quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

'Estamos a dar-lhes uma segunda oportunidade'

São seis Davides a enfrentar 33 Golias: a Sofia, o André, a Catarina, a Cláudia, a Mariana e o Martim contra 33 países europeus. Os jovens portugueses, em conjunto com a Global Legal Action Network (GLAN), estão a processar os países que consideram ser responsáveis pela pouca atuação para com a crise climática que se vive hoje.

Autodenominam-se os “queixosos”, que não estão a atacar, mas sim a dar uma segunda oportunidade aos governos europeus. “Nós somos as provas de que a crise climática existe, e somos nós, a nova geração, que vamos acartar com as consequências das gerações anteriores à nossa”, começa por contar André Oliveira à VISÃO.

Tudo começou quando, há quatro anos, os irmãos Sofia e André foram desafiados pela GLAN – uma organização sem fins lucrativos que apoia ações legais contra violações de direitos humanos – a juntarem-se à Catarina, à Cláudia, à Mariana e ao Martim para exporem as suas preocupações com as alterações climáticas. “Como a nossa geração é que vai sofrer com as alterações, a GLAN fez algo que nunca tinha sido feito: juntou o caso das alterações climáticas com os direitos humanos”, explica o adolescente de 13 anos.

Os seis conheceram-se em Leiria, e desde esse momento que sentem que podem fazer a diferença. “Foi uma sensação mesmo boa, porque ficámos logo muito unidos e temos uma causa em comum que nos diz muito”, recorda Sofia Oliveira, de 16 anos. Assim nasceu a Youth4ClimateJustice, a cara do processo.

A ação destes jovens é mais prática do que técnica, até porque para isso têm toda uma equipa de advogados que completam essa parte e que prepararam o processo contra os países. “Nós somos os porta-vozes, os queixosos que querem passar a mensagem”, explica André.

Sofia acrescenta que também investem muito tempo em investigação: “Vemos e analisamos muitos documentários e reunimos semanalmente para falar sobre as informações que fomos recolhendo. Reunimos também para que possamos perceber em que ponto estamos em tribunal e dar a voz do grupo.”

Para que se possa compreender como é que se faz a queixa de 33 países ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, André explica que, numa fase inicial, os jovens pediram ao tribunal que avisasse e notificasse todos os países processados. Depois deste passo, cada Estado teve de apresentar medidas e testemunhos de como vão tentar combater as alterações climáticas. Essas medidas foram enviadas de volta ao Tribunal, que mais tarde devolveu aos jovens. Neste momento, e até dia 9 de Fevereiro, os membros da Youth4ClimateJustice têm de analisar as propostas dos países: “Temos de perceber se fazem sentido, se são válidas ou se estão só a tentar enganar-nos”.

Áustria, Bélgica, Bulgária, Chipre, República Checa, Alemanha, Grécia, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Croácia, Hungria, Irlanda, Itália, Lituânia, Luxemburgo, Letónia, Malta , Holanda, Polónia, Portugal, Roménia, República Eslovaca, Eslovénia, Espanha, Suécia bem como Noruega, Rússia, Suíça, Turquia, Ucrânia e Reino Unido são os países que estão a ser processados desde o dia 3 de setembro de 2020.

O grupo acredita que este processo vai resultar em medidas reais e que ainda se está a tempo de salvar o planeta. Para André, as propostas vão ser apenas executadas a longo prazo: “Não acredito que os países deixem de, por exemplo, produzir energia com combustíveis fósseis de um dia para o outro. Vai ser uma transição lenta. Diria que só perto de 2050 é que a maioria estará a utilizar indústria verde.”

Já Sofia garante que o processo demonstra o caráter urgente de atuação: “As alterações climáticas já eram tão extremas em 2021… Como será em 2022? O nosso caso vai mexer com muitas pessoas e há vários adultos e crianças que se estão a mexer para que alguma coisa seja feita”, diz. “O nosso futuro está em jogo, e estamos a dar uma oportunidade a todos, oportunidade à geração anterior, porque sabemos que eles erraram e é preciso remediar isso.”

O caso dos seis jovens está a ter grandes repercussões fora de Portugal, mas garantem que não querem ser uma versão portuguesa da Greta Thunberg. “Queremos ser só a Sofia e o André. Até porque temos formas diferentes de agir. A Greta é mais de manifestações, ela já está muito frustrada e eu entendo-a. Mas a nossa ação é mais legal, mais burocrática. Queremos espalhar a esperança e mostrar que com pequenas ações podemos mudar e cuidar do planeta”, afirma André.

Se André e Sofia tivessem de escolher um ídolo, não seria Greta, mas sim uma pessoa que está no seu antípoda geracional: David Attenborough. “Ele inspira-nos muito com as suas entrevistas, porque começa sempre por mostrar como a natureza é linda, e de repente explica como tudo está devastado e como já não há muito que fazer”, começa por descrever Sofia. “Mas o mais incrível é que ele ainda tem esperança e consegue passar essa mensagem. E nós queremos continuar a espalhar também essa esperança.”

Essa esperança, no entanto, não pode ser só movida pelos mais novos. “As crianças e os jovens têm de ser ouvidos, mas os adultos também têm de estar alerta. São eles que têm mais poder e que podem votar em pessoas que realmente podem fazer algo pelo nosso planeta”, reafirma o jovem.

São também os mais velhos que têm de equilibrar o que é mais importante: o dinheiro e o ambiente. “O dinheiro é muito importante na nossa sociedade e vai sempre continuar a ser. Mas se equilibrarmos o dinheiro e o ambiente, pegando num para ter o outro, conseguimos salvar o planeta”, confere Sofia. Neste momento, é preciso “gastar dinheiro para recuperar o nosso ambiente.”

A mensagem que deixam é esta: “Isto não é um ataque”. “Para os governos, eu gostava de dizer que eles são os governantes do povo e que são eles que têm a voz e por isso é importantíssimo agir. Isto não é um ataque. É uma segunda oportunidade, e uma oportunidade para que possam resolver aquilo que está a acontecer”.

Expert em ditadura

A nova ditadura não é de uma hora pra outra. Vem aos poucos. Vai tirando da sua liberdade aqui e acolá. E quando você se move até a cintura na areia, não tem como sair mais. O Brasil ainda corre esse risco. Não está descartado
Jair Bolsonaro, que de ditadura entende

Pequenas maldades

Nóis sofre, mas nóis ri.

Vai dizer que não riu quando soube que a vizinha negacionista saiu toda pimpona para a viagem de férias e foi barrada no check in. Voltou pra casa injuriada, com a desagradável tarefa desfazer mala e cuia. Sem vacina, sem Europa. Metade da rua soube e riu. Os mais malvados murmuraram: Bem feito. Rindo.

Vale o mesmo para os barrados em restaurantes, espetáculos, etc.. Toma negacionista!

Vai dizer que não riu com a foto do Moro de óculos escuros em uma boate, no Nordeste? Seria um disfarce, conjuntivite, new style?

Vai dizer que não riu quando as férias bagaceira do piloto de Jet ski/PR acabaram em intestino enfezado? Riu mais ainda quando o camarão levou a culpa pelo nó nas tripas. A piada veio pronta. Se a trava está no reino dos moluscos, imagine quando for lula?

Vai dizer que não riu com a invertida, em carta aberta, do General da ANVISA ao capitão bocudo?

Qual o interesse da ANVISA por trás disso aí? Indagou o PR, com sua performance de sabichão/Tonho da Lua, sobre a aprovação da ANVISA para vacinação, contra Covid, em crianças de 5 a 12 anos.

No sábado, dia 8/01/22, Antônio Barra Torres, Contra-Almirante, médico, que preside a ANVISA mandou essa: Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique, Senhor Presidente. Determine imediata investigação policial sobre a minha pessoa ou sobre qualquer um que trabalhe na ANVISA.

E ainda pediu retratação do capitão-falastrão que, apesar de Presidente da República, na hierarquia militar seria subalterno do Contra-Almirante, patente equivalente a de General.

Jair ficou dois dias sem palavras, naquele estado catatônico do “Ah é, é”?, quando não se sabe como rebater uma lambada cara a dentro.

Rimos de novo, vá?

Ontem à noite, primeiro ao seu estilo, Jair disse que nunca acusou a ANVISA de corrupção e classificou a carta de Barra Torres como “muito agressiva”. Minutos depois, voltou ao seu toró de palpite habitual. Disse que “é comum ver Agência criar dificuldade para vender facilidade”.

“Não quero acusar a ANVISA de absolutamente nada. (Jura?) Agora, que tem alguma coisa acontecendo, não tem a menor dúvida que tem”.

Tem o quê, seu Jair? Diga lá!

Ou seja, como já apontou Barra Torres, saber de coisa errada e não denunciar é prevaricação.

Jair, o mentidor, é mesmo prevaricador contumaz.

Bora aguardar próximos rounds do General X capitão rolando lero.

Nesse melê a que somos submetidos diariamente, desde que esses tipos botaram a mão na presidência do Brasil, rir é fundamental para desopilar o fígado e sobreviver às raivas, aos medos das Covids, que mudam de nome, da influenza, da dengue. De tudo junto.

Jair é um pandego. A la Mussolini, é perigoso mas pandego.

Com ele et caterva, nóis sofre, mas nóis também ri. E toca a vida.

Essa nossa resiliência – com riso e/ou pela fé e esperança – é registrada nas pesquisas de comportamento, como no levantamento do Observatório da Febraban, realizado em dezembro, pelo Ipespe. Mais da metade dos 3000 entrevistados (58%) se dizem satisfeitos da vida. Estar com boa saúde apesar da grave crise sanitária é um dos principais motivos por esse sentimento. Tipo: Sobrevivi, tá de boas.

A esperança aparece também em mais da metade (53%) dos entrevistados, que acreditam em tempos melhores, ainda que não seja em curto prazo. Pra esses brasileiros, em 10 anos, o país estará melhor.

Esse otimismo chega aos 58% entre os jovens de 18 a 24 anos, pessoas com nível superior e entre os que ganham de 2 a 5 salários mínimos.

O desencanto alcança 22% dos entrevistados, que imaginam o país pior em uma década. Sentimento que é maior entre as mulheres (25%).

14% dos entrevistados jogam a toalha. Não acreditam em mudanças, acham que o país vai continuar igual. Entre as mulheres esse percentual de descrédito chega aos 19%.

Mais da metade dos entrevistados quer um país mais justo e com menos desigualdade social. Sem esquecer cuidado e respeito à natureza.

E com esses sonhos vamos resistindo. Rindo até do que mete medo.

PS.: Com tristeza. Solidariedade e respeito às vitimas da chuva, mais uma dor a castigar o Brasil neste começo de 2022.

Militares, golpismo e oportunismo

Alcançou grande repercussão a carta do diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, cobrando de Bolsonaro uma retratação diante de suspeitas infundadas a respeito de decisões da agência sobre vacinas. Barra Torres vem se afastando do presidente, mas daí a considerar que estão em campos opostos vai uma longa distância.

O comando da agência é uma posição estratégica para o agronegócio, esteio do atual governo. Pela Anvisa passam as análises de todos os agrotóxicos usados no Brasil. Vejamos o exemplo do paraquate, associado à incidência da doença de Parkinson em trabalhadores que o manipulam.


O processo que levou ao banimento do veneno começara em 2017. Em setembro de 2020, ele foi, de fato, proibido, mas, dias depois, a Anvisa aprovou o uso para quem tivesse estoques do produto. Um doce para quem adivinhar quem propôs o relaxamento da norma, que agradou em cheio ao agronegócio.

Agora que Bolsonaro derrete nas pesquisas, outros tomam atitudes que contrariam o chefe. O comandante do Exército, Paulo Sérgio de Oliveira, determinou a vacinação contra a Covid para que militares retornem ao trabalho presencial. E proibiu que divulguem notícias falsas em redes sociais. Oliveira foi quem poupou o general Pazuello de punição quando este participou de um ato com Bolsonaro, em evidente transgressão disciplinar.

Outro exemplo é o ex-ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, que toma ares de democrata ao assumir cargo no TSE. É o mesmo que celebra o golpe de 1964 e que jogou dinheiro público no lixo ao autorizar a produção de cloroquina no laboratório do Exército.

São movimentos oportunistas, típico "reposicionamento de marca" de uma parcela dos militares. Bolsonaro não serve mais como instrumento de seu projeto de poder e, ao que parece, eles irão buscar alternativas. Isso não os torna menos golpistas nem anula o fato, negativo em todos os sentidos, de que estão fazendo política quando deveriam estar nos quartéis.

Pensamento do Dia

 


A tragédia de Capitólio é a alegoria de um desastre nacional

Muito usada por pensadores gregos, como Platão, autor da mais famosa delas, o Mito da Caverna, uma alegoria pode ter vários significados, que transcendem ao seu sentido literal. Representa uma coisa por meio da aparência de outra, uma metáfora ampliada. Com 10 pessoas mortas — todas já identificadas, a maioria da mesma família, ocupantes da lancha Jesus, atingida pelo desmoronamento de parte de uma das escarpas do grande cânion da represa de Furnas —, a tragédia de Capitólio (MG) é a alegoria de um desastre nacional anunciado.

Registrado por meio de vídeos e fotos de turistas que presenciaram a tragédia, o flagrante do acidente de Capitólio é chocante. Em circunstâncias normais, um passeio de lancha no local contrastaria fortemente com as imagens de desespero e dor de milhares de famílias desabrigadas pelas enchentes em diversas cidades mineiras, muitas das quais ainda submersas, repetindo o que ocorreu na Bahia há duas semanas. O que era para ser uma tarde de sábado magnífica se transformou na tragédia que comove o país, enquanto chuvas torrenciais castigam Minas Gerais.

Foi uma fatalidade. Entretanto, o gerenciamento de risco ensina que acidentes desse tipo não acontecem de uma hora para outra, são tecidos por meio de uma sucessão de fatos identificáveis e de consequências previsíveis. Contingências e erros acabam confluindo para um desfecho catastrófico. Em quaisquer circunstâncias, mesmo num período de seca, as rochas que desabaram se desprenderiam, porque a erosão progressiva da escarpa estava em curso irreversível. O fenômeno é muito estudado por geólogos. O Rio de Janeiro vive permanentemente esse tipo de problema, por causa de suas encostas, muitas delas ocupadas por favelas e/ou circundadas por habitações e logradouros. Ou seja, o acidente poderia ter sido evitado.


É uma metáfora com o que está acontecendo no país, neste começo de ano sob temporais. Fomos surpreendidos pela quarta onda da pandemia, que já chegou com tudo, conforme se pode observar por meios dos relatos de médicos e pelas imagens registradas no pronto-atendimento dos postos de saúde. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, utiliza um subterfúgio antiquado para esconder da opinião pública o que está acontecendo: tapar o sol com a peneira. O apagão de dados do SUS, que impossibilita uma avaliação precisa da propagação da variante ômicron, não impede que as pessoas fiquem doentes. Uma epidemia de Influenza H3N2, que chegou ao país muito antes do previsto, agrava ainda mais a situação.

Nas redes sociais, circula um vídeo de um bando de pequenos pássaros numa praia que se movimentam de forma sincronizada: quando as ondas vêm, eles se afastam do mar; quando se vão, eles se aproximam das águas. Sempre tem uma ave mais afoita ou um retardatário que acabam alcançados pelas ondas. Um gozador resolveu comparar essas imagens com o nosso comportamento diante da covid-19. A grande maioria participou de confraternizações de Natal e ano-novo. Os mais afoitos ou descuidados acabaram doentes. Agora, diante do avanço da ômicron, os desfiles de blocos e escolas de samba, os bailes e outros eventos de carnaval estão sendo cancelados. As viagens também.

Medidas de prevenção estão sendo tomadas pelas autoridades sanitárias, prefeitos e governadores, porém, contrastam fortemente com o comportamento negacionista do presidente Jair Bolsonaro, cujas atitudes são previsíveis. Estima-se que a quarta onda dure de dois a três meses, com base no que aconteceu na África do Sul, onde surgiu a variante ômicron. Naquele país, com 56 milhões de habitantes, em 106 dias, os casos subiram de dois mil para 20 mil por dia e, depois, voltaram para dois mil. Estudos mostram que essa variante é menos letal do que a delta, mas é preciso levar em conta a diferença de escala demográfica, pois o Brasil tem 212 milhões de habitantes, ou seja, caso haja um grande número de contaminados, a baixa letalidade, em termos quantitativos, pode representar muitos óbitos.

Muitas pessoas com a terceira dose de vacina estão contraindo e propagando a doença, a maioria de forma branda ou assintomática. Cerca de 25% dos brasileiros não tomaram sequer a primeira dose da vacina, principalmente as crianças; 33%, tomaram somente uma dose. É muita gente, o que compromete o controle da pandemia. Por isso, é grande o risco sanitário. Por causa do apagão de dados do SUS, não se sabe bem o que está ocorrendo em termos estatísticos, mas os indícios de que a economia já está sendo afetada pela situação sanitária são evidentes, devido ao número de pessoas afastadas do trabalho, o que deve agravar a recessão e complicar ainda mais a situação da população de baixa renda, que sofre com a fome e o desemprego.

Revivendo a síndrome de touro

Abrimos 2022 com a sinalização de que viveremos um ciclo de tensão, envolto no cobertor eleitoral. A par das costumeiras escaramuças que o país costuma abrigar sob a teia de uma guerra pelo poder entre protagonistas que lutam para aumentar sua fatia de bolo, desta feita estaremos diante de uma encruzilhada: à direita, descortina-se uma trilha de curvas e buracos, que dificultam a caminhada dos peregrinos pela régua civilizatória; à esquerda, uma vereda também sinuosa, que impede descortinar horizontes claros.

O fato é que, mais uma vez, padeceremos da síndrome do touro, caracterizada pela sentença: pensar com o coração e arremeter com a cabeça. Não é novidade. Os ciclos eleitorais são propícios a expandir os níveis de emoção e a enfraquecer as taxas de racionalidade. País tropical, o Brasil lapida a feição de território emotivo, diferente do modus vivendi de nações que forjaram a identidade no cimento da racionalidade, como os países nórdicos, por exemplo.


Olhemos para o pano de fundo, onde está a lenha que alimentará fogueiras de múltiplos tamanhos: a avaliação de três anos do governo Bolsonaro; a crise sanitária, com a troca de chumbo grosso entre guerreiros da situação e da oposição; a discussão sobre as vacinas, um tema de intensa polêmica; a avaliação dos governos estaduais; as operações espetaculosas da Polícia Federal, como esta recente que teve como alvo o ex-governador de São Paulo, Márcio França, que volta a disputar o governo em outubro próximo pelo PSB; a crise hídrica, com falta de chuva em algumas regiões, rebaixamento do nível dos reservatórios e excesso de água em outras: as inundações na Bahia, Minas Gerais e outros Estados garantindo imagens fortes no espaço eleitoral.

Os dois principais fogueteiros serão Jair e Luis Inácio. O presidente, como mostra todos os dias, tende a reforçar a condição de vítima, valendo-se do escudo emotivo originado pela facada de um maníaco, Adélio Bispo, cuja recorrência ilustra a expressão do bolsonarismo desde 2018. A recente obstrução intestinal, que interrompeu o périplo do presidente em SC, foi mais um episódio perpetrado pelo Senhor Imponderável, que costuma nos visitar.

Lula, de seu lado, mostra-se como o benfeitor dos pobres, famintos e distantes do pão sobre a mesa. E mais: sem o rancor verborrágico de outrora; ao contrário, veste o manto da união, sob a bandeira de um pacto super-partidário, com que espera ter apoio de entes à esquerda e ao centro-direita. Sua aliança com Geraldo Alckmin, ex-tucano, possível candidato a vice em sua chapa, está sendo chamada de “estratégia das tesouras, cujas bandas abertas parecem mostrar diferenças. Ambas, porém, cortam apenas para o lado desejado por quem as manuseia. As redes sociais batem bumbo: gato e rato se unem. Até composições musicais viralizam exibindo as “peculiaridades” destes animais.

O lavajatismo será acusado de exorbitâncias. O troco virá na esteira de lembranças sobre o mensalão e o petrolão, a serem tirados do baú e exibidos como trunfo para mostrar a corrupção na era lulista. A questão será: o discurso “pegará”? As massas se incomodarão com o passado ou preferirão ouvir mensagens diferentes que denunciavam os subterrâneos da corrupção? Eis algumas situações que tendem a balizar atitudes e o sistema cognitivo dos eleitores: o estado da economia, falta de dinheiro no bolso, greves controladas ou um cordão de movimentos reivindicatórios, enfim, o Produto Nacional Bruto da Felicidade Social, o PNBF. Entre 0 e 10, que nota ganhará em setembro/outubro?

A insatisfação/satisfação se fará presente nas urnas. As emoções ganharão teor expressivo junto às correntes das margens, mas encontrarão resistência por parte de contingentes do meio da pirâmide. Assistiremos a uma campanha eleitoral paralela, com registros bombásticos nas redes sociais. Será uma guerra de verbos e adjetivos, desfechados principalmente por partidários de Bolsonaro e de Lula.

Chegaremos esgotados em outubro. Afinal, o país continuará patinando no mesmo lugar ou dará um salto seguro para enfrentar o amanhã? O sentimento deste escriba é de que a crise ensejará oportunidades para o Brasil. Mesmo revivendo a síndrome do touro.

Crise militar é real ou é fabricada pelo próprio partido dos generais?

O presidente da ANVISA Antonio Barra Torres assina nota como “Oficial General da Marinha do Brasil” em que exige – sim, exige – retratação do Bolsonaro pela insinuação que ele fez sobre supostos interesses escusos da ANVISA ao preconizar tecnicamente a imunização de crianças.

“Se o Senhor não possui tais informações ou indícios, exerça a grandeza que o seu cargo demanda e, pelo Deus que o senhor tanto cita, se retrate”, anotou Barra Torres, que ainda desafiou Bolsonaro: “Se o senhor dispõe de informações que levantem o menor indício de corrupção sobre este brasileiro, não perca tempo nem prevarique, Senhor Presidente. Determine imediata investigação policial sobre a minha pessoa […]”.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária não é um órgão militar. É uma instituição civil dotada de autonomia científica para regulamentar e regular produtos, insumos e práticas de saúde à luz da ciência, da legislação nacional e dos protocolos da Organização Mundial de Saúde incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro.

Em vista disso, portanto, é inadequado e totalmente despropositado o uso, pelo presidente da ANVISA, do seu posto na hierarquia militar. A evocação do cargo militar, por outro lado, parece não ter sido fortuita; pode ser algo deliberado e orquestrado com o propósito de confundir e gerar caos.

Por que Barra Torres assinou o comunicado como “Contra-Almirante RM1 Médico – Marinha do Brasil” – portanto, um superior hierárquico do capitão reformado?

Escudado no mandato aprovado pelo Senado de Diretor-Presidente da ANVISA, Barra Torres usa, porém, a hierarquia militar para dar ordens a Bolsonaro – inferior na hierarquia militar, mas seu superior hierárquico enquanto comandante-supremo das Forças Armadas.


Não é preciso muito esforço para deduzir que, em qualquer desfecho deste episódio, é bastante significativa a possibilidade de eclosão de uma crise.

Qualquer que seja a reação de Bolsonaro, seja ela ensaiada ou não, o potencial de crise e impasse é considerável. Até que ponto isso é planejado e fabricado? Ou será resultado de uma crise real no interior dos estamentos militares?

Ou os militares pretendem fabricar uma “crise militar” pra tumultuar o ambiente político e institucional; ou, então, há, de fato, uma “crise militar” que, de todo modo, serve para tumultuar e desestabilizar o já tenso clima político e institucional.

Do ponto de vista do partido dos generais, o cenário de crise real ou fabricada oferece-lhes uma equação de ganha-ganha, na qual, em qualquer caso, do ponto de vista deles, as Forças Armadas assumem as rédeas da situação.

Em qualquer caso, o efeito seria o mesmo: as FFAA sempre estarão a postos para “garantirem a lei e a ordem” diante do caos promovido pelos próprios militares no contexto da guerra híbrida que desenvolvem.

Seja na eventualidade duma crise real, ou de uma crise fabricada por eles mesmos, uma pergunta se impõe: por que fazem isso?

Se algo tem ficado cada vez mais claro, é que o partido dos generais joga nas duas pontas: tumultua e simula caos e, ao mesmo tempo, oferece o controle total da situação.

Não por acaso, nos últimos dias eles plantaram notícias na imprensa sobre riscos de violência na eleição de outubro.

É um truque manjado. Na realidade, com meses de antecedência eles testam a reação da sociedade a um roteiro que já está escrito de antemão, de um possível “Capitólio de Brasília” que podem estar armando, nos moldes dos acontecimentos terroristas perpetrados pelos trumpistas nos EUA em 6 de janeiro de 2021. O general Fernando Azevedo e Silva já está escalado em posto-chave no TSE para cumprir eventual “missão”.

Neste cenário, eles “naturalmente” preveem que as Forças Armadas serão “convocadas” a oferecerem a solução salvadora de garantia/tutela da democracia e de estabilidade do sistema diante da crise que eles próprios inventam e produzem …

Por trás das imagens cândidas e de prestação de serviços comunitários que o Exército publicou no twitter nos últimos dias, se esconde a face real duma instituição transformada em facção política; convertida em milícia armada que conspira contra o Estado de Direito e tutela a democracia.

O professor da UFRRJ Francisco Carlos Teixeira da Silva arrisca uma hipótese que não deixa de ser alentadora, ainda que de duvidosa confirmação, na opinião dele mesmo: “há uma versão de crise fabricada para esvaziar a pressão sobre o caso da Bahia, já que a ‘facada – episódio 2022’, não colou”, disse ele.

Os sinais estão no ar.