos de papel, que poderiam ser reciclados, não são destinados a esse fim. Por exemplo, aquela caixa da embalagem de bombons que tem origem sustentável pode e deve ter uma destinação correta, assim como caixas de leite, caixas de pizza (com atenção para as partes engorduradas, que não podem ser misturadas ao material reciclável) e outros produtos que estão no dia a dia e têm potencial para retornar à cadeia produtiva.
Mas nessa construção de corresponsabilidades não são apenas os consumidores e a indústria que estão envolvidos. É preciso entender que outros atores participam, como o poder público, o varejo e os importadores. Todos têm sua parcela de participação, ou ao menos deveriam ter. Nesse quesito, políticas públicas são imprescindíveis. Hoje, poucas são as cidades dos 5.570 municípios que fazem coleta seletiva. E a discussão da responsabilidade das importadoras ainda está em construção.
A bioeconomia é uma visão de futuro que requer o envolvimento e o amadurecimento de todos os participantes, além de trazer novos modelos econômicos, exigindo alta produtividade, tecnologia e inovação. E novamente o setor de florestas plantadas está trabalhando nesse sentido, com pesquisa e desenvolvimento. Um exemplo disso é a tecnologia em desenvolvimento de extração de celulose nanocristalina (CNC), produzida a partir de fontes renováveis para criar soluções de embalagens de papel mais sustentáveis e com barreiras biodegradáveis, ou seja, papéis e embalagens ainda mais resistentes e 100% recicláveis. O segmento também tem investido em novas rotas tecnológicas para aproveitamento integral da madeira, não somente para a produção de celulose, papel e energia, mas para usos dos demais componentes da madeira, como resinas e lignina em bases químicas renováveis, biodegradáveis e compostáveis.
Os produtos de base biológica, produzidos a partir de recursos renováveis, ganham espaço e são considerados o melhor e mais racional uso do capital natural disponível. Sabemos que o papel, em suas diversas utilizações, e os produtos de origem de árvores cultivadas serão protagonistas.
A cultura do consumo e o modo de vida baseado em extrair, produzir e descartar têm impactado negativamente o planeta. O Acordo de Paris, que foi aprovado por 195 países, incluído o Brasil, é um reconhecimento desse fato e busca fortalecer a resposta global à ameaça da mudança do clima, reduzindo emissões de gases de efeito estufa e investindo no desenvolvimento sustentável.
Essa consciência extrapolou o espaço técnico e já pode ser vista nas megatendências planetárias, com a sociedade pautando escolhas por um mundo mais sustentável. Vemos isso nas preocupações crescentes de marcas globais com produtos mais amigos do meio ambiente, como McDonald’s, Coca-Cola, Pepsico e Nestlé.
Está mais do que na hora de todos incentivarem a consolidação desse modelo econômico que utiliza matéria-prima renovável e de baixa emissão de carbono. E convocar todos a serem responsáveis por sua parcela nessa nova realidade, investindo em consumo sustentável e, na outra ponta, praticar o descarte responsável, muito, muito distante das feições medievais que ainda caracterizam a destinação de lixo em nosso país.
'Vingança' presidencial
[Fui eleito] sem TV, sem tempo de partido ou recursos, com parte da mídia todo dia esculachando a gente. Chamando de racista, homofóbico, fascista. No dia de ontem eu retribui parte do que grande parte da mídia me atacouJair Bolsonaro depois de assinar a MP que acaba com a obrigação de empresas de capital aberto de publicarem seus balanços em jornais
Guerra China x EUA complica desafio do Brasil
Tudo parecia caminhar bem. Aos trancos, o governo se esforça para ajustar as suas contas, o Banco Central se empenha para calibrar a taxa de juros e o Congresso, de volta das férias, retoma a análise de reformas como a da Previdência e a tributária. De repente, acirrou-se a guerra comercial entre China e Estados Unidos. Essa guerra parece longínqua. Mas não é. Ela potencializa o nosso desafio, dificultando a retomada do crescimento econômico no Brasil.
Ao acenar com a imposição de tarifas a todos os produtos de origem chinesa, Donald Trump esperava que Pequim dobrasse os joelhos. Ao desvalorizar sua moeda para amortecer o impacto dessa investida protecionista de Washington, a China sinalizou a intenção de resistir. Prolongando-se esse embate entre as duas maiores economias do planeta, a tendência é de redução do crescimento mundial.
Contra esse pano de fundo, cria-se um ambiente ainda mais difícil para países como o Brasil. Mantida a guerra, devem cair a médio prazo os preços das commodities agrícolas, em prejuízo das exportações brasileiras. A atmosfera de incerteza deve retrair o ânimo de investidores estrangeiros para correr riscos em mercados como o do Brasil.
Em respeito aos quase 30 milhões de brasileiros que estão desempregados, desalentados ou sub-remunerados, resta às autoridades e aos agentes políticos agir com extrema responsabilidade. Não é admissível que o Congresso retarde a mexida na Previdência para exigir benesses. Não é tolerável que Câmara, Senado e governo demorem a unificar seus projetos de reforma tributária. Não é concebível que Jair Bolsonaro continue criando crises do nada. A hora é de fazer política, não politicagem.
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