terça-feira, 24 de novembro de 2015

A conta é nossa

Quando o IBAMA flagrava um pescador em atividade, no período do defeso, esse pescador ia preso, na hora; quando o IBAMA flagrava um ribeirinho com uma caça, que serviria de almoço para sua família, esse ribeirinho ia preso, na hora. Até agora, nenhum executivo, engenheiro ou sócio da Samarco, Vale, Bilinton foi preso pelo maior desastre ambiental do Brasil.

A cobrança – apropriada, avalio - apareceu nas redes sociais nos últimos dias. E pode puxar dezenas de outras sobre distintos tratamentos dados aos usuários de serviços e aos responsáveis por fornecê-los, os tais que cobram por eles, os donos, enfim – particulares ou governos.

Nos dois grupos estão cidadãos brasileiros. Mas uns são mais, em tudo, do que os outros. Kd o Estado no caso da lama de Mariana? Kd a empresa-dona?



Aos costumes, fingindo-se de mortos, passam a conta para os de sempre – os cidadãos sem poder de mando. Nós que, regularmente, nos apiedamos dos vitimados por tragédias – sejam as causadas pela natureza, sejam as promovidas por irresponsabilidades ou resultantes de descuidos.

Entre os que valem e podem mais estão os produtores da lama de Mariana – e também de outras que lotariam páginas e páginas. As lamas todas têm paternidade. O pai mor invariavelmente é nosso Estado paquidérmico e ineficiente. Ineficaz nas urgências quase sempre e eternamente.

O socorrista de prontidão – também invariavelmente – somos nós cidadãos consumidores de serviços, atendimentos, bens, coisas, normas. Somos nós, quando não vítimas, que rapidamente nos mobilizamos para recolher e distribuir doações – água, roupas, comida, remédios – para os outros de nós, em algum momento, vitimados de tragédias e desditas.

Quem tem sido o principal socorrista de Mariana? Bingo. A tal da sociedade civil. Porque 20 dias depois quase nada foi efetivamente feito pelos tais poderes constituídos com a urgência exigida. (Multas a pagar, resolvem aperturas?)

A presidenta, por exemplo, levou 10 dias para se coçar e, entre uma e outra inauguração, ao menos, ir ver de perto a tragédia. O de perto em questão não foi muito mais do que um sobrevoo. As empresas donas da meleca até água contaminada ousaram distribuir. Não fizeram muito mais do que isso.

No melhor modelão nacional, também cidadãos comerciantes locais tiram sua habitual casquinha: subiram o preço da fundamental água potável. De doer!

Mariana espelha descasos a que somos submetidos no cotidiano de cidadãos das muitas obrigações e dos direitos parcamente respeitados. Vale o lugar comum: a conta da ineficiência é sempre nossa – dia a dia, via impostos mal gastos ou, na aflição, via caridade de voluntário socorrista.

Cada um de nós tem quilos dessas histórias de descaso para contar – inclusive as pessoalmente vividas. Longe de Mariana, no DF, governos desastrosos conseguiram zerar até remédios nos hospitais – insulina, aspirina, algodão, fraldas infantis e geriátricas.

Quem se mexe para um mínimo socorro aos desvalidos que chegam às pencas aos hospitais do descaso?

Além de alguns mais sensíveis dos diretamente envolvidos – médicos, enfermeiros, servidores -, a tal da sociedade civil que, neste Natal, propõe ligas do bem para trocar festas por campanhas - pequenas e grandes - de doações do básico: fraldas, roupas, leite, algodão...

Em tempos tão bicudos, a solidariedade humana – P, M ou G, aqui ou lá fora – é reforço na esperança. Nem tudo está assim tão perdido.

Em favor de Mariana ou dos hospitais do DF, como dá e dentro até do impossível, vamos tapando crateras de irresponsabilidades e descasos.

Lá em Minas Gerais ou aqui na capital federal, os mal feitos têm dono, RG e CNPJ. Mas esses, mesmo na cabeceira, não pagam a conta. Também não são presos. Nem pelo IBAMA. Pagamos nós. Os de sempre. Sempre.

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