segunda-feira, 4 de maio de 2015

A perigosa aliança entre a ingovernabilidade e o impeachment





A sombra de duas derrotas assusta o governo e despertará, como consequência, o peso da ingovernabilidade. Serão letais tanto a rejeição das medidas provisórias do ajuste fiscal pela Câmara quanto, pelo Senado, do nome indicado para novo ministro do Supremo Tribunal Federal.

No primeiro caso, os deputados começam esta semana a apreciar a redução de direitos trabalhistas, desde o seguro-desemprego ao abono salarial e à extinção das pensões para viúvas com menos de 40 anos. A mobilização nos partidos é grande, encontrando-se todos rachados, inclusive o PT. As centrais sindicais pressionam para os deputados não aceitarem a diminuição de direitos trabalhistas consagrados faz muito. A base parlamentar do governo, desunida, pode não garantir a aprovação.

Quanto à não aprovação do nome do dr. Fachin pelos senadores, defendida pelo presidente do Senado, vai demorar um pouco mais, provavelmente estendendo-se até o final do mês. Será explosiva, se acontecer.

Na hipótese das duas derrotas, ficará claro que a presidente Dilma precisará governar sem o apoio do Congresso, missão impossível em tempos de democracia. A situação, mesmo às avessas, lembra o período final do governo João Goulart. Naqueles idos o presidente enfrentava os setores conservadores, contrários à reforma agrária e demais reformas de base. Optou por estabelecer as mudanças por atos do Executivo, despertando ainda maiores reações no Legislativo. No fundo do confronto conspiravam as elites econômicas e os militares, com forte penetração da classe média.

Madame ainda não se decidiu a bater cabeça com o Congresso, ainda que disponha de mecanismos para impor a recessão acima e além de deputados e senadores. Se o fizer, faltando na equação a presença dos militares, enfrentará a classe média mesclada aos setores sindicais.

A verdade é que o governo caminha célere para deixar de governar, caso não encontre para a crise econômica remédio melhor do que sacrificar a população. Os efeitos já se fazem sentir no aumento de preços, taxas e tarifas, com a redução do poder aquisitivo dos salários.

O fantasma do impeachment ainda não assusta, mas continuando as coisas como vão, logo dará as mãos à ingovernabilidade. Uma aliança perigosa. Quem anda de olho na crise é o Lula, disposto a ajudar a sucessora, mas trabalhando em paralelo para preservar-se como candidato em 2018. Mesmo assim, já não são poucos os companheiros soprando em seus ouvidos que “pode não dar tempo”. A ingovernabilidade e o impeachment funcionariam como antecipação do processo sucessório, em especial se Dilma e o seu vice se dispusessem a renunciar, possibilidade por enquanto inviável, mas, em termos de História do Brasil, factível.

A pergunta que fica é se o retorno do primeiro companheiro adiantaria para desatar o nó em que nos encontramos. Há quem julgue que não, porque ele, afinal, tem muita responsabilidade no que vai acontecendo. Precisaria pedir mais sacrifícios sem a compensação de distribuir benesses. Perderia a característica que o elevou ao poder.

A imprensa e a pauta nacional

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De quanto tempo será o castigo? Quanto teremos de viver sem respirar? Quantos vão morrer? Há controvérsias.

Aquele câmbio de "fazer pobre viajar de avião" que o Lula exibe como prova do seu amor pela humanidade destruiu a indústria nacional. Juntamente com a desmontagem dos três eixos de produção de energia - a elétrica, a de biomassa de cana e a de petróleo - pelo tamponamento de tarifas, para "tirar 50 milhões de brasileiros da miséria" com uma caneta até à véspera da eleição, ele compõe hoje o epicentro do tsunami que empurra para cima, aos trancos e barrancos, todo o sistema nacional de preços relativos. A produção, o trabalho, a vida, enfim, terão de se reacomodar por ensaio e erro apenas para deter a queda.

Mas essa é a parte fácil. Em tempos de mercados globalizados, acertar entre o ministro Levy e os vendedores de "governabilidade" em quem será enfiado cada pedaço da continha doméstica é o de menos. Difícil será desprogramar a subversão conceitual que explica a nossa inesgotável tolerância ao abuso e mantém fora do horizonte qualquer possibilidade de "ajuste internacional", o único capaz de matar a miséria.

Os buracos hoje se fecham ou se alargam em função do acerto entre cada comunidade de produtores e seus governos nacionais. O que decide é a carga que uns põem nas costas dos outros. Todo mundo sabe disso, mas se nós ainda guardamos alguma lucidez como indivíduos, não sobrou nenhum resquício dela enquanto sociedade. O Brasil perdeu a capacidade de discernir a fronteira básica entre a religião e a ciência e a grande pedreira vai ser recolocar a relação de causa e efeito na posição de centralidade que ela deve ter no nosso sistema de intelecção da realidade.

Brasília nem sequer sabe que existe uma crise. É lá o tal "país sem miséria" onde, em pleno desastre nacional, a verba dos partidos triplica, os meritíssimos se outorgam "auxílios" de fazer corar os cínicos, os indemissíveis "educadores" dos filhos do Brasil, enquanto morrem em massa os empregos cá fora, não deixam por menos de retumbantes 75% a sua "exigência" de "reajuste salarial".

E a dívida dessa Petrobrás estuprada, "a maior de todo o mundo corporativo em todos os tempos", quantas gerações de brasileiros que ainda nem nasceram viverão e morrerão pagando essa conta? Nem por isso ela deixa de continuar tida e afirmada como "um orgulho nacional", sob um silêncio quase unânime de anuência. Nem as vísceras à mostra remetem àquela clássica, histórica, translúcida e necessária relação de causa e efeito entre a condição de empresa estatal num país pré-democrático e o aparelhamento do seu staff e dos seus recursos por um projeto de poder bandido, ainda que moremos todos no país onde nem uma única solitária pessoa duvida que, para onde quer que se olhe, "não se coloca um paralelepípedo no chão sem pagar propina".

O máximo que se ousa timidamente pedir são menos ministérios. Das outras 37 fundações, 128 autarquias e 140 empresas estatais, somente no âmbito federal, ninguém fala. Da existência delas só fica sabendo, aliás, quem olha com lente o que "vaza" pelos interstícios dos "verdadeiros problemas nacionais" que a imprensa se permite ver. Adicionados Estados e municípios, ninguém sabe a quantas andamos, Estado x Nação. A Petrobrás sozinha tem 446 mil funcionários, algum jornal deixou escapar enquanto falava de coisa "mais importante". Meio milhão, fora aposentados e encostados! É provável que esteja para o resto das petroleiras do mundo, somadas, como as nossas escolas de Direito estão para as do resto do mundo somadas. Nós "ganhamos", temos mais!

Só de "sindicatos" de propriedade una e indivisível de "líderes" sem liderados sustentados pelo imposto sindical, a linha de frente dos "movimentos sociais" que se querem substituir ao sufrágio universal, parece que já temos 28 mil, segundo menção não provocada e acidentalmente publicada de fonte abalizada. "Justiças"? Temos cinco, completas, um plural que elimina, "em termos", a possibilidade de se fazer a única que de fato "é", que é aquela que se define pelo estrito singular. Apenas uma delas sangra nossos produtores em R$ 50 bilhões por ano - quase o ajuste inteiro que se está buscando - só em "processos trabalhistas", indústria à qual se dedica com exclusividade metade daquela multidão de "advogados" que nossas incontáveis fábricas de rábulas "põem" todo ano. É a sementeira do que nos tornamos, a lumpencorrupção: "minta, traia, falsifique que o governo garante".

Quem tem a menor sombra de dúvida de que um país assim não pode dar certo? Que este é o ambiente em que a corrupção e o crime estão como querem? Que não teremos condição de competir com ninguém e quebraremos a cara tantas vezes quantas tentarmos antes de curarmos essas feridas?

E, no entanto, para quebrar o encanto basta insistir obsessivamente numa conta simples: quanto estrago, quanta miséria, quanta violência evitável se torna obrigatória ao Brasil onde vale tudo para que o Brasil intocável possa continuar intocado? O que, a cada passo, estamos trocando pelo quê?

Nossas escolas ensinam que tocar nesse assunto é heresia sujeita a auto de fé. E nossas mentes jesuítico-aplainadas, tudo indica, estão prontas para absorver a lição. Nossos políticos de oposição, nas suas mais ousadas expansões "libertárias", sugerem que enfrentemos tudo isso com revólveres sem balas. "Voto distrital, vá lá, mas sem recall!" E a imprensa, disciplinadamente, há anos não faz esse tipo de conta, ainda que o mínimo que exige a decência de quem se quer o alarme das iniquidades do mundo é que não fale de outra coisa. Como, porém, ela só se permite chamar de política aquilo que os políticos chamarem de política e de reforma o que eles, de livre e espontânea vontade, nos propuserem como reforma, o Brasil que trabalha, com o mundo dos Estados "ultralight" fungando-lhe no cangote, terá de seguir vivendo à espera de um milagre para começar a discutir qualquer coisa que possa concorrer para salvar-lhe a vida.

Quem, me digam: Quem?

Vou dividir minha angústia com vocês. Essa pergunta já te ocorreu também? Quantas vezes só hoje ou nos últimos dias? Quem? Em quem a gente poderia confiar nesse momento, herói ou ser sobrenatural, vindo de outra galáxia e que seja ao menos capaz de unir de novo este país? Levá-lo ao futuro, retomando seu orgulho e soberania, mais contemporâneo e menos jeca, capaz de chamar e ouvir as cabeças pensantes? Quem?

Está chegando a hora de tentarmos propor soluções. E rápidas, eficientes, milagrosas. Aventureiros surgirão aos montes de detrás de qualquer encosta, onde provavelmente se manterão à espreita. Aliás, já estão lá, pode procurar nos buracos que achará um monte deles, tentando tecer a teia, pregando armadilhas, jogando cisco em nossos olhos e cascas de bananas nos caminhos. Precisaremos saber identificá-los. Inventar logo um alarme que toque à sua mera aproximação, e que se acendam todos os holofotes iluminando a escuridão. Não temos mais tempo de errar de novo.

Vejo os olhos estatelados das pessoas diante das gôndolas dos supermercados. Dá para sentir a agonia, o cálculo rápido feito de cabeça sobre trocados para economizar, traindo a marca predileta, agora há a observação mais detalhada, inclusive com leitura de rótulos. Normal ver cabeças balançando em sinal de negativa ao encarar as plaquinhas, e ali mesmo deixar o objeto antes visado. A alta de preços descontrolada, unida à descontrolada falta de dinheiro nos bolsos e habitual loucura do corre-corre para não tomar prejuízo, está levando a uma equação de resultado zero. Sei que tenho leitores bem de vida (a quem espero até não estar aborrecendo contando sobre a real dureza da nossa população de Durangos e Durangas), e que não estão tão apertados assim. Talvez nem façam compras pessoalmente; mas mesmo quem é bem rico, milionário, ah, esse sabe o valor do dinheiro e faz questão de discernir sobre o valor das coisas, o que vale.

Enfim há uma boa dose de irritação, descrença, inconformismo no ar. Mas o que eu quero dizer é que estou achando esse sofrer coletivo muito misterioso, contido, silencioso, crescendo dentro das pessoas como lombrigas, ou aqueles aliens de filmes. Tem gente que já nã critica; baba. Espuma de raiva. Quase ouço o borbulhar desse rancor todo, como se ele pudesse aparecer a qualquer momento. Qualquer faísca. Essa aparência de normalidade institucional me instiga, até por sabê-la periclitantemente perigosa, falsa e por isso, frágil. Falo do que é abstrato. Temo essa energia quando for concreta.

Intolerâncias grudam na poeira dos nossos sapatos, aquelas que tentávamos varrer daqui para sempre. Na falta de uma resposta mais sólida - Quem? - surgem propostas estapafúrdias, como a da senhora aposentada que me disse que queria um general. Apenas isso, para ela o salvador poderia ser um general, e não é que ela quisesse uma ditadura. Pedi a explicação. Para ela, a Dilma é uma pedra muito pesada, que precisa ser tirada do lugar. Removida. Que alguém mande remover, me disse. Pensou em um general como poderia ter pensando num elefante.

Daqui a pouco aparece o Marechal Deodoro em pessoa, despersonificado de sua estátua. Muitas pessoas realmente pensam que estão em livros infantis e escolares de história, creio, aqueles que tinham aquelas ilustrações de cavaleiros exaltados chegando com seus cavalos brancos, empunhando espadas e gritando Independência ou Morte!

Precisaremos começar muitas coisas, e a primeira delas é pedir respeito aos governantes, que parem de mentir tão deslavadamente, tentando nos fazer de otários e querendo que enxerguemos o que sabemos, caramba, que não existe porque estamos lá, vivemos na realidade. Não somos doidos, de reclamar do que está bom. Vivem querendo nos ajustar, a nova palavra usada e tentada de um governo que já nem mais é um governo, mas vários, a ponto de dentro dele ter torcidas pró ou contra isso ou aquilo do próprio governo. Terceirização, ajuste, cortes, pedaladas. Que mais? Até Dona Marta anda esquecida dos temas que nos são mais caros, e que passam longe de um Congresso formado por seres reacionários ou interesseiros, desarticulados, quadros imberbes e insossos num momento tão importante.

Aí começam a aparecer os bravateiros. Um que tudo pode e que tudo prende. Outro que tudo acha que pode e vem com conversa de boteco, de quem brinca de braço de ferro em puteiro com imagem de São Jorge e luz vermelha na porta. O outro reticente que melhor seria fosse mesmo de trabalhar em silêncio, mas nem isso. Aquele que se faz de bobo para morder as bordas. Quem?

Quem pode pegar esse rojão? Desativar essa bomba?

Grupos de controle político agem como grupo de controle bandido. Da mesma forma que o PCC passa seus "Salve Geral" e ordens para meter o cano, impondo toques de recolher nas grandes cidades, o PT paga comandados para batucar pretinhas e abastecer perfis fantasmas; tucanos bicam e batem suas asas espalhando penas que jogam de cima dos seus muros. Surgem os messiânicos, os cara-brava, os da bala, da bola, da bela, da bula, da bílis.

Desculpem, mas eu tinha de tocar nesse assunto, porque quase virou mania: saio por aí perguntando e ainda não encontrei essa resposta, pelo menos não uma que me seja realmente convincente. Talvez eu seja exigente demais, mas já recorri até ao binóculo e não consigo ver quem.

É difícil demais ficar esperando por uma pessoa, em quem possamos depositar todas nossas fichas. E rodar a roleta. Só, por favor, nunca mais joguem Vermelho 13.

Marli Gonçalves

Governo inventa uma classe média que não saiu da pobreza


Excelente e útil pesquisa será feita pelo sociólogo Jessé Souza, novo presidente do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), órgão subordinado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Seu objetivo é estabelecer a verdadeira dimensão da classe média no Brasil.

Para tentar resolver um problema, a primeira premissa é conhecer a realidade dos fatos.

Aqui na Tribuna da Internet, o grande jornalista Pedro do Coutto chama atenção para a disparidade dos dados da propaganda do governo (PT-base aliada) sobre o surgimento de nova classe média. Com toda razão, Coutto diz que é preciso levar em conta a real capacidade de consumo da população.

É inegável que nos últimos 12 anos houve no Brasil alguma ascensão social, ou seja, mais famílias saíram da linha da miséria e da pobreza, para ascender à classe média baixa. Se isso não tivesse ocorrido, o PT não teria ganhado as eleições. Porém, em sua propaganda, o governo usa números muito baixos não só para definir a linha que separa a miséria e a pobreza, como também para definir a linha que separa a pobreza e a classe média.

O Brasil usa uma sistemática que define a família padrão como tendo quatro membros (pai, mãe e dois filhos). A linha de pobreza é definida quando a família tem renda equivalente a três cestas básicas por mês, o equivalente a R$ 1.136,58. Ou seja, a família padrão, ganhando menos que R$ 1.136,58 por mês, está na miséria, e recebendo mais, está na pobreza.

Já a linha de classe média é definida pelo governo em duas vezes o limite da miséria/pobreza, com renda mensal de R$ 2.273,16. Portanto, a família padrão, ganhando menos que R$ 2.273,16 por mês, estaria na pobreza, e ganhando mais, chegaria à classe média.

Vemos que são números tipo mínimo minimorum, que mascaram uma realidade perversa. Para haver justiça social e distribuição de renda, é preciso que haja pouca diferença entre os menores salários e os maiores.

Neste ponto, temos de concordar com o comentarista José Gulherme Schossland, quando afirma que o ideal seria haver uma remuneração máxima igual ou menor que 10 vezes a remuneração mínima. Aí, sim, teríamos uma verdadeira sociedade de classe média.

Pré-sal: a transformação que não ocorreu

Em meados da década passada uma euforia tomou conta do governo, a partir da confirmação da existência de grandes reservas de petróleo no chamado pré-sal. Este foi um grande feito técnico da Petrobrás, que se firmou como líder da exploração em águas profundas e fonte de legítimo orgulho por parte da engenharia da empresa e de todos nós.

É preciso lembrar que este evento foi contemporâneo ao auge do super ciclo de commodities, puxado pela China, que implicou ganho extraordinário de renda para o País, recriando nas autoridades o sonho do Brasil grande. A megalomania tomou conta do pedaço e tornou-se fatal, como sabemos bem nos dias de hoje. O pré-sal acabou sendo caso clássico de um bônus que se transformou em grande dor de cabeça para o País, especialmente porque virou também o elemento mais importante para o sonho de perpetuação do partido no poder, hoje totalmente revelado pela Operação Lava Jato.

Na verdade, o programa de exploração do pré-sal já nasceu comprometido pela excessiva ambição. Ele buscava, ao mesmo tempo:

- Produzir muito óleo e gás, muito rapidamente, com a melhor tecnologia disponível, numa geologia difícil e pouco conhecida e a um custo razoável, tudo ao mesmo tempo.

-Usar a exploração da nova área para dar um salto na produção industrial, por meio da utilização da obrigatoriedade do conteúdo nacional. O caso da construção naval é o auge do exemplo da ousadia: quando as primeiras encomendas foram feitas, as empresas tinham apenas terrenos e nenhuma experiência na área. A probabilidade de baixa produtividade e má qualidade na construção, além de elevados custos, era muito alta.

- Garantir a predominância da Petrobrás e de um alto "take" governamental, obrigando a companhia a deter pelo menos 30% de cada campo e de ser a principal operadora.

Como se tudo isso não fosse suficiente, o governo ainda usou a Petrobrás para (tentar) controlar os preços. Isso custou a bagatela de mais de R$ 60 bilhões de geração de caixa da companhia, reduzindo sua capacidade de investimento. Este excesso de objetivos, vários deles evidentemente conflitantes entre si, tornou impossível um resultado bem sucedido, como de fato foi o caso.

Mas isto ainda não foi tudo. Vários fatores adicionais estiveram em jogo, a saber:

- A companhia não tinha recursos de gestão para tocar tudo a que se propunha. Lembremo-nos que, além do pré-sal, a Petrobrás está em todas as áreas: da distribuição de gás encanado à produção de fertilizantes, passando por etanol, biodiesel, gasodutos etc. Simplesmente não havia capital humano para todo esse esforço. Um exemplo relevante ocorreu durante a gestão Gabrielli: a qualidade da manutenção das plataformas na Bacia de Campos despencou, o que obrigou Graça Foster a montar, no início de sua gestão, um programa de recuperação da produtividade dos campos. A queda na produtividade foi o que impediu a elevação da produção nacional de petróleo por algum tempo, pois a nova produção do pré-sal não conseguiu compensar a queda nos campos antigos.

- O populismo do ex-presidente Lula na definição das novas refinarias foi outro quesito relevante. As refinarias Premium 1 e 2, do Ceará e do Maranhão, custaram apenas em estudos quase R$ 3 bilhões, que foram baixados do patrimônio da empresa. As peripécias protagonizadas pelo senhor Chávez na refinaria Abreu e Lima resultaram num ativo com uma concepção de engenharia esdrúxula de refino (pensado para processar óleo venezuelano e da Bacia de Campos), em constantes alterações de projeto e num custo enorme. Em média, as refinarias construídas em meados da década passada custavam U$ 30 mil por barril de capacidade de refino. Abreu e Lima está perto de U$ 90 mil por barril e ainda não está pronta. É claro que a corrupção sistêmica também explica parte deste resultado. O complexo petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) é a quarta perna do desastre das refinarias. Um dia valerá a pena contar como um criativo projeto petroquímico a partir do refino do óleo pesado da Bacia de Campos, proposto por Paulo Cunha, do Grupo Ultra, com custo de algumas centenas de milhões de dólares, transformou-se no elefante branco de hoje - que teve R$ 21,8 bilhões baixados do balanço de 2014.

- A corrupção sistêmica na empresa, como sabemos hoje, custou muito dinheiro e já é o maior caso mundial dos tempos contemporâneos, um verdadeiro recorde. Afora o custo financeiro, a corrupção sistêmica destrói a eficiência de qualquer companhia.

Finalmente, a ambição do programa de investimentos e o controle de preços de combustíveis obrigaram a Petrobrás a se endividar pesadamente. Como a empresa continuou distribuindo dividendos, sua dívida (quase toda em dólares) é hoje a maior do mundo. Há muitos anos Adriano Pires escreve que essa rota era claramente insustentável.

A queda no preço do petróleo para a faixa de U$ 50 e a Lava Jato foram o golpe de morte no sonho do Brasil grande. A crise dos dias de hoje tem nos eventos da queda da Petrobrás e a derrocada de sua cadeia produtiva no seu centro.

A publicação do balanço de 2014 da empresa é um passo muito importante para o início do resgate da companhia e do segmento de óleo e gás. Construir uma versão segundo a qual a corrupção foi um evento provocado por meia dúzia de pessoas e que uma página foi virada é um engano que vai custar muito caro. O que vem adiante é necessariamente um ajuste defensivo para a Petrobrás, uma vez que, com o novo balanço, o grau de alavancagem da empresa ficará elevadíssimo e terá de ser reduzido nos próximos anos.

Serão necessários a redução no programa de investimentos, a venda de vários ativos, cortes variados de despesas e uma política de preços de combustíveis que não traga mais qualquer tipo de congelamento. Ao mesmo tempo, é preciso que o fluxo de pagamentos para os fornecedores seja minimamente retomado, já que há meses muitos projetos não têm suas despesas pagas pela companhia. Além disso, o número de fornecedores que já pediram ou irão pedir recuperação judicial é significativo.

O setor de petróleo seguirá sendo muito importante para o País. Ficará longe, entretanto, de ser o puxador de crescimento que se imaginou. Não deixa de ser uma boa notícia para o Brasil.

O dia da liberdade

Como alguém que vende um bom sapato acaba por se estabelecer, o editor que vende uma boa notícia avança na preferência dos leitores.
Embora os recursos digitais permitam a qualquer um se comunicar com o mundo, e isso é espetacularmente fantástico, as versões fraudadas se inflacionaram, se sofisticaram, passaram a ser “negócio”, pressionadas pelo interesse econômico e político. Os partidos se renderam. Ao mesmo tempo em que denunciam as mazelas dos outros, aumentam a dose caseira.
No meio desse clima, a imprensa independente é vista como uma ameaça. Incomoda a quem governa e abusa. O poder político que tenta desqualificar a boa mídia é uma praga. Desloca verbas que deveria aplicar impessoalmente para quem faz seus interesses. Tenta-se, assim, asfixiar a informação correta.
Há muita coisa que os arqueólogos encontrarão nos episódios atuais e que imporão reescrever a história desta época.
Aparecerá entre os entulhos como a liberdade de imprensa custou caro. E como nossos jornais sobreviveram pelo apoio de seus leitores num pacto de confiabilidade, seu maior patrimônio.
Vittorio Medioli

Desvendar a trama

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Eu preferiria não voltar ao tema arquibatido das crises que nos alcançaram. Mas é difícil. Vira e mexe, elas atingem o bolso e a alma das pessoas. Na última semana o início de recessão repercutiu fortemente sobre a taxa de desemprego. Considerando apenas as seis principais metrópoles, ela atingiu 6,2%, a maior taxa desde 2001. A Petrobras, ao tentar virar uma página de sua história recente, pôs em evidência que o “propinoduto”, enorme (R$ 6 bilhões), é incomparavelmente menor do que o “asnoduto”, dos projetos megalômanos e malfeitos: R$ 40 bilhões. São cifras casadas, pois quanto piores ou mais incompletos os projetos de obras, mais fácil se torna aumentar seu custo e desviar o dinheiro para fins pessoais ou partidários.

O setor elétrico foi vítima de males semelhantes (só à Petrobras as “pedaladas” da Eletrobrás custaram R$ 4,5 bilhões) e não é o único no qual os desmandos vêm se tornando públicos. Se algum dia se abrirem as contas da Caixa Econômica, vai-se ver que o FGTS dos trabalhadores deu funding para uma instituição bancária pública fazer empréstimos de salvamento a empreendimentos privados quebrados. No caso do BNDES, a despeito da competência de seus funcionários, emprestou-se muito dinheiro a empresas de solvabilidade discutível, também com recursos do FAT, ou seja, dos trabalhadores (ou dos contribuintes), oriundos do Tesouro.

No afã de “acelerar o crescimento” usando o governo como principal incentivo, as contas públicas passaram a sofrer déficits crescentes. Pior, dada a conjuntura internacional negativa e o pouco avanço da produtividade nacional, também as contas externas apresentam índices negativos preocupantes quando comparados com o PIB brasileiro (cerca de 4%, com viés de alta). Pressionado pelas circunstâncias, o governo atual teve que entregar o comando econômico a quem pensa diferente dos festejados (pelos círculos petistas e adjacentes) autores da “nova matriz econômica”. Esta teria descoberto a fórmula mágica da prosperidade: mais crédito e mais consumo. O investimento, ora, é consequência do consumo... Sem que se precisasse prestar atenção às condições de credibilidade das políticas econômicas.

As consequências estão à vista: chegou a hora de apertar os cintos. Como qualquer governo responsável — antes se diria, erroneamente, neoliberal —, o atual começou a cortar despesas e restringir o crédito. Há menos recursos para empréstimos, mais obras paradas, maior desemprego, e assim vamos numa espiral de agruras, fruto da correção dos desacertos do passado recente. Para datar: esta espiral de enganos começou a partir dos dois últimos anos do governo Lula. Agora, na hora de a onça beber água, embora sem reconhecer os desatinos, volta-se ao bom senso. Mas, cuidado, é preciso que haja senso.

Ajuste fiscal, às secas, sem confiança no governo, sem horizontes de crescimento e, pois, com baixo investimento, é como operação sem anestesia. Pior: política econômica requer dosagem, e nem sempre os bons técnicos avaliam bem a saúde geral do país. Também o cavalo do inglês aprendeu a não comer; só que morreu.

Não quero ser pessimista. Mas o que mais falta faz neste momento é liderança. Gente em quem a gente creia, que não só aponte os caminhos de saída, mas comece a percorrê-los. Não estou insinuando que sem impeachment não há solução. Nem dizendo o contrário, que impeachment é golpe. Estou apenas alertando que as lideranças brasileiras (e escrevo assim no plural) precisam se dar conta de que desta vez os desarranjos (não só no plano econômico, mas no político também) foram longe demais.

Reerguer o país requer primeiro passar a limpo os erros. Não haverá milagre econômico sem transformação política. Esta começa pelo aprofundamento da operação Lava-Jato, para deixar claro por que o país chegou onde chegou. Não dispensa, contudo, profundas reformas políticas.

Não foram os funcionários da Petrobras os responsáveis pela roubalheira (embora alguns nela estivessem implicados). Nenhuma diretoria se mantém sem o beneplácito dos governos, nem muito menos o dinheirão todo que escapou pelo ralo foi apropriado apenas por indivíduos. Houve mais do que apadrinhamento político, construiu-se uma rede de corrupção para sustentar o poder e seus agentes (pessoas e partidos).

Não adianta a presidente dizer que tudo agora está no lugar certo na Petrobras. É preciso avançar nas investigações, mostrar a trama política corrupta e incompetente. Não foi só a Petrobras que foi roubada, o país foi iludido com sonhos de grandeza nacional enquanto a roubalheira corria solta na principal companhia estatal do país.

Quase tudo o que foi feito nos últimos quatro mandatos foi anunciado como o “nunca antes feito neste país”. É verdade, nunca mesmo se errou tanto em nome do desenvolvimento nacional nem jamais se roubou tanto sob a proteção desse manto encantado. Embora os diretores da Petrobras diretamente envolvidos na roubalheira devam ser penalizados, não foram eles os responsáveis maiores.

Quem enganou o Brasil foi o lulopetismo. Lula mesmo encharcou as mãos de petróleo como arauto da falsa autossuficiência. E agora, José? Não há culpabilidade política? Vai-se apelar aos “exércitos do MST” para encobrir a verdade?

É por isso que tenho dito que impeachment é uma medida prevista pela Constituição, pela qual não há que torcer, nem distorcer: havendo culpabilidade, que se puna. Mas a raiz dos desmandos foi plantada antes da eleição da atual presidente. Vem do governo de seu antecessor e padrinho político. O que já se sabe sobre o petrolão é suficientemente grave para que a sociedade repudie as forças e lideranças políticas que teceram a trama da qual o escândalo faz parte. Mas é preciso que a Justiça não se detenha antes que tudo seja posto às claras. Só assim será possível resgatar os nossos mais genuínos sentimentos de confiança no Brasil e no seu futuro.