quinta-feira, 22 de maio de 2025

Perdoa-nos (Meditação em tempos de genocídio)

Perdoe-nos por não sermos brancos o suficiente,
Por não ter cabelos loiros e olhos azuis,
Para (a maioria de nós) ter a religião “errada”.

Perdoa-nos por sermos palestinos,
Por ser muçulmano, cristão e secular.
Perdoe-nos por sermos árabes,
Por ser demonizado por seus filmes e livros bobos.

Perdoa-nos por estarmos aqui muito antes de ti em nossa terra natal,
Pelas nossas oliveiras nativas, pelos nossos thobes nativos e pelas nossas canções nativas.
Perdoa-nos por nossa natividade e por teu artifício e fraude.

Perdoe-nos por não nos importarmos com o que você pensa sobre nós,
Por não sermos as vítimas perfeitas.
Perdoa-nos por nossa língua vir antes da tua,
Que é mais rico, mais profundo e mais expressivo.
Perdoa-nos por escrever os teus livros sagrados,
Isso você não entende.

Perdoa-nos por suas intermináveis ​​guerras profanas,
Sua covardia, seu puro ódio.

Perdoe-nos, nossos guerreiros, por defender nossa terra em nossa terra.
Perdoe-nos, seus terroristas que vêm e vão
De muito longe.

Perdoa-nos pela tua depravação, pela tua imoralidade,
Sua profunda ignorância.
Perdoe-nos pela sua mediocridade,
Seu atraso cultural, seu vazio.

Perdoe-nos pelos bebês que você queimou e enterrou vivos,
Pelas mães, pais, tias, tios, filhas, filhos e avós que você assassinou
Em seu sono,
Por todas as suas confissões disfarçadas de acusações.

E perdoa-nos por não querermos morrer em silêncio
Enquanto vocês seguem com suas vidas ocupadas e importantes.
Sinceramente, sentimos muito.
Roger Sheety

Destruição do licenciamento ambiental ameaça liderança climática mundial do Brasil

Enquanto o Brasil se prepara para sediar a COP30 da ONU em Belém, evento crucial para o futuro climático global, o Senado debate um projeto de lei que pode agravar irremediavelmente a destruição da maior floresta tropical do mundo. O Projeto de Lei 2159/2021, sob o pretexto de “agilizar” o licenciamento ambiental, representa um ataque direto à estrutura de proteção ambiental construída nas últimas décadas. Longe de ser uma modernização, o projeto enfraquece drasticamente a capacidade do Estado brasileiro de avaliar riscos, prevenir danos e garantir o equilíbrio ecológico que sustenta a própria economia e segurança hídrica do país.

Ao permitir que projetos sejam de médio impacto e se autolicenciem por uma simples declaração, sem critérios claros e rebaixando a relevância da manifestação de órgãos como a Funai e o Iphan, este PL basicamente delega ao empreendedor afirmar se haverá risco ambiental ou não, o que suprime objetivamente os princípios de precaução e da prevenção, conforme previsto na Constituição Federal e na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), princípio 15:

“Com a finalidade de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente aplicado pelos Estados, segundo suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deverá ser usada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”

Impactos ambientais indiretos, como o desmatamento ilegal, a poluição do ar e a contaminação de rios, praias e mares advindos desses empreendimentos deixarão de receber uma análise ambiental criteriosa, mesmo quando envolvam termelétricas próximas a setores residenciais, hospitais e escolas, pavimentação de estradas em áreas sensíveis para a fauna silvestre, mineração em cabeceiras de nascentes e áreas de recarga de aquíferos que abastecem agricultores – para ficar em poucos exemplos. Caso esse PL seja aprovado, também os instrumentos de ordenamento urbano e zoneamento ecológico econômico não mais serão um impeditivo para empreendimentos com impactos negativos conhecidos em cidades por todo o país.

Assim redigido, esse PL oferece um salvo-conduto para a destruição ambiental, com impactos profundos sobre o abastecimento de água, a qualidade do ar, a produção de alimentos e a saúde das populações no Brasil inteiro – mas não só isso, como veremos a seguir. 


O climatologista Carlos Nobre, membro da Academia Brasileira de Ciências e do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), referência mundial em Amazônia e mudanças climáticas, alerta que a floresta se encontra sob grave risco de colapso ecossistêmico, o chamado “ponto de não retorno”. Em suas palavras:

“Estamos muito próximos do ponto de virada da Amazônia. Se a taxa de desmatamento ultrapassar os 20% a 25% da cobertura original, a floresta não conseguirá mais se sustentar como floresta tropical. A transição para uma vegetação semelhante ao Cerrado será irreversível em grandes áreas.”

Atualmente, a Amazônia brasileira já perdeu mais de 18% de sua cobertura original, com outros 17% em processo severo de degradação (MapBiomas, 2023). Diversos projetos, como o asfaltamento da BR-319, entre Porto Velho (RO) e Manaus (AM), poderão ser o estopim para esse colapso ecológico. Chico Mendes, seringueiro e companheiro histórico da atual ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que deu sua vida em defesa da floresta amazônica e hoje empresta seu nome ao Instituto responsável pela gestão de áreas protegidas federais, já advertia sobre essa estrada nos anos 1980: “A BR-319 vai cortar o coração da floresta. Não é estrada, é um rastro de morte.”

Apenas 2% a 7% de desmatamento do bioma Amazônia é o que nos separa do ponto de não retorno. Em português direto, a liberação do asfaltamento dessa única BR basta para que os impactos indiretos de desmatamento ilegal dela oriundos – a abertura de estradas vicinais irregulares, as famosas “espinhas de peixe”, atinjam e rompam o limiar alertado por Carlos Nobre. Essa obra, por configurar “melhoria de projeto existente”, é uma das que passa a ter aprovação praticamente automática e sem medidas de mitigação, independente dos graves impactos previsíveis de sua realização. Caso o licenciamento ambiental no Brasil seja desfigurado pela aprovação e sanção do PL 2159/2021, a viabilização deste e de dezenas de outros projetos trará consequências irreversíveis para o bioma amazônico e a estabilidade climática brasileira.

O colapso anunciado da floresta não se limita à Amazônia, pois poderá afetar todos os ecossistemas e biomas conexos não apenas do Brasil, mas também dos países vizinhos, como as florestas andinas e mesmo os glaciares que abastecem milhões de pessoas, configurando uma perspectiva de crise climática de escala continental. A Amazônia e os biomas conexos do Pantanal e Cerrado desempenham um papel fundamental na regulação climática de toda a América do Sul, ao prover e conduzir os “rios voadores” de vapor d’água do Norte para o Centro-Oeste, Sudeste, partes do Nordeste até o Sul do Brasil, que abastecem de água também países vizinhos como Bolívia, Paraguai, Peru e Argentina. Essa é a dimensão do risco que o PL 2159/2021 traz ao aprofundar o vetor de desmatamento para um sistema tão ameaçado quanto vital para a realidade climática com que estamos acostumados, e que já dá seus primeiros sinais de desequilíbrio.

Para se ter ideia da escala dos danos climáticos que podem acontecer caso esse sistema hidrológico-climático seja desequilibrado, basta olhar o mapa mundi e localizar três estados brasileiros – Mato Grosso do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro. Traçando um paralelo latitudinal, na África, o deserto da Namíbia é a primeira parada, seguida pelo deserto australiano, e por fim, o deserto de Atacama, no Chile. Nessa latitude de aridez, a única faixa verde em todo o globo terrestre se restringe à faixa contida entre os Andes e o Atlântico, ou seja, as geografias irrigadas pelos rios voadores e bacias que nascem em sua maioria na Amazônia.

A savanização da Amazônia, os incêndios florestais e a seca já vivida em várias de suas cidades são oriundas do desmatamento e do aquecimento global causado pela atividade humana, e infelizmente esta não é uma crise isolada desse bioma. Desde 2023, temos já oficialmente o primeiro deserto brasileiro, com quase 6.000 km². Maior que o Distrito Federal ou que a área das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo juntas, está situado no centro norte da Bahia e divisa com Pernambuco, atingindo importantes municípios que dependem da agricultura irrigada, como Juazeiro. Esse primeiro caso de desertificação consolidada, identificado pelo Inpe e Cemaden, se insere em outro contexto maior, mapeado desde os anos 1960, que é a expansão do semiárido brasileiro. Em setenta anos, aproximadamente 75.000 km² de terras se tornaram semiáridas como consequência direta do desmatamento e do ressecamento de rios, córregos e aquíferos – o equivalente à área do Espírito Santo. Uma média de 10.000 km² a cada década.

Tanto na Caatinga como na Amazônia, o vetor de desmatamento e degradação é o mesmo: a abertura de novas fronteiras agrícolas. A aprovação do PL 2159/2021 deverá intensificar significativamente a expansão da agropecuária sobre áreas de vegetação nativa não apenas nestes, mas em todos os biomas brasileiros, ao permitir a dispensa automática do licenciamento ambiental para atividades como pecuária extensiva, cultivo de grãos e manutenção de pastagens. Sob a justificativa de serem de “baixo impacto”, essas práticas poderão ser autorizadas sem qualquer estudo de impacto ambiental, mesmo quando realizadas em áreas recentemente desmatadas. Isso representa, tacitamente, a legalização do desmatamento para agropecuária.

Segundo o MapBiomas (2023), cerca de 97% do desmatamento no Brasil é ilegal, e a pressão crescente sobre as áreas de transição entre o Cerrado e a Amazônia, atualmente protegidas por exigências legais, será diretamente impactada com a flexibilização proposta pelo PL 2159/2021 – justamente aquelas áreas na porção sul da Amazônia, com maior índice de degradação por fogo, maiores percentuais de desmatamento, e com maior risco de savanização. As perspectivas são de perda de 50% a 70% da floresta em sua metade sul, do Atlântico à Bolívia, caso seja atingido o ponto de não retorno do bioma amazônico.

Atualmente, a valorização de terras desmatadas em regiões de expansão agropecuária transforma a destruição ambiental em ativo econômico, e terras públicas não destinadas, inclusive em Unidades de Conservação e florestas protegidas tornam-se alvo primordial desse modelo. O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam, 2022) estimou que mais de 24 milhões de hectares de florestas públicas estão sob ameaça direta de grilagem – um risco amplificado pela eliminação de barreiras legais e pela fragilização dos instrumentos de licenciamento ambiental.

A savanização da Amazônia poderá comprometer gravemente o regime de chuvas no Norte, Centro Oeste e Sudeste, afetando culturas agrícolas essenciais em São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Pará, Rondônia, Acre e Goiás. Igualmente, com a diminuição das precipitações nas cabeceiras dos rios glaciares no Peru e na Bolívia, serão impactadas diretamente diversas regiões e cidades desses países. A recarga das geleiras dos Andes, hoje já em processo acelerado de derretimento pelo aquecimento global, poderá ser ainda mais comprometida, colocando em risco o abastecimento hídrico de milhões de pessoas. Na Argentina e no Paraguai, a agricultura depende criticamente das chuvas do verão austral, cuja regularidade é garantida pelos rios voadores e bacias hidrográficas que nascem na Amazônia. Além disso, eventos extremos como as enchentes no Rio Grande do Sul e as secas históricas na Amazônia tenderão a se intensificar em frequência e gravidade, segundo os modelos climatológicos que soam o alerta há anos.

A destruição da floresta amazônica não apenas ameaça a estabilidade climática regional, mas poderá desestruturar cadeias produtivas inteiras, forçando deslocamentos populacionais e gerando insegurança alimentar e energética em escala continental, sem falar nos danos globais da emissão de gases do efeito estufa que esse processo pode incorrer. Estudos recentes estimam que a Amazônia armazena cerca de 200 bilhões de toneladas de carbono (Brienen et al., Nature, 2015).

Caso a floresta colapse e entre em processo de savanização, grande parte desse carbono será liberado na atmosfera, acelerando o aquecimento global e convergindo para os cenários mais agravados de aquecimento, acima de 2 graus. Isso se conectaria a outros sistemas instáveis, como o degelo do Ártico e o colapso da calota da Groenlândia, em um efeito dominó de tipping points globais, conforme descrito por Lenton et al. (Nature, 2019). Segundo esses cientistas, ultrapassar tais pontos pode levar o planeta a uma nova era geológica desestabilizada, marcada por temperaturas elevadas e eventos extremos irreversíveis. O colapso da Amazônia é um dos gatilhos mais próximos e perigosos dessa cadeia, e o Senado brasileiro está sendo o dedo a apertá-lo.

Para além das consequências ambientais no curto horizonte de tempo, a eventual aprovação do PL 2159/2021 trará consigo prejuízos multilaterais e comerciais de curto prazo ao Brasil, ao direcionar o país à rota de colisão com diversos compromissos assumidos em tratados e blocos internacionais. Imediatamente, se destaca o acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia, paralisado justamente por preocupações ambientais. O PL viola frontalmente cláusulas do acordo, como o respeito ao Acordo de Paris e ao princípio da precaução. França, Alemanha e Áustria já alertaram que não ratificarão o tratado caso o Brasil não fortaleça – ao invés de enfraquecer – suas salvaguardas ambientais.

A OTCA (Organização do Tratado de Cooperação Amazônica), baseada na cooperação e conservação regional, também terá seu funcionamento minado caso o PL 2159/2021 seja aprovado, haja vista o prejuízo reputacional já no curto prazo para o Brasil junto a seus vizinhos amazônicos, que afetará sua estratégia de integração e dificultará ações coordenadas contra o desmatamento e em favor do desenvolvimento sustentável – razão de ser daquela organização. Cabe ressaltar que esse prejuízo reputacional já foi exposto pela chancelaria colombiana publicamente, em razão das tensões causadas pela insistência brasileira em prospectar petróleo na Margem Equatorial, a despeito da fragilidade dos estudos e diligências de segurança para esse projeto.

A desfiguração do licenciamento ambiental tende a desestimular investimentos estrangeiros, especialmente em setores que exigem certificações ESG, com risco de interromper negociações multilaterais para além do tratado de livre comércio entre União Europeia e Mercosul, que levou mais de vinte anos para ser negociado. Além de afetar diretamente exportações agrícolas e industriais, o Brasil ainda poderá sofrer sanções diplomáticas, comerciais e climáticas, como barreiras alfandegárias ambientais, e enfrentar processos em instâncias internacionais como a Organização Mundial do Comércio, comprometendo irremediavelmente a imagem internacional do país, justo quando ele busca protagonismo climático em foros tão importantes como o G20, Brics e a própria ONU.

Por fim, segundo o Instituto Socioambiental e o Observatório do Clima, o PL fere compromissos do Acordo de Paris (art. 4º) e da Convenção da Diversidade Biológica (arts. 6º e 8º), e contraria a jurisprudência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), especialmente quanto ao direito a um meio ambiente saudável e à consulta prévia a povos indígenas, prevista na Convenção 169 da OIT e na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (art. 32).

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, §1º, inciso I, impõe ao poder público, incluindo o Congresso Nacional, o dever de “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas”, o que implica a garantia da sustentabilidade intergeracional, isto é, assegurar os direitos ambientais não apenas para a presente, mas também para as futuras gerações.

Sediar a COP30 em Belém é uma oportunidade histórica de liderança, mas liderança exige exemplo e coerência. Quando o Brasil conclama o mundo a rever suas contribuições nacionais determinadas (NDCs) à luz do fracasso do Acordo de Paris, em um mundo que já rompeu o limite de aquecimento global de 1,5 graus, em vez de inspirar pelo exemplo, o Senado estará legalizando a degradação, a poluição atmosférica e o desmatamento ambiental, caso o PL 2159/2021 seja aprovado. Tamanha contradição comprometerá todos esses acordos necessários e almejados para a COP30, afastará parceiros internacionais e enfraquecerá o protagonismo diplomático do Brasil no cenário global, além de prejudicar irremediavelmente a imagem do governo federal perante a opinião pública brasileira, com consequências diretas para o pleito de 2026.

Jared Diamond, em seu livro Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso, publicado há vinte anos, lista diversos exemplos históricos de sociedades que fizeram escolhas civilizacionais que respeitam seus ecossistemas e recursos naturais, bem como aquelas que fizeram o contrário, e por isso não mais existem. Estamos hoje, no Brasil, precisamente diante de um destes momentos históricos. Nas palavras do autor:

“O que mais me impressiona nas sociedades do passado é que muitas delas cometeram erros ambientais catastróficos mesmo tendo exemplos prévios diante de si. Elas sabiam o que estavam fazendo – mas fizeram assim mesmo.”

A Amazônia não é apenas uma floresta – é um sistema climático vital para a América do Sul e o planeta. O PL 2159/2021 é mais do que uma proposta legislativa: é uma sentença de morte para esse bioma, e muito além. O Congresso Nacional e especialmente o Senado têm a escolha de consagrar o maior retrocesso ambiental da história e condenar o equilíbrio climático no Brasil e na América do Sul, ou ser uma força de liderança e responsabilidade para frear a erosão democrática e a normalização do absurdo, e liderar uma transição econômica e ecológica que abrirá novas cadeias de desenvolvimento, paz e estabilidade democrática. O mundo e a sociedade brasileira estão observando.

Hamas venceu: inteligência morreu

Em geral, artigos em jornal morrem no dia seguinte à sua publicação. Mas, ao assistir ao noticiário do último fim de semana sobre a violência do exército israelense em Gaza, 20 meses depois de um artigo, publicado em outubro de 2023, creio que se justifica republicá-lo, sem mudar uma vírgula, nem título:


"Nenhum país do mundo tem o acervo de Israel em inteligência. Apesar disso, a política externa israelense não consegue construir uma nação em paz com seus vizinhos porque, ao serem provocados por grupos terroristas, seus dirigentes abandonam a inteligência da diplomacia, construtora da convivência no longo prazo, e optam pelo poder militar, da destruição da população palestina. Caem nas armadilhas dos que precisam incentivar o radicalismo que se retroalimenta impedindo a paz e promovendo o ódio que os terroristas precisam.

O Hamas aproveitou um primeiro-ministro israelense fragilizado política e moralmente, sem estatura de estadista, defensor da ocupação de todo o território palestino. Seus terroristas invadiram Israel, assassinaram e sequestraram centenas de civis e conseguiram provocar a reação militar contra a população de Gaza. Sacrificaram os próprios irmãos palestinos soterrados em escombros, mas venceram porque mataram a inteligência que caracteriza a história e o pensamento judaico.

Sobre os escombros de Gaza e os cadáveres de crianças palestinas, o Hamas venceu ao trazer Israel para a barbárie. Mesmo que o exército de Israel mate todos os militantes do Hamas e seus irmãos, primos e netos e destrua todos os prédios onde eles habitam, no longo prazo, Israel não terá vencido a guerra, porque muitos dos que se opõem ao Estado de Israel devem estar usando a destruição de Gaza e as imagens de crianças soterradas para alimentar o antissionismo (contra a criação do Estado de Israel) e o antissemitismo (contra o povo judeu). O Hamas conseguiu diminuir o número dos que dizem: "Faça o que fizer o governo de Israel com as crianças de Gaza, continuarei respeitando e admirando o povo judeu".

O mundo precisa continuar a respeitar e ser solidário com os judeus, não esquecer as diásporas, genocídios, holocaustos e guetos que eles sofreram, mas Israel precisa de estadistas que não pratiquem diáspora, genocídio, holocausto, guetos contra os palestinos.

Segundo Hannah Arendt, o nazista gestor da "solução final" foi um burocrata banal movido pelo clima antissemita, hoje os dirigentes israelenses são políticos banais com obsessão por solução militar, sem inteligência política nem diplomática, sem visão de longo prazo, movidos pelo clima de raiva provocado por um insano e bárbaro grupo terrorista. Políticos banais que, para atender ao explicável desejo de vingança dos eleitores israelenses, cometem o erro moral de explodir bombas contra famílias para atingir um bandido que está no meio, e o erro histórico de comprometer o próprio país, mantendo-o em guerra permanente; além de provocar a erosão do apoio internacional para a causa do direito de Israel a sua sobrevivência. Presos ao imediato, reagindo a terroristas, os políticos banais usam o direito de Israel a se defender no presente contra alguns terroristas e matam a chance de convivência no longo prazo com os palestinos. O ódio e a raiva matam a inteligência e dão ao Hamas a vitória de serem confundidos com o povo que sacrificam. Matam alguns indivíduos criminosos dando-lhes a vitória da sobrevivência e fortalecimento da ideia do antissionismo. A morte da inteligência impede os políticos banais de Israel de agirem para matar as ideias que alimentam o terror. Matam alguns ou todos terroristas insanos alimentando as ideias insanas que seguirão motivando novas gerações.

Se fossem estadistas, denunciariam a brutalidade desumana dos terroristas, preparariam as armas, mas convenceriam seus eleitores de que o momento da vitória chegaria com o apoio do mundo inteiro, inclusive de palestinos, chocados com os atos do Hamas e com a própria tragédia social em que vivem sob o governo desse partido insano. E formulariam um mapa para a construção de dois Estados convivendo em paz. Essa seria a verdadeira derrota do Hamas, sem dar-lhes o combustível de milhares de inocentes soterrados nos escombros que servirão de plataforma para ampliar o terrorismo, o antissionismo e o antissemitismo."

Cego e lerdo, torpe e indecente

Mas por que a verdade gera o ódio? Por que os homens olham como inimigo aquele que a prega em teu nome, uma vez que amam a felicidade, que mais não é que a alegria nascida da verdade? Talvez por amarem a verdade de tal modo que tudo de diferente que amam, querem que seja verdade; e, não admitindo ser enganados, também não querem ser convencidos de seu erro. Desse modo, detestam a verdade por amarem aquilo que tomam pela verdade. Amam-na quando ela brilha, mas odeiam-na quando os repreende; e, como não querem ser enganados, mas enganar, eles a amam quando ela se manifesta, mas a odeiam quando ela os denuncia. Porém ela os castiga; não querem ser descobertos pela verdade, mas esta os denuncia, sem que por isso se manifeste a eles. É assim o coração do homem! Cego e lerdo, torpe e indecente: quer permanecer oculto, mas não quer que nada lhe seja ocultado. Em castigo, sucede-lhe o contrário: não consegue esconder-se da verdade, enquanto esta lhe continua oculta. Contudo, apesar de tão infeliz, prefere encontrar alegrias na verdade que no erro. Será, portanto, feliz quando, livre de perturbações, se alegrar somente na Verdade, origem de tudo o que é verdadeiro. 
Santo Agostinho, “Confissões“

Os brasileiros do Chega

Mulher, negra e imigrante. A brasileira que fez questão de ir às comemorações do Chega, partido de extrema-direita que elegeu 58 deputados para a Assembleia da República, é o retrato claro de parcela dos imigrantes que estão em Portugal e defendem, equivocadamente, políticas restritivas para quem vem de fora com o intuito de construir uma nova vida no país.

Em um tom acima do normal, olhando para as câmaras das tevês, ela ressalta que é trabalhadora, que paga seus impostos, como se os demais imigrantes fossem vagabundos e só estivessem em território luso para se aproveitarem de benesses governamentais, como prega o líder do partido radical, André Ventura.


Como a brasileira — negra e imigrante —, muitos conterrâneos dela espalhados por Portugal depositaram nas urnas votos no Chega. Insuflados por mentiras e propagandas de incentivo ao ódio e à xenofobia, esses brasileiros acreditam que são imigrantes de primeira classe, que têm todos os direitos de estar em Portugal, enquanto os demais, sobretudo indianos, nepaleses, bengalis e paquistaneses, devem ser barrados e expulsos do território luso.

Em entrevista ao PÚBLICO Brasil, uma produtora cultural disse que fazia questão de votar nas eleições de domingo por acreditar que Portugal estava livre do fascismo que ela viu crescer no Brasil nos últimos anos e que a apavorou. Contudo, muitos brasileiros que vivem em terras portuguesas têm batido no peito e falado, em alto e bom som, que as propostas fascistas e anti-imigração do Chega — endossadas por 23% dos eleitores — são “muito bem-vindas”.

Não são apenas brasileiros que vivem em Portugal que apoiam o partido de André Ventura. Nas eleições de 2024, o Chega teve a maioria dos votos dos portugueses que moram no Brasil, a ponto de eleger um deputado no círculo fora da Europa. E, muito provavelmente, não será diferente neste ano — os resultados serão conhecidos nos próximos dias. Isso só confirma o quanto a indústria das fake news administrada pela extrema-direita é eficiente e está disseminada.

Portugal, onde se imaginava haver um cordão sanitário para barrar o extremismo de direita, está flertando com o perigo. E, ressalte-se, parte dos brasileiros, que formam a maior comunidade de imigrantes do país, tem contribuído para esse movimento perigoso, ao propagandearem mentiras.

Recentemente, um português açougueiro me disse que as principais fontes de informação dele eram grupos de WhatsApp administrados por cidadãos do Brasil, em que o discurso majoritário era sobre como “a esquerda estava destruindo Portugal ao defender a imigração”.

Impor regras para a imigração é do jogo, assim como integrar os imigrantes à sociedade em que vivem. Mas transformá-los em bandidos como arma eleitoral é inaceitável. E, pior, dá votos.