sábado, 28 de novembro de 2020

Uma sociedade à beira de alguma coisa

Não é só pelos fatos que, dia sim, outro também, causam asco e indignação, como o brutal assassinato do negro João Alberto em Porto Alegre, em 19/11. Há também as grosserias e asneiras dos principais mandatários do País, que insuflam o ódio, o racismo e a bestialidade entre os brasileiros. As mortes da pandemia doem, assustam e devoram parte das esperanças, que já não são muitas. Incluam-se, ainda, as polarizações artificiais, as ofensas e o clima inflamado das disputas eleitorais que se encerram amanhã.

Isso precisa ser conectado ao estado de desgoverno, que prolonga os estragos da pandemia e da crise econômica, misturando-os com apagões irresponsáveis, queimadas, isolamento internacional, declarações impatrióticas, alucinadas, do presidente da República, de seus filhos, ministros e assessores.

Tudo somado, o conjunto é deprimente.

Não se está conseguindo nem sequer assimilar o repúdio popular aos candidatos apoiados por Bolsonaro no primeiro turno. Assimilar, aqui, significa criar condições para que se avance um pouco mais. Porque houve só uma batalha, a guerra ainda será travada, as forças autoritárias estão vivas, não se saíram mal nas eleições. Os partidos do Centrão, por exemplo, mostraram capilaridade. Foram os que mais avançaram, entre tantos fracassos. Eles formam um compósito heterogêneo, sibilino, em que cabe muita coisa e que deveria ser tratado com cuidado, separado em partes, sob pena de não ser compreendido e terminar empurrado apressadamente para o outro lado.

As eleições municipais revelaram dinâmicas e rostos novos, forças com vontade de mudar ou de impedir que as coisas piorem. Isso precisa ser articulado, para que amanhã não se assista a formas renovadas de fragmentação, excitadas pela dualidade esquerda versus direita, pelo protagonismo, hostis ao centro-esquerda, ao centro-direita, à ideia de tornar viável uma composição que dê um “basta!” aos horrores que se reproduzem dia após dia. Se o campo democrático não se integrar e não melhorar seu desempenho, o autoritarismo continuará a nos infernizar. Porque o autoritarismo não é sinônimo de Bolsonaro, vai além dele, nasce das condições concretas em que vivemos.



Ainda não há no País maioria consistente para que avancem unilateralmente as correntes de esquerda, socialistas, social-desenvolvimentistas, o que seja. É ilusório achar que as lideranças desse universo (PT, PSB, PDT, Rede, PSOl, PCdoB) já tenham acumulado gordura suficiente para impor, no curto prazo (isto é, em 2022), um avanço eleitoral categórico. Precisam dos segmentos menos “progressistas”, mas que são democratas.

Muita água ainda correrá e fatos novos podem alterar o que se vê hoje. Justamente por isso não se deveria abrir mais feridas, estigmatizar adversários ou demarcar com fúria os territórios políticos.

A política não existe só para que se conquiste o poder. Seu sentido principal é criar vida comunitária – civitas –, corrigir injustiças, cuidar do que é público, pavimentar o futuro. Construir é sempre mais difícil que destruir. Brigar agora para saber quem foi mais responsável pela vitória de Bolsonaro em 2018, por exemplo, é uma falha de visão estratégica, é trocar a análise política pelo furor passional, o cérebro pelo coração. Sob o pretexto da legítima competição eleitoral, é insensato desgastar adversários que precisarão ser amigos amanhã, afastá-los, sangrá-los sem necessidade. Fazer isso significa transformar uma batalha em guerra final sem que os campos de forças estejam organizados.

A sociedade está sob pressão: da realidade social implacável, da vida dura, da violência, das discriminações, do racismo, da desigualdade, do desemprego, da pandemia, da corrupção. Está sem direção, correndo para todos os lados, armazenando raiva e frustração, pronta para dar um passo a mais.

Um passo a mais para onde?

Poderá despencar no abismo que aprofunda as desgraças acumuladas. No limite, uma “guerra civil” às cegas, menos silenciosa do que a que já temos instalada. Algo não desejável, mas nem por isso impossível.

Mas poderá também encontrar uma tradução política democrática, que aponte rumos, apazigue, solidarize, abra perspectivas coletivas ampliadas, generosas, que deem tempo ao tempo, mas façam o que precisa ser feito no curtíssimo prazo.

Ainda que os agentes políticos permaneçam paralisados e inoperantes, algo há de acontecer. Porque a vida é fluxo, avanços e retrocessos, ambiguidade e ambivalência, ordem e desordem, tensões e contradições. É ilusão achar que as coisas ficarão suspensas no ar, imóveis como um colibri, à espera do néctar que alguém fornecerá. É ilusão pensar que os cidadãos vão marchar, em ordem unida, para um destino estabelecido de antemão por algum chefe ou alguma doutrina.

Se há uma saída luminosa mais à frente, e quero crer que haja, ela precisa ser apontada com lucidez, empenho e equilíbrio, o que só os democratas sinceros poderão fazer. O momento é de diálogo e construção.

Está sendo criada uma frente ampla da sociedade contra os delírios kafkianos de Bolsonaro?

Os partidos políticos já falam abertamente em começar a criar uma frente ampla contra o bolsonarismo. Não será fácil porque cada partido irá querer seu candidato próprio em um baile de egos. Talvez o mais importante seja que está se organizando ao mesmo tempo essa frente plural por parte da sociedade que pede a saída de um presidente que a cada dia atenta contra as essências deste país. “Saia, já!”, é uma das frases mais escutadas sempre que Bolsonaro lança uma de suas barbaridades kafkianas, destrutivas e alimentadoras de ódio entre os brasileiros. A última foi a negação descarada de que no Brasil existe racismo. Como nos tempos da ditadura militar, Bolsonaro defende hoje que o racismo brasileiro é “importado” do exterior para prejudicar o país, algo típico de todos os ditadores de direita e esquerda.

Em um discurso na primeira viagem aos Estados Unidos, o recém-eleito Jair Bolsonaro, cercado de extremistas de direita, anunciou que havia chegado para “desconstruir” o Brasil. E está sendo fiel a sua promessa. Dia a dia, frase a frase, discurso a discurso, o novo presidente vai quebrando os vidros dos edifícios des

O último exemplo foi seu desastroso discurso ao G20, a reunião dos países mais importantes do mundo economicamente. Enquanto o país chorava pela brutal execução do negro João Alberto Silvério de Freitas, de 40 anos, pelos seguranças brancos de um Carrefour, Bolsonaro, sem uma palavra de repúdio ao crime cometido à luz do dia diante dos clientes atônitos, negou que exista racismo no Brasil e que o problema é que existem “brasileiros bons e brasileiros maus”. Uma afirmação de um simplismo que espanta.

Fernando Gabeira, que não é nenhum extremista, acaba de afirmar que tem a sensação de que “Bolsonaro está se dissipando no ar”. É possível, mas o problema é que deixará o ar infestado com o vírus de sua insensatez política. O Brasil, de fato, está lutando com duas epidemias ao mesmo tempo, a do coronavírus e a tóxica de uma política que desfigura cada dia mais o rosto deste país.

É que o Brasil imaginário que Bolsonaro desenha quando fala está deixando incrédulos os outros países que já tiveram uma imagem melhor do Brasil. Bolsonaro e suas hostes mais extremistas estão tentando criar uma mistura do realismo mágico de Gabriel García Márquez, do teatro do absurdo e do mundo kafkiano do grande poeta austro-húngaro.

O Brasil dos sonhos autoritários e negacionistas de Bolsonaro é capaz de negar que aqui existem o sol e as praias. Para ele não existe a pandemia apesar de que, com os Estados Unidos, o Brasil seja o país do mundo com mais números de mortos e infectados. Para ele não existe racismo, não existe fome, não existe destruição da Amazônia, não existe homofobia e o desprezo pela mulher, não houve ditadura militar. Seu negacionismo da realidade que está diante dos olhos de todos é patológico.

É notório que no Brasil sempre existiu o realismo mágico até em sua faceta de corrupção. Que melhor exemplo do que o ilustre senador com quem a polícia semanas atrás encontrou dinheiro escondido entre as nádegas? Na política brasileira sempre houve exemplos do teatro do absurdo, mas nunca houve um presidente com uma política tão kafkiana. É uma política, de fato, que se funda no negativo. O kafkiano, que abunda na política de Bolsonaro, como bem explicou em um ensaio o médico, psiquiatra e psicanalista argentino, radicado na Espanha, Eduardo Braier, está estreitamente ligado “ao funesto”, a “elementos persecutórios”, à “angustiosa negatividade”, ao “desassossego e ao desespero”.

Além de tudo isso é preciso acrescentar a idiossincrasia do capitão Bolsonaro, um certo sarcasmo como quando zomba do racismo que assola milhões de pessoas, e faz brincadeira como a de que é daltônico e só consegue ver as cores verde e amarela da bandeira brasileira. E quando afirma que os negros dos quilombos “não servem nem para procriar”. E que este é um país de maricas e de covardes cheios de ódio.

A sociedade brasileira começa a se cansar das loucuras calculadas e negativistas de Bolsonaro e se sente cada vez mais envergonhada de que a nação esteja nas mãos de um presidente que, apesar dos freios colocados pelos generais de seu Governo, é como um cavalo descontrolado cujas limitações, como ensina a psicologia, o levam a superar-se dia após dia em seus julgamentos arrogantes e negativos sobre este país que começa a perder a paciência e a se sentir humilhado dentro e fora do país. “Aqui quem manda sou eu”, repete como um mantra dos complexados.

O despertar do melhor e mais saudável da sociedade sem diferença de cores políticas e religiosas é como uma revolução silenciosa, mas real. A única que será capaz de fazer frente nas urnas ao pesadelo que o país está vivendo.

O Brasil voltará a ter a fé perdida nos que deveriam velar para engrandecê-lo em vez de humilhá-lo, enquanto a parte sã da sociedade não renuncia aos valores da democracia e quer paz, segurança uma economia que não negue o pão a ninguém e que seja respeitada e valorizada pelo peso real que tem no mundo.

Já há quem comece, cansado de uma política que está desconstruindo o país, a pensar se será possível aguentar mais dois anos de descalabro político e social ao que o bolsonarismo está submetendo o país enquanto a educação está sendo atacada e humilhada, a cultura envergonhada e as relações internacionais prostituídas.

A solução e a responsabilidade também são das instituições democráticas do Estado que, em vez de flertar com Bolsonaro em conciliábulos noturnos, deveriam usar o poder que lhes é concedido pela Constituição para colocar um ponto final, conectadas com o melhor da sociedade democrática, a um poder que pisoteou todas as promessas de esperança de um Brasil mais limpo politicamente, o que o presidente havia prometido e depois traiu, na sacralidade das urnas.

Brasil de mentirinhas

 


Desculpas pelo atraso

No dia seguinte ao pleito de 15 de novembro, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, pediu desculpas pelo atraso de algumas horas na divulgação dos resultados eleitorais. Surpreende que ninguém antes tenha pedido desculpas pelo atraso educacional de cem anos. Nem temos a quem responsabilizar: não há TSE da educação nacional.

Presidentes e ministros cuidam de universidades e escolas técnicas, enquanto a educação de base é responsabilidade de quase 6 mil prefeitos e alguns governadores. A população com renda não culpa o governo, porque utiliza escolas particulares; os pobres acostumaram-se a ver a escola como restaurante para os filhos receberem merenda. O eleitor não dá à educação a mesma atenção que ao resultado rápido da eleição.



Todos os presidentes e políticos, desde 1889, especialmente depois de 1985, devem pedir desculpas pelo atraso e pela desigualdade educacional no Brasil.

Fui ministro por 12 meses e devo pedir desculpas por não ter construído força política para me manter no cargo pelo tempo necessário para implementar as ferramentas que defendo, e iniciei, como a Escola Ideal, embrião de um sistema nacional de educação de base. Como governador, implantei a Bolsa Escola e diversos programas na educação de base no Distrito Federal. Como senador, criei duas dezenas de leis, como a do Piso Salarial Nacional dos Professores, a obrigatoriedade de vaga desde os 4 até os 17 anos de idade. Mas nada disso mudou a realidade. Como candidato a presidente só consegui 2,5% dos votos.

A competência à prova

Desde a criação do Dasp, em 1938, no Estado Novo, por Getúlio Vargas, no auge de seu período ditatorial, houve um grande esforço no Brasil para a criação e a manutenção de uma burocracia capaz de garantir a “racionalidade” e neutralizar a “irracionalidade” da política na administração federal. A ideia era formar um quadro de servidores civis capazes de operar uma máquina pública moderna, num país que iniciava a sua transição do agrarismo para a industrialização e que, consequentemente, ingressava num processo de urbanização acelerada.

Mesmo durante o regime militar, essa preocupação foi mantida, consolidando alguns centros de excelência que se formaram ao longo dos anos, como o Itamaraty, a Receita Federal, o Banco Central, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); e alguns órgãos de pesquisas científicas, como a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), além de empresas estatais como a Petrobras e o Banco do Brasil. Sem desconsiderar outras áreas técnicas do governo, esses exemplos ilustram o raciocínio.



Obviamente, as Forças Armadas fazem parte desse universo dos centros de excelência, sobretudo após o governo do general Ernesto Geisel, que acabou com a bagunça na hierarquia militar, implantando efetivamente regras que haviam sido concebidas já no governo do general Castelo Branco, o que possibilitou a efetiva profissionalização e renovação da carreira militar. Foi o desfecho de uma disputa com seu ministro do Exército, Sílvio Frota, exonerado do cargo por liderar a “linha dura” contrária à “abertura política” e tentar impor sua candidatura à Presidência, como o fizera o general Costa e Silva com Castelo Branco.

Esses setores radicais viriam, mais tarde, a praticar atentados terroristas contra civis, no governo do general João Batista Figueiredo, como foram os casos dos atentados contra a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que matou a secretária da instituição, Lida Monteiro da Silva, e o frustrado atentado do Rio Centro, cuja bomba explodiu no colo do sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu, e feriu gravemente o capitão Wilson Luís Chaves Machado, lotados no DOI-Code do I Exército. O próprio presidente Jair Bolsonaro foi afastado da tropa por indisciplina, suspeito de planejar atentados contra quartéis na Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais (Esao), em 1987.

Para profissionalizar as Forças Armadas e entregar o poder de volta aos civis, era fundamental a existência de uma burocracia concursada, capacitada e eficiente. Com a redemocratização, as regras do jogo foram estabelecidas pela Constituição de 1988: os militares voltaram para os quartéis, dedicando-se às suas atribuições constitucionais; os políticos voltaram a exercer o poder; e a burocracia de carreira ficou encarregada de zelar pela legitimidade dos meios por eles utilizados para alcançar seus fins. Quando o trem descarrilou no Executivo, o Congresso entrou em ação (impeachment dos presidentes Fernando Collor de Mello e Dilma Rousseff) e o Judiciário acionou os órgãos de controle do Estado (Mensalão e Lava-Jato).

De certa forma, a eleição do presidente Jair Bolsonaro fez parte desse processo de correção de rumos, pelo voto popular, mas não exatamente na direção em que está indo na Presidência. Político sem compromisso partidário nem quadros técnicos para ocupar o poder, recorreu aos militares para administrar o país, nomeando-os para postos-chave no Palácio do Planalto, na Esplanada dos Ministérios e em dezenas de órgãos federais e nas estatais. Nem nos governos militares houve tantos oficiais de alta patente em posições que normalmente seriam ocupadas por servidores civis. Despreparados para as novas funções que exercem, mesmo assim trocaram as rodas da administração federal com o carro em movimento; porém, não entendem de mecânica para resolver os problemas quando a engrenagem administrativa enguiça.

Também não estão livres das disfunções da burocracia: “incapacidade treinada”, a transposição mecânica de rotinas; “psicose ocupacional”, as preferências e antipatias pessoais; e “deformação profissional”, a obediência incondicional, em detrimento da ética da responsabilidade. Trocando em miúdos, a competência dos militares está sendo posta à prova num governo errático, como nos ministérios da Saúde, onde milhões de testes da covid-19 estocados estão em vias de serem jogados fora, por vencimento do prazo de validade; e de Minas e Energia, devido ao espantoso “apagão” no Amapá, que já vai para a terceira semana. São pastas comandadas, respectivamente, por um especialista em logística, o general de divisão Eduardo Pazuello, e o ex-diretor do audacioso e bem-sucedido programa nuclear da Marinha almirante de esquadra Bento Albuquerque.

A cruel pandemia

Alfredo Martirena(Cuba)
Descoberta monumental, para a literatura. A de uma Arca, onde Ray Bradbury (morto em 6/6/2012) guardava inéditos. Inigualável autor de Fahrenheit 451, Crônicas Marcianas e, sobretudo, O Homem Ilustrado (no Brasil, Uma Sombra Passou por Aqui). Destaque, entre esses achados, para o conto "The Cruel Pandemy", que vou tentar resumir.

Ano, 2120. Local, Green Town (citado em outras obras suas). Os oráculos se reuniram num templo conhecido como Nova Delfos – por ter, no alto, uma sentença de Tales de Mileto, “A certeza é precursora da ruína”. E chegaram à conclusão de que jamais houve um vírus tão contagiante, e tão mortal, como aquele. Ainda mais forte que o disseminado, pelo planeta, nos anos de 2019/2020. Provavelmente, mutação do “covid” (sarscov2) com o “ebola” (corobola). Para se diferenciar da anterior, acordaram que seria chamada "Cruel Pandemia". Para preservar vidas, os oráculos decidiram que no segundo S, do minuto M, e na hora H, do dia D, todos deveriam permanecer em suas PODs (unidades habitacionais mínimas). Até quando alguma vacina fosse descoberta. Naquela Nova Democracia, que agora vigorava, todos os homens eram verdadeiramente iguais.

Ocorre que começaram a surgir problemas não previstos, pelos sábios. Antes de irem para suas moradias, os funcionários das companhias de água e energia tiveram a cautela de desligar as matrizes de força. E deixaram de funcionar elevadores, geladeiras, BI2 (Brain Internet Interface), que substituíram TVs e computadores. Até os "housebots" (robôs domésticos) pararam. No campo, a produção de grãos foi interrompida. Fecharam transportes, supermercados e deliverys. Alimentos começaram a apodrecer. E faltar. Água também. Como os policiais estavam se preservando, longe, PODs eram invadidas. E seus ocupantes, mortos. Famintos vagavam, sem destino, pelas ruas. Cadáveres se amontoavam, nas esquinas, sem ter quem os sepultasse. Quílon, mais velho dos oráculos, antes de morrer de sede, anotou em sua caderneta que o modelo adotado, para proteger os habitantes, era só um belo discurso. E que a Nova Democracia fracassou.

P.S. Claro que a história da Arca é falsa. Mas devemos refletir, com mais calma, sobre essa história. Porque a tese de mandar a classe média se trancar nos apartamentos só funciona se o Brasil real estiver nas ruas, se expondo e assumindo riscos, na luta para sobreviver.
 José Paulo Cavalcanti Filho