quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Diante do nariz

Não vale a pena multiplicar os exemplos. O ponto em questão é que todos nós somos capazes de acreditar em coisas que sabemos serem falsas e depois, quando se torna claro que estávamos errados , somos capazes de torcer descaradamente os factos para tentar mostrar que tínhamos razão. Do ponto de vista intelectual, é possível prolongar este processo indefinidamente: o seu único obstáculo é que mais tarde ou mais cedo uma crença falsa esbarra de frente com a sólida realidade, normalmente num campo de batalha.

Quando consideramos toda a esquizofrenia que prevalece nas sociedades democráticas, as mentiras que é preciso dizer para captar votos, o silêncio a propósito dos assuntos, as distorções da imprensa, é tentador acreditar que nos estados totalitários há menos impostura, maior capacidade para encarar os factos. Ali, pelo menos, a classe dirigente não está dependente do favor popular e pode dizer a verdade de forma crua e brutal. Goering pôde dizer " Quereis canhões ou manteiga?", ao passo que os seus homólogos democráticos tiveram de embrulhar a mesma ideia em centenas de palavras hipócritas.

Assustadora, doentia, tensa, inquietante... Esses são alguns adjetivos utilizados para tentar classificar a arte do dinamarquês Don Kenn, que usa blocos de anotação autocolantes, os famosos post-its, para apresentar através de ilustrações um mundo inusitado e apavorante..:
Don Kenn
Na verdade, porém, a fuga à realidade é muito idêntica em toda a parte e tem consequências muito similares. Ao povo russo foi inculcada durante anos a ideia de que vivia melhor que qualquer outro e os cartazes de propaganda mostravam as famílias russas diante de mesas cheias de comida e o proletariado dos outros países ocidentais eram tão superiores às dos russos que evitar qualquer contacto entre os cidadãos soviéticos e os estrangeiros se tornou um princípio político de base. Depois, como resultado da guerra , milhões de russos comuns entraram na Europa; e quando regressaram a casa, a anterior fuga á realidade será forçosamente expiada com toda a sorte de atritos. Se os alemães e os japoneses perderam a guerra, foi em grande parte porque os seus dirigentes foram incapazes de encarar factos que eram evidentes para qualquer olhar imparcial.

Ver o que está diante do nosso nariz exige uma luta constante. Algo que nos ajuda nesse sentido é manter um diário, ou pelo menos manter algum tipo de registo das nossas opiniões sobre acontecimentos importantes . Caso contrário, quando alguma ideia particularmente absurda é destruída pelos acontecimentos , podemos simplesmente esquecer que acreditamos nela. Os prognósticos políticos costumam estar errados, mas mesmo quando fazemos um que bate certo, descobrir por que acertamos pode ser um exercício muito esclarecedor . Em geral, só acertamos quando os nossos desejos ou os nossos medos coincidem com a realidade. Reconhecer este facto não nos livra, é claro, dos nossos sentimentos subjetivos, mas permite que em certa medida os isolemos da nossa razão e façamos prognósticos isentos, segundo as regras da aritmética. na sua vida pessoal, a maior parte das pessoas é bastante realista. quando estamos a fazer o nosso orçamento semanal, dois mais dois dá sempre quatro. A política, em contrapartida, é uma espécie de mundo subatômico ou não-euclidiano, onde é muito fácil que a parte seja maior do que o todo ou que dois objetos estejam em dois sítios simultaneamente . daí as contradições e incongruências que registei acima, todas elas derivadas , em última análise, duma secreta convicção de que as nossas ideias políticas , ao contrário do nosso orçamento semanal, nunca serão postas à prova pela sólida realidade.

George Orwell

É ladrão saindo pelo ladrão

Odebrecht democratizou a distribuição da lama

Uma das principais características da corrupção se observa nos partidos políticos: os corruptos estão sempre nos outros partidos. A delação coletiva dos executivos da construtora Odebrecht torna difícil o exercício de colocar a culpa no outro. A maior construtora do país promove uma inédita democratização na partilha da lama. A roubalheira logo estará tão disseminada que haverá um compartilhamento compulsório do cinismo.

O fenômeno já começou a se manifestar no movimento suprapartidário pela aprovação no Congresso de uma anistia para o crime de caixa dois e um pacote de leis oportunistas para inibir o ímpeto de procuradores e magistrados. Os políticos vivem uma crise de identidade. Extinguem-se gradativamente as individualidades. A Odebrecht iguala-os por baixo. Ninguém se anima a atirar pedras os outros. Todos têm telhados de vidro. Muitos têm terno, gravata, camisa de vidro.


Antes da delação da Odebrecht, quando ainda se falava em “estancar a sangria”, a grande dúvida dos políticos era: até onde vai a Lava Jato? Agora, os políticos fazem outra pergunta aos seus botões: quando irão nos deter? O processo será longo e doloroso. Para alguns, o pesadelo se revelará mais ameno e agradável do que o despertar.

Uma vez assinados todos os acordos, a Procuradoria-Geral da República remeterá os papeis para o ministro Teori Zavacki, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal. Se achar que é o caso, Teori poderá destacar um ou mais juízes auxiliares para reinquirir os delatores. O ministro vem adotando essa providência para se certificar de que ninguém está suando o dedo senão por livre e expontânea vontade. Ele fez isso, por exemplo, com os 11 delatores da Andrade Gutierrez.

Na sequência, Teori promoverá uma divisão de suspeitos. Os que têm mandato, serão processados no purgatório do Supremo ou do Superior Tribunal de Justiça. Os que não dispõem do escudo do foro privilegiado descerão direto para o inferno da República de Curitiba.

Estima-se que a distribuição de investigados estará concluída até março de 2017. Só então começará o trabalho pesado da investigação. E a infantaria da Polícia Federal começará a bater na porta dos delatados da Odebrecht, despertando-os do pesadelo e arrastando-os para a realidade.

Haverá reflexos políticos. A sucessão de 2018, já bem embaçada, tornou-se apenas um ponto de interrogação assentado no calendário. Reformas como a da Previdência, que Michel Temer esperava aprovar com enorme dificuldade, subiram no telhado. Haverá também consequências econômicas. Investidores que olhavam para o Brasil com uma ponta de interesse levarão o pé atrás.

Nos próximos meses, não se falará em outra coisa no Brasil. Será difícil mudar de assunto nas rodas de conversa. Vai-se mudar, no máximo, de corrupto. Já se pode prever que 2017 não será um ano feliz nem novo.

Corrupto, agora, é quem vota

[O eleitor] é o corruptor. Hoje só se penaliza quem compra. Você não imagina o que um político sofre numa campanha
Valdir Colatto (PMDB-SC), também conhecido por ambientalistas como "Exterminador do Futuro"

Muita gente ainda vai provocar sobressaltos de toda ordem

Depois de Eduardo Cunha e tantos outros, Anthony Garotinho, Sérgio Cabral e Geddel Vieira Lima (que ainda não entendeu que precisa se demitir) tomaram conta da mídia e, certamente, não serão os últimos. Muita gente ainda virá por aí, provocando sobressaltos e ataques cardíacos. Confesso: tenho sido despertado de madrugada por notícias e cenas dramáticas que, durante o dia e até altas horas da noite, li nos jornais ou ouvi (e vi) nas emissoras de rádio e televisão. Isso sem falar no verdadeiro enxame de “informações” provenientes da internet e repetidas até a exaustão pelas redes sociais. A maioria delas, leitor, sem compromisso com a verdade. Apesar dos penosos anos de estrada, reconheço que não está fácil absorver tantos golpes de uma só vez.

Desse veneno (o da internet) me livro com relativa facilidade. Mas o mesmo, com certeza, não ocorre com os adolescentes. Acrescente-se a essa via- crúcis a leitura que simultaneamente faço do excelente livro do jornalista Vladimir Netto, absolutamente indispensável ao entendimento da operação Lava Jato. O tempo passou em um átimo, e talvez por isso não consegui obedecer à risca ao conselho de William Shakespeare: “Tu não devias ter ficado velho antes de ter ficado sábio”.

Canadauence TV: O Brasil está com medo de sua própria sombra:

O jornal O TEMPO publicou importante alerta do médico marroquino Driss Moussaoui, durante o 34º Congresso Brasileiro de Psiquiatria, que aconteceu na semana passada na cidade de São Paulo (Interessa, 18.11). “Assistir a atos de violência agrava a ansiedade e a depressão”, dizia a manchete do jornal. Segundo Driss, “vivemos em uma vila global, ou seja, tudo o que acontece na outra ponta do mundo acontece na minha casa, na minha sala”. O médico se referia aos atos terroristas. Data venia, não são somente eles que provocam tanto a ansiedade quanto a depressão. No mesmo dia, o jornal “O Globo” publicou entrevista com o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador de estudos sobre segurança pública da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e autor, desde 1998, do Mapa da Violência no país.

Jacobo se refere à crise econômica em nosso país e ao impacto que ela poderá ter no aumento da criminalidade, que, entre 2011 e 2015, registrou mais vítimas de homicídios (mais de 279 mil) do que a guerra da Síria (mais de 256 mil). Foram mais de 58 mil mortos só no ano passado, de acordo com os dados mais recentes. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2016, em 2015, “a cada nove minutos, uma pessoa foi morta, totalizando 58.492 vítimas de assassinatos intencionais, que incluem homicídio doloso, latrocínio, lesão corporal seguida de morte e óbitos decorrentes de intervenções policiais”.

Tudo isso, leitor, somado aos últimos acontecimentos políticos, igualmente graves e violentos (e o exemplo não está só no Rio e na prisão de dois ex-governadores), conclui-se que faltarão psiquiatras para cuidar do grande número de vítimas da ansiedade e da depressão.

E o mais dramático é saber que ainda não chegamos ao fundo do poço. Já imaginou, leitor, o que aconteceria se operações semelhantes à Lava Jato – que, por enquanto, tratou apenas de algumas poucas grandes empresas, nas áreas pública e privada – afinal se iniciassem nos Estados e municípios? Muito pouca gente se salvaria…

Será que, agora, o gigante se dará conta do caminho que vem trilhando? Ou teremos de acordá-lo de sua profunda letargia?

Mãos à obra, presidente Temer! O tempo urge!

Temer e Moreira Franco assistem, de camarote, ao massacre de Geddel pela mídia

Há um sentimento de perplexidade e até revolta diante da omissão do presidente Michel Temer, que ainda não tomou nenhuma providência para afastar ou punir o ministro Geddel Viera Lima por tráfico de influência e outras irregularidades. No meio do caos surgem três importantes informações plantadas/vazadas pelo Planalto. Uma delas dá conta de que não teria sido bem recebida a manifestação de Moreira Franco, em Paris, colocando em dúvida a permanência de Geddel Vieira Lima no governo. A segunda notícia divulga que o presidente Temer teria ligado para Moreira e dado “uma chamada” nele. E a terceira informação, ainda mais intrigante, destaca que “foi o presidente Temer quem convocou os líderes para prestar solidariedade ao ministro Geddel Vieira Lima.

auto_son

Bem, as três notícias são importantíssimas. Mas apenas uma delas é rigorosamente verdadeira, não desperta a menor dúvida nem necessita de comprovação. As outras duas são apenas manipulações da realidade. Sobre elas, há controvérsias, diria nosso amigo Francisco Milani, com quem trabalhamos na TV, em programa dirigido pelo Mauricio Sherman.

 A primeira notícia, sobre a entrevista de Moreira Franco, é absolutamente verdadeira, porque a declaração do secretário do Programa de Parceiras de Desenvolvimento de fato causou indignação não só a Geddel, mas também a Eliseu Padilha, da Casa Civil, e a todos os demais caciques do PMDB e dos demais partidos, que estão atuando juntos na Operação Abafa, destinada a inviabilizar a Lava Jato através de projetos de lei, exatamente como ocorreu com a Mãos Limpas na Itália.

O colunista Ilimar Franco, um dos mais respeitados jornalistas de Brasília, publicou em O Globo que ministros do PMDB, do Planalto e da Esplanada avaliam que a entrevista foi desnecessária e, por isso, “não entendem por que Moreira se empenhou em fragilizar Geddel ainda mais”.
As outras duas notícias, porém, estão manipuladas e não podem ter comprovação. Trata-se apenas de especulações visando a defender o indefensável Geddel.

Alguém viu Temer telefonando para dar bronca em Moreira Franco? Não. Alguém acha que um político experiente como Moreira iria dar pitaco num problema tão grave sem antes falar com o presidente Temer? Pode até ter acontecido, mas as possibilidades são mínimas.

E alguém viu Temer ligando para algum líder ou mandando algum assessor convocar as lideranças para fazer um patético manifesto a favor de Geddel? Claro que não. Por misericórdia, que alguém então aponte qual foi a assessor de Temer que tomou essa iniciativa, para que o presidente possa demiti-lo sumariamente. Afinal, Temer só não tem força para punir os caciques do PMDB e dos partidos da base aliada, mas o resto que se cuide, todos estão ao alcance de sua caneta.
As três notícias foram plantadas e vazadas pela mesma fonte – a Secretaria de Imprensa do Planalto, subordinada à Casa Civil e dirigida por Márcio Freitas Gomes, que há 17 anos trabalha diretamente para os caciques do PMDB, recebendo bela remuneração oriunda do Fundo Partidário, ou seja, paga pelo povo, não pelos políticos.

Entre as múltiplas lições de Ulysses Guimarães, duas delas se adaptam perfeitamente à situação. A primeira é de que “a verdade não tem proprietário exclusivo”, enquanto a segunda lição salienta que “na política até a raiva é combinada”.

Passou pela cabeça de alguém que Moreira Franco não é capaz de tomar nenhuma iniciativa sem antes ter o aval de Temer? E até agora ninguém reparou o progressivo esvaziamento de outrora todo-poderoso Padilha? Na estratégica feijoada oferecida a Temer por Renan Calheiros no dia 12, sábado retrasado, quem acompanhou o presidente foi Moreira, ou seja, Padilha foi barrado no baile, como se dizia antigamente
.

Golpe contra a Lava-Jato

Resultado de imagem para caixa 2 anistiada
Está tudo pronto para que a Câmara dos Deputados, em sessão marcada para esta manhã, aprove a anistia para empresários que doaram e políticos que se beneficiaram de dinheiro de caixa dois, aquele não declarado à Receita nem à Justiça Eleitoral.

O texto da anistia diz:
“Não será punível nas esferas penal, civil e eleitoral doação contabilizada, não contabilizada ou não declarada, omitida ou ocultada de bens, valores ou serviços, para financiamento de atividade político-partidária ou eleitoral realizada até a data da publicação desta Lei”.
Ele será acrescentado em forma de emenda ao pacote de medidas contra a corrupção aprovado, ontem à noite, por uma comissão especial da Câmara. Quase todos os partidos se comprometeram em apoiar a anistia – à exceção do PSOL, PPS e REDE.

Isso não significa, porém, que todos os deputados votarão a favor. O PT, por exemplo, rachou. Dos seus 58 deputados, 26 deles assinaram uma nota de repúdio à anistia. Uma fração do DEM é contra. Uma fatia do PSDB, também.

O deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, foi quem articulou a aprovação de anistia. Ele só pretende pô-la em votação se tiver certeza de que será aprovada. O governo a apoia, embora finja manter-se distante do assunto.

A anistia nasceu na Federação das Indústrias de São Paulo. Tem a ver com o medo de empresários que doaram dinheiro ilegal de acabarem processados e presos por causa disso. Encontrou na Câmara solo fértil para prosperar devido ao medo, ali, da Lava-Jato.

Outra emenda ao pacote de medidas contra a corrupção também será votada hoje. Ela cria o crime de responsabilidade para magistrados e integrantes do Ministério Público.