segunda-feira, 19 de setembro de 2022

Gigolô de caixão

Você acha que vim aqui fazer política? Pelo amor de Deus, não vou te responder não. Pelo amor de Deus, não tem uma pergunta decente? Compara o Brasil com os Estados Unidos, com o resto do mundo. Faça uma pergunta decente
Jair Bolsonaro em Londres

Envergonhe-se do presidente da República que ainda temos

Surpreso? Acreditou que, consternado, a 14 dias das eleições, Bolsonaro teria o gesto de grandeza de interromper sua campanha e voar a Londres só para representar o Brasil no velório de Elizabeth II? Bolsonaro foi à caça de imagens para evitar uma derrota no primeiro turno. Aproveitou e fez campanha por lá.

Mal chegou à embaixada do Brasil onde ficaria hospedado, sabendo que devotos locais haviam sido mobilizados para saudá-lo, logo apareceu na varanda e pediu votos descaradamente. Disse que o Brasil não aceita discutir legalização do aborto, descriminalização das drogas e a chamada “ideologia de gênero”.

E afirmou a certa altura do discurso, para espanto de diplomatas e da imprensa internacional – da nossa, não, porque está acostumada:

“Esse é o entendimento da maioria do povo brasileiro. Estive no interior de Pernambuco e a aceitação é simplesmente excepcional. Não tem como a gente não ganhar no primeiro turno”.


Dos mais de 500 presidentes e chefes de Estado presentes em Londres, ele foi o único que não se acanhou em tirar vantagem política da ocasião. Ao livrar-se das obrigações do protocolo, como cumprimentar o Rei Charles e visitar o caixão com o corpo da rainha, foi a um posto mostrar quanto custa um litro de gasolina.

Gravou um vídeo postado de imediato nas redes onde disse que a gasolina no Brasil é mais barata que na Inglaterra. E proclamou: “É o governo brasileiro trabalhando por você”. O preço do litro na terra da rainha é o dobro do nosso. Bolsonaro escondeu, porém, que o salário mínimo inglês é seis vezes maior que o brasileiro.

Acompanhado da primeira-dama Michelle e do pastor evangélico Silas Malafaia, que torce para que trave o sistema de votação das urnas eletrônicas, adiando assim a data das eleições, Bolsonaro ainda encontrou tempo para conceder uma entrevista exclusiva ao SBT, também conhecido como Sistema Bolsonarista de Televisão.

Fez questão de negar que tenha ido a Londres em campanha. E voltou a atacar, sem provas, o sistema eleitoral brasileiro:

“Se eu tiver menos de 60% dos votos, algo anormal aconteceu, tendo em vista obviamente o data povo, que você mede pela quantidade de pessoas que não só vão nos meus eventos, bem como nos recepcionam ao longo do percurso até chegar ao local do evento”.

Pesquisa Datafolha, divulgada na última quinta-feira, deu a Lula 45% das intenções de voto e a Bolsonaro, 33%. Pesquisa anterior, do Ipec, ex-Ibope, deu a Lula 46% e a Bolsonaro, 31%. Pesquisa Ipespe, publicada anteontem (17), deu a Lula 45% e a Bolsonaro, 35%. O data povo não é nenhum instituto de pesquisa, é fake news.

Amanhã, em Nova Iorque, para o discurso de abertura de mais uma Assembleia-Geral da ONU, Bolsonaro terá outra oportunidade de envergonhar o Brasil. Nada de excepcional.

Brasil, Primeiro de Abril!

“Terradorada”, exposição de Márcia
Tiburi aberta em Paris em 7 de setembro
 
No dia Primeiro de abril se brinca de mentira, se brinca de trapaça,
se brinca de ser falso.
É um dia de catarse: eu minto, nós mentimos, eles mentem!
E tudo é mentira de verdade!
É o dia de ser artista do cotidiano.
Atrizes e atores da vida banal, garantimos a fresta lúdica diante da cara de susto de nossa vítima.
No microrritual catártico, um carnavalzinho no meio da quaresma, fazemos cócegas na sisudez da verdade diária com que garantimos a democracia e o pão de cada dia!

Mentir é permitido uma vez por ano!
Mas, para rir da mentira, a gente precisa da verdade.
O prazer da farsa que se comemora no dia Primeiro de Abril é o prazer de desmascarar a farsa!
Quem exclama “Primeiro de Abril” mostra que acabar com a mentira é que é a graça do jogo.

Infelizmente, no país da piada pronta, o Primeiro de Abril perdeu a graça em Primeiro de Abril de 1964!

Acabou o carnavalzinho no país do carnavalzão!

Escrotocratas unidos pelo poder roubaram o direito do povo ao riso!
Proibiram a catarse, capitalizaram o papelão.
Até que elegeram o capetão!

Colocaram em risco de morte a inteligência nacional!
A pós-verdade já estava lá, na boca dos tarados falogocêntricos, brancos capitalistas fardados sem vergonha nenhuma.
Eles sequestraram a brincadeira!
Colocaram quem denunciava a sua mentira no pau-de-arara e urraram com o coronel Ustra

Agora a mentira mata!

Que homens feios e sem arte!
Esses homens asinos, equinos, anais, cloacais, varonis, falocráticos, loucos por um pau-Brasil!
Homens feios porque sem arte!

Escrotocratas milicianos matadores, orgulhosos da merda que são!
Mataram e continuam a matar.
Marielle pergunta: Até quando matarão?
Bandidões, unidos, jamais serão vencidos?
E segue o primeiro de abril escondido atrás do 31 de março.
E otários tarados pelo poder,
Que só enxergam um Pau diante do Brasil,
sentados sobre a parte cortada do nosso nome,
como o pescoço dos pobres, dos índigenas, das mulheres, das travestis assassinadas a cada dia
gritam as velhas mentiras.

Ustra vive!
Quem? O povo pergunta com um prato vazio nas mãos.

O pau foi cortado.
O ouro foi entregue.
O sangue dos jovens negros assassinados pelo Estado escorre.
As pessoas são impedidas de respirar pelos ladrões do ar.

Os fascistas sempre souberam que a mentira é poder.
O que eles não sabem é que a arte é a mentira liberada do poder!
E a mentira liberada do poder
Derruba todas as máscaras.

E a verdade é que o Ubu Rei Brasileiro quer comemorar a ditadura!
E que você está numa peça de teatro, num pesadelo, num delírio coletivo.
E tem o direito de dizer
Primeiro de Abril !!!
Apesar de tudo

O Brasil não é uma alucinação!

Marcia Tiburidisse

Presença no adeus a Elizabeth II ajuda Bolsonaro?

Na semana passada, escrevi um longo artigo afirmando que a campanha política no Brasil é imprevisível. Mesmo com marqueteiros, estrategistas e análises minuciosas na mídia, os fatos escapam ao nosso controle. Quem diria que o Auxílio Brasil — que atropelou tudo para investir R$ 60,7 bilhões na salvação de Bolsonaro — não teria efeito algum entre os mais pobres?

Retomo o tema da imprevisibilidade, com uma nova pergunta: o que você diria se perguntassem no início do ano qual o papel da rainha da Inglaterra nas eleições do Brasil?

Certamente responderia com uma gargalhada. Proclamamos a República ainda no século XIX, não temos laços com a monarquia. A morte da rainha Elizabeth seria apenas uma notícia de destaque, nada mais.

No entanto, para enfatizar a força do acaso, a passagem da rainha foi terrível para a campanha de Bolsonaro. Ele esperava que o grande esforço e a grande transgressão do 7 de Setembro turbinassem sua posição nas pesquisas. Mas o tema foi ofuscado em seguida pela notícia da morte de Elizabeth.

Agora, Bolsonaro vai aos funerais em Londres para recuperar o prejuízo. Conseguirá? Tenho dito que a única forma de alterar o quadro seria ressuscitar a rainha.

Embora presidente do país do Novo Mundo, Bolsonaro disse que Elizabeth é nossa rainha. Isso certamente a agradaria, mas, se ele se apresentasse como “o imbrochável”, certamente ouviria do fundo do caixão forrado de chumbo:

— I beg your pardon.


De certa forma, Bolsonaro erra de rainha. Ele deveria ir ao funeral de Vitória, uma grande puritana, o que fortaleceria sua campanha de costumes, Deus, pátria e família.

Bolsonaro prega algo que não vive, mas talvez isso fosse comum no regime vitoriano. Sempre houve exceções, como sir Richard Burton. No século XIX, ele afirmava que as mulheres inglesas gozavam; não se tratava apenas de abrir as pernas, fechar os olhos e pensar nas glórias do Império britânico, como aconselhavam os mais velhos.

Certamente, Burton era uma espécie de marxista cultural de sua época, embora tenha vindo ao Brasil em busca de riquezas minerais, um tema que agrada Bolsonaro. Talvez não agrade tanto os mineiros que se lembram de suas montanhas perdidas. Os meninos seguem para a escola. Os homens olham para o chão. Os ingleses compram a mina, como diziam os versos de Carlos Drummond de Andrade sobre Itabira.

Se Elizabeth era a rainha de Bolsonaro, Charles é seu rei. Seria uma amizade improvável. O novo rei é preocupado com a destruição ambiental. Não quer que seus netos o vejam como cúmplice omisso da devastação do planeta. Mais um marxista cultural?

De novo, concluo que a única rainha que atenderia a sede eleitoral de Bolsonaro seria Vitória . Ainda assim, Bolsonaro não poderia se apresentar a ela aos brados de “imbrochável, imbrochável”. No lugar de um civilizado “I beg your pardon”, ouviríamos:

— Guardas, levem esse louco.

Depois de Londres, Bolsonaro terá ainda uma nova cartada: dirá na ONU que seu governo protege a Amazônia, que a fumaça que cobre a região não é de fogo e que as imagens de satélite sobre o desmatamento são apenas grosseiras manipulações.

São duas oportunidades em que tentará se passar por presidente do Brasil, depois de ter vivido quase quatro anos apenas o papel de um aloprado, como ele próprio chegou a se definir.

Nas próximas eleições, deixarei um espaço muito maior para o imprevisto, até para o Sobrenatural de Almeida, como diria Nelson Rodrigues. Se me perguntarem qual o papel das imagens do telescópio espacial James Webb nas eleições, humildemente, vou considerar.

Como entender uma viagem do presidente a Londres para um funeral, depois de ele ter desprezado a morte de quase 700 mil pessoas em seu país? Eleições são mesmo imprevisíveis.