Charge de Jarbas no Diário de Pernambuco |
terça-feira, 24 de novembro de 2015
Lamento por um rio
“Conheço rios/ conheço rios antigos como o mundo e mais remotos/ que a corrente de sangue humano/ em veias humanas” — escreveu Langston Hughes num dos seus poemas mais famosos, “O Negro fala sobre Rios”. O verso seguinte é, creio, a chave do poema: “A minha alma tornou-se profunda como os rios.”
A história da Humanidade corre paralela à dos rios. Quase todos os grandes rios geraram ao longo das suas margens grandes cidades. “Quem ofende um rio, ofende Deus” — diz um provérbio africano. Quando um rio morre, morre tudo o que há nele, e todo o chão que ele atravessa. Surpreende-me que a tragédia do Rio Doce não provoque mais emoção e mais revolta, quer dentro, quer fora do Brasil. A mim chocou-me, como o pior dos ataques terroristas.
“Foi um acidente” — dizem. Acidente é quando o freio falha e um carro bate contra outro. Acidente é quando alguém escorrega numa casca de banana e cai de costas. Grandes desastres ambientais, como os que ocorreram em Chernobyl, em Fukushima, em Bhopal ou em Minamata, não são acidentes. São o resultado quase inevitável de políticas públicas equivocadas ou de estratégias privadas gananciosas, ou de ambas as coisas.
Impressionou-me o depoimento de uma mulher do povo Krenak: “O rio já sabia que ia ser morto”, disse ela: “Quando a sujeira veio, ele foi subindo chorando, fazendo barulho. E minha mãe chorando junto”.
Se o rio conhecia o seu destino, quem o matou também deveria conhecer — e com décadas de avanço.
A boa notícia é que os rios são muitíssimo mais resistentes que as pessoas. A História mostra que havendo vontade política, e meios para tal, é possível ressuscitar rios biologicamente mortos. Lembremos o que se passou com o Tâmisa. No século XVI, a poluição do Tâmisa, ao atravessar Londres, era já tal que a população evitava consumir a sua água. Em meados do século XIX, após duas grandes epidemias de cólera, foi construída uma rede de captação de esgotos que atirava os dejetos da cidade alguns quilômetros a jusante. O rio ganhou então a alcunha de “The Great Stink” (O Grande Fedor). Nos anos 50 do século passado, quando já não havia nem um peixe nas águas do Tâmisa, surgiram as primeiras estações de tratamento de esgotos. O aparecimento de salmões, duas décadas depois, causou comoção e confirmou que era possível devolver a vida ao rio. Hoje não só há salmões e mais de uma centena de outras espécies de peixes, como também focas. Até golfinhos se arriscam, vez por outra, a visitar a capital inglesa. Em 2006, uma baleia perdida, com cerca de cinco metros de comprimento, morreu durante uma tentativa de resgate, após ter subido o rio até a Ponte de Battersea, no centro de Londres.
O fotógrafo e ambientalista Sebastião Salgado fala em três décadas para recuperar o Rio Doce, e numa operação que custaria ou custará — vamos escrever “custará” — perto de R$ 100 bilhões. São números enormes, mas, ainda assim, talvez pequem por defeito. Salgado acredita que as empresas envolvidas na morte do rio pagarão, sem discutir, os custos da sua recuperação. Esperemos que sim. Não pagarão, isso é certo, as vidas destruídas das populações ribeirinhas e as culturas e tradições que se irão perder. Os custos de toda esta imensa tragédia ainda mal podem ser avaliados.
Respondendo à pergunta de um jornalista, Sebastião Salgado recusou-se a atribuir responsabilidades a uma empresa em particular, dizendo que deveríamos questionar, sim, o nosso modo de vida. Tem razão; só não tem a razão toda. É preciso investigar, responsabilizar, julgar e condenar. E é preciso também que comecemos a questionar o nosso modo de vida. Se o nosso modo de vida leva à morte de rios, então nem é um modo de vida, é um modo de morte.
Em menino eu tive um rio. O meu rio era pequeno e manso e tão humilde que nem sequer usava um nome. Mas, como o de Alberto Caeiro, era mais livre e maior que qualquer rio do mundo. Era tão grande que ainda hoje deságua em mim e me alimenta, com o mistério das suas areias movediças, o milharal alto onde brincávamos de esconde-esconde, o grave alarido das rãs, o cantar dos pássaros, e todos os sonhos que erguemos junto às suas margens. Acho que, para uma criança, ter um rio é tão importante quanto ter um cachorro. Os rios são laços de água que nos prendem ao chão da nossa infância. Os rios, como sugerem os versos de Langston Hughes, aprofundam-nos a alma.
José Eduardo Agualusa
A história da Humanidade corre paralela à dos rios. Quase todos os grandes rios geraram ao longo das suas margens grandes cidades. “Quem ofende um rio, ofende Deus” — diz um provérbio africano. Quando um rio morre, morre tudo o que há nele, e todo o chão que ele atravessa. Surpreende-me que a tragédia do Rio Doce não provoque mais emoção e mais revolta, quer dentro, quer fora do Brasil. A mim chocou-me, como o pior dos ataques terroristas.
Fotos sobre a chegada da lama da Samarco ao mar que ilustram a edição de hoje podem ser acompanhadas aqui |
Impressionou-me o depoimento de uma mulher do povo Krenak: “O rio já sabia que ia ser morto”, disse ela: “Quando a sujeira veio, ele foi subindo chorando, fazendo barulho. E minha mãe chorando junto”.
Se o rio conhecia o seu destino, quem o matou também deveria conhecer — e com décadas de avanço.
A boa notícia é que os rios são muitíssimo mais resistentes que as pessoas. A História mostra que havendo vontade política, e meios para tal, é possível ressuscitar rios biologicamente mortos. Lembremos o que se passou com o Tâmisa. No século XVI, a poluição do Tâmisa, ao atravessar Londres, era já tal que a população evitava consumir a sua água. Em meados do século XIX, após duas grandes epidemias de cólera, foi construída uma rede de captação de esgotos que atirava os dejetos da cidade alguns quilômetros a jusante. O rio ganhou então a alcunha de “The Great Stink” (O Grande Fedor). Nos anos 50 do século passado, quando já não havia nem um peixe nas águas do Tâmisa, surgiram as primeiras estações de tratamento de esgotos. O aparecimento de salmões, duas décadas depois, causou comoção e confirmou que era possível devolver a vida ao rio. Hoje não só há salmões e mais de uma centena de outras espécies de peixes, como também focas. Até golfinhos se arriscam, vez por outra, a visitar a capital inglesa. Em 2006, uma baleia perdida, com cerca de cinco metros de comprimento, morreu durante uma tentativa de resgate, após ter subido o rio até a Ponte de Battersea, no centro de Londres.
O fotógrafo e ambientalista Sebastião Salgado fala em três décadas para recuperar o Rio Doce, e numa operação que custaria ou custará — vamos escrever “custará” — perto de R$ 100 bilhões. São números enormes, mas, ainda assim, talvez pequem por defeito. Salgado acredita que as empresas envolvidas na morte do rio pagarão, sem discutir, os custos da sua recuperação. Esperemos que sim. Não pagarão, isso é certo, as vidas destruídas das populações ribeirinhas e as culturas e tradições que se irão perder. Os custos de toda esta imensa tragédia ainda mal podem ser avaliados.
Respondendo à pergunta de um jornalista, Sebastião Salgado recusou-se a atribuir responsabilidades a uma empresa em particular, dizendo que deveríamos questionar, sim, o nosso modo de vida. Tem razão; só não tem a razão toda. É preciso investigar, responsabilizar, julgar e condenar. E é preciso também que comecemos a questionar o nosso modo de vida. Se o nosso modo de vida leva à morte de rios, então nem é um modo de vida, é um modo de morte.
Em menino eu tive um rio. O meu rio era pequeno e manso e tão humilde que nem sequer usava um nome. Mas, como o de Alberto Caeiro, era mais livre e maior que qualquer rio do mundo. Era tão grande que ainda hoje deságua em mim e me alimenta, com o mistério das suas areias movediças, o milharal alto onde brincávamos de esconde-esconde, o grave alarido das rãs, o cantar dos pássaros, e todos os sonhos que erguemos junto às suas margens. Acho que, para uma criança, ter um rio é tão importante quanto ter um cachorro. Os rios são laços de água que nos prendem ao chão da nossa infância. Os rios, como sugerem os versos de Langston Hughes, aprofundam-nos a alma.
José Eduardo Agualusa
Planeta Barril de Pólvora
As coisas parecem ter se acelerado e temo não ser só uma mera impressão minha. Nos últimos dias nosso país deu mais alguns passos em direção ao abismo, ao precipício, e a avalanche de lama com minérios é simbólica e infernalmente definitiva. Já o mundo, esse, treme todo com a incerteza do que é que exatamente combate
Eles são jovens, atléticos, bonitos, (sim, claro que depois de um bom banho), rústicos. Parecem especialmente corajosos e arrojados em suas covardias contra o mundo civilizado que consideram poder destruir. Alinham exércitos de desencantados de várias nações, encantados com promessas de além-túmulo vendidas em apuradas embalagens religiosas. Sorrateiros, trazem uma nova estética e não demorará a indústria da moda perceberá um veio de ouro naquelas barbas, na paleta de cores terrosas, nos véus negros. A mim parece que já estão entre nós, sorrateiros, passando-se por modernos. Ainda prefiro o branco e o preto, e as revoluções trazidas pelo amor livre, pelo rock e pela Paz. Mas agora parece que o sonho acabou. Mesmo. Agora.
O que foi que especialmente aconteceu nesses últimos anos para que a radicalização mudasse de cara assim? Quem é o gênio do marketing por detrás desse Estado Islâmico? Quem é o Goebbels deles? Procurem-no. Como evitar que tão habilmente usem o poder da internet que tanto facilita o incremento de suas fileiras com esses pensamentos confusos?
Depois dos atentados de Paris parece que não teremos mais sossego. Uma coisa levando a outra, traçando uma nova conjuntura de forças de guerra, poucas de paz, todas de poder. 14 anos depois das torres gêmeas virem ao chão como cena de cinema agora são outras as cenas que assistimos ao vivo pipocando em todos os continentes, inquietando países inteiros. Eles não sabem o que fazem, não têm nada a perder, e ainda acreditam que como mártires alcançarão um éden – no fundo completamente orgiástico com suas virgens e ereções eternas. Se vão continuar rezando lá nesse paraíso, só Alá saberá dizer.
Como se num caldeirão se misturassem gotas de uma receita de bomba: duas gotas de Che Guevara, com uma pitada de Fidel Castro, quatro ou cinco braços e pernas de nazistas, três barrigas de ditadores africanos, ossos de Bin Laden, uns pelos de bigode de Trotsky com cabelos de Saddam, pólvora, salpicado de pó de mico misturado com miolos de Chavez, Pinochet e Videla para dar liga. Quem pensava que era uma Besta 666 que viria não podia imaginar que se reproduziriam com tamanha rapidez.
Apavorada, assisti a um documentário que conseguiu mostrar ainda a atração de mulheres para o ninho das bestas, o que nos faz crer que já há uma procriação. Mulheres que querem casar, vindas de todos os lugares.
Não é mais fábula. Não tem magia, lâmpadas, gênios ou tapetes voadores.
Momento insano. Aqui, Minas Gerais chega ao mar em estado mineral, enquanto nos fazem de palhaços numa crise política, econômica e ética sem precedentes, com personagens sórdidos se revezando ao microfone do palanque das más notícias diante de atônitos de um lado e bem-intencionados de araque de outro.
O pavio está queimando. E ele é curto.
A conta é nossa
Quando o IBAMA flagrava um pescador em atividade, no período do defeso, esse pescador ia preso, na hora; quando o IBAMA flagrava um ribeirinho com uma caça, que serviria de almoço para sua família, esse ribeirinho ia preso, na hora. Até agora, nenhum executivo, engenheiro ou sócio da Samarco, Vale, Bilinton foi preso pelo maior desastre ambiental do Brasil.
A cobrança – apropriada, avalio - apareceu nas redes sociais nos últimos dias. E pode puxar dezenas de outras sobre distintos tratamentos dados aos usuários de serviços e aos responsáveis por fornecê-los, os tais que cobram por eles, os donos, enfim – particulares ou governos.
Nos dois grupos estão cidadãos brasileiros. Mas uns são mais, em tudo, do que os outros. Kd o Estado no caso da lama de Mariana? Kd a empresa-dona?
Aos costumes, fingindo-se de mortos, passam a conta para os de sempre – os cidadãos sem poder de mando. Nós que, regularmente, nos apiedamos dos vitimados por tragédias – sejam as causadas pela natureza, sejam as promovidas por irresponsabilidades ou resultantes de descuidos.
Entre os que valem e podem mais estão os produtores da lama de Mariana – e também de outras que lotariam páginas e páginas. As lamas todas têm paternidade. O pai mor invariavelmente é nosso Estado paquidérmico e ineficiente. Ineficaz nas urgências quase sempre e eternamente.
O socorrista de prontidão – também invariavelmente – somos nós cidadãos consumidores de serviços, atendimentos, bens, coisas, normas. Somos nós, quando não vítimas, que rapidamente nos mobilizamos para recolher e distribuir doações – água, roupas, comida, remédios – para os outros de nós, em algum momento, vitimados de tragédias e desditas.
Quem tem sido o principal socorrista de Mariana? Bingo. A tal da sociedade civil. Porque 20 dias depois quase nada foi efetivamente feito pelos tais poderes constituídos com a urgência exigida. (Multas a pagar, resolvem aperturas?)
A presidenta, por exemplo, levou 10 dias para se coçar e, entre uma e outra inauguração, ao menos, ir ver de perto a tragédia. O de perto em questão não foi muito mais do que um sobrevoo. As empresas donas da meleca até água contaminada ousaram distribuir. Não fizeram muito mais do que isso.
No melhor modelão nacional, também cidadãos comerciantes locais tiram sua habitual casquinha: subiram o preço da fundamental água potável. De doer!
Mariana espelha descasos a que somos submetidos no cotidiano de cidadãos das muitas obrigações e dos direitos parcamente respeitados. Vale o lugar comum: a conta da ineficiência é sempre nossa – dia a dia, via impostos mal gastos ou, na aflição, via caridade de voluntário socorrista.
Cada um de nós tem quilos dessas histórias de descaso para contar – inclusive as pessoalmente vividas. Longe de Mariana, no DF, governos desastrosos conseguiram zerar até remédios nos hospitais – insulina, aspirina, algodão, fraldas infantis e geriátricas.
Quem se mexe para um mínimo socorro aos desvalidos que chegam às pencas aos hospitais do descaso?
Além de alguns mais sensíveis dos diretamente envolvidos – médicos, enfermeiros, servidores -, a tal da sociedade civil que, neste Natal, propõe ligas do bem para trocar festas por campanhas - pequenas e grandes - de doações do básico: fraldas, roupas, leite, algodão...
Em tempos tão bicudos, a solidariedade humana – P, M ou G, aqui ou lá fora – é reforço na esperança. Nem tudo está assim tão perdido.
Em favor de Mariana ou dos hospitais do DF, como dá e dentro até do impossível, vamos tapando crateras de irresponsabilidades e descasos.
Lá em Minas Gerais ou aqui na capital federal, os mal feitos têm dono, RG e CNPJ. Mas esses, mesmo na cabeceira, não pagam a conta. Também não são presos. Nem pelo IBAMA. Pagamos nós. Os de sempre. Sempre.
A cobrança – apropriada, avalio - apareceu nas redes sociais nos últimos dias. E pode puxar dezenas de outras sobre distintos tratamentos dados aos usuários de serviços e aos responsáveis por fornecê-los, os tais que cobram por eles, os donos, enfim – particulares ou governos.
Nos dois grupos estão cidadãos brasileiros. Mas uns são mais, em tudo, do que os outros. Kd o Estado no caso da lama de Mariana? Kd a empresa-dona?
Entre os que valem e podem mais estão os produtores da lama de Mariana – e também de outras que lotariam páginas e páginas. As lamas todas têm paternidade. O pai mor invariavelmente é nosso Estado paquidérmico e ineficiente. Ineficaz nas urgências quase sempre e eternamente.
O socorrista de prontidão – também invariavelmente – somos nós cidadãos consumidores de serviços, atendimentos, bens, coisas, normas. Somos nós, quando não vítimas, que rapidamente nos mobilizamos para recolher e distribuir doações – água, roupas, comida, remédios – para os outros de nós, em algum momento, vitimados de tragédias e desditas.
Quem tem sido o principal socorrista de Mariana? Bingo. A tal da sociedade civil. Porque 20 dias depois quase nada foi efetivamente feito pelos tais poderes constituídos com a urgência exigida. (Multas a pagar, resolvem aperturas?)
A presidenta, por exemplo, levou 10 dias para se coçar e, entre uma e outra inauguração, ao menos, ir ver de perto a tragédia. O de perto em questão não foi muito mais do que um sobrevoo. As empresas donas da meleca até água contaminada ousaram distribuir. Não fizeram muito mais do que isso.
No melhor modelão nacional, também cidadãos comerciantes locais tiram sua habitual casquinha: subiram o preço da fundamental água potável. De doer!
Mariana espelha descasos a que somos submetidos no cotidiano de cidadãos das muitas obrigações e dos direitos parcamente respeitados. Vale o lugar comum: a conta da ineficiência é sempre nossa – dia a dia, via impostos mal gastos ou, na aflição, via caridade de voluntário socorrista.
Cada um de nós tem quilos dessas histórias de descaso para contar – inclusive as pessoalmente vividas. Longe de Mariana, no DF, governos desastrosos conseguiram zerar até remédios nos hospitais – insulina, aspirina, algodão, fraldas infantis e geriátricas.
Quem se mexe para um mínimo socorro aos desvalidos que chegam às pencas aos hospitais do descaso?
Além de alguns mais sensíveis dos diretamente envolvidos – médicos, enfermeiros, servidores -, a tal da sociedade civil que, neste Natal, propõe ligas do bem para trocar festas por campanhas - pequenas e grandes - de doações do básico: fraldas, roupas, leite, algodão...
Em tempos tão bicudos, a solidariedade humana – P, M ou G, aqui ou lá fora – é reforço na esperança. Nem tudo está assim tão perdido.
Em favor de Mariana ou dos hospitais do DF, como dá e dentro até do impossível, vamos tapando crateras de irresponsabilidades e descasos.
Lá em Minas Gerais ou aqui na capital federal, os mal feitos têm dono, RG e CNPJ. Mas esses, mesmo na cabeceira, não pagam a conta. Também não são presos. Nem pelo IBAMA. Pagamos nós. Os de sempre. Sempre.
Uma família empresarial
Agamenon Magalhães, governador, ministro, patriarca de Pernambuco, era um político sábio: – “O homem público no poder não compra, não vende, não troca”. Outro sábio, Ortega y Gasset, filósofo espanhol, em 1921, perplexo diante do desfibramento da política e da sociedade espanhola, escreveu “Espanha Invertebrada”, sobre os rumos e o futuro da Nação: – “Uma sociedade míope agrava a enfermidade pública, prestigiando políticos sem virtudes que impõem as suas vontades e interesses em detrimento dos verdadeiros valores nacionais”.
Roberto D’Ávila com seu talento e competência profissional, entrevistando Lula na Globo News, tentou tirar leite das pedras, extrair alguma luz de uma cabeça de bagre. A entrevista com Lula foi um descalabro. Uma aula torta de como mentir, mentir sempre. Roberto podia ter encerrado a conversa relendo a página 4 da “Folha de S. Paulo” de 27 de outubro último onde está a lista das 15 empresas da família Lula.
O Brasil teve durante 300 anos uma família imperial. Agora sabe-se que tem uma “família empresarial”, que fez o milagre de chegar a São Paulo carregando uma trouxa e meio século depois ser proprietária destas 15 empresas:
“1 – BR4 Participações Ltda /Capital R$4milhões. 2 – FFK Participações Ltda / Capital R$ 150.000,00. 3 – G4 Entretenimento e Tecnologia Digital / Capital R$ 150.000,00. 4 – LFT Marketing Esp. Ltda / Capital R$ 100.000,00. 5 – LKT Marketing Eireli / Capital R$ 100.000,00. 6 – Flex BRT Tecnologia S.A. / Capital R$ 20.000,00. 7 – Flex BRT Ltda / Capital R$ 20.000,00. 8 – LLCS Participações Ltda / Capital R$ 1.000,00. 9 – LLF Participação Eireli / Capital R$ 80.000,00. 10 – Gamecop S.A. / Capital R$ 10.000,00. 11 – LLCS Participações Eireli / Capital R$ 1.000,00. 12 – Touchdowm Prom. de Eventos Esportivos Ltda / Capital R$ 1.000,00. 13 – Gasbom Cursino Ltda / Capital R$ 2.000,00. 14 – Gisam Comércio de Roupas Ltda / Capital R$ 5.000,00. 15 – L.I.L.S. Palestras Eventos e Publicidade / Capital R$ 100.000,00”.
É com essa L.I.L.S. que Lula assina os recibos das fajutas conferências.
O saudoso mestre Florestan Fernandes ensinou que o problema do Brasil é que somos um povo atrasado. E continuamos assim:
É com essa L.I.L.S. que Lula assina os recibos das fajutas conferências.
O saudoso mestre Florestan Fernandes ensinou que o problema do Brasil é que somos um povo atrasado. E continuamos assim:
“A democracia ameaça a República se for dominada pela demagogia, por eleitores mal informados. Não há república sem homens virtuosos: honestos defensores do interesse público e corajosos. A República pode se tornar tirania. República e democracia procuram um equilíbrio delicado. A República vai mal. Falta virtude. Como tornar os homens públicos virtuosos? Deveriam ler os clássicos – Cícero, Catão, Platão, Aristóteles. Só assim homens virtuosos poderiam se candidatar sem ter que jantar escondido com financiadores de currículo duvidosos”. (ex-ministro e professor João Sayad da USP, Valor Econômico 15/09/15)
“A política ficou submetida ao mercado e a representação perdeu substância. A fragmentação e a falta de operacionalidade do sistema político fazem com que a democracia, em alguns países, fique bloqueada e, em outros, passe a ser alimentada por doses expressivas de corrupção e ilicitude. Neste ambiente, os governos e a classe política pioram dramaticamente seu desempenho e deixam suas comunidades sem muitas saídas.” (Professor e diretor do Instituto de Políticas Públicas da UNESP, Marco Aurélio Nogueira, O Estado de São Paulo 26/09/15)
“O sistema partidário brasileiro tem algo de paradoxal: além de sua perturbadora fragmentação e da constante troca de legendas por parlamentares, os partidos são chamados a garantir a governabilidade do País no Congresso, mas dão pouca ou nenhuma importância à sua conexão com os eleitores, que desconfiam deles, não têm preferência e não querem filiar-se. O que conta não é o que os partidos significam para a sociedade, mas como seus arranjos facilitam que os dirigentes – que em muitos casos se perpetuam na direção das legendas – conquistem ou mantenham posições de poder.” (Professor José Álvaro Moisés, diretor do núcleo de pesquisas de políticas públicas da USP, O Estado de São Paulo, 24/08/15)
O PT nasceu para ajudar a iluminar a vida política da Nação. Só fez apagar a luz. O Brasil jamais havia descido a um nível político tão invertebrado. Ortega y Gasset não viu nada.
A aula do professor Lula
No 3º Congresso Nacional da Juventude do PT, o ex-presidente Lula revelou qual é seu sonho: “O ideal de um partido é que ele pudesse ganhar a Presidência da República, 27 governadores, 81 senadores e 513 deputados sem se aliar a ninguém”.
Eis aí, sem meias-palavras, aquele que diz ter sido o “mais republicano” de todos os presidentes e que reiteradas vezes declara que “ninguém fez mais pela democracia do que nós (os petistas) na história deste país”. Não se tratou de um ato falho. A esta altura, já está claro para todos, a começar pelos próprios aliados do PT no governo, que o desejo de Lula foi, é e sempre será governar sozinho, sem ter de dar satisfação a quem quer que seja, numa negação do próprio espírito da democracia.
Foi essa a aula de autoritarismo que o professor Lula ministrou para a turma jovem do PT. Mestre em descaramento, o ex-presidente admitiu que, como existem outros partidos políticos que também ganham votos, então é o caso de “aceitar o resultado e construir a governabilidade”. Assim, Lula tentou justificar a aliança com o PMDB, repudiada pelos militantes petistas no encontro.
Por “construir a governabilidade”, como comprovam os escândalos envolvendo o PT e seus aliados, entenda-se dividir o butim estatal para financiar a perpetuação no poder e, de quebra, enriquecer a tigrada. “Entre a política e o sonho, entre o meu desejo ideológico partidário e o mundo real da política, tem uma distancia enorme. Precisamos aceitar e fazer alianças, em nome da governabilidade”, pontificou Lula, sugerindo que o PT não teve alternativa senão juntar-se à escumalha do Congresso para governar, já que não ganhou a eleição sozinho.
O Lula que articulou esse presidencialismo de cooptação, corrupto por definição, é o mesmo Lula que exortou os jovens militantes petistas a acreditarem na política. Ele se disse preocupado com a “tentativa de setores dos meios de comunicação e da sociedade de induzir a sociedade brasileira a não gostar de política”. Para o chefão petista, a imprensa “trabalha para mostrar que a política está apodrecida”.
Mais uma vez, Lula atribui a terceiros – os tais “setores dos meios de comunicação e da sociedade” – a responsabilidade pelo colapso moral que se abateu sobre a política nacional, para a qual o mensalão, o petrolão e outros tantos escândalos contribuíram de forma decisiva. Lula quer fazer o País acreditar que a corrupção que carcome a política – resultado direto do jogo sujo lulopetista – só existe porque a imprensa a noticia e porque parte da sociedade contra ela se revolta.
Além disso, Lula também quer fazer acreditar que a desastrosa situação política e econômica do País é resultado não da incompetência da presidente Dilma Rousseff, mas de sabotagem de oposicionistas, que “perderam e não souberam perder”. Sem corar, ele exortou os correligionários a “ajudar a Dilma a sair da encalacrada em que a oposição nos colocou”.
É com lições desse tipo que Lula pretende formar uma nova geração de petistas, à sua imagem e semelhança – isto é, gente que aceita a ruína da política como um fato da vida, que se aproveita disso da melhor maneira possível para conquistar e preservar o poder e que, se flagrada dilapidando o erário por corrupção ou inépcia, culpa a imprensa que, ora vejam, insiste em investigar os malfeitos e torná-los públicos.
Os ensinamentos do mestre Lula já começam a dar frutos. No tal congresso da juventude petista, havia um cartaz em que José Dirceu, José Genoino, João Vaccari Neto, Delúbio Soares e João Paulo Cunha, todos condenados por corrupção, foram retratados como “guerreiros do povo brasileiro”, injustamente condenados graças à pressão da mídia.
“São presos políticos”, disse Maria Beatriz da Silva Sato Rosa, de 20 anos, neta de Lula, mostrando que quem sai aos seus não degenera e que os novos petistas aprenderam direitinho a principal lição do líder: fingir-se de vítima de um sistema feito para criminalizar o PT. E tudo porque, segundo a jovem herdeira de Lula, “eles têm medo de que ele volte”.
Foi essa a aula de autoritarismo que o professor Lula ministrou para a turma jovem do PT. Mestre em descaramento, o ex-presidente admitiu que, como existem outros partidos políticos que também ganham votos, então é o caso de “aceitar o resultado e construir a governabilidade”. Assim, Lula tentou justificar a aliança com o PMDB, repudiada pelos militantes petistas no encontro.
Por “construir a governabilidade”, como comprovam os escândalos envolvendo o PT e seus aliados, entenda-se dividir o butim estatal para financiar a perpetuação no poder e, de quebra, enriquecer a tigrada. “Entre a política e o sonho, entre o meu desejo ideológico partidário e o mundo real da política, tem uma distancia enorme. Precisamos aceitar e fazer alianças, em nome da governabilidade”, pontificou Lula, sugerindo que o PT não teve alternativa senão juntar-se à escumalha do Congresso para governar, já que não ganhou a eleição sozinho.
Mais uma vez, Lula atribui a terceiros – os tais “setores dos meios de comunicação e da sociedade” – a responsabilidade pelo colapso moral que se abateu sobre a política nacional, para a qual o mensalão, o petrolão e outros tantos escândalos contribuíram de forma decisiva. Lula quer fazer o País acreditar que a corrupção que carcome a política – resultado direto do jogo sujo lulopetista – só existe porque a imprensa a noticia e porque parte da sociedade contra ela se revolta.
Além disso, Lula também quer fazer acreditar que a desastrosa situação política e econômica do País é resultado não da incompetência da presidente Dilma Rousseff, mas de sabotagem de oposicionistas, que “perderam e não souberam perder”. Sem corar, ele exortou os correligionários a “ajudar a Dilma a sair da encalacrada em que a oposição nos colocou”.
Os ensinamentos do mestre Lula já começam a dar frutos. No tal congresso da juventude petista, havia um cartaz em que José Dirceu, José Genoino, João Vaccari Neto, Delúbio Soares e João Paulo Cunha, todos condenados por corrupção, foram retratados como “guerreiros do povo brasileiro”, injustamente condenados graças à pressão da mídia.
“São presos políticos”, disse Maria Beatriz da Silva Sato Rosa, de 20 anos, neta de Lula, mostrando que quem sai aos seus não degenera e que os novos petistas aprenderam direitinho a principal lição do líder: fingir-se de vítima de um sistema feito para criminalizar o PT. E tudo porque, segundo a jovem herdeira de Lula, “eles têm medo de que ele volte”.
Argentina 7: Brasil zero
Muita gente também tenta entender o Brasil de agora com a velha teoria do bruxo da abertura, Golbery do Couto e Silva, com o seu “paper” intitulado “Sístoles e Diástoles da Política Brasileira”. Pelo modelo, entende-se agora também a Argentina…
Para Golbery, o Brasil tem um condão único: quando o poder fica mais conservador que o povo, este opta por aberturas. Quando o poder abre demais à esquerda, é fechado por golpes patrocinados pela sociedade civil mas não tão civilizada: o tenentismo de Vargas era uma abertura face à política conservadora do café com leite, retirada a fórceps; Getúlio, por sua vez, encastelou demais e teve de meter um balaço; Jango abriu demais, foi fechado pelo Movimento de 1964; e este, por sua vez, fechou demais e teve de instalar a abertura lenta e gradual.
Uma penca de intelectuais tentou dar respostas ao que era o Brasil, nos últimos 80 anos. A turma do Instituto Superior de Estudos Brasileiros, o ISEB, como Hélio Jaguaribe, Roland Corbisier e Cândido Mendes de Almeida, nos anos 50, criticava a eternal vocação agrária do Brasil. Diziam que nosso mundo agrário-mercantil se aliava aos gringos para que o Brasil não desenvolvesse seu parque industrial e fosse um eterno exportador de grãos.
Foi no Movimento de 1964 que os “intelectuais” da Escola Superior de Guerra derrotaram o vies levemente marxista do ISEB e acentuadamente comuna, de gente como Fernando Henrique Cardoso e Serra de então, com um planejamento tocado por tecnocratas cegamente aliados aos EUA.
A escola posterior a isso teve ícones como Paul Singer ( “A crise do Milagre, de 1976)”, Carlos Lessa (1979), Guido Mantega e Marisa Moraes (1980). Procuravam um pacto nacionalista.
É esse modelo (Mantega sob Dilma) basicamente o que incomodou os gringos hoje: esse arranjo nacionalista, com alianças de classe bem claras para o proletariado ( os 40 milhões de recebem o bolsa-família deveriam ser proibidos de votar…), com uma armagedônica falta de clareza com a nova classe média, hoje instável ao osso, – e com o investimento externo estagnado, porque sem noção das regras do jogo sob Dilma…
Bem: Roberto Mangabeira Unger, ministro-chefe de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, disse à Folha em setembro passado que o modelo Lula estava falido: porque, referiu fundado em “ampliação de consumo, renda popular e exportação de commodities”.
Não quero cair a esparrela do Eterno Retorno, de Nietzsche, nem naquela teoria do napolitano Giambattista Vico, pai da ideia de que ciclos históricos se repetem.
Quando o dólar explodiu, em julho de 2002, falava-se que era culpa do Lula por conta do efeito eleição. Naquela época se tinha medo de investor aqui porque ninguém sabia quem Lula era: hoje se tem medo de investor aqui porque todos sabem quem Lula e Dilma são.
Quero lembrar de uma passagem daquela metade de 2002, quando o dólar bombava mais que hoje: o economista Rudiger Dornbusch, professor do MIT (Massachusetts Institute of Technology), morto em junho daquele ano, aos 60 anos, em sua casa, em Washington.
Destacou-se por ter previsto a crise mexicana, em novembro de 1994, quando da desvalorização do peso mexicano.
Em seu obituário, três grandes jornais brasileiros destacaram uma frase sua, de 1998, um ano antes da desvalorização cambial brasileira. Dornbusch referiu que o FMI (Fundo Monetário Internacional) não deveria colocar dinheiro no Brasil para evitar uma crise. “Quando o Brasil ligar, apenas deixe o telefone tocar. Diga que nossos operadores estão ocupados”.
A Argentina disse não a esse estado de coisas.
Bem: a Argentina fez um Papa, tem cinco Prêmios Nobel, criou Jorge Luis Borges e soube dizer não ao populismo.
Seguindo o modelo Golbery das sístoles e diástoles, puderam “fechar” o poder porque ali os votos não foram comprados pelo bolsa-família…
Para Golbery, o Brasil tem um condão único: quando o poder fica mais conservador que o povo, este opta por aberturas. Quando o poder abre demais à esquerda, é fechado por golpes patrocinados pela sociedade civil mas não tão civilizada: o tenentismo de Vargas era uma abertura face à política conservadora do café com leite, retirada a fórceps; Getúlio, por sua vez, encastelou demais e teve de meter um balaço; Jango abriu demais, foi fechado pelo Movimento de 1964; e este, por sua vez, fechou demais e teve de instalar a abertura lenta e gradual.
Foi no Movimento de 1964 que os “intelectuais” da Escola Superior de Guerra derrotaram o vies levemente marxista do ISEB e acentuadamente comuna, de gente como Fernando Henrique Cardoso e Serra de então, com um planejamento tocado por tecnocratas cegamente aliados aos EUA.
A escola posterior a isso teve ícones como Paul Singer ( “A crise do Milagre, de 1976)”, Carlos Lessa (1979), Guido Mantega e Marisa Moraes (1980). Procuravam um pacto nacionalista.
É esse modelo (Mantega sob Dilma) basicamente o que incomodou os gringos hoje: esse arranjo nacionalista, com alianças de classe bem claras para o proletariado ( os 40 milhões de recebem o bolsa-família deveriam ser proibidos de votar…), com uma armagedônica falta de clareza com a nova classe média, hoje instável ao osso, – e com o investimento externo estagnado, porque sem noção das regras do jogo sob Dilma…
Bem: Roberto Mangabeira Unger, ministro-chefe de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, disse à Folha em setembro passado que o modelo Lula estava falido: porque, referiu fundado em “ampliação de consumo, renda popular e exportação de commodities”.
Não quero cair a esparrela do Eterno Retorno, de Nietzsche, nem naquela teoria do napolitano Giambattista Vico, pai da ideia de que ciclos históricos se repetem.
Quando o dólar explodiu, em julho de 2002, falava-se que era culpa do Lula por conta do efeito eleição. Naquela época se tinha medo de investor aqui porque ninguém sabia quem Lula era: hoje se tem medo de investor aqui porque todos sabem quem Lula e Dilma são.
Quero lembrar de uma passagem daquela metade de 2002, quando o dólar bombava mais que hoje: o economista Rudiger Dornbusch, professor do MIT (Massachusetts Institute of Technology), morto em junho daquele ano, aos 60 anos, em sua casa, em Washington.
Destacou-se por ter previsto a crise mexicana, em novembro de 1994, quando da desvalorização do peso mexicano.
Em seu obituário, três grandes jornais brasileiros destacaram uma frase sua, de 1998, um ano antes da desvalorização cambial brasileira. Dornbusch referiu que o FMI (Fundo Monetário Internacional) não deveria colocar dinheiro no Brasil para evitar uma crise. “Quando o Brasil ligar, apenas deixe o telefone tocar. Diga que nossos operadores estão ocupados”.
A Argentina disse não a esse estado de coisas.
Bem: a Argentina fez um Papa, tem cinco Prêmios Nobel, criou Jorge Luis Borges e soube dizer não ao populismo.
Seguindo o modelo Golbery das sístoles e diástoles, puderam “fechar” o poder porque ali os votos não foram comprados pelo bolsa-família…
A crença nos carimbos, decretos e diplomas excede o bom senso
A capacidade do ser humano para complicar as coisas, que parece faltar à maioria dos outros primatas, sempre me impressiona.
As ideias que mais rapidamente nos atrai, e que são defendidas com o maior número de perdigotos, são justamente aquelas que servem apenas para complicar o que vinha funcionando bem. Nosso instinto nunca se dirige para o prático e simples; macacos sem rabo que somos, preferimos tudo o que é complicado e burocrático.
Se acontece uma catástrofe no país e são apresentadas duas soluções - uma delas rápida e eficiente, a outra disparando carimbos e emissões de cópias autenticadas -, nós, invariavelmente, escolhemos a última.
Mostre a invenção de um aparelho que tire sozinho o pó dos móveis para uma multidão, que não dará nem 15 minutos para surgir uma voz fanha e acanalhada dizendo que é preciso regular o projeto ou que o aparelho vai tirar o serviço de milhares de pessoas.
Perceba como todas as novas formas de ganhar a vida que surgiram nos últimos anos são mais combatidas do que o mosquito da dengue, e todo indivíduo que as inventou foi, sem exceção, punido pelos chamados órgãos competentes.
Se por um lado a novidade é sempre mal vista, encontrar uma maneira de complicar as coisas é sempre recebida de pé e aos aplausos. É certo que o sujeito que invente uma nova imbecilidade burocrática para atrasar a vida alheia receberá loas e sairá por aí dando entrevistas e conferências.
Dê uma olhada nos projetos de lei dos parlamentares, por exemplo, e você descobrirá que 90% não passam de propostas para complicar aquilo que vinha funcionando muito bem. São projetos para regulamentar profissões (de designer de interiores à prostituição); é um novo decreto para controlar a internet; é uma nova lei para impedir o uso disto e mais daquilo; são proibições contra aplicativos de celular, serviços de vídeo por demanda e por aí vai. É assim que funciona a política - e, pior, com a aprovação de boa parte da população.
Nossa crença em decretos, em carimbos e diplomas excede os limites do bom senso - a pessoa que acredita no poder do carimbo já perdeu a capacidade de ter um pensamento inteligível. O que dizemos quando pedimos mais regulamentação é, basicamente: “Opa, vamos lá delegar mais poder àqueles que sempre nos enganaram. Acho que dessa vez funciona.”
Estamos sempre em busca de algo mais burocrático. Se podemos complicar, para que facilitar? Vivemos pensando em coisas como novas leis, carteirinhas profissionais e papéis autenticados. Somos uns tapados; uns caipiras que ficam olhando admirados para o crachá no pescoço do burocrata bigodudo do outro lado do balcão. Temos esse talento, que falta aos outros animais, para adotar as soluções mais estúpidas.
O verdadeiro objetivo do burocrata não é buscar uma melhor qualidade do serviço; é o de se proteger, de se salvar da sua própria incompetência.
O que o faz acordar de manhã não é a ideia de viver em um mundo menos complicado, mas o de criar uma nova imbecilidade que dificultará a vida de todos. Durante o processo, ele coça a cabeça, tira sujeira das unhas, enfia o dedo no nariz e, finalmente, a ideia que ele buscava surge em sua cabecinha oca.
As ideias que mais rapidamente nos atrai, e que são defendidas com o maior número de perdigotos, são justamente aquelas que servem apenas para complicar o que vinha funcionando bem. Nosso instinto nunca se dirige para o prático e simples; macacos sem rabo que somos, preferimos tudo o que é complicado e burocrático.
Se acontece uma catástrofe no país e são apresentadas duas soluções - uma delas rápida e eficiente, a outra disparando carimbos e emissões de cópias autenticadas -, nós, invariavelmente, escolhemos a última.
Mostre a invenção de um aparelho que tire sozinho o pó dos móveis para uma multidão, que não dará nem 15 minutos para surgir uma voz fanha e acanalhada dizendo que é preciso regular o projeto ou que o aparelho vai tirar o serviço de milhares de pessoas.
Perceba como todas as novas formas de ganhar a vida que surgiram nos últimos anos são mais combatidas do que o mosquito da dengue, e todo indivíduo que as inventou foi, sem exceção, punido pelos chamados órgãos competentes.
Se por um lado a novidade é sempre mal vista, encontrar uma maneira de complicar as coisas é sempre recebida de pé e aos aplausos. É certo que o sujeito que invente uma nova imbecilidade burocrática para atrasar a vida alheia receberá loas e sairá por aí dando entrevistas e conferências.
Dê uma olhada nos projetos de lei dos parlamentares, por exemplo, e você descobrirá que 90% não passam de propostas para complicar aquilo que vinha funcionando muito bem. São projetos para regulamentar profissões (de designer de interiores à prostituição); é um novo decreto para controlar a internet; é uma nova lei para impedir o uso disto e mais daquilo; são proibições contra aplicativos de celular, serviços de vídeo por demanda e por aí vai. É assim que funciona a política - e, pior, com a aprovação de boa parte da população.
Nossa crença em decretos, em carimbos e diplomas excede os limites do bom senso - a pessoa que acredita no poder do carimbo já perdeu a capacidade de ter um pensamento inteligível. O que dizemos quando pedimos mais regulamentação é, basicamente: “Opa, vamos lá delegar mais poder àqueles que sempre nos enganaram. Acho que dessa vez funciona.”
Estamos sempre em busca de algo mais burocrático. Se podemos complicar, para que facilitar? Vivemos pensando em coisas como novas leis, carteirinhas profissionais e papéis autenticados. Somos uns tapados; uns caipiras que ficam olhando admirados para o crachá no pescoço do burocrata bigodudo do outro lado do balcão. Temos esse talento, que falta aos outros animais, para adotar as soluções mais estúpidas.
O verdadeiro objetivo do burocrata não é buscar uma melhor qualidade do serviço; é o de se proteger, de se salvar da sua própria incompetência.
O que o faz acordar de manhã não é a ideia de viver em um mundo menos complicado, mas o de criar uma nova imbecilidade que dificultará a vida de todos. Durante o processo, ele coça a cabeça, tira sujeira das unhas, enfia o dedo no nariz e, finalmente, a ideia que ele buscava surge em sua cabecinha oca.
Os meandros da corrupção
Se é difícil encontrar um exemplo de ações do Estado bem-sucedidas, executadas com primor e baixo custo, em compensação os exemplos de desserviços, de custos elevados e de muita corrupção entopem a lembrança de qualquer um. O desfrute do poder se sofisticou, levando o Brasil ao vértice do ranking mundial da corrupção, que tem o cidadão como vítima direta.
Nesses dias, um episódio que não alcançou o destaque merecido reafirma o que ficou trivial. Corre, em segredo de Justiça, uma investigação. E uma CPI, com oito membros, de um total de 11, escalados para enterrá-la rapidamente. Rejeitam-se requerimentos e esclarecimentos. As convocações, mesmo aprovadas, não têm data marcada para se realizarem. Quer dizer, uma encenação que humilha os próprios senadores.
A documentação do caso é blindada na CPI para que seja rifada da melhor forma. O STF, guardião último da República, garantiu aos principais acusados o direito de permanecerem em silêncio quando questionados. As pessoas que embolsaram mais de R$ 550 milhões se beneficiam de segredo de Justiça mais rigoroso. A mídia está, assim, amordaçada. A relatora da CPI, senadora Vanessa Grazziotin, indicada por Renan Calheiros, antecipou que encerrará o relatório nos próximos dias, apresentando a tradicional pizza brasiliense. Repete-se o vexame da CPI do petrolão, anteriormente do mensalão e de todas as que ocorreram nos últimos 15 anos.
O dever de apurar e propor medidas saneadoras, para que as práticas não se repitam, é levado na contramão da seriedade. Os parlamentares escalados aproveitam para retribuir aos investigados o financiamento da última campanha e garantir o próximo.
A CPI do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) envolve uma traficância de R$ 19 bilhões e propinas apuradas de R$ 578 milhões. O chefe da quadrilha, segundo a Polícia Federal, é um tal de José Ricardo da Silva, de Belo Horizonte, que se mudou para Brasília e ficou milionário no cargo de conselheiro do Carf, exercido vendendo consultorias paralelamente. A indicação dele seria do presidente da Fecomércio de Minas.
Ele tem pouco mais de 40 anos. Da condição de desempregado, passou a raposa em farto galinheiro e conseguiu, em curto prazo, a nomeação de mais quatro conselheiros do Carf, pescados entre irmãos e parentes. A família passou a dominar o ente às claras do dia, com pleno conhecimento do Ministério da Fazenda. O tal José Ricardo, segundo a PF, ganhou status de pessoa entre as mais importantes da República, extorquindo grandes grupos econômicos na emissão de pareceres complacentes que enxugavam multas, por vez descabidas, mas embaraçosas.
Adquiriu, em quatro anos, uma penca entre as mais valiosas mansões do Lago Sul de Brasília e nelas registrou uma rede oficial de empresas de consultoria tributária, que deram recibo pelas facilidades vendidas nos julgamentos de recursos bilionários em que atuava como julgador. Colocou de sócios os irmãos e parentes, depois nomeados conselheiros no Carf, dividindo o butim e destinando-o à compra de títulos, carros, imóveis e bens de luxo ostensivo.
A PF levantou, com ajuda do Coaf, que tem a obrigatoriedade de sinalizar operações atípicas, que mais de R$ 578 milhões já tinham entrado e saído das contas bancárias dos conselheiros do Carf ligados a José Ricardo da Silva. Os compradores das facilidades são grandes e sólidos grupos econômicos, como Gerdau, JBS, Bradesco, HSBC, Safra, Light, Cemig, várias montadoras de veículos, todos acossados por autuações bilionárias da Receita Federal em decorrência de aproveitamento de ágios permitidos pela Lei 10.637/2002.
Resta entender como grupos dessa importância, alguns até com participação pública, auditados e fiscalizados pelas melhores empresas de consultoria, teriam entrado em barco tão furado, arriscando multas de bilhões num planejamento tributário. Na realidade, as operações eram autorizadas pela Lei 10.637/2002 (assinada por FHC), possibilitando lançar provisões como despesas, quer dizer, diminuir o Imposto de Renda a pagar.
Criticável ou não, a lei ficou em vigor e se consagrou, entre 2003 e 2006, e consolidou-se como boa prática. Quase irrenunciável quando concorrentes, em solo brasileiro, a utilizavam, capitalizando-se e reinvestindo em expansão. Desencadeou-se uma corrente de adesões ao previsto na Lei 10.637.
Interessante seria a CPI mostrar como essa corrente de operações, em seguida autuada como “sonegação” tributária, fez a riqueza de empresas de consultoria controladas por parentes de ocupantes de cargos públicos que, com um pé dentro do Estado e outro fora, operaram o planejamento (redução de impostos) tributário, cobrando valores de cerca de 10% sobre as vantagens tributárias auferidas pelos contribuintes. Mas, quando o filão de lançamentos se esgotou, sem mais interessados à vista, a Receita Federal, usando-se de uma interpretação interna, passou a considerar ilegais as operações previstas na Lei 10.637. Abriu uma delegacia especializada em fiscalização e autuou quem adotou o ágio, outrora legal. Iniciava-se aí uma ação reversa.
O Carf, que antecipa os recursos às instâncias do Judiciário, passou, assim, a “julgar” o que era justo ou injusto à luz da confusão criada ad hoc no meio das reviravoltas interpretativas que fizeram a fortuna de figuras obscuras.
Parte dos membros do Carf é nomeada pelo Ministério da Fazenda, e outra, por entidades privadas. Daí José Ricardo da Silva passou a ser quem dava as cartas e vereditos, exatamente a quem lhe pagava “honorários”.
Justa ou injusta, a Lei 10.637 existiu, e sua dubiedade permitiu a festa de figuras como José Ricardo, arrombando o erário e gerando o caos no sistema.
A CPI, que deveria revelar o caso, se silenciará sobre, e o que apodrece o Estado brasileiro continuará sem emendas.
Nesses dias, um episódio que não alcançou o destaque merecido reafirma o que ficou trivial. Corre, em segredo de Justiça, uma investigação. E uma CPI, com oito membros, de um total de 11, escalados para enterrá-la rapidamente. Rejeitam-se requerimentos e esclarecimentos. As convocações, mesmo aprovadas, não têm data marcada para se realizarem. Quer dizer, uma encenação que humilha os próprios senadores.
A documentação do caso é blindada na CPI para que seja rifada da melhor forma. O STF, guardião último da República, garantiu aos principais acusados o direito de permanecerem em silêncio quando questionados. As pessoas que embolsaram mais de R$ 550 milhões se beneficiam de segredo de Justiça mais rigoroso. A mídia está, assim, amordaçada. A relatora da CPI, senadora Vanessa Grazziotin, indicada por Renan Calheiros, antecipou que encerrará o relatório nos próximos dias, apresentando a tradicional pizza brasiliense. Repete-se o vexame da CPI do petrolão, anteriormente do mensalão e de todas as que ocorreram nos últimos 15 anos.
O dever de apurar e propor medidas saneadoras, para que as práticas não se repitam, é levado na contramão da seriedade. Os parlamentares escalados aproveitam para retribuir aos investigados o financiamento da última campanha e garantir o próximo.
A CPI do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) envolve uma traficância de R$ 19 bilhões e propinas apuradas de R$ 578 milhões. O chefe da quadrilha, segundo a Polícia Federal, é um tal de José Ricardo da Silva, de Belo Horizonte, que se mudou para Brasília e ficou milionário no cargo de conselheiro do Carf, exercido vendendo consultorias paralelamente. A indicação dele seria do presidente da Fecomércio de Minas.
Ele tem pouco mais de 40 anos. Da condição de desempregado, passou a raposa em farto galinheiro e conseguiu, em curto prazo, a nomeação de mais quatro conselheiros do Carf, pescados entre irmãos e parentes. A família passou a dominar o ente às claras do dia, com pleno conhecimento do Ministério da Fazenda. O tal José Ricardo, segundo a PF, ganhou status de pessoa entre as mais importantes da República, extorquindo grandes grupos econômicos na emissão de pareceres complacentes que enxugavam multas, por vez descabidas, mas embaraçosas.
Adquiriu, em quatro anos, uma penca entre as mais valiosas mansões do Lago Sul de Brasília e nelas registrou uma rede oficial de empresas de consultoria tributária, que deram recibo pelas facilidades vendidas nos julgamentos de recursos bilionários em que atuava como julgador. Colocou de sócios os irmãos e parentes, depois nomeados conselheiros no Carf, dividindo o butim e destinando-o à compra de títulos, carros, imóveis e bens de luxo ostensivo.
A PF levantou, com ajuda do Coaf, que tem a obrigatoriedade de sinalizar operações atípicas, que mais de R$ 578 milhões já tinham entrado e saído das contas bancárias dos conselheiros do Carf ligados a José Ricardo da Silva. Os compradores das facilidades são grandes e sólidos grupos econômicos, como Gerdau, JBS, Bradesco, HSBC, Safra, Light, Cemig, várias montadoras de veículos, todos acossados por autuações bilionárias da Receita Federal em decorrência de aproveitamento de ágios permitidos pela Lei 10.637/2002.
Resta entender como grupos dessa importância, alguns até com participação pública, auditados e fiscalizados pelas melhores empresas de consultoria, teriam entrado em barco tão furado, arriscando multas de bilhões num planejamento tributário. Na realidade, as operações eram autorizadas pela Lei 10.637/2002 (assinada por FHC), possibilitando lançar provisões como despesas, quer dizer, diminuir o Imposto de Renda a pagar.
Criticável ou não, a lei ficou em vigor e se consagrou, entre 2003 e 2006, e consolidou-se como boa prática. Quase irrenunciável quando concorrentes, em solo brasileiro, a utilizavam, capitalizando-se e reinvestindo em expansão. Desencadeou-se uma corrente de adesões ao previsto na Lei 10.637.
Interessante seria a CPI mostrar como essa corrente de operações, em seguida autuada como “sonegação” tributária, fez a riqueza de empresas de consultoria controladas por parentes de ocupantes de cargos públicos que, com um pé dentro do Estado e outro fora, operaram o planejamento (redução de impostos) tributário, cobrando valores de cerca de 10% sobre as vantagens tributárias auferidas pelos contribuintes. Mas, quando o filão de lançamentos se esgotou, sem mais interessados à vista, a Receita Federal, usando-se de uma interpretação interna, passou a considerar ilegais as operações previstas na Lei 10.637. Abriu uma delegacia especializada em fiscalização e autuou quem adotou o ágio, outrora legal. Iniciava-se aí uma ação reversa.
O Carf, que antecipa os recursos às instâncias do Judiciário, passou, assim, a “julgar” o que era justo ou injusto à luz da confusão criada ad hoc no meio das reviravoltas interpretativas que fizeram a fortuna de figuras obscuras.
Parte dos membros do Carf é nomeada pelo Ministério da Fazenda, e outra, por entidades privadas. Daí José Ricardo da Silva passou a ser quem dava as cartas e vereditos, exatamente a quem lhe pagava “honorários”.
Justa ou injusta, a Lei 10.637 existiu, e sua dubiedade permitiu a festa de figuras como José Ricardo, arrombando o erário e gerando o caos no sistema.
A CPI, que deveria revelar o caso, se silenciará sobre, e o que apodrece o Estado brasileiro continuará sem emendas.
Quem?
O enredo está cheio de vogais, de partícipes secundários, mas quem concebeu isso? Os senhores sabem que essa história precisa ser contada com o mínimo de estrutura. Quem mandou que se fizesse assim na Petrobras? Quem deu orientação nesse sentido?Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal
O intelectual e o iletrado
Dizem por aí que um tal de Lula autorizou seus lacaios a procurar Fernando Henrique Cardoso para uma conversa sobre o futuro do Brasil.
O primeiro enviado especial deve ter batido com a cara na porta. Os demais talvez não tenham passado da portaria do prédio, onde o porteiro, ao saber da intenção do tal de Lula, deve ter oferecido um exemplar do " Diários da Presidência - 1995-1996" e recomendado que o tal de Lula, se tivesse disposição, verificasse nas páginas do volumoso exemplar, o que FHC, naqueles tempos, gravava sobre o ex-político que participara de grandes momentos da redemocratização do país.
A primeira menção a Lula é de uma conversa de FHC com o Francisco Weffort à época da formação do ministério: Disse Fernando Henrique - "Olha, Weffort, acho que seria muito importante nós mantermos uma relação muito fluida com o PT porque há problemas nacionais que nós temos que levar em conjunto" Weffort, respondeu: - " Você sabe, eu estou muito distanciado das posições do PT, já disse isso ao próprio Lula".
Pela conversa, é fácil notar que FHC, desde sempre, queria manter relação política com o então líder do Partido dos Trabalhadores que, derrotado, mantinha, por parte do presidente, prestígio.
Em seu relato sobre uma manifestação da Central de Movimentos Populares, capitaneada pela CUT, FHC faz o comentário da hora: " O Lula posando outra vez de herói nacional e, no "Estado de São Paulo", a fotografia dele na coluna da Cristiana Lôbo com uma frasezinha: " Ser professor de ciência política não significa saber política. Enfim, essa coisa deprimente, essa mediocridade que faz com que gente que não tem proposta para o país encontre acolhida na mídia. Bobagens ditas com ar de grande sabedoria. Enfim, o que podemos fazer? Nascemos aqui, vamos enfrentar o Brasil tal como é. O mundo é assim."
Pois é, como já disse nosso poeta Drummond, "Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse raimundo seria uma rima, não seria uma solução". As falas de FHC sobre o Brasil de hoje talvez fiquem para a posteridade, pois o ex-presidente ainda tem muito a publicar sobre o seu período de governo, o que, com certeza, irá desmascarar o causador do maior desastre político em tempos democráticos do Brasil. Como Fernando Henrique poderá conversar com Lula sem deixá-lo ouvir as gravações que fez sobre o operário que ficou rico, fazendo palestras sem nunca ter se dedicado à leitura e à reflexão?
O mal que Lula causa e causou ao Brasil, não só no momento atual, mas, especialmente quando se travestiu de deus e achou que havia criado o céu e a terra, é o ponto complexo de uma impossível conversa republicana.
A corja que o acompanhava e que hoje vive sob custódia judicial recebem do líder as melhores referências e homenagens como se fossem revolucionários em busca de novos tempos para o povo; de fato, o que os governos do Partido dos Trabalhadores ofereceu foi uma festa em que os convidados se empanturraram de comida e bebida e, no final, tiveram desarranjo intestinal e acabaram em coma. É assim que os eleitores do grande programa social se sentem; e não só eles, também os demais brasileiros, mesmo sem participar do banquete, ficaram doentes só de olhar o desatino praticado por Lula e Dilma.
A presidente, que imaginávamos afastada da corrupção e da roubalheira, se tornou refém do tresloucado Lula, e, agora, não pode nem renunciar à presidência, pois, se o fizer, e Lula for preso , certamente o seu mentor, para reduzir a sua suposta pena, aceitará uma proposta de delação premiada e carregará até as profundezas do pré-sal os seus mais fiéis companheiros, inclusive ela. O foro privilegiado é uma excrescência, mas, nesta hora, serve para prolongar um pouco mais o poder.
Quem tem sabedoria é rei
Pego o ônibus, sábado de manhã. Todos sentados, pequeno milagre. Observo meus companheiros de viagem, vício de quem tem prazer de extrair conhecimento das situações mais banais e cotidianas. Na frente da roleta, bem vestidos e cuidadosos, silentes idosos desviam o olhar que lhes dirijo na esperança de trocar um respeitoso “bom dia”, talvez pela admiração que tenho por eles ou por me saber quase chegando lá.
Olhos se desviam para a janela, misto talvez do constrangimento de exercer o direito à passagem gratuita ou a falta de rapidez e agilidade na contramão de quem sobe. Mudos e silenciosos, absortos em pensamentos ou na paisagem urbana tão hostil. Passo a roleta e me deparo com uma fauna de seres de distintas tribos. Senhorinhas sensualmente vestidas, com caras de frequentadoras de shopping, repassam velozmente suas mensagens na tela do celular. Escapa de uma delas um sorriso matreiro, sedutor, e maliciosamente imagino o pior ou o melhor para quem capta sua mensagem.
Silêncio no ar. Mais ao fundo, um adolescente vestido de… adolescente, com retumbantes fones de ouvido, batuca na poltrona os graves que invadem espaço alheio. Ah, meu caro, não serei eu o “tiozão” chato a mostrar pesquisa que mostra que 71% dos adolescentes de 13 a 18 anos já estão com algum tipo de surdez irreversível, algumas graves. Papo ruim, né?!
Sentada num canto, uma bela jovem que nada vê, nada ouve, nada fala, absorta numa longa conversa sonora no WhatsApp, nervosa, roendo a unha. Estico meu ouvido e verifico ser algo ligado a Enem. Autista ficou, do início ao fim do meu trajeto. Dou uma repassada e veja uma senhora olhando a tela de seu smartphone, hipnotizada com as fofocas de um site de famosos.
Outros usam fones de ouvidos mais discretos. Faço um teste besta: tento estabelecer uma troca de olhares com meus companheiros de viagem. Não sou visto. Simulo um ataque de tosse. Continuo invisível. Pergunto ao trocador onde é a praça da Liberdade. É nesse momento que uma simpática idosa me diz que ela descerá lá e volta a olhar a janela.
Estou só. Se meu coração parasse sem dor e eu infartasse como se dormisse, só me notariam no ponto final, ou quando recolhessem o veículo na garagem. Mas valeu a experiência, pois senti saudade do meu avô Zé Cocão, que tirava o chapéu para todos na Afonso Pena, que conversava com a geral na esquina dos aposentados, que observava a natureza me ensinando coisas que escola e faculdade nunca me legaram.
A arte de observar, tempo para aprender, a curiosidade como matéria prima da sabedoria. Tudo passa: o fax, o telefone fixo, a máquina de escrever, o computador, mas conhecimento fruto da sabedoria é eterno! Daí esse prazer de ver, ouvir, cheirar, tocar, degustar esse mundão de Deus que me circunda. Tela um dia abraçará a gente? Seria um choque para mim! Mas como esse mundo anda carente de um cafuné…
Eduardo Aquino
Olhos se desviam para a janela, misto talvez do constrangimento de exercer o direito à passagem gratuita ou a falta de rapidez e agilidade na contramão de quem sobe. Mudos e silenciosos, absortos em pensamentos ou na paisagem urbana tão hostil. Passo a roleta e me deparo com uma fauna de seres de distintas tribos. Senhorinhas sensualmente vestidas, com caras de frequentadoras de shopping, repassam velozmente suas mensagens na tela do celular. Escapa de uma delas um sorriso matreiro, sedutor, e maliciosamente imagino o pior ou o melhor para quem capta sua mensagem.
Silêncio no ar. Mais ao fundo, um adolescente vestido de… adolescente, com retumbantes fones de ouvido, batuca na poltrona os graves que invadem espaço alheio. Ah, meu caro, não serei eu o “tiozão” chato a mostrar pesquisa que mostra que 71% dos adolescentes de 13 a 18 anos já estão com algum tipo de surdez irreversível, algumas graves. Papo ruim, né?!
Sentada num canto, uma bela jovem que nada vê, nada ouve, nada fala, absorta numa longa conversa sonora no WhatsApp, nervosa, roendo a unha. Estico meu ouvido e verifico ser algo ligado a Enem. Autista ficou, do início ao fim do meu trajeto. Dou uma repassada e veja uma senhora olhando a tela de seu smartphone, hipnotizada com as fofocas de um site de famosos.
Outros usam fones de ouvidos mais discretos. Faço um teste besta: tento estabelecer uma troca de olhares com meus companheiros de viagem. Não sou visto. Simulo um ataque de tosse. Continuo invisível. Pergunto ao trocador onde é a praça da Liberdade. É nesse momento que uma simpática idosa me diz que ela descerá lá e volta a olhar a janela.
Estou só. Se meu coração parasse sem dor e eu infartasse como se dormisse, só me notariam no ponto final, ou quando recolhessem o veículo na garagem. Mas valeu a experiência, pois senti saudade do meu avô Zé Cocão, que tirava o chapéu para todos na Afonso Pena, que conversava com a geral na esquina dos aposentados, que observava a natureza me ensinando coisas que escola e faculdade nunca me legaram.
A arte de observar, tempo para aprender, a curiosidade como matéria prima da sabedoria. Tudo passa: o fax, o telefone fixo, a máquina de escrever, o computador, mas conhecimento fruto da sabedoria é eterno! Daí esse prazer de ver, ouvir, cheirar, tocar, degustar esse mundão de Deus que me circunda. Tela um dia abraçará a gente? Seria um choque para mim! Mas como esse mundo anda carente de um cafuné…
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