sexta-feira, 5 de julho de 2019

Um sindicalista fantasiado de liberal: o estelionato está nu

Não sou um dos tantos que comprou a narrativa que aventava o início de uma “nova Era” caso Jair Bolsonaro fosse eleito, tão alardeada pela sua campanha durante as últimas eleições. Portanto, não seria correto dizer que me decepcionei com a postura do presidente nas últimas horas, quando buscou a todo custo favorecer a categoria dos funcionários do setor de segurança no texto da reforma da Previdência.

No fim das contas, Bolsonaro só faz agora o que vem fazendo há 30 anos, desde o momento em que ingressou na carreira política: seguir a sua natureza de sindicalista. Assim, escancara de maneira inequívoca o autêntico estelionato eleitoral que permeou a sua vitória nas urnas, ao se fantasiar de liberal na economia — com o apoio decisivo de um Paulo Guedes ávido pelo palanque político, e um bom naco do mercado financeiro que não faz a menor ideia do que seja o Brasil.

É importante deixar isso claro.

A gestão atual não está sendo apenas calamitosa do ponto de vista moral e civilizatório. Ela redefine o conceito de despreparo ao gerar crises em série pelas razões mais amalucadas, seja por meio de faniquitos de filhos do mandatário, seja pelo amadorismo de ministros de Estado. Representa uma mentira. E a disposição da sociedade para se autossabotar.

Não está certo se merecemos tamanha bênção, mas a nossa grande sorte é que, desta vez — ao contrário da última, há 16 anos —, o populismo com viés protecionista escolhido para tocar o país encontra um cenário bem diferente. Menos alvissareiro.

Para começo de conversa, Lula era mais inteligente do que Bolsonaro. Soube ser pragmático ao ignorar o clamor dos radicais à esquerda e aperfeiçoou a política econômica que já vinha dando certo no governo Fernando Henrique. Não deu tiro no pé. Não esvaziou agendas que fossem fundamentais para o seu projeto de poder e nem fritou aliados em público.

Em segundo lugar, noves fora a inaptidão do atual governo para a tarefa que lhe foi conferida na esteira do antipetismo, não há hoje uma conjuntura internacional favorável para ser instrumentalizada, como fez o PT. Bem ao contrário, a realidade hoje aponta para uma desaceleração da economia chinesa e até mesmo recessão da americana.

Por fim, também no sentido inverso ao de quando Lula assumiu, Bolsonaro de fato recebeu uma herança maldita. Ainda que o governo Michel Temer tenha sido capaz de entregar menos pepinos do que recebeu de Dilma Rousseff, o estrago causado pelo petismo, tanto do ponto de vista ético quanto da competência, não deve ser superado tão cedo.

Enfim, a boa notícia é que, para além da lavagem cerebral sugerida pelo olavismo e a repulsa à esquerda, Jair Bolsonaro não se mostra capaz de sobreviver politicamente. Acima de tudo, porém, apesar de as chances de que o atual zeitgeist perdure, cabe estabelecer a verdade dos fatos: o atual presidente da República não é apenas ruim, mas uma farsa. E a sua existência no cargo representa um inegável estelionato eleitoral. Um autoengano do qual, arrisco-me a dizer, tão cedo não vamos nos recuperar.

A menos que passemos a prestar atenção nos sinais, na conduta e nas inconsistências já tão abundantes entre o “mito” e o presidente.

Brasil, professor de meio ambiente


Brasil ocupa 99° lugar em ranking de proteção à infância

A vida das crianças e adolescentes em todo o mundo melhorou consideravelmente nos últimos vinte anos, revelou um novo estudo da organização não governamental Save the Children. O Brasil, contudo, é um dos países que registraram avanços mais discretos desde 2000.

O país ocupa a 99ª posição em um ranking de 176 nações sobre proteção à criança elaborado pela instituição. Em relação a 2018, quando ocupava o 93º lugar, pouco mudou.

O Brasil se enquadra atualmente no grupo de países classificados pela ONG como aqueles onde “algumas crianças estão perdendo sua infância”.


Apesar de ser a maior economia da América Latina, está atrás de Cuba, Chile, Argentina, Costa Rica, Uruguai, Peru, México, Equador e outros países no ranking. Também perde para a isolada Coreia do Norte (65º) e a conflagrada Palestina (84º).

O Estado brasileiro demonstrou pouco progresso em sua capacidade de cuidar das crianças. No ranking de nações que mais melhoraram e prosperaram, ficou no 157º lugar.

“Há muitos países na região que melhoraram mais e isso se deve, em parte, à desigualdade social e aos altos índices de violência brasileiros”, explica a VEJA Victoria Ward, diretora da Save the Children para América Latina e Caribe.

O Brasil não é o único a chamar atenção pela violência contra menores. “A América Latina é a região onde as taxas de homicídio infantil são mais altas: setenta crianças ou adolescentes assassinados todos os dias”, afirma a representante da organização.

Em nível mundial, porém, o cenário é de otimismo. Atualmente, há 94 milhões de menores em situação de trabalho infantil a menos do que em 2000, segundo a Save the Children. Nesses dezenove anos, o número de crianças mortas caiu 4,4 milhões, e o de casamentos civis, 11 milhões.

Entre os países com melhores índices de proteção à infância estão Singapura, Suécia, Finlândia, Noruega e Eslovênia. Ao todo, 173 nações apresentaram progresso nos últimos dezenove anos. Apenas Síria, Venezuela e Trinidad e Tobago ficaram de fora da lista, com resultados piores do que os registrados anteriormente.

O avanço na agenda de proteção à criança não é suficiente para superar as mazelas ainda existentes. Cerca de 690 milhões de menores em todo o planeta ainda têm seus direitos mais fundamentais desrespeitados. Esse número corresponde a um quarto das crianças do mundo.

Presidente reinante

Bolsonaro não procura aliados, seleciona súditos e elege inimigos 
Josias de Souza 

O homem na Lua e muita gente nua

O cinquentenário da chegada do homem à Lua, no próximo 20 de julho, não é apenas data de festa e júbilo pelo que a ciência e a tecnologia alcançaram. O maior e mais admirável feito da História humana nos obriga, também, a uma profunda reflexão crítica sobre o comportamento e a atividade de cada um de nós, habitantes do planeta: o que aprendemos com aquela façanha de amor e dedicação à ciência, ou de que nos serve no dia a dia?

A própria ciência tem centenas de respostas, desde a antevisão de desastres naturais até as previsões da meteorologia, além do que descobre aos poucos, ao entender o universo.

Nosso humanismo, porém, pouco – ou nada, até – aproveitou para valorizar nossa vida na Terra a partir da comprovação da desolação da Lua, onde tudo é inércia e morte. Aqui, onde a água dá cor à vida, tratamos o planeta com desprezo, como se a natureza não nos protegesse e nossos semelhantes fossem indesejáveis intrusos.


Fui um dos bilhões de habitantes da Terra que, naquela madrugada do domingo 20 de julho de 1969, assistiram ao vivo, pela televisão, aquilo que mais parecia o deslumbramento de um sonho fantástico. Até então, a inatingível Lua só era perscrutada pelos telescópios. Ou era, apenas, um relato poético, um Sol noturno dos namoros apaixonados. “Levar-te-ei à Lua!”, exclamavam os namorados (assim, em mesóclise), no êxtase da paixão.

Naquele momento, a façanha da astronáutica mudava a correlação de forças na “guerra fria” e os Estados Unidos passavam à frente da União Soviética. Doze anos antes os russos haviam lançado o Sputnik e em 1961 Iuri Gagarin fizera o primeiro voo espacial. Naqueles tempos de 1950-1970, tudo se circunscrevia à disputa entre as duas superpotências e isso fez a repercussão política do feito superar a visão humana e da ciência.

Hoje, a cada dia mais sabemos da desolação lunar. As fases da Lua ganharam suportes científicos que explicam sua influência na Terra. Assim, a todo instante o universo e o Sistema Solar passam, também, a fazer parte da nossa vida. A astronomia tem nova e mais ampla dimensão. Se ainda indagamos os astrólogos para saber do amanhã, é apenas por nosso apego ao lúdico, esse atávico amor ao inesperado, originado na tradição e em nosso apego à fantasia.

Não aprendemos, porém, a grande lição de o ser humano ter pisado na Lua. Em vez de tentar entender o universo, ou em vez de nos sentirmos pequenos ante ele, a cada dia destruímos nosso planeta, obra suprema do processo da Criação.

Nos últimos cem anos, em nome do “progresso”, devastamos a Terra muito mais do que a destruição acumulada ao longo dos bilhões de anos do planeta. Sabemos que o aquecimento global é catastrófico e que as mudanças climáticas nos levarão a uma desolação comparável à da Lua, mas permanecemos praticamente inertes. Seduzidos pela cobiça e por suas prazerosas pequenezes, continuamos a desmatar imensas áreas verdes, como a Amazônia. Ou a poluir e degradar terras, águas e ar, como em Brumadinho ou em Mariana.

A extração e o uso dos combustíveis fósseis – em especial, o carvão – são apontados pela ciência como os principais responsáveis pela hecatombe do aquecimento global. Com base nessa constatação, as reuniões intergovernamentais promovidas pela ONU vêm advertindo para o horror à vista e fixando datas e metas para evitá-lo, ou acertando acordos sobre o clima. O de Paris, mais recente, ampliou o que fora acertado já em 1992 na cúpula de chefes de Estado no Rio de Janeiro. O papa Francisco aprofundou o debate na encíclica Laudato Si’, fez a teologia tocar no tema fundamental – a vida – num alerta que ele próprio renova a cada momento.

A série de intermináveis pequenezes do dia a dia, porém, desvia nosso olhar do essencial e vemos tudo sem enxergar nada. É como anoitecer ao meio-dia, à luz do Sol, e usar lanterna ou lampião para vislumbrar o próprio rosto.

Imprensa, rádio e televisão mostram, todo dia, nosso desdém pela natureza, que é vida em si. As geleiras derretem-se na Groenlândia e no Himalaia. Na Antártida, no inverno do Hemisfério Sul, a terra preta mostra que o gelo sumiu.

O desdém irresponsável torna-se criminoso também aqui, ao nosso redor. A poucos quilômetros da nascente, as águas do rio Tietê estão infestadas de espuma branca industrial, num horror antes visível apenas na cidade de São Paulo. A Petrobrás e as demais petroleiras que exploram o nosso litoral jogam no oceano (sem nenhum tratamento) o equivalente a mais de 2 mil caminhões de cascalho e areia encharcados de óleo, por ano. E o fundo marítimo se infesta de HPA, um hidrocarboneto de alto poder cancerígeno.

Como serão os segredos devastadores da exploração do nosso pré-sal?

Ao norte do País, a cobiça continua a desmatar a Amazônia. Agora o atual governo nos expõe ao ridículo espetáculo circense de que a Alemanha e a Noruega tenham de “convencer” nosso ministro do Meio Ambiente a proteger nossa floresta. Ao sul, o projeto de uma mina de carvão a céu aberto degradará, em poucos anos, o rio Guaíba, que abastece a capital gaúcha.

Somos o país que mais consome agrotóxicos, permitindo aqui até pesticidas proibidos na Europa e nos Estados Unidos. A lista de nosso irresponsabilidade é longa, sempre incompleta por ser interminável...

Faz 50 anos, ciência e tecnologia levaram o homem à Lua. Não aprendemos, porém, a viver em paz e em solidariedade. Somos difusos e complicados, ternos e brutais. As religiões e filosofias surgiram para nos emendar ou regenerar, mas o delírio da condição humana não se dissipou.

Hoje conhecemos a Lua, mas cada vez há mais gente vivendo na rua, ignorando o mundo, às vezes quase nua.
Flávio Tavares

A lua de mel 'caliente' de Bolsonaro

Em homenagem a Jair Bolsonaro, que curte metáforas amorosas para cortejar ou alfinetar, vamos fazer aqui uma cortesia ao presidente. Explicar a ele que, se deseja mesmo tentar a reeleição em 2022, precisa se despir de suas convicções mais íntimas e profundas. Porque elas “no pasarán”. Nem no Senado de Alcolumbre, nem na Câmara de Maia, nem num Supremo Tribunal Federal vitaminado por um futuro ministro evangélico. Bolsonaro terá que fingir ser uma outra pessoa.


Os primeiros seis meses de mandato costumam seguir um ritual de namoro e de esgrimas políticas. Não de chicotes, sarcasmos e sopapos em rivais e aliados. Com a cumplicidade tosca e grosseira dos filhos Carlos, Flávio e Eduardo, e daquele filósofo dos States, Bolsonaro fritou e demitiu ministros, generais, secretários e presidentes de estatais. Às vezes com humilhações públicas. Uns saíram atirando de volta, outros emudeceram. E até hoje todo mundo sabe que a pasta de Educação continua vaga – pois não há quem em sã consciência apoie Abraham Weintraub como ministro.

A primeira-dama Michelle sumiu depois daquele tour virtual nos aposentos do Alvorada, exibido pelas amigas. Pode ter sido coincidência. A ministra Damares, a que viu Jesus na goiabeira, também desapareceu. O ministro do Turismo, com seus três nomes, Marcelo Álvaro Antônio, é desconhecido de 99% dos brasileiros e pode ser convidado a catar laranjas em outro lugar. O general Augusto Heleno prova o gosto do veneno de Carlos, o filho conspirador. O ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni anda cabisbaixo depois que o chefe o tirou da articulação política. Onyx não tinha sido convidado para a semifinal da Copa América no Mineirão?

Mas esse texto não é para confrontar Bolsonaro. Nem para alertá-lo de que estádio não é lugar para fazer “arminha” e rodopiar a bandeira como caubói. Não é para lembrar que simulacros de pactos com o Legislativo e Judiciário desmoralizam o governo. Ou que não pega bem atropelar sua equipe, ofender manifestantes, fazer piadinha vulgar e peitar o Congresso. Óbvio.

Não é para torcer contra o Brasil. Ainda mais numa semana em que se começou enfim a votar uma reforma da Previdência – mesmo sem ser a do Posto Ipiranga. E comemoramos o acordo comercial histórico entre o Mercosul e a União Europeia, negociado há 20 anos.

Esse texto é propositivo. Para avisar a Bolsonaro que ele não conseguirá aprovar porte e posse de armas e fuzis para os cidadãos, não num país com recorde de homicídios. Pare de remendar e reeditar decretos, já está no sétimo. Não conseguirá acabar com os radares, nem com a multa da cadeirinha, nem com o exame toxicológico dos motoristas profissionais. Ainda mais num trânsito que mata uma pessoa a cada 15 minutos! Não conseguirá continuar a desmatar a Amazônia, senão ameaçará o acordo comercial com a Europa. Não conseguirá continuar a liberar pesticidas a rodo. Não conseguirá descriminalizar a homofobia, porque o STF já votou e o irritou. Não conseguirá fazer de Paraty uma Cancún, ainda mais agora que a Unesco pode promover a região a Patrimônio da Humanidade. Não conseguirá empurrar o nióbio como a redenção do país.

Como o presidente acha o Brasil “ingovernável”, por que tentar a reeleição? Desista ou pare com as caneladas e obsessões. Depois da lua de mel, os “conges” costumam se estranhar, se houver assédio e violência. Bolsonaro está sob pressão, fora e dentro de casa. Encurralado, pode se transformar. Há quem acredite em milagre.

Pensamento do Dia


Mudou o clima

Em 1972, na primeira conferência da ONU sobre meio ambiente, em Estocolmo, o chefe da delegação brasileira, Costa Cavalcanti, ministro do presidente Médici (1969-1974), proclamou que a política oficial era "desenvolver primeiro, e pagar os custos da poluição depois".

A lenda lhe atribui o brado retumbante: "Bem-vinda a poluição!". Com efeito, aqui se acreditava que a causa ecológica era pretexto do primeiro mundo para barrar o caminho do país ao progresso.

Desde então muita coisa mudou. Em 1987, o relatório da Comissão Brundtland da ONU, "Nosso Futuro Comum", reconhecendo a natureza global do desafio, consagrou o princípio de que o desenvolvimento não poderia se dar às custas da destruição dos recursos do planeta: teria de ser sustentável do ponto de vista ambiental.

Lentamente, por meio de árduas negociações, foram se erguendo nas instituições multilaterais as estruturas normativas —acordos, convenções, painéis— do que passaria a se chamar regime internacional de mudanças climáticas, cuja expressão mais recente é o Acordo de Paris de 2016.


Valendo-se de seu imenso patrimônio ambiental, o Brasil enfrentou os dilemas comuns. Entre eles, uma divisão de custos e responsabilidades, aceitável para sociedades menos ou mais industrializadas. Tendo sediado em 1992, no Rio, a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, o país participou de todas as iniciativas seguintes, transformando sua atuação em recurso de "soft power" da política externa.

Em paralelo, uma ideia avançada da questão ambiental, inscrita na Constituição de 1988, permitiu que se caminhasse também no plano interno, embora sem superar a falsa antinomia entre progresso e preservação. Ela se reproduz em todo o espectro político —no caso mais notório, culminou com o divórcio entre Marina Silva e o petismo.

Agora, Jair Bolsonaro exuma o ossificado enfoque de Costa Cavalcanti. O Ministério do Meio Ambiente, em sintonia com interesses privados ávidos por ganhos imediatos, se abate sobre os instrumentos de regulação e monitoramento sem os quais nenhuma política ambiental é possível.

Mas os tempos são outros. Nos foros internacionais, declarações desatinadas dos ministros das Relações Exteriores e da Segurança Institucional, ecoando as do chefe, cobriram de reprovação e desconfiança o modo como somos vistos por países engajados no front ambiental.

O bem-vindo acordo comercial entre Mercosul e União Europeiaestabelece compromissos que incluem os do Acordo de Paris —e vão além. Para honrá-los, o governo terá de mudar o discurso e a orientação de suas políticas.
Maria Hermínia Tavares de Almeida

'Presidente oscila entre miudezas e o mundo da lua'

>Noutros tempos, os constrangimentos eram provocados por opositores. Hoje, Jair Bolsonaro é quem causa embaraços ao governo. Na articulação para aprovar a reforma da Previdência, o ministro Paulo Guedes afirma uma coisa e o presidente pratica o oposto. Em conversa com o blog, um integrante da equipe do ministro da Economia se queixou: "Numa hora em que todos se mobilizam por uma boa reforma, o presidente Bolsonaro oscila entre as miudezas e o mundo da lua".

O auxiliar de Guedes impressionou-se com o noticiário sobre um café da manhã que Bolsonaro ofereceu a deputados da bancada ruralista. O anfitrião pediu aos comensais apoio para salvar na Câmara o seu decreto sobre armas. "Quando foi para o mundo da lua, o presidente reiterou o lobby pela concessão de aposentadoria especial para policiais militares, federais e rodoviários federais, que já são privilegiados", lamentou o membro da equipe econômica.


Logo que a primeira versão do relatório da Câmara sobre reforma da Previdência veio à luz, há 20 dias, Paulo Guedes comentou o conteúdo em timbre corrosivo. Disse que os deputados renderam-se às "pressões corporativas" dos servidores do Legislativo. "Acho que houve um recuo que pode abortar a nova Previdência", declarou.

Agora, chamado pelos policiais de "traidor", Bolsonaro dobra os joelhos diante de sua corporação predileta, deixando seu ministro sem chão e sem língua. "Dizer o quê?", pergunta o auxiliar de Guedes, sob a proteção do anonimato.

Há um quê de burlesco na conjuntura brasiliense. O time de Paulo Guedes, mãos postas, reza em silêncio para que as articulações de Bolsonaro não prosperem. Na comissão especial, aprovou-se o texto-base sem o aditivo tóxico dos policiais. Mas Bolsonaro não se deu por vencido. Apela a deputados amigos que tentem desvirtuar o desejo do Posto Ipiranga por meio de emendas.

Quando a seca criou os 'campos de concentração' no sertão do Ceará

Retirantes, Cândido Portinari 
Conceição atravessava muito depressa o Campo de Concentração. Às vezes uma voz atalhava:
- Dona, uma esmolinha….
Ela tirava um níquel da bolsa e passava adiante, em passo ligeiro, fugindo da promiscuidade e do mau cheiro do acampamento.
Que custo, atravessar aquele atravancamento de gente imunda, de latas velhas e trapos sujos!








No romance O Quinze, a escritora Rachel de Queiroz (Fortaleza, 1910) narra a seca histórica de 1915 que castigou o Nordeste brasileiro e descreve parte do que foram os chamados campos de concentração da seca. Embora não fossem campos de extermínio, como logo depois seriam criados na Alemanha, os campos de concentração espalhados pelo Ceará no início do século XX tinham ao menos um objetivo equivalente ao nazista: isolar dos demais a população indesejada, a “gente imunda” que tentava sobreviver à seca do sertão fugindo para a capital.

Desses campos, que no século passado confinaram a fome, a miséria e doenças, pouca coisa sobrou. É o município de Senador Pompeu, uma cidadezinha de quase 30.000 habitantes, a 270 quilômetros de Fortaleza, o único que ainda guarda ruínas daquela época. E se antes era símbolo da pobreza, hoje o local se prepara para ser tombado como patrimônio histórico. A oficialização deve ocorrer com toda pompa e cerimônia até o final do mês na Prefeitura da cidade.

O primeiro campo surgiu em Fortaleza em 1915. Naquele momento, a capital cearense ostentava uma elite de intelectuais e empresários que ainda colhiam os frutos do boom da exportação de algodão do século anterior. Mas junto a essa eufórica burguesia, chegavam à cidade também retirantes da fome, potencializada pela grande seca de 1877. O crescimento de habitantes elevou Fortaleza à sétima maior população urbana no país na virada do século XIX para o XX. E com isso, vieram também medidas higienistas.

Na zona oeste da cidade, o governador Benjamin Liberato Barroso construiu o primeiro campo, chamado Alagadiço. Em tese, a proposta inicial era abrigar os refugiados dando-lhes mínimas condições de sobrevivência. Durou o ano todo de 1915, até ser desativado em dezembro. Mas essa não seria o fim da história. Uma nova estiagem acometeu o Nordeste em 1932 e desta vez, outros sete campos foram espalhados estrategicamente em rotas de migração pelo Estado do Ceará, impedindo assim a chegada à capital. Eram instalados próximos às linhas férreas, por onde os retirantes tentavam chegar a Fortaleza. Nas estações de trem, eles eram encaminhados para os campos, com a promessa de trabalho. Sem nenhuma outra opção, seguiam a rota.

Cemitério do 'campo de concentração' em Senador Pompeu (CE).
Cemitério do 'campo' em Senador Pompeu, porque nem mesmo
os flagelados eram enterrados junto aos demais (Henrique Kardozo)
Frederico de Castro Neves, professor de História da Universidade Federal do Ceará (UFC), lembra que, além da proximidade às ferrovias, os campos eram instalados sempre ao redor de alguma obra estrutural, o que atraía a mão-de-obra. “O campo estava vinculado a uma obra pública, a uma situação de trabalho”, explica. E Senador Pompeu era um dos municípios que obedeciam a essa arquitetura. Ali, a companhia inglesa Norton Griffiths & Company se estabeleceu na década de 1920 para construir a barragem do açude Patu. As obras foram interrompidas na década seguinte e sobraram somente as construções, como a casa da administração, o ambulatório, estação de trem e a casa das máquinas, hoje, as poucas ruínas que restaram dessa história.

Era ao redor dessa estrutura que viviam, em espécies de barracas, os flagelados da seca. “Aqui nesta janela, era onde eles faziam filas por um punhado de comida”, explica Valdecy Alves, um advogado nascido em Senador Pompeu e que se autointitula "militante dos movimentos sociais", ao chegar no casarão que era a sede da antiga administração da companhia. “A comida era uma mão cheia de farinha, rapadura, sal, café torrado no sangue de boi para aumentar a quantidade de ferro e, às vezes, uma bolacha”, diz, sob um sol fortíssimo, em meio às ruínas.

Vestiam-se com sacas de farinha, os cabelos lhes eram raspados e viviam submetidos a condições de higiene e limpeza extremamente precárias. Assim, morriam aos montes, de fome, sede e doenças. Os flagelados da seca viviam tão à margem da sociedade, que nem mesmo seus cadáveres se misturavam aos demais. Por isso, a poucos quilômetros da casa da administração fora construído um cemitério somente para essas vítimas. “Não se misturavam os demais mortos da cidade”, conta Alves.

Mas, com o tempo, as almas dessas vítimas foram consideradas divinas. “Até hoje vem gente aqui no cemitério pagar promessa”, conta Alves, apontando para o muro branco de doer os olhos sob a luz do sol. “Todo ano vem uma pessoa aqui e pinta este muro em pagamento de alguma promessa". As almas da barragem, como são chamados os que morreram naquele local, são louvadas em um evento anual realizado em homenagem a elas, a Caminhada das Almas, uma romaria que ocorre todo mês de novembro desde 1982.

Imagem do Dia

U M.T. Hla (Burma, 1874 -1946)

Brasil, ainda infeliz e com medo!

Faz quatro anos, o Brasil tem medo e é infeliz como nunca, pelo menos no último quarto de século, por aí.

O Índice de Satisfação com a Vida (ISV), por exemplo, nunca foi tão baixo por tanto tempo desde que o Ibope começou a fazer tal pesquisa para a Confederação Nacional da Indústria, em 1996. O Índice de Medo do Desemprego flutua nos níveis mais altos em 20 anos desde o início de 2015.


O prestígio de Jair Bolsonaro está em patamar neutro (nível equivalente de notas “ótimo” e “péssimo”), mas fraco para um presidente em início do mandato, segundo as pesquisas CNI-Ibope. Supera os desastres de popularidade de Dilma 2 e de Michel Temer, mas equivale ao de Dilma 1 depois do colapso de junho de 2013, ao de Lula 1 no pior do mensalão e ao de fins de FHC, em 2002, desgastado por oito anos de mandato, pela desvalorização do real e pelo apagão.

O ISV e o Índice de Medo do Desemprego (IMD), também da CNI-Ibope, e outras medidas de satisfação pessoal, política e econômica deram uma melhorada depois da eleição, como costuma ocorrer depois do voto. Em fevereiro, o desânimo voltou a aumentar. Entre os mais pobres, o medo do desemprego e a satisfação com a vida não se moveram das profundezas a que desceram na recessão. Há uma notável disparidade de classe.

A confiança empresarial e dos consumidores medida pela FGV parou de piorar em junho, mas vai tão mal quanto no início de 2018. A ansiedade é maior entre micro e pequeno empresários da indústria, segundo pesquisa Datafolha para o sindicato paulista do setor, o Simpi.

Em junho de 2018, 76% desses empresários acreditavam que a “crise ainda é forte, afeta muito os negócios, e não dá para prever quando a economia vai voltar a crescer”.

Com a eleição, o ânimo melhorou. Os pessimistas eram apenas 32% em fevereiro. Em maio, voltavam a ser espantosos 64%. A expectativa de demissões voltou a crescer. Sacolejo semelhante de opinião também ocorreu no mercado financeiro.

É sempre difícil cravar motivos da piora de ânimos, mas houve notícias que costumam abalar esperanças.

Tumulto no noticiário político tende a aumentar o pessimismo econômico; não faltou balbúrdia no Planalto. Alta do preço dos alimentos abala a avaliação do governo e a confiança; houve uma carestia de comida, devida ao tempo ruim.

A polarização odienta, para o que contribui o governo de extrema direita de Bolsonaro, afasta simpatizantes, para dizer o menos. Enfim, além da promessa de aumento do Bolsa Família, o governo nada disse aos mais pobres.

A esperança no recém-eleito sustentou o prestígio de Lula 1 no ano ainda ruim de 2003.

A reeleição elevou até mesmo o prestígio de Dilma Rousseff a um patamar mais alto que o de Bolsonaro agora em junho. A avaliação da presidente logo sofreu um colapso com o estelionato eleitoral, o que derrubou os ânimos nacionais para os níveis deprimidos que vemos desde então.

É possível que a economia deixe de piorar a partir deste terceiro trimestre. A provável queda dos juros e a reforma da Previdência podem animar o terço mais rico da população, mais pelo efeito “noticiário positivo”. É muito pouco para alimentar esperanças.

A balbúrdia política é imprevisível, pois o governo não se pauta pela razão ou pela política de agregação. Pode mudar, caso não se prenda à permanente campanha eleitoral com o objetivo de manter um terço do eleitorado agitado com factoides extremistas. Não parece provável.

História do Brasil mal contada

Historiadores e cineastas vão brigar comigo, mas a literatura e o cinema devem ao Brasil mais documentos sérios e bem elaborados que contem com minúcia e paixão a sua história. Desconfio que os brasileiros conheçam melhor e com mais detalhes a Guerra Civil americana do que a Guerra do Paraguai. Também conhecem mais a saga dos povos indígenas americanos do que a tragédia das diversas nações que habitavam o Brasil em 1500. Num pequeno museu de Washington, situado em frente ao Teatro Ford, onde Abraham Lincoln foi assassinado, há uma torre de livros com mais de 500 títulos sobre o ex-presidente americano. De Getúlio Vargas, no Brasil, há um único trabalho transcendental, a biografia em três volumes publicada em 2012 pelo escritor e jornalista Lira Neto.

Por isso, vale a pena assistir à série “Guerras do Brasil.doc”, de Luiz Bolognesi, disponível na Netflix. É um documentário dividido em cinco episódios que conta momentos cruciais da história da formação do país. O primeiro episódio relata como se deu a conquista do território pelos portugueses. Trata-se de um trabalho acadêmico, repleto de dados, mas sem o ritmo do cinema. Mesmo assim, a ocupação portuguesa foi tão intensa e dramática que em alguns momentos o documentário ganha vigor de thriller. Os outros quatro episódios retratam a Guerra de Palmares, a Guerra do Paraguai, a Revolução de 30 e as guerras do crime organizado nos presídios do país.


Mas vamos ficar apenas no primeiro episódio, que até hoje é problema não resolvido no Brasil. Segundo o documentário, calcula-se que em 1500 viviam aqui entre 8 milhões e 40 milhões de índios, alguma coisa como um pouco mais do que um Paraguai ou um pouco menos do que uma Argentina. Segundo o Censo de 2010 do IBGE, 896 mil brasileiros se declararam indígenas. A distância entre esses números não deixa dúvida, eles foram dizimados. O que ocorreu no Brasil e em toda a América do Sul, onde viviam mais de 80 milhões de almas na época do Descobrimento, foi um holocausto. O maior da história.

A chegada dos portugueses à costa brasileira, segundo depoimento do líder indígena e ambientalista Ailton Krenak, não foi uma ocupação. Não houve um desembarque, nas palavras dele. Marinheiros portugueses chegaram doentes e famélicos e foram salvos pelos nativos que os receberam, abrigaram e alimentaram. Por serem povos muitas vezes nômades, que percorriam vastos territórios, os nativos das Américas eram receptivos e sabiam conviver em harmonia com etnias distintas. O que hoje se chamaria de ingenuidade, naquela época era um modo de vida. Os portugueses, por aqui, e os espanhóis, ao sul e a oeste, tinham outra personalidade e orientação diversa.

Aos poucos, os brancos primeiro escravizaram e depois eliminaram qualquer chance de convivência com os índios que não fosse pela força do chicote, da espada e do fogo. Num determinado momento da história, havia mais escravos indígenas do que negros no Brasil. Todos trabalhando para agricultores brancos que ocuparam a orla do país e aos poucos foram entrando pelo território em busca de mais terras agricultáveis.

Somente em 1910, com a criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) pelo Marechal Rondon, o Estado brasileiro abriu mão de usar os poderes que detinha para subjugar aqueles povos e estabeleceu um mecanismo para a sua proteção. O SPI foi sucedido pela Fundação Nacional do Índio, a Funai, em 1967, que funciona até hoje como uma instância de proteção e reparação dos indígenas remanescentes. Com altos e baixos, o SPI cumpria, e a Funai cumpre missão importante na preservação dos que sobreviveram, de suas culturas e de sua história.

E a coisa caminhava assim até a chegada de Jair Bolsonaro. O primeiro ato do presidente, ao remodelar o Ministério, foi devolver os índios ao controle dos agricultores brancos, transferindo a demarcação de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura. A ideia prosperou até maio, quando foi barrada pelo Congresso. Bolsonaro a restabeleceu por MP, que acabou provisoriamente suspensa pelo ministro do Supremo Luís Roberto Barroso. Em agosto, a questão vai a plenário. O STF irá então decidir se índio é mesmo questão agrícola.