segunda-feira, 5 de agosto de 2019
É a ecologia, estúpido!
Em editorial de capa, The Economist diz que o “Brasil tem o poder de salvar ou destruir o mundo”. Escreve que as políticas do governo JairBolsonaro aceleram o desmatamento da Amazônia e que o processo pode alcançar ponto irreversível.
A revista lembra ainda que o “mundo deveria deixar claro a Mr. Bolsonaro que não tolerará seu vandalismo” e que consumidores precisam pressionar as empresas de alimentos a recusar carne e soja produzidas em áreas desmatadas, como já fizeram nos anos 2000.
Rascunho de relatório em discussão no IPCC (painel do clima da ONU), ao qual o Guardian teve acesso, afirma que a crise climática não é mais possível de ser resolvida apenas cortando emissões de veículos, fábricas e usinas. Humanos, que exploram 72% da superfície não congelada do planeta, precisam alterar o modo como produzem comida.
Para tanto, diz o texto, o manejo da terra precisa ser sustentável, com a recuperação de florestas e áreas alagadas; as sociedades precisam caminhar em direção a dietas mais vegetarianas e veganas —teria o presidente lido o documento?
Tudo isso aconteceu na semana passada. Se o leitor não vê relação entre a extinção dos potinhos e a da floresta, ou entre o tom deBolsonaro e o da Economist, sem problema. Se concorda com o pânico em relação ao clima ou acha exagero, conspiração, globalismo, tanto faz.
Não importa o que achemos. O mundo desenvolvido há tempos acordou para o risco ambiental. E já acordou para o risco Bolsonaro.
Vamos pagar caro.
Bolsonaro promete e faz
Podem, sim, como fizeram na semana passada diante do governador do Pará Helder Barbalho (PMDB), que a tudo ouviu calado. No caso do Rio, estimulados pelo governador, podem até atirar do alto de helicópteros na cabecinha de bandidos armados com fuzis.
Se o presidente da República defende pelo bem do Brasil que empresas de mineração possam explorar riquezas em áreas indígenas, por que garimpeiros não podem ser os primeiros a chegarem por lá mesmo que à custa da morte dos que oferecerem resistência às invasões?
Há 10 dias, tombou um cacique no interior do Amapá. A Polícia Federal foi investigar e não encontrou marcas de que ele tenha sido morto por invasores de terras. Seu corpo foi exumado com base na informação de que ele levou um tiro e teve os olhos furados. Uma barbaridade.
Se o presidente da República acha que o meio ambiente não está a perigo e que essa história de aquecimento global não passa de uma balela, por que ele haveria de se preocupar com o desmatamento galopante da Amazônia medido em tempo real por satélites?
É tudo mentira! A Amazônia vai bem, obrigado, e tanto que o capitão convidou o presidente da França e a primeira-ministra da Alemanha para sobrevoá-la e conferir. Só não se reuniu para discutir o assunto com o chanceler francês em visita ao país porque tinha que cortar o cabelo.
Por fim, e como o presidente disse antes de se eleger e repete desde que tomou posse: se é necessário destruir tudo que foi feito de errado para só depois se começar a construir, não é exatamente o que faz o seu governo há mais de sete meses? Seja franco!
Temos um governo da morte, como se vê, mas coerente, e que cumpre ao pé da letra o que prometeu. Se não for capaz de em apenas quatro anos derrubar e levantar um novo país, é natural que queira mais quatro. E – quem sabe? – depois mais quatro.
Cordiais cortadores de cabeça
Ultimamente, temos decapitado muito. Constatei isso em Pedrinhas, no Maranhão, em Manaus e, agora, dizem os jornais que dos 58 mortos em Altamira 16 foram decapitados.
Não conheço lugar do mundo em que isso aconteça com tanta intensidade. O Estado Islâmico, que usou a decapitação como espetáculo, parece que encerrou a temporada. Lembro-me de alguns casos no Haiti, mas isso num período de intensa luta política.
Na mesma semana, Bolsonaro resolveu, sem nenhuma base, desenterrar um morto para desonrá-lo. Todos os que acreditam no respeito humano protestaram.
Ao remover o passado para soprar as cinzas e fazer algum fogo, Bolsonaro questiona um dos fundamentos do nosso processo de democrático. Ele se fez num quadro conciliatório de anistia geral. Os atores radicais da época perceberam que estavam envoltos nas turbulências da Guerra Fria e expressavam internamente aqueles conflitos da época.
De agora em diante, muitas divergências não desapareciam, mas a novidade é que seriam resolvidos pacificamente num processo democrático. Mais ainda: apesar das divergências que eventualmente sobrevivem, havia um imenso campo em que, apesar delas, trabalhar lado a lado para resolver alguns problemas do Brasil.
Por que Bolsonaro revolve as cinzas de uma fogueira extinta e sopra tentando reanimar as chamas? Não estamos mais naquela época, ele mesmo sabe.
Bolsonaro tem Trump como ídolo, e parece que seu guru é Steve Bannon, cuja visão é a de promover uma guerra contínua a partir do próprio governo.
Na esquerda, já se discutiu isso em outro contexto e outro nível de profundidade, quando Troski defendia a tese de uma revolução permanente.
Muitos afirmam que as táticas de Trump e Bolsonaro têm uma grande eficácia eleitoral. Isso ainda não foi demonstrado, uma vez que não houve nova eleição.
A situação do Brasil é diferente. Vivemos ainda numa grande crise econômica, o presidente não tem um Partido Republicano no Congresso. E, finalmente, o fator subjetivo: nosso temperamento é diferente não só pela cultura como pelo fato de não termos enfrentado tantas guerras como eles.
É muito possível que a tática de Bolsonaro o leve à sua verdadeira dimensão política: o líder de uma ala radical da direita longe de ser aprovado pelos 57 milhões de eleitores.
Ele não só rompeu com uma espécie de acordo no qual o presente e o futuro importam mais que o passado. Busca destruir uma política ambiental de quase três décadas. Não é perfeita, tem lacunas imensas como o saneamento básico, mas ainda merecia respeito internacional.
A tese dos que veem eficácia na guerra permanente de Bolsonaro não levam muito em conta o potencial de seus eleitores compreenderem seus erros.
O que se coloca pela frente não é apenas brigar com Bolsonaro. O essencial hoje é pensar em como sobreviver à sua passagem, construindo um horizonte que passa pela reconstrução econômica, mas vista como algo maior. Não é possível crescer sem uma política adequada de educação. Muito menos com uma visão destrutiva do meio ambiente.
Esses temas não têm um condão mágico. Mas quem os subestima abertamente tende a um isolamento relativo, entra em confronto com a ciência, nega valores humanos, flerta com a barbárie.
E acaba contando apenas com a ideia de uma guerra permanente. Umberto Eco, no seu livro “O fascismo eterno”, revela com ironia: “Em maio ouvíamos dizer que a guerra tinha acabado. A paz me deu uma sensação curiosa. Tinham me dito que a guerra permanente era a condição normal de um jovem italiano.”
O calvário das crianças Guarani Kaiowá contaminadas por agrotóxicos
A aldeia Guyraroká ocupa uma área de 55 hectares retomada pelos Kaiowá, em Caarapó, Mato Grosso do Sul, a cerca de 275 quilômetros da capital Campo Grande, onde aguarda pela demarcação de suas terras. A escola da comunidade fica a 50 metros da cerca que separa o território indígena (TI) da fazenda Remanso II. As crianças foram as primeiras a serem afetadas, ao ingerem os alimentos cobertos pelo pó. “Não tivemos como evitar. Elas já estavam com o leite e o pão na mão, mas tiramos o que deu tempo de tirar. A poeira pegou a gente de surpresa. Tinha um cheiro forte. Tentamos cobrir o que foi possível na cozinha”, contou a cozinheira Gilma Guarani Kaiowá.
Nos dias que seguiram, as hortas da comunidade e os alimentos também foram prejudicados. “Não temos muita comida na aldeia. Fica complicado jogar fora, porque é o que a gente tem pra comer. Tentamos proteger, mas a poeira cobriu tudo. Afetou todo mundo, de bebê a idoso. Muita gente passou mal”, afirma a líder indígena Erileide Guarani Kaiowá. Ela explica que não é de agora que a aldeia tem feito denúncias sobre a situação na região. A Guyraroká é composta por 120 pessoas Guarani Kaiowá, sendo a maioria crianças e adolescentes. Cercados por plantações de cana, soja e de milho, os indígenas ficam expostos à aplicação de pesticidas, que frequentemente são pulverizado nas áreas rurais por aviões e tratores.
Elaine Guarani Kaiowá, 80 anos, ainda enfrentava os sintomas de intoxicação por defensivos agrícolas quando a reportagem esteve na aldeia, em junho. Segundo ela, sua filha e a neta também passaram mal. “Muito enjoo, diarreia e dor cabeça”, conta. Os moradores também afirmam que 15 galinhas e dois cachorros das famílias morreram envenenados. Sem acesso fácil a médicos e remédios, a anciã relata que recorreu às raízes e plantas medicinais para tratar os sintomas, mas teme que o avanço das plantações sobre as áreas indígenas acabe com as opções naturais para tratamentos.“A gente mora beirando a cerca. Nossas coisas pra fazer comida ficam tudo ali [aponta para um lugar onde as panelas estavam secando]. A gente não tem médico. Não tem remédio. O que resta é ir atrás das raízes, que daqui uns dias não vai ter mais, nossas florestas estão tudo virando pasto e lavoura”.
Outros indígenas também recorrem às raízes e plantas medicinais ao invés da medicina tradicional devido às ameaças que relatam sofrer. É o que conta C. que prefere não revelar seu nome por segurança, segundo quem os moradores já escutaram que se, os Kaiowá fossem ao hospital regional, os fazendeiros pediriam “um favor” aos agentes de saúde. “Eles dizem que podem pedir para trocar o remédio, para não nos atenderem. Tem indígena aqui que já escutou que ‘pelo menos assim a gente morre mais rápido’”, afirma.
Adelaide Guarani Kaiowá estava em casa quando a poeira tomou todo o seu terreno. Ela e os dois filhos saíram o mais rápido que puderam do local. “Eu cheguei a gritar para o homem que estava no trator pedindo pra parar, mas não adiantou. Passamos muito mal. Todos aqui em casa ficaram muito enjoados e com dor na barriga”.
Os Kaiowá reclamam que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) não tem conseguido garantir um atendimento médico adequado à comunidade. “A gente liga pra lá, mas eles nunca podem atender. Falam que não tem gasolina e nem dinheiro para abastecer o carro, que falta medicamento e profissionais”, diz Erileide. O Ministério da Saúde alega que passou por dificuldades jurídicas para solucionar o pagamento da prestação de serviços executados por organizações não governamentais (ONGs) aos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), mas que “os recursos destinados às entidades conveniadas que prestam serviços para assistência à saúde indígena já foram efetivados no dia 3 de junho”. Contudo, uma reportagem do jornal O Estado de S.Paulo publicada em 30 de junho relatou a precariedade do atendimento à saúde indígena na região, apesar de a organização responsável pela administração e execução do serviço ser a recordista no recebimento de verba do Governo Federal para este fim.
Quanto à falta de atendimento médico aos indígenas intoxicados, o escritório da Sesai em Caarapó afirmou que ficou sabendo do caso somente depois de dias pela mídia local, e que não houve denúncias da aldeia Guyraroká a respeito, nem pedido de atendimento médico. O órgão comunicou a Vigilância Sanitária, que esteve na aldeia, um mês depois do ocorrido, para coletar amostras da água e alimentos, a fim de verificar se houve contaminação.
Já o Ministério Público Federal informou que está investigando a situação. “Segundo relatos e provas colhidas no local, houve aplicação de produtos químicos em plantação a menos de dez metros da comunidade indígena, que foi seriamente atingida, causando mal estar e diversos sintomas físicos, principalmente em crianças e idosos”, afirmou o MPF.
A família de Marlinho Guarani Kaiowá também foi afetada pelo veneno. O indígena é filho de Ambrósio Vilhalva, um dos principais líderes da etnia, assassinado em 2013. “Hoje, a gente vive aqui cercado de cana e milho. Já acabaram com as nossas florestas. É difícil encontrar caça. E nossa água e comida acabam envenenadas por esses produtos. Eles nos cercam como se fôssemos porcos, mas o Guarani Kaiowá é guerreiro e enquanto houver um de nós vivo vamos lutar pela nossa terra, pelos nossos direitos”, diz Marlinho, emocionando-se ao lembrar a luta do pai.
A cultura individualista
Ao abrir o leque de direitos sociais e individuais, a Carta construiu as vigas institucionais, conferindo-lhes autonomia, liberdade e competência funcional. Sistemas e aparelhos se robusteceram. O Estado liberal e o social convergiram em direção ao Estado Democrático de Direito, sob o qual o Poder Judiciário assume posição de relevo, fato que explica seu papel preponderante de hoje.
A judicialização da política, fenômeno dos últimos tempos, tem por base a ausência de legislação infraconstitucional, o que permite ao Judiciário entrar no vácuo e interpretar as normas.
Instituições do Estado de defesa do regime, da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais ganharam impulso. O Ministério Público, por exemplo, como instituição essencial à função jurisdicional, incorporou a missão de guardião maior da sociedade. Ganhou respeito, mas passou a ser questionada por seus exageros.
A Polícia Federal se reforçou como encarregada da segurança pública, preservação da ordem e a incolumidade de pessoas e patrimônio, em parceria com instâncias do Judiciário. E assim penetra nos espaços mais obscuros da vida criminosa e nos porões da administração pública.
Contribui para consolidar pilares éticos e morais e a preservar boas práticas políticas. Também ganhou uma legião de adversários por suas operações espetaculosas com nomes simbólicos. Como pano de fundo, a Constituição de 88 propiciou ao aparelho do Estado a competência para organizar estruturas e métodos capazes de garantir segurança e equilíbrio social.
A isso se somam outros sistemas, como o Gabinete de Segurança Institucional, o Tribunal de Contas da União, a Corregedoria-Geral da União, além do Parlamento e suas Comissões de Inquérito, máquina suficiente para monitorar pessoas físicas e jurídicas. Aí a coisa desanda, ao abrir imensos vácuos. A política é como a água corrente: preenche os vazios.
Tarefas assemelhadas se repartem e dirigentes são atingidos pelo fogo das vaidades. Se as ferramentas do Estado fossem desprovidas de sentimentos, teríamos gigantesca estrutura comprometida com o bem comum. Coisa difícil.
O bem da coletividade passa pelo personalismo num País que privilegia a marca pessoal. O Estado-Espetáculo abre o palco da visibilidade. Toda ação é precedida pela louvação do dirigente. O ministro Moro é o xerife-mor, mesmo sob tiroteio. Juízes e procuradores dão o tom das orquestras da justiça e da política. Alas e grupos se formam, matizes políticos se expandem e o espetáculo ganha fogo alto.
A querela se espalha, como se vê hoje nos três Poderes. O que fazer com a massa que agita atores e instituições? O óbvio: cumprir o dever nos limites prescritos pela lei, despir a vaidade, usar o bom senso para evitar duplicação de tarefas e profissionalizar estruturas, deixando-as imunes aos partidarismos. Cada Poder com suas funções. Se novo controlador vier para comandar o já existente, o País andará em círculos.Gaudêncio Torquato
Quem vai parar Jair Bolsonaro?
O jurista Miguel Reale Júnior, ministro da Justiça no Governo Fernando Henrique Cardoso, presidente da CEMDP durante seis anos e um dos autores do pedido de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff (PT), acredita que Bolsonaro "está beirando" ao menos uma das hipóteses legais para a abertura de outro processo de destituição do presidente. A lei, considerada por especialistas muito abrangente e de interpretação subjetiva, determina que "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo" é um dos crimes de responsabilidade pelos quais um presidente pode ser afastado. "O que está havendo é uma somatória de fatos dessa natureza que atingem a sensibilidade das pessoas e os valores fundamentais da Constituição. A partir do momento que ele é a favor do trabalho infantil, quer reduzir a punição para o trabalho escravo ou os presos tenham trabalho forçado, Bolsonaro vai contra os valores fundamentais da República. Isso é quebra o decoro", opina Reale Júnior.
Ao mesmo tempo que acredita que a base jurídica para um impeachment virá com a somatória de "provocações e ofensas", o advogado, filiado ao PSDB até 2017, afirma que falta um elemento central para que um processo vá adiante: "Ainda não há condições politicas seja na sociedade, seja no Congresso. Ele precisa se desgastar mais. Isso pode ocorrer na medida que houver um acúmulo". Mas ele se mostra cético: "Acho que as instituições e a sociedade estão muito caladas. As manifestações acontecem nas redes, onde não existe sociedade civil. O que existe são desconhecidos e anônimos que colocam suas idiocrasias. A sociedade precisa estar alerta para se unir e se juntar contra esse processo que eu chamo de fascismo cultural".
O advogado Pedro Dallari, professor de Direito Internacional da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), se mostra mais otimista. Apesar de dizer que é "um paradoxo" o fato de que "uma democracia em consolidação ter um presidente que nega suas conquistas", ele diz não ter receios "do ponto de vista da cidadania e das liberdades". Isso porque, para ele, Bolsonaro se equivoca ao considerar que sua base de eleitores congrega valores de ultradireita. "Um conjunto de circunstâncias fez com que Bolsonaro acabasse capitalizando uma posição da sociedade contra a corrupção, contra o desemprego, contra a precariedade dos serviços públicos, principalmente de segurança, e isso fulminou as candidaturas do campo social-democrata, incluindo as do PT e PSDB", argumenta Dallari, que foi filiado ao PT até meados dos anos 90. "Mas acho que ele vem perdendo progressivamente o apoio de segmentos, inclusive da classe média conservadora que dá importância para temas como meio ambiente ou direitos da população LGBT", acrescenta.
A última pesquisa Datafolha, divulgada na sexta-feira, 2 de agosto, parece dar respaldo a afirmação do jurista: 86% dos entrevistados se disseram contra a garimpagem de terras indígenas, algo que Bolsonaro vem prometendo legalizar. Uma maioria expressiva, de mais de 70%, já havia se manifestado também contra a liberação do porte de armas. "Do ponto de vista dos direitos civis, acho que a resistência social e institucional, seja pelo Legislativo ou pelo Judiciário, vem sendo efetiva. Essa radicalização retórica talvez seja em razão disso", argumenta. Ele cita como exemplo a queda do decreto presidencial que liberava o porte de armas para vários setores da sociedade. "Não recordo de um decreto ser derrubado dessa forma no Congresso, obrigando-o a recuar", argumenta.
Há momentos em que Bolsonaro parece testar as instituições até o limite. O presidente havia editado em janeiro uma Medida Provisória (MP) que transferia para o Ministério da Agricultura a competência para demarcar terras indígenas e quilombolas. Em maio, o Congresso Nacional devolveu a competência para o Ministério da Justiça, que também voltou a abrigar a Fundação Nacional do Índio (Funai). Em 19 de junho, o presidente decidiu enfrentar a decisão do Legislativo e editou uma nova MP para reverter a ação, avisando que "quem manda sou eu". No dia 24, o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso concedeu liminar suspendendo a MP. Na última quinta, o caso foi para o plenário do Supremo, que decidiu por unanimidade manter a medida suspensa. Em seu discurso, o decano Celso de Mello afirmou que a Corte deveria fazer o seu papel de contrapeso, em claro recado ao chefe do Poder Executivo. Após a decisão do STF, o mandatário recuou: disse ter sido uma "falha" de seu Governo, e dele pessoalmente, a reedição de uma segunda medida provisória insistindo em deixar a Funai sob os comandos dos ruralistas. "Teve uma falha nossa. Eu já adverti a minha assessoria. A gente não poderia no mesmo ano ter que fazer uma MP de uma ação já decidida. Houve falha nossa. A falha é minha né. É minha porque eu assinei. Considero a decisão (do STF) acertada, sem problema nenhum", afirmou Bolsonaro, na sexta.
"O STF tem tido um ativismo judicial, às vezes positivo, às vezes negativo, que muitas vezes transborda os limites da ação judicial, criando normas e soluções. Mas neste momento o Supremo deve ter um papel muito importante de poder moderador", afirma Reale Júnior, concorda com Dallari sobre o apoio relativo que Bolsonaro ainda possui em sua base.
Além do impeachment, Reale Júnior aponta como possibilidade que o presidente seja denunciado por um crime comum, como pelo delito de abuso de autoridade. Algo evidente, segundo o jurista, quando Bolsonaro ameaçou o jornalista Glenn Greewald de ser preso, também na última semana. Neste caso, caberia ao Supremo aceitar a denúncia e pedir autorização para a Câmara dos Deputados para seguir com o julgamento. "Ele estaria sendo processado como Temer foi e responderia por crimes praticados no exercício da Presidência. Porque não é um ato que ele faz como Pessoa Física, mas na condição de Presidente da República", acrescenta.
Outro alvo recente da ira de Bolsonaro foi o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Seu diretor, Ricardo Galvão, foi exonerado na última sexta-feira após uma série de desentendimentos públicos com o presidente. O Governo vem questionando os dados sobre o cada vez maior desmatamento da Amazônia e anunciou que contratará uma firma privada para fazer a medição. Outros membros do Governo, como o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles e o general Augusto Heleno, também vem expressando suas discordâncias com a divulgação de dados de desmatamento que consideram desfavoráveis para a imagem do Brasil ou até falso. O risco é que o desmatamento se torne para o bolsonarismo o que a inflação, maquiada durante anos na Argentina, se tornou para o kirchnerismo. "Meu único receio é com a área ambiental, porque gera padrões irreversíveis. A acentuação do desmatamento como vem sendo feita, o descaso com medidas contra o aquecimento global, a destruição da malha normativa de proteção dos índios... São males que serão irreversíveis", afirma Dallari.
Farinha pouca...
Até hoje, a União gastou R$ 9,9 bilhões com indenizações e pensões pagas a anistiados "políticos."Dinheiro suado, do povo ordeiro e trabalhador, pago a 39.370 pessoas ditas perseguidas e autointituladas defensoras da democraciaJair Bolsonaro, que junto com os filhos pagou, "com dinheiro suado do povo ordeiro e trabalhador", empregos públicos a 102 pessoas da famiglia
Onde está o centro?
As últimas semanas foram inquietantes pela investida de Jair Bolsonaro, em ações e palavras, contra instituições, a ciência, o conhecimento, os fatos históricos e princípios como os da humanidade e impessoalidade. As reações começam a surgir por parte dos demais Poderes, como em boa hora mostrou o Supremo Tribunal Federal. Mas a maneira ainda tímida com que os partidos e lideranças políticas do chamado centro democrático se comportam diante dos arreganhos do presidente mostra que o Brasil está muito longe de construir uma alternativa viável a uma radicalização cada vez mais perigosa.
Na centro-direita, o governador João Doria Jr. e o ex-presidenciável João Amoêdo tratam de procurar se distanciar de Bolsonaro, delimitando as diferenças entre o discurso e a prática dos partidos que lideram e o bolsonarismo. Mas tanto o PSDB quanto o Novo estão entre as legendas que mais apoio empenharam aos projetos do governo no Congresso.
Imbuídos do dever de apoiar a pauta econômica de viés liberal de Paulo Guedes, os partidos de centro e de centro-direita muitas vezes dão maior sustentação às votações do Executivo que o canhestro PSL, balaio de gatos formado por pessoas que se filiaram na última hora para surfar a onda do “mito”.
O apoio no Congresso não impede que integrantes desse centro sejam diariamente hostilizados pelas hordas bolsonaristas a serviço da destruição de biografias, e que os partidos sejam estigmatizados como venais, fisiológicos, corruptos e outras tantas pechas – muitas das quais fizeram historicamente por merecer.
Eis uma armadilha crucial, da qual o tal centro parece longe de se livrar: ao apoiar, acertadamente, os projetos da pauta econômica liberal necessária para tirar o País da recessão legada pelo PT, está criando as condições para que Bolsonaro diga que fez tudo sozinho – afinal, ele não tem uma coalizão política – e se sinta “liberado” para impor sua agenda em todas as demais áreas.
Daqui a três anos, quando começar o processo sucessório, qual será a narrativa dessas siglas? Que projeto alternativo o centro terá apresentado a este que está em curso, que nega a ciência, o conhecimento, as liberdades, estigmatiza e persegue dissidentes, faz o elogio sem ressalvas de práticas como tortura, nepotismo, perseguição ideológica e aparelhamento do Estado? Que sucumbe e apequena as Forças Armadas? Que testa audaciosamente os limites dos demais Poderes, como bem salientou o decano do STF a este jornal?
Não adiantará apresentar vários nomes, com perfis e eleitorado que se sobreponham, e elencar as vezes em que, aqui e ali, soltaram notas oficiais ou repudiaram comportamentos específicos do presidente.
Bolsonaro só se transformou de deputado folclórico em presidente, numa trajetória que passou ao largo do radar de nós da imprensa e de seus pares da política, porque começou a caminhada anos antes, construiu uma base social sólida, encaixou um discurso (o antipetismo, de um lado, e a crítica difusa a um tal “politicamente correto”, de outro) e foi beneficiado pela perda de foco dos adversários.
Até aqui, ele segue firme nessa estratégia, mesmo blefando que não tem nenhuma, enquanto seus potenciais oponentes pisam em astros distraídos, ao centro, na centro-direita e, principalmente, na patética esquerda lobotomizada pelo “Lula livre”.
Nessa toada, os longos três anos e 5 meses que nos separam de 2022 serão esse desfile canhestro de imposturas presidenciais sem que o eleitorado que não coaduna com elas se veja representado por alguém que aponte um caminho em que a defesa do liberalismo econômico não seja desculpa para que se passe pano para o indefensável em todas as demais esferas da vida pública.
Na centro-direita, o governador João Doria Jr. e o ex-presidenciável João Amoêdo tratam de procurar se distanciar de Bolsonaro, delimitando as diferenças entre o discurso e a prática dos partidos que lideram e o bolsonarismo. Mas tanto o PSDB quanto o Novo estão entre as legendas que mais apoio empenharam aos projetos do governo no Congresso.
Imbuídos do dever de apoiar a pauta econômica de viés liberal de Paulo Guedes, os partidos de centro e de centro-direita muitas vezes dão maior sustentação às votações do Executivo que o canhestro PSL, balaio de gatos formado por pessoas que se filiaram na última hora para surfar a onda do “mito”.
O apoio no Congresso não impede que integrantes desse centro sejam diariamente hostilizados pelas hordas bolsonaristas a serviço da destruição de biografias, e que os partidos sejam estigmatizados como venais, fisiológicos, corruptos e outras tantas pechas – muitas das quais fizeram historicamente por merecer.
Eis uma armadilha crucial, da qual o tal centro parece longe de se livrar: ao apoiar, acertadamente, os projetos da pauta econômica liberal necessária para tirar o País da recessão legada pelo PT, está criando as condições para que Bolsonaro diga que fez tudo sozinho – afinal, ele não tem uma coalizão política – e se sinta “liberado” para impor sua agenda em todas as demais áreas.
Daqui a três anos, quando começar o processo sucessório, qual será a narrativa dessas siglas? Que projeto alternativo o centro terá apresentado a este que está em curso, que nega a ciência, o conhecimento, as liberdades, estigmatiza e persegue dissidentes, faz o elogio sem ressalvas de práticas como tortura, nepotismo, perseguição ideológica e aparelhamento do Estado? Que sucumbe e apequena as Forças Armadas? Que testa audaciosamente os limites dos demais Poderes, como bem salientou o decano do STF a este jornal?
Não adiantará apresentar vários nomes, com perfis e eleitorado que se sobreponham, e elencar as vezes em que, aqui e ali, soltaram notas oficiais ou repudiaram comportamentos específicos do presidente.
Bolsonaro só se transformou de deputado folclórico em presidente, numa trajetória que passou ao largo do radar de nós da imprensa e de seus pares da política, porque começou a caminhada anos antes, construiu uma base social sólida, encaixou um discurso (o antipetismo, de um lado, e a crítica difusa a um tal “politicamente correto”, de outro) e foi beneficiado pela perda de foco dos adversários.
Até aqui, ele segue firme nessa estratégia, mesmo blefando que não tem nenhuma, enquanto seus potenciais oponentes pisam em astros distraídos, ao centro, na centro-direita e, principalmente, na patética esquerda lobotomizada pelo “Lula livre”.
Nessa toada, os longos três anos e 5 meses que nos separam de 2022 serão esse desfile canhestro de imposturas presidenciais sem que o eleitorado que não coaduna com elas se veja representado por alguém que aponte um caminho em que a defesa do liberalismo econômico não seja desculpa para que se passe pano para o indefensável em todas as demais esferas da vida pública.
Falta de civilidade
Vale notar que não se trata apenas de etiquetas de boa educação ou do correto uso dos pronomes de tratamento, por exemplo. Aqui se faz referência a uma realidade social mais básica, que dá estrutura ao tecido social - o respeito pelo outro, seja quem ele for. Essa consideração independe se a outra pessoa é famosa, se tem ideias políticas semelhantes, se tem muitos recursos econômicos, se é da cidade ou do campo, se tem determinados parentescos ou amizades, se recebeu instrução formal ou não, se orientou a sua vida por critérios morais, culturais, sociais ou familiares semelhantes. O respeito pelo outro - que necessariamente deve se manifestar pelas boas maneiras - é elemento fundamental de uma sociedade.
Pois bem, essa deterioração do respeito pelo outro que, em maior ou menor grau, corrói as relações sociais e que tanta preocupação causa nas famílias, nas escolas, nas comunidades, nas igrejas e em tantas entidades preocupadas com o bem público, parece que se instalou no Palácio do Planalto. Sem maiores pudores, o presidente Jair Bolsonaro ostenta um estilo de pouco respeito por quem pensa ou atua de forma diferente da sua. Por exemplo, se a atuação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) lhe desagrada, ele acha natural responder com ataques à memória do pai do presidente da instituição.
Se é grave o fenômeno social da perda de civilidade, ainda mais grave - com efeitos sistêmicos, mais duradouros e mais perversos - é o fato de essa ausência de civilidade alojar-se nos mais altos postos da República. Se a grosseria na lide diária desperta desgosto e desesperança, ela, quando difundida aos olhos de toda a Nação, subverte toda a vida social, estimulando precisamente aquilo que deveria ser evitado. O respeito pelo outro, que é também um olhar humilde sobre si mesmo, não é elemento ornamental de uma sociedade, talvez perfeita e inalcançável. É o primeiro fundamento da República: o princípio da igualdade de todos.
Com frequência, os apoiadores de Jair Bolsonaro pedem compreensão com o que seria a suposta falta de jeito do atual presidente da República. A versão difundida é a seguinte: inexperiente nas altas esferas, ele não teria o requinte dos melhores modos sociais, o que o levaria a cometer alguns deslizes, dando, vez ou outra, caneladas em seus adversários. Nada disso, no entanto, seria especialmente relevante, tendo em vista a sua disposição de tirar o País das amarras lulopetistas e de dar uma orientação liberal à política econômica. Seus maus modos estariam, assim, desculpados em função do bem maior que ele procuraria realizar.
Em primeiro lugar, quando o presidente Jair Bolsonaro atua sem civilidade, ele contraria frontalmente sua promessa de soerguimento moral da Nação. Não se trata de um deslize. É uma atitude intencional, reiterada com frequência crescente à medida que passam os meses. Quanto maior sua experiência no cargo, maior sua disposição em dar caneladas. Ao mesmo tempo, não há crescimento econômico que possa justificar o desrespeito pelo outro, seja ele de esquerda, de centro ou de direita. O modo desrespeitoso de atuar não produz maior produtividade ou maior abertura comercial. Além de refletir um preocupante desequilíbrio no modo de ver a si mesmo e aos outros, a falta de civilidade reforça a impressão de que o País, em vez de avançar, retrocede. Trata-se, afinal, do mau exemplo, constante e deliberado, dado aos brasileiros de todas as idades pelo seu presidente.
'Campanha internacional' contra o Brasil?
Todo mundo conhece as restrições próprias das agendas dos chefes de Estado. Ao que parece, houve uma emergência capilar. Essa é uma preocupação que é estranha para mimJean-Yves Le Drian, chanceler francês não recebido no Planalto
Ativistas protestam contra importação de soja na Alemanha
O grupo se aproximou do navio com um pequeno barco e pendurou ainda uma faixa no guindaste que tiraria a carga da embarcação. "Emergência climática. A ração de soja destrói as florestas", dizia a faixa.
Segundo a ONG, a importação de soja voltada para a pecuária de massa agrava os problemas climáticos, além de contribuir para destruição de ecossistemas fundamentais para a redução da concentração de dióxido de carbono.
"Nós exigimos que o governo alemão interrompa imediatamente a importação de soja originária da destruição da floresta. Ao mesmo tempo, o governo deve fornecer incentivos para que a agricultura local assegure a criação apropriada com um número menor de animais", afirmou o especialista em agricultura do Greenpeace, Dirk Zimmerman.
O especialista disse ainda que para frear os impactos da pecuária de massa nas mudanças climáticas é necessária a redução do consumo de global de carne pela metade até 2050. Na Europa e na América do Norte, essa diminuição deve ficar entre 70 e 90%.
Segundo Zimmerman, a produção de soja no Brasil mais do que quadruplicou nos últimos 20 anos, principalmente devido ao aumento do consumo de carne. O grão amplamente usado na alimentação de animais. O especialista responsabilizou o agronegócio voltado para a produção de ração por dois terços do desmatamento na América do Sul.
O protesto no porto de Brake ocorreu no âmbito da reunião do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que acontece desde sexta-feira em Genebra, na Suíça. A ação dos ativistas visava atrair a atenção dos participantes para os impactos da produção de soja.
Destempero e precedentes
Como conta Suetônio, na Roma dos césares não houve criança para salvar a situação. Calígula resolveu nomear um novo senador : seu cavalo Incitatus. Dito e feito. Não apareceu quem o contestasse, não havia democracia, e o absurdo seguiu num crescendo — o imperador matou até a própria mãe.
Como evoca Manuel Bandeira em poema célebre, também a Espanha teve uma rainha demente, Joana a Louca — cujo poder foi limitado pelo confinamento e passou a sucessivos regentes.
Como vimos em filme premiado, o rei George III da Inglaterra ficou doido no trono, no século XVIII. A corte bem que tentou ver a loucura como excentricidade, mas a camisa de força terminou sendo inevitável. Aliás, um de seus médicos também foi chamado para tratar de outro caso de governante maluco na mesma época: nossa Maria, a Louca, de Portugal, mãe de D. João VI. Acabou afastada, e o filho assumiu a regência em 1792 — ano em que Tiradentes, condenado no reinado dela, foi morto na forca.
Como escreveu Machado de Assis, um certo Simão Bacamarte todo poderoso diagnosticava a loucura alheia, internando aos poucos na Casa Verde os moradores que julgava insanos — até que a população achou que passava dos limites e internou o próprio alienista.
Aqui, já temos juiz do STF a classificar de inadmissível, outro a sugerir mordaça e jurista de renome a falar em interdição de alucinado. A julgar pela novela que se desenrola a cada dia, pelos destemperos, delírios vingativos e arroubos personalistas, e diante da insanidade da escalada retórica, a chapa está esquentando neste agosto.
Ana Maria Machado
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