sexta-feira, 11 de abril de 2025
O dedo de Trump no mapa da fome
O centro das discussões mundiais são as tarifas de Trump. Não poderia ser diferente: envolvem a economia do planeta e a sorte de bilhões. No entanto, há uma decisão de Trump que foi pouco discutida, com efeito arrasador sobre os mais pobres do mundo. Trata-se do corte de 83% dos programas norte-americanos de ajuda humanitária e ao desenvolvimento. O balanço do estrago dessa decisão foi feito nas primeiras semanas após o anúncio, mas ainda assim ele pode surpreender pela sua carga negativa.
O jornal Le Monde cita a primeira avaliação de março, divulgada na revista Nature: a suspensão da ajuda arrisca privar 1 milhão de crianças de acesso ao tratamento vital contra a desnutrição e a provocar 160 mil mortes anuais. Essas análises se apoiam no fluxo de financiamento e na mortalidade constatada quando não se combate a desnutrição.
O problema não se limita ao corte americano. Com a nova configuração política e o abalo da Otan, os principais países europeus começam a destinar mais dinheiro para armamento. A Alemanha, por exemplo, flexibilizou suas rígidas regras fiscais para destinar verbas ao setor militar. Países como a França e o Reino Unido reduzem sua ajuda ao desenvolvimento de países pobres. A França cortou 37%; a Inglaterra, 40%. Se somamos a renúncia americana com os cortes europeus, cerca de 2,3 milhões de crianças não serão tratadas e abre-se a possibilidade de mais 370 mil mortes de crianças por ano. É como se a tragédia de crianças morrendo pelas bombas em Gaza fosse multiplicada por 30.
Ao anunciar o desmantelamento da Usaid, Elon Musk afirmou que ninguém morreria por causa de um corte para controlar a ajuda estrangeira. As estimativas o desmentem.
A organização humanitária Helen Keller afirma que somente em Bangladesh, Nigéria e Nepal cerca de 21 milhões de pessoas ficaram sem ajuda nutricional, entre elas 11 milhões de crianças. A questão alimentar já era problemática, e ficou dramática a partir da retirada dos EUA, que eram responsáveis por 30% da ajuda mundial.
Nos dias 27 e 28 de março, a França organizou um encontro internacional, uma espécie de conferência da nutrição. O tema era também qual resposta deveria ser dada pela comunidade internacional a esta nova situação, em que os EUA se demitem e os europeus, antes dos americanos, já começam a deixar o campo. Os organizadores reconhecem que o debate sobre nutrição não se limita à comida, ele se estende às mudanças climáticas. Até a obesidade crescente em algumas áreas do mundo era parte da agenda. O Brasil participou desse encontro. A representante brasileira foi Janja. Lula lançou no Rio a Aliança Global contra a Fome. Abriu-se, com essa renúncia americana, não só um campo de crítica a Trump, como uma necessidade de redobrar o esforços diante de uma situação calamitosa. Lula tem não só a chance, mas também a necessidade de avaliar o novo quadro e ampliar os esforços que culminaram com o consenso no Grupo dos 20. Antes de tudo isso, eu já tinha escrito um artigo sobre a questão dos alimentos, mostrando que o alto preço momentâneo no Brasil, na França e nos Estados Unidos é apenas a ponta do iceberg.
Inspirei-me no livro do jornalista Paul Roberts The End of the Food, no qual analisa as cadeias globais de abastecimento e fez previsões sombrias sobre o futuro dos alimentos no mundo. Ele menciona três variáveis que podem definir esse futuro: energia, mudanças climáticas e crise hídrica. Muitos países já não produzem alimentos para economizar água. E os mais competitivos, como o Brasil, exportam milhões de litros de água gratuitamente, por meio da produção de carne de frango e porco. O livro de Roberts começa com as questões de saúde que a produção em grande escala traz, como a contaminação dos alimentos, mas examina também algumas das aspirações de países mais pobres, como por exemplo a de comer mais carne. Isso traria melhorias na saúde, mas é uma forma pouco eficiente de obter calorias. Em média, são necessários dois quilos de cereais para produzir um quilo de carne.
Aos poucos, a complexidade da alimentação diante do crescimento mundial vai subindo na agenda. Dois presidentes, por exemplo, falaram do preço do ovo nas últimas semanas.
Lula, no Brasil, reclamou dos aumentos causados por questões climáticas, preço de rações e conjuntura de maior consumo de ovo por causa da Quaresma. Devastada pela gripe aviária, a produção norte-americana elevou os preços de forma assustadora. Em Nova York, os ovos estavam sendo vendidos por unidade ou em caixas de três. Trump mencionou o tema no dia em que anunciava a questão das tarifas, o que mostra a importância estratégica que uma crise alimentar pode ter para os governos ao redor do mundo.
Aliás, a importância do tema da escassez é indiscutível, pois já derrubou vários governos. A questão é prever as consequências de uma crise durável, provocada pela escassez de água, ausência de energia abundante e empobrecimento irreversível dos rios e oceanos.
Correndo por fora da batalha das tarifas, a grande pauta global dos alimentos precisa vir à tona. Naturalmente, temos de começar pela emergência da fome e pela realidade assustadora de existirem 80 milhões de crianças necessitando de tratamento contra a desnutrição. Mas há amplo caminho pela frente, um pouco ofuscado pelas tarifas, em que os alimentos são uma espécie de coadjuvantes no debate que envolve preço de carros, máquinas de lavar e iPhones.
O jornal Le Monde cita a primeira avaliação de março, divulgada na revista Nature: a suspensão da ajuda arrisca privar 1 milhão de crianças de acesso ao tratamento vital contra a desnutrição e a provocar 160 mil mortes anuais. Essas análises se apoiam no fluxo de financiamento e na mortalidade constatada quando não se combate a desnutrição.
O problema não se limita ao corte americano. Com a nova configuração política e o abalo da Otan, os principais países europeus começam a destinar mais dinheiro para armamento. A Alemanha, por exemplo, flexibilizou suas rígidas regras fiscais para destinar verbas ao setor militar. Países como a França e o Reino Unido reduzem sua ajuda ao desenvolvimento de países pobres. A França cortou 37%; a Inglaterra, 40%. Se somamos a renúncia americana com os cortes europeus, cerca de 2,3 milhões de crianças não serão tratadas e abre-se a possibilidade de mais 370 mil mortes de crianças por ano. É como se a tragédia de crianças morrendo pelas bombas em Gaza fosse multiplicada por 30.
Ao anunciar o desmantelamento da Usaid, Elon Musk afirmou que ninguém morreria por causa de um corte para controlar a ajuda estrangeira. As estimativas o desmentem.
A organização humanitária Helen Keller afirma que somente em Bangladesh, Nigéria e Nepal cerca de 21 milhões de pessoas ficaram sem ajuda nutricional, entre elas 11 milhões de crianças. A questão alimentar já era problemática, e ficou dramática a partir da retirada dos EUA, que eram responsáveis por 30% da ajuda mundial.
Nos dias 27 e 28 de março, a França organizou um encontro internacional, uma espécie de conferência da nutrição. O tema era também qual resposta deveria ser dada pela comunidade internacional a esta nova situação, em que os EUA se demitem e os europeus, antes dos americanos, já começam a deixar o campo. Os organizadores reconhecem que o debate sobre nutrição não se limita à comida, ele se estende às mudanças climáticas. Até a obesidade crescente em algumas áreas do mundo era parte da agenda. O Brasil participou desse encontro. A representante brasileira foi Janja. Lula lançou no Rio a Aliança Global contra a Fome. Abriu-se, com essa renúncia americana, não só um campo de crítica a Trump, como uma necessidade de redobrar o esforços diante de uma situação calamitosa. Lula tem não só a chance, mas também a necessidade de avaliar o novo quadro e ampliar os esforços que culminaram com o consenso no Grupo dos 20. Antes de tudo isso, eu já tinha escrito um artigo sobre a questão dos alimentos, mostrando que o alto preço momentâneo no Brasil, na França e nos Estados Unidos é apenas a ponta do iceberg.
Inspirei-me no livro do jornalista Paul Roberts The End of the Food, no qual analisa as cadeias globais de abastecimento e fez previsões sombrias sobre o futuro dos alimentos no mundo. Ele menciona três variáveis que podem definir esse futuro: energia, mudanças climáticas e crise hídrica. Muitos países já não produzem alimentos para economizar água. E os mais competitivos, como o Brasil, exportam milhões de litros de água gratuitamente, por meio da produção de carne de frango e porco. O livro de Roberts começa com as questões de saúde que a produção em grande escala traz, como a contaminação dos alimentos, mas examina também algumas das aspirações de países mais pobres, como por exemplo a de comer mais carne. Isso traria melhorias na saúde, mas é uma forma pouco eficiente de obter calorias. Em média, são necessários dois quilos de cereais para produzir um quilo de carne.
Aos poucos, a complexidade da alimentação diante do crescimento mundial vai subindo na agenda. Dois presidentes, por exemplo, falaram do preço do ovo nas últimas semanas.
Lula, no Brasil, reclamou dos aumentos causados por questões climáticas, preço de rações e conjuntura de maior consumo de ovo por causa da Quaresma. Devastada pela gripe aviária, a produção norte-americana elevou os preços de forma assustadora. Em Nova York, os ovos estavam sendo vendidos por unidade ou em caixas de três. Trump mencionou o tema no dia em que anunciava a questão das tarifas, o que mostra a importância estratégica que uma crise alimentar pode ter para os governos ao redor do mundo.
Aliás, a importância do tema da escassez é indiscutível, pois já derrubou vários governos. A questão é prever as consequências de uma crise durável, provocada pela escassez de água, ausência de energia abundante e empobrecimento irreversível dos rios e oceanos.
Correndo por fora da batalha das tarifas, a grande pauta global dos alimentos precisa vir à tona. Naturalmente, temos de começar pela emergência da fome e pela realidade assustadora de existirem 80 milhões de crianças necessitando de tratamento contra a desnutrição. Mas há amplo caminho pela frente, um pouco ofuscado pelas tarifas, em que os alimentos são uma espécie de coadjuvantes no debate que envolve preço de carros, máquinas de lavar e iPhones.
Marine Le Pen, Martin Luther King e drones
"Nossa, graças a Deus as imagens da televisão dão a impressão de que há pessoas lá, porque se eles fizerem uma tomada aérea, estamos mortos." Esses foram os termos confessados no último domingo por um membro do Rally Nacional (RN) ao jornal Libération durante o comício em Paris convocado dias antes pelo partido de extrema direita para "salvar a democracia" e apoiar sua líder, Marine Le Pen, condenada a quatro anos de prisão — dois deles com pulseira eletrônica — e cinco anos de inibição política com efeito imediato. A nova mártir da política francesa, culpada de orquestrar um esquema para desviar fundos do Parlamento Europeu no valor de mais de quatro milhões de euros ao longo de 11 anos, certamente pensou que seus seguidores viriam de todos os cantos da França para defendê-la de tal injustiça. Mas nem a intensa e delirante campanha midiática lançada pelo partido após a decisão — denunciando o ponto de náusea como uma decisão “política”, antidemocrática, tomada por “juízes vermelhos” para aniquilar a candidatura do favorito nas pesquisas para as eleições presidenciais de 2027 — nem os trinta ônibus fretados pelo RN conseguiram o milagre tão esperado. As pessoas , a quem tanto se dirigiu a mulher que se apresentou neste domingo como ninguém menos que a filha espiritual de Martin Luther King, simplesmente a ignoraram.
Basta pesquisar com X a hashtag #PlaceVauban para perceber o quão vazia estava a praça, onde apenas cerca de 7.000 pessoas se reuniram, de acordo com a polícia. O vídeo publicado no X nesta quarta-feira por Le Pen , acompanhado por uma música grotesca de drama e tensão, não deixa dúvidas: embora as equipes da RN tenham tentado disfarçar a baixa presença por meio de uma edição afiada, coincidentemente a única tomada filmada por um drone é cortada justamente no momento em que o aparelho começa a subir. O partido justificou seu fracasso em alcançar a revolta popular que esperava tanto pela dificuldade de organizar um comício com menos de uma semana de antecedência quanto por sua baixa popularidade entre os parisienses, que até agora permaneceram imunes à retórica obsoleta e xenófoba do partido. Penso, no entanto, que a explicação é muito mais simples: sua arenga trumpiana e vitimista contra o sistema e "a ditadura dos juízes" em nome da livre escolha dos eleitores não convenceu os franceses e pode até não ter conquistado alguns de seus eleitores.
Como Patrick Cohen, editorialista da estação de rádio pública France Inter , enfatizou há alguns dias, quem na França pode honestamente acreditar que é urgente aliviar os controles e sanções contra representantes eleitos suspeitos de violações de integridade — além, é claro, do primeiro-ministro François Bayrou, que ainda aguarda um recurso em um caso semelhante e levantou a necessidade de revisar a lei? Ou que a democracia e a confiança dos cidadãos nas instituições seriam fortalecidas se políticos corruptos tivessem permissão para acessar cargos de poder. Quem em sã consciência pode acreditar que, como disse Jordan Bardella, a democracia está sendo assassinada e que os únicos juízes dos políticos são seus eleitores, ignorando deliberadamente a necessária separação de poderes em um Estado governado pelo Estado de Direito? O próprio Bardella declarou em novembro passado que um funcionário público com antecedentes criminais não era legítimo o suficiente para concorrer em uma eleição, causando agitação generalizada dentro do RN e irritando seu mentor. Então, qual é a situação?
Ciente de que a retórica trumpiana que adotou após a decisão ainda não é eleitoralmente viável na França , e considerando que este é um partido cuja popularidade vem crescendo à medida que se torna menos demoníaco — apenas na aparência, porque o programa do RN continua dizendo o contrário — Le Pen agradeceu a todos os seus aliados de extrema direita pelo apoio, exceto ao magnata laranja. Parece até que seus capangas já receberam ordens para moderar as coisas até que seu julgamento de apelação comece em um ano, em vista das ameaças recebidas pelos juízes responsáveis pelo caso. Ainda assim, ninguém sabe quais serão as consequências desse ataque sem precedentes às instituições democráticas e, em particular, à legitimidade do processo eleitoral lançado por Le Pen, caso a líder perca sua apelação poucos meses antes das eleições presidenciais. Embora o outro cenário, de que ele ganhe as eleições apesar de ter desviado quatro milhões de euros, seja talvez ainda mais assustador.
Carla Mascia
Basta pesquisar com X a hashtag #PlaceVauban para perceber o quão vazia estava a praça, onde apenas cerca de 7.000 pessoas se reuniram, de acordo com a polícia. O vídeo publicado no X nesta quarta-feira por Le Pen , acompanhado por uma música grotesca de drama e tensão, não deixa dúvidas: embora as equipes da RN tenham tentado disfarçar a baixa presença por meio de uma edição afiada, coincidentemente a única tomada filmada por um drone é cortada justamente no momento em que o aparelho começa a subir. O partido justificou seu fracasso em alcançar a revolta popular que esperava tanto pela dificuldade de organizar um comício com menos de uma semana de antecedência quanto por sua baixa popularidade entre os parisienses, que até agora permaneceram imunes à retórica obsoleta e xenófoba do partido. Penso, no entanto, que a explicação é muito mais simples: sua arenga trumpiana e vitimista contra o sistema e "a ditadura dos juízes" em nome da livre escolha dos eleitores não convenceu os franceses e pode até não ter conquistado alguns de seus eleitores.
Como Patrick Cohen, editorialista da estação de rádio pública France Inter , enfatizou há alguns dias, quem na França pode honestamente acreditar que é urgente aliviar os controles e sanções contra representantes eleitos suspeitos de violações de integridade — além, é claro, do primeiro-ministro François Bayrou, que ainda aguarda um recurso em um caso semelhante e levantou a necessidade de revisar a lei? Ou que a democracia e a confiança dos cidadãos nas instituições seriam fortalecidas se políticos corruptos tivessem permissão para acessar cargos de poder. Quem em sã consciência pode acreditar que, como disse Jordan Bardella, a democracia está sendo assassinada e que os únicos juízes dos políticos são seus eleitores, ignorando deliberadamente a necessária separação de poderes em um Estado governado pelo Estado de Direito? O próprio Bardella declarou em novembro passado que um funcionário público com antecedentes criminais não era legítimo o suficiente para concorrer em uma eleição, causando agitação generalizada dentro do RN e irritando seu mentor. Então, qual é a situação?
Ciente de que a retórica trumpiana que adotou após a decisão ainda não é eleitoralmente viável na França , e considerando que este é um partido cuja popularidade vem crescendo à medida que se torna menos demoníaco — apenas na aparência, porque o programa do RN continua dizendo o contrário — Le Pen agradeceu a todos os seus aliados de extrema direita pelo apoio, exceto ao magnata laranja. Parece até que seus capangas já receberam ordens para moderar as coisas até que seu julgamento de apelação comece em um ano, em vista das ameaças recebidas pelos juízes responsáveis pelo caso. Ainda assim, ninguém sabe quais serão as consequências desse ataque sem precedentes às instituições democráticas e, em particular, à legitimidade do processo eleitoral lançado por Le Pen, caso a líder perca sua apelação poucos meses antes das eleições presidenciais. Embora o outro cenário, de que ele ganhe as eleições apesar de ter desviado quatro milhões de euros, seja talvez ainda mais assustador.
Carla Mascia
Chacota, a nova arma da China contra Trump
Guerra comercial é coisa séria e é assim que o governo chinês tem tratado o tarifaço de Donald Trump, tanto na retórica como nas ações. Mas, às margens do discurso oficial, as autoridades chinesas deixam espaço para que a ofensiva do governo americano seja alvo de ironias, sempre dentro dos limites da censura que regula a mídia no país.
Geralmente sisuda, principal meio da liderança chinesa para comunicar-se com o mundo, a agência estatal de notícias Xinhua, produziu um vídeo inteiramente dedicado à zoação das medidas de Trump. Começa com uma introdução dita em voz de desenho animado: “A hilariante lógica por trás das tarifas recíprocas dos EUA”. Em dois minutos, o vídeo demole com sarcasmo a fórmula que levou o governo americano a calcular as tarifas aplicadas sobre cada país, concluindo que até um estudante de escola primária faria melhor.
Wang Guan, conhecido apresentador da TV estatal que tem no currículo entrevistas com vários líderes mundiais, entre eles o presidente Lula, foi na mesma linha, questionando a competência dos responsáveis pelo tarifaço. “O homem que costumava levar cassinos à falência agora quer fazer o mesmo com o comércio global”, diz Wang em um vídeo publicado em sua conta pessoal. Para ele, o cálculo por trás da ofensiva tarifária de Trump “é uma estupidez”. Faz tanto sentido, afirma, quanto “dividir o valor de sua hipoteca pelo tamanho do seu sapato”.
Nas redes sociais chinesas, o tarifaço recebe milhões de visualizações e curtidas em vídeos que usam inteligência artificial para imaginar o futuro que aguarda os EUA se o país bloquear a importação de seus produtos mais populares, muitos deles produzidos na China. A cena fictícia é de americanos obesos e com ar deprimido na linha de montagem de fábricas da Apple, da Nike ou da Tesla, que no fim do vídeo acabam arruinadas por falta de mão de obra.
“Dia da Libertação, você nos prometeu as estrelas, mas as tarifas mataram os carros chineses baratos”, canta uma voz gerada por IA num vídeo produzido pela mídia oficial, em que consumidores americanos aparecem lutando contra a inflação e terminam com o prato vazio.
A tarefa dos chineses que se dispõem a caçoar de Trump é facilitada pela fartura de material de comediantes e influenciadores dos EUA como John Stewart achincalhando seu próprio presidente. Se fosse o oposto, seria quase impossível encontrar material cômico na China envolvendo a liderança do país e seus símbolos. Zombar do presidente ou outras figuras importantes é totalmente proibido, quem ousa fazê-lo, mesmo que de leve, paga um alto preço.
Em 2023 o comediante Li Haoshi foi preso depois de fazer piada durante um show de stand-up em Pequim sobre seus cachorros, em que citou um lema motivacional do Exército dito pelo presidente do país, Xi Jinping. A piada levou à prisão de Li e custou à empresa que o contratara multa de 14,7 milhões de yuans (algo em torno de R$ 12 milhões na cotação de hoje). “Jamais permitiremos que qualquer empresa ou indivíduo use a capital como palco para insultar a gloriosa imagem do Exército de Libertação do Povo”, rebateu o ministério da Cultura.
Embora hoje em dia na China Trump seja alvo sobretudo de chacota e desprezo nacionalista (ao menos em público), ele também atrai enorme interesse como fonte de entretenimento. Nesse sentido, um dos fenômenos atuais é Chen Rui, conhecido nas mídias sociais como o “Trump chinês” por sua imitação impecável do presidente americano. Com mais de um milhão de seguidores na China e cerca de 400 mil no Instagram, Ryan, como ele é chamado, posta vídeos diários, mas não sobre política. Usa o incrível talento de imitador para fazer vídeos do cotidiano, em que apresenta na voz de Trump sua cidade, Chongqing.
Outra polêmica com os EUA que incendiou as redes sociais chinesas e gerou uma onda de zombaria envolveu o vice de Trump, J.D. Vance. O estopim foi o comentário de Vance de que os EUA pegam “dinheiro emprestado de camponeses chineses para comprar coisas que esses camponeses fabricam”. Um porta-voz da diplomacia chinesa chamou o comentário de “lamentável, desrespeitoso e ignorante”. Internautas não deixaram escapar que Vance ficou conhecido graças ao livro de memórias de sua família de “caipiras”.
Em sua resposta à guerra comercial deflagrada por Trump, o governo chinês também recorreu a fogo amigo americano, postando um vídeo de um dos presidentes mais admirados pelos republicanos, Ronald Reagan. No discurso de 1987, Reagan faz uma crítica contundente à imposição de tarifas, afirmando que ela pode funcionar por um certo tempo, mas que no fim das contas é uma política suicida, que aniquila a prosperidade.
Durante a pandemia, começaram a circular nas redes sociais chinesas versões de antigas piadas russas críticas ao autoritarismo do período soviético, reaproveitadas para descrever situações absurdas criadas pela draconiana política de Covid zero. Reagan era conhecido por colecionar esse tipo de piada para contá-las em eventos públicos. Uma de suas favoritas era sobre uma conversa entre um americano e um russo, sobre liberdade de expressão.
“Um americano diz a um russo que os americanos têm liberdade de expressão e que ele poderia até ir à Casa Branca e gritar: Vá para o inferno, Ronald Reagan! O russo responde: Ah, nós também temos liberdade de expressão. Eu também posso ir ao Kremlin e gritar: "Vá para o inferno, Ronald Reagan!"
Geralmente sisuda, principal meio da liderança chinesa para comunicar-se com o mundo, a agência estatal de notícias Xinhua, produziu um vídeo inteiramente dedicado à zoação das medidas de Trump. Começa com uma introdução dita em voz de desenho animado: “A hilariante lógica por trás das tarifas recíprocas dos EUA”. Em dois minutos, o vídeo demole com sarcasmo a fórmula que levou o governo americano a calcular as tarifas aplicadas sobre cada país, concluindo que até um estudante de escola primária faria melhor.
Wang Guan, conhecido apresentador da TV estatal que tem no currículo entrevistas com vários líderes mundiais, entre eles o presidente Lula, foi na mesma linha, questionando a competência dos responsáveis pelo tarifaço. “O homem que costumava levar cassinos à falência agora quer fazer o mesmo com o comércio global”, diz Wang em um vídeo publicado em sua conta pessoal. Para ele, o cálculo por trás da ofensiva tarifária de Trump “é uma estupidez”. Faz tanto sentido, afirma, quanto “dividir o valor de sua hipoteca pelo tamanho do seu sapato”.
Nas redes sociais chinesas, o tarifaço recebe milhões de visualizações e curtidas em vídeos que usam inteligência artificial para imaginar o futuro que aguarda os EUA se o país bloquear a importação de seus produtos mais populares, muitos deles produzidos na China. A cena fictícia é de americanos obesos e com ar deprimido na linha de montagem de fábricas da Apple, da Nike ou da Tesla, que no fim do vídeo acabam arruinadas por falta de mão de obra.
“Dia da Libertação, você nos prometeu as estrelas, mas as tarifas mataram os carros chineses baratos”, canta uma voz gerada por IA num vídeo produzido pela mídia oficial, em que consumidores americanos aparecem lutando contra a inflação e terminam com o prato vazio.
A tarefa dos chineses que se dispõem a caçoar de Trump é facilitada pela fartura de material de comediantes e influenciadores dos EUA como John Stewart achincalhando seu próprio presidente. Se fosse o oposto, seria quase impossível encontrar material cômico na China envolvendo a liderança do país e seus símbolos. Zombar do presidente ou outras figuras importantes é totalmente proibido, quem ousa fazê-lo, mesmo que de leve, paga um alto preço.
Em 2023 o comediante Li Haoshi foi preso depois de fazer piada durante um show de stand-up em Pequim sobre seus cachorros, em que citou um lema motivacional do Exército dito pelo presidente do país, Xi Jinping. A piada levou à prisão de Li e custou à empresa que o contratara multa de 14,7 milhões de yuans (algo em torno de R$ 12 milhões na cotação de hoje). “Jamais permitiremos que qualquer empresa ou indivíduo use a capital como palco para insultar a gloriosa imagem do Exército de Libertação do Povo”, rebateu o ministério da Cultura.
Embora hoje em dia na China Trump seja alvo sobretudo de chacota e desprezo nacionalista (ao menos em público), ele também atrai enorme interesse como fonte de entretenimento. Nesse sentido, um dos fenômenos atuais é Chen Rui, conhecido nas mídias sociais como o “Trump chinês” por sua imitação impecável do presidente americano. Com mais de um milhão de seguidores na China e cerca de 400 mil no Instagram, Ryan, como ele é chamado, posta vídeos diários, mas não sobre política. Usa o incrível talento de imitador para fazer vídeos do cotidiano, em que apresenta na voz de Trump sua cidade, Chongqing.
Outra polêmica com os EUA que incendiou as redes sociais chinesas e gerou uma onda de zombaria envolveu o vice de Trump, J.D. Vance. O estopim foi o comentário de Vance de que os EUA pegam “dinheiro emprestado de camponeses chineses para comprar coisas que esses camponeses fabricam”. Um porta-voz da diplomacia chinesa chamou o comentário de “lamentável, desrespeitoso e ignorante”. Internautas não deixaram escapar que Vance ficou conhecido graças ao livro de memórias de sua família de “caipiras”.
Em sua resposta à guerra comercial deflagrada por Trump, o governo chinês também recorreu a fogo amigo americano, postando um vídeo de um dos presidentes mais admirados pelos republicanos, Ronald Reagan. No discurso de 1987, Reagan faz uma crítica contundente à imposição de tarifas, afirmando que ela pode funcionar por um certo tempo, mas que no fim das contas é uma política suicida, que aniquila a prosperidade.
Durante a pandemia, começaram a circular nas redes sociais chinesas versões de antigas piadas russas críticas ao autoritarismo do período soviético, reaproveitadas para descrever situações absurdas criadas pela draconiana política de Covid zero. Reagan era conhecido por colecionar esse tipo de piada para contá-las em eventos públicos. Uma de suas favoritas era sobre uma conversa entre um americano e um russo, sobre liberdade de expressão.
“Um americano diz a um russo que os americanos têm liberdade de expressão e que ele poderia até ir à Casa Branca e gritar: Vá para o inferno, Ronald Reagan! O russo responde: Ah, nós também temos liberdade de expressão. Eu também posso ir ao Kremlin e gritar: "Vá para o inferno, Ronald Reagan!"
Sibéria: A bomba-relógio climática
Aproveitando que a Guerra Fria parece ter saído de moda, Vladmir Putin faria bem em voltar sua atenção para a bomba natural sobre a qual seu reinado está localizado. Se a Sibéria continuar derretendo, a Rússia já era, levando junto boa parte do mundo como nós o conhecemos. Acontece que é na Sibéria que fica a maior parte da superfície terrestre chamada permafrost.
O permafrost é a porção de solo permanentemente congelado que se encontra no Ártico e na sua vizinhança – como Sibéria e Groelândia -, mas também em regiões elevadas do Alasca, Tibet e Canadá. Estamos falando de terrenos encharcados com água congelada, onde se forma o cimento natural que solidifica uma pasta de terra, rochas e matéria orgânica, que chega a ter 1,5km de profundidade em alguns locais. A idade de todo esse “gelo permanente” pode variar de uns poucos milênios a 4 milhões de anos. A camada mais profunda é mais antiga e mais estabilizada. Porém, ultimamente até ela vem sendo afetada pelo aquecimento global.
A perspectiva de que esse picolé geológico mais antigo derreta tem tirado o sono dos cientistas, porque nele estão guardados enormes perigos para o meio ambiente e a humanidade. O permafrost tem sido chamado de “bomba-relógio de carbono” pelos especialistas, porque seu ritmo de degelo é imprevisível. Como esse gelo antigo tem apresentado elevação de temperatura três vezes acima da média global, seu descongelamento tanto pode ser gradual, como pode colapsar abruptamente.
Enquanto isso, Putin ainda crê nas vantagens de curto prazo que o derretimento da Sibéria traria para a economia russa (ou a dele, é difícil distinguir). Por exemplo: o acesso a novas reservas de petróleo e gás, a exploração de jazidas de minerais estratégicos e terras raras, a expansão de áreas agricultáveis e a abertura de novas rotas marítimas. Contudo, a ansiedade do Kremlin por lucros de curto prazo para si pode resultar na inexistência de um longo prazo para todos, a começar pela própria Rússia.
O primeiro problema é que, quanto mais o planeta aquece, mais rápido a Sibéria derrete e mais rápido o planeta aquece, criando-se um ciclo climático catastrófico de amplitude planetária. Diversas fontes científicas como o IPCC e as Nações Unidas já concordam que os depósitos de gelo antigo, principalmente na Sibéria, armazenam dezenas de bilhões de toneladas de CO2 e gás metano que serão liberados na atmosfera acelerando o aquecimento global a níveis irreversíveis, que podem inviabilizar a vida no planeta.
Em segundo lugar, quando o permafrost se liquefaz, toda a infraestrutura rodoviária, ferroviária, industrial, energética, urbana e de oleodutos que foi assentada sobre o solo congelado se deforma, afunda ou desmorona, implicando em custos bilionários com manutenção, reconstrução e outras adaptações. Isso já está acontecendo no norte da Rússia, Alasca e Canadá (80% das infraestruturas críticas da Sibéria, por exemplo, estão no permafrost).
Some-se a essas consequências outros efeitos inusitados, como a liberação de microrganismos letais congelados, mais antigos do que a humanidade (a bactéria do Antraz, por exemplo, ressurgiu com o degelo atual causando um surto na Sibéria).
Embora distante, nem a nossa Terra da Santa Cruz escapará do derretimento da Sibéria, que afetará o regime de chuvas e estiagens na Amazônia e em todo o País, assim como resultará na elevação dos níveis dos oceanos afetando as nossas cidades costeiras. Apesar do estresse dos mercados, o tarifaço do Trump ainda não é o maior problema do mundo.
O permafrost é a porção de solo permanentemente congelado que se encontra no Ártico e na sua vizinhança – como Sibéria e Groelândia -, mas também em regiões elevadas do Alasca, Tibet e Canadá. Estamos falando de terrenos encharcados com água congelada, onde se forma o cimento natural que solidifica uma pasta de terra, rochas e matéria orgânica, que chega a ter 1,5km de profundidade em alguns locais. A idade de todo esse “gelo permanente” pode variar de uns poucos milênios a 4 milhões de anos. A camada mais profunda é mais antiga e mais estabilizada. Porém, ultimamente até ela vem sendo afetada pelo aquecimento global.
A perspectiva de que esse picolé geológico mais antigo derreta tem tirado o sono dos cientistas, porque nele estão guardados enormes perigos para o meio ambiente e a humanidade. O permafrost tem sido chamado de “bomba-relógio de carbono” pelos especialistas, porque seu ritmo de degelo é imprevisível. Como esse gelo antigo tem apresentado elevação de temperatura três vezes acima da média global, seu descongelamento tanto pode ser gradual, como pode colapsar abruptamente.
Enquanto isso, Putin ainda crê nas vantagens de curto prazo que o derretimento da Sibéria traria para a economia russa (ou a dele, é difícil distinguir). Por exemplo: o acesso a novas reservas de petróleo e gás, a exploração de jazidas de minerais estratégicos e terras raras, a expansão de áreas agricultáveis e a abertura de novas rotas marítimas. Contudo, a ansiedade do Kremlin por lucros de curto prazo para si pode resultar na inexistência de um longo prazo para todos, a começar pela própria Rússia.
O primeiro problema é que, quanto mais o planeta aquece, mais rápido a Sibéria derrete e mais rápido o planeta aquece, criando-se um ciclo climático catastrófico de amplitude planetária. Diversas fontes científicas como o IPCC e as Nações Unidas já concordam que os depósitos de gelo antigo, principalmente na Sibéria, armazenam dezenas de bilhões de toneladas de CO2 e gás metano que serão liberados na atmosfera acelerando o aquecimento global a níveis irreversíveis, que podem inviabilizar a vida no planeta.
Em segundo lugar, quando o permafrost se liquefaz, toda a infraestrutura rodoviária, ferroviária, industrial, energética, urbana e de oleodutos que foi assentada sobre o solo congelado se deforma, afunda ou desmorona, implicando em custos bilionários com manutenção, reconstrução e outras adaptações. Isso já está acontecendo no norte da Rússia, Alasca e Canadá (80% das infraestruturas críticas da Sibéria, por exemplo, estão no permafrost).
Some-se a essas consequências outros efeitos inusitados, como a liberação de microrganismos letais congelados, mais antigos do que a humanidade (a bactéria do Antraz, por exemplo, ressurgiu com o degelo atual causando um surto na Sibéria).
Embora distante, nem a nossa Terra da Santa Cruz escapará do derretimento da Sibéria, que afetará o regime de chuvas e estiagens na Amazônia e em todo o País, assim como resultará na elevação dos níveis dos oceanos afetando as nossas cidades costeiras. Apesar do estresse dos mercados, o tarifaço do Trump ainda não é o maior problema do mundo.
A próxima etapa do plano de Trump
O choque imposto por Donald Trump na semana passada elevou a tarifa de importação média dos EUA de 2,5% para 22,5%, a maior em mais de cem anos. “Isso é uma revolução econômica, e vamos ganhar”, tuitou ele.
Para o secretário do Tesouro, Scott Bessent, o tarifaço é apenas o começo da reordenação da ordem econômica que Trump quer estabelecer. Em mais de uma ocasião, Bessent repetiu que “o sistema de comércio internacional consiste numa rede de relacionamentos militares, econômicos e políticos. Não se pode considerar um único aspecto isoladamente. É assim que o presidente Trump vê o mundo, com interconexões que podem ser reordenadas para promover o interesse do povo americano”.
Bessent e o chefe do Conselho de Assessoria Econômica da Casa Branca, Stephen Miran, já deixaram claro que o caos tarifário é uma forma de criar alavancagem a ser usada na implementação do resto do plano para reindustrializar os EUA e preservar o dólar como moeda de reserva. A agenda Maga (Make America Great Again) parece incluir esferas de influência geoeconômica (unindo comércio e segurança), isolamento da China ao máximo, desmonte do multilateralismo (FMI, OMC) etc.
Antes de chegar à Casa Branca, Miran escreveu que seria “mais fácil imaginar que, após uma série de tarifas punitivas, parceiros comerciais como a Europa e a China se tornem mais receptivos a algum tipo de acordo monetário em troca de uma redução das tarifas”.
Ou seja, se “o dólar fosse capaz de se enfraquecer para equilibrar o comércio, não teríamos muito trabalho para equilibrar os déficits comerciais e não teríamos muitos dos problemas que as tarifas e outras políticas visam solucionar, porque seríamos mais competitivos no cenário global e não tão enganados por outros países”.
Em conversa com a coluna, o professor de competitividade Stéphane Garelli, do IMD, uma das principais escolas de negócios do mundo, sediada na Suíça, prevê que a próxima etapa para Trump será justamente arrancar um acordo para desvalorizar o dólar.
O professor observa que tudo é questão de preço na esfera Trump. O presidente dos EUA age como um comerciante que vende direitos de acesso. Primeiro, aos mais de 300 milhões de consumidores americanos. Para entrar nesse mercado, é preciso pagar mais tarifas ou fazer investimentos diretos no país. Em seguida, o acesso à tecnologia americana, que deve, também, ser paga por investimentos.
E terceiro, o dólar, com uma espécie de acordo tipo Plaza (pelo acordo de 1985 alguns países se comprometeram a intervir no mercado de câmbio para desvalorizar a moeda americana). Seria um “Acordo Mar-a-Lago” induzindo bancos centrais a vender dólar para baixar sua cotação, turbinar exportações dos EUA e reduzir o déficit.
Para Garelli, parceiros como China e Europa, embora sejam muito céticos, acabarão negociando, dependendo das condições oferecidas por Washington. Para a maior parte, talvez aceitem vender um pouco de suas reservas para o dólar não se apreciar muito e atenuar uma grande obsessão de Trump.
A etapa seguinte será sobre o sistema de defesa, na interpretação de Garelli sobre a estratégia de Trump. Para ter acesso à proteção militar americana, parceiros deveriam comprar títulos do Tesouro ilimitados com taxas de juros zero. Isso permitiria aos EUA financiar o sistema de segurança que ele coloca à disposição.
Para negociações, um problema é a imprevisibilidade e a falta de confiabilidade de Trump.
No momento, a equipe trumpista espera que, com o plano tarifário bem-executado para reduzir o déficit comercial americano, o governo terá dinheiro e poderá diminuir os impostos. Mas isso, diz Garelli, só funciona se a demanda mundial continuar a mesma, o que está longe de ser garantido.
Como nota o professor, o banho de sangue recente nos mercados financeiros ilustra o ceticismo de muitos investidores sobre a prometida “era de ouro” para os EUA. Em 1930, tarifas elevadas, como as de Trump, transformaram uma recessão em depressão e desordem que foi seguida por extremismo político e caminho para a guerra.
Após a Segunda Guerra Mundial foram cerca de 50 anos para se negociar corte efetivo de tarifas de importação em acordo global. Em uma canetada, Trump jogou tudo isso para o espaço. E quer fazer agora baixa de alíquota em discussões bilaterais intimidatórias. Os trumpistas não negociam; procuram impor, na base do pegar ou largar.
Para Garelli, a verdadeira pressão sobre Trump virá do interior dos EUA. Nota que alguns grandes CEOs começam a reagir ao tarifaço, considerado um pouco excessivo. E. Trump é também reputado por fazer reviravoltas de última hora em suas políticas.
Para o secretário do Tesouro, Scott Bessent, o tarifaço é apenas o começo da reordenação da ordem econômica que Trump quer estabelecer. Em mais de uma ocasião, Bessent repetiu que “o sistema de comércio internacional consiste numa rede de relacionamentos militares, econômicos e políticos. Não se pode considerar um único aspecto isoladamente. É assim que o presidente Trump vê o mundo, com interconexões que podem ser reordenadas para promover o interesse do povo americano”.
Bessent e o chefe do Conselho de Assessoria Econômica da Casa Branca, Stephen Miran, já deixaram claro que o caos tarifário é uma forma de criar alavancagem a ser usada na implementação do resto do plano para reindustrializar os EUA e preservar o dólar como moeda de reserva. A agenda Maga (Make America Great Again) parece incluir esferas de influência geoeconômica (unindo comércio e segurança), isolamento da China ao máximo, desmonte do multilateralismo (FMI, OMC) etc.
Antes de chegar à Casa Branca, Miran escreveu que seria “mais fácil imaginar que, após uma série de tarifas punitivas, parceiros comerciais como a Europa e a China se tornem mais receptivos a algum tipo de acordo monetário em troca de uma redução das tarifas”.
Ou seja, se “o dólar fosse capaz de se enfraquecer para equilibrar o comércio, não teríamos muito trabalho para equilibrar os déficits comerciais e não teríamos muitos dos problemas que as tarifas e outras políticas visam solucionar, porque seríamos mais competitivos no cenário global e não tão enganados por outros países”.
Em conversa com a coluna, o professor de competitividade Stéphane Garelli, do IMD, uma das principais escolas de negócios do mundo, sediada na Suíça, prevê que a próxima etapa para Trump será justamente arrancar um acordo para desvalorizar o dólar.
O professor observa que tudo é questão de preço na esfera Trump. O presidente dos EUA age como um comerciante que vende direitos de acesso. Primeiro, aos mais de 300 milhões de consumidores americanos. Para entrar nesse mercado, é preciso pagar mais tarifas ou fazer investimentos diretos no país. Em seguida, o acesso à tecnologia americana, que deve, também, ser paga por investimentos.
E terceiro, o dólar, com uma espécie de acordo tipo Plaza (pelo acordo de 1985 alguns países se comprometeram a intervir no mercado de câmbio para desvalorizar a moeda americana). Seria um “Acordo Mar-a-Lago” induzindo bancos centrais a vender dólar para baixar sua cotação, turbinar exportações dos EUA e reduzir o déficit.
Para Garelli, parceiros como China e Europa, embora sejam muito céticos, acabarão negociando, dependendo das condições oferecidas por Washington. Para a maior parte, talvez aceitem vender um pouco de suas reservas para o dólar não se apreciar muito e atenuar uma grande obsessão de Trump.
A etapa seguinte será sobre o sistema de defesa, na interpretação de Garelli sobre a estratégia de Trump. Para ter acesso à proteção militar americana, parceiros deveriam comprar títulos do Tesouro ilimitados com taxas de juros zero. Isso permitiria aos EUA financiar o sistema de segurança que ele coloca à disposição.
Para negociações, um problema é a imprevisibilidade e a falta de confiabilidade de Trump.
No momento, a equipe trumpista espera que, com o plano tarifário bem-executado para reduzir o déficit comercial americano, o governo terá dinheiro e poderá diminuir os impostos. Mas isso, diz Garelli, só funciona se a demanda mundial continuar a mesma, o que está longe de ser garantido.
Como nota o professor, o banho de sangue recente nos mercados financeiros ilustra o ceticismo de muitos investidores sobre a prometida “era de ouro” para os EUA. Em 1930, tarifas elevadas, como as de Trump, transformaram uma recessão em depressão e desordem que foi seguida por extremismo político e caminho para a guerra.
Após a Segunda Guerra Mundial foram cerca de 50 anos para se negociar corte efetivo de tarifas de importação em acordo global. Em uma canetada, Trump jogou tudo isso para o espaço. E quer fazer agora baixa de alíquota em discussões bilaterais intimidatórias. Os trumpistas não negociam; procuram impor, na base do pegar ou largar.
Para Garelli, a verdadeira pressão sobre Trump virá do interior dos EUA. Nota que alguns grandes CEOs começam a reagir ao tarifaço, considerado um pouco excessivo. E. Trump é também reputado por fazer reviravoltas de última hora em suas políticas.
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