sábado, 9 de dezembro de 2023
Israel reabre a válvula de gás
Após uma trégua de sete dias, os céus de Gaza estão repletos dos projéteis da morte. Aviões de guerra. Helicópteros de ataque. Drones. Bombas de canhão e de tanque. Granadas. Mísseis. Gaza é uma cacofonia de explosões e gritos perdidos de ajuda, sob edifícios desabados. Os tentáculos do medo, outra vez, estão avançando sobre os corações, no campo de concentração de Gaza.
Só na sexta-feira à noite, 184 palestinos — incluindo três jornalistas e dois médicos — foram mortos por ataques aéreos israelenses no norte, sul e centro de Gaza, e pelo menos 589 ficaram feridos, de acordo com o Ministério da Saúde. Em maioria, são mulheres e crianças.
Israel não será dissuadido. Planeja concluir o trabalho, destruir o que resta no norte de Gaza e dizimar o que permanece no sul. Tornar Gaza inabitável. Ver seus 2,3 milhões de habitantes expulsos em uma campanha maciça de limpeza étnica por meio de fome, terror, massacre e doenças infecciosas. Os comboios de ajuda, que levaram quantidades simbólicas de alimentos e remédios — o primeiro lote era de mortalhas e testes de coronavírus, segundo o diretor do hospital al-Najjar — foram interrompidos. Ninguém, principalmente o presidente Joe Biden, planeja intervir para impedir o genocídio.
O secretário de Estado Antony Blinken visitou Israel na semana passada e, ao pedir que Tel Aviv protegesse civis, recusou-se a estabelecer condições que pudessem interromper os 3,8 bilhões de dólares que o país recebe dos EUA em assistência militar anual, ou o pacote adicional de US$14,3 bilhões. O mundo assistirá passivamente, murmurando lugares-comuns inúteis sobre mais ataques cirúrgicos, enquanto Israel gira sua roleta da morte.
Quando terminar, a Nakba de 1948, quando os palestinos foram massacrados em dezenas de aldeias e 750 mil foram expulsos etnicamente por milícias sionistas, parecerá um relicário pitoresco de uma era mais civilizada. Nada está fora dos limites. Hospitais. Mesquitas. Igrejas. Residências. Edifícios de apartamentos. Campos de refugiados. Escolas. Universidades. Escritórios de mídia. Bancos. Sistemas de esgoto. Infraestrutura de telecomunicações. Estações de tratamento de água. Bibliotecas. Moinhos de trigo. Padarias. Mercados. Bairros inteiros. A intenção de Israel é destruir a infraestrutura de Gaza e matar ou ferir diariamente centenas de palestinos. Gaza está destinada a se tornar uma terra devastada, uma zona morta incapaz de sustentar a vida.
Não é uma guerra contra o Hamas. É uma guerra contra os palestinos. Israel começou a bombardear de novo Khan Younis na sexta-feira (1º/12), depois de lançar folhetos advertindo civis para correr mais ao sul, para Rafah, localizada na fronteira com o Egito. Centenas de milhares de palestinos deslocados buscaram refúgio em Khan Younis. Uma vez que os palestinos forem empurrados para Rafah, restará apenas um lugar para fugir — o Egito. O Ministério de Inteligência de Israel, em um relatório vazado, pede a transferência forçada da população de Gaza para a Península do Sinai, no Egito. Um plano detalhado para deslocar intencionalmente os palestinos em Gaza e empurrá-los para o Egito está incorporado na doutrina israelense há cinco décadas. Dos palestinos em Gaza, 1,8 milhão já foram expulsos de suas casas. Uma vez que os cruzarem a fronteira para o Egito — algo que o governo egípcio e os líderes árabes estão tentando evitar, apesar da pressão dos EUA —, eles nunca mais voltarão.
Os ataques israelenses são gerados a uma taxa vertiginosa, muitos deles a partir de um sistema chamado “Habsora” — O Evangelho —, construído em inteligência artificial que seleciona 100 alvos por dia. O sistema de IA é descrito por sete oficiais de inteligência israelenses atuais e antigos em um artigo de Yuval Abraham nos sites israelenses +972 Magazine e Local Call, como facilitador de uma “fábrica de assassinatos em massa”.
Uma vez que Israel localiza o que presume ser um operativo do Hamas — a partir de um telefone celular, por exemplo –, bombardeia e atinge uma ampla área ao redor do alvo, matando e ferindo dezenas, e às vezes centenas de palestinos, afirma o artigo. “De acordo com fontes de inteligência”, diz a matériaa, “o Habsora gera, entre outras coisas, recomendações automáticas para atacar residências particulares onde vivem pessoas suspeitas de serem operativos do Hamas ou da Jihad Islâmica. Israel, então, realiza operações de assassinato em larga escala através do intenso bombardeio dessas casas”.
Cerca de 15 mil palestinos, incluindo 6 mil crianças e 4 mil mulheres, foram mortos desde 7 de outubro. Mais de 30 mil ficaram feridos. Mais de seis mil estão desaparecidos, muitos enterrados sob os escombros. Mais de 300 famílias perderam 10 ou mais membros. Mais de 250 palestinos foram mortos na Cisjordânia desde 7 de outubro, e mais de 3 mil ficaram feridos, embora a área não seja controlada pelo Hamas. O exército israelense afirma ter matado entre mil e 3 mil dos cerca de 30 mil combatentes do Hamas — um número relativamente pequeno, dada a escala do ataque.
A maioria dos combatentes da resistência se abriga em seu vasto sistema de túneis. O manual de Israel é a “Doutrina Dahiya”. A doutrina foi formulada pelo ex-chefe do Estado-Maior do exército de Israel (IDF), Gadi Eizenkot, que é membro do gabinete de guerra, após a guerra de 2006 entre Israel e o Hezbollah no Líbano.
Dahiya é um subúrbio ao sul de Beirute e uma fortaleza do Hezbollah. Foi bombardeado por jatos israelenses depois de dois soldados israelenses terem sido feitos prisioneiros. A doutrina postula que Israel deve empregar uma força maciça e desproporcional, destruindo infraestrutura e residências civis, para garantir a dissuasão.
Daniel Hagari, porta-voz das IDF, admitiu no início do ataque mais recente de Israel a Gaza que o “ênfase” seria “nos danos e não na precisão”. Israel abandonou sua tática de “bater no telhado”, onde um foguete sem carga explosiva pousava em um telhado para alertar aqueles dentro para que a deixassem. Israel também encerrou suas ligações telefônicas alertando sobre um ataque iminente.
Agora, dezenas de famílias em um prédio de apartamentos ou bairro são mortas sem aviso prévio. As imagens de destruição em massa alimentam a sede de vingança dentro de Israel após a humilhante incursão de combatentes do Hamas em 7 de outubro e o assassinato de 1.200 israelenses, incluindo 395 soldados e 59 policiais.
Há um prazer sádico verbalizado por muitos israelenses, quando falam sobre o genocídio e um aumento nos apelos pelo assassinato ou expulsão de palestinos – incluindo os que vivem na Cisjordânia ocupada e os que possuem cidadania israelense. A selvageria dos ataques aéreos e dos ataques indiscriminados, o corte de alimentos, água e medicamentos, a retórica genocida do governo israelense, tornam isso uma guerra cujo único objetivo é a vingança.
Nada disso será bom para Israel ou para os palestinos. Tudo alimentará uma conflagração geral no Oriente Médio. [O presidente francês Emmanuel Macron alertou no sábado que o objetivo de Israel de eliminar o Hamas podia desencadear uma década de guerra.] O ataque de Israel é a última medida desesperada de um projeto colonial que, tola e arrogantemente, pensa que pode esmagar a resistência de uma população indígena com genocídio.
Mas mesmo Israel não escapará das consequências de massacre nessa escala. Uma geração de palestinos, muitos dos quais viram a maioria (ou todos) dos membros de suas famílias serem mortas e suas casas e bairros destruídos, carregará consigo sede de justiça e retaliação ao longo da vida. Esta guerra não acabou. Ela nem sequer começou.
Só na sexta-feira à noite, 184 palestinos — incluindo três jornalistas e dois médicos — foram mortos por ataques aéreos israelenses no norte, sul e centro de Gaza, e pelo menos 589 ficaram feridos, de acordo com o Ministério da Saúde. Em maioria, são mulheres e crianças.
Israel não será dissuadido. Planeja concluir o trabalho, destruir o que resta no norte de Gaza e dizimar o que permanece no sul. Tornar Gaza inabitável. Ver seus 2,3 milhões de habitantes expulsos em uma campanha maciça de limpeza étnica por meio de fome, terror, massacre e doenças infecciosas. Os comboios de ajuda, que levaram quantidades simbólicas de alimentos e remédios — o primeiro lote era de mortalhas e testes de coronavírus, segundo o diretor do hospital al-Najjar — foram interrompidos. Ninguém, principalmente o presidente Joe Biden, planeja intervir para impedir o genocídio.
O secretário de Estado Antony Blinken visitou Israel na semana passada e, ao pedir que Tel Aviv protegesse civis, recusou-se a estabelecer condições que pudessem interromper os 3,8 bilhões de dólares que o país recebe dos EUA em assistência militar anual, ou o pacote adicional de US$14,3 bilhões. O mundo assistirá passivamente, murmurando lugares-comuns inúteis sobre mais ataques cirúrgicos, enquanto Israel gira sua roleta da morte.
Quando terminar, a Nakba de 1948, quando os palestinos foram massacrados em dezenas de aldeias e 750 mil foram expulsos etnicamente por milícias sionistas, parecerá um relicário pitoresco de uma era mais civilizada. Nada está fora dos limites. Hospitais. Mesquitas. Igrejas. Residências. Edifícios de apartamentos. Campos de refugiados. Escolas. Universidades. Escritórios de mídia. Bancos. Sistemas de esgoto. Infraestrutura de telecomunicações. Estações de tratamento de água. Bibliotecas. Moinhos de trigo. Padarias. Mercados. Bairros inteiros. A intenção de Israel é destruir a infraestrutura de Gaza e matar ou ferir diariamente centenas de palestinos. Gaza está destinada a se tornar uma terra devastada, uma zona morta incapaz de sustentar a vida.
Não é uma guerra contra o Hamas. É uma guerra contra os palestinos. Israel começou a bombardear de novo Khan Younis na sexta-feira (1º/12), depois de lançar folhetos advertindo civis para correr mais ao sul, para Rafah, localizada na fronteira com o Egito. Centenas de milhares de palestinos deslocados buscaram refúgio em Khan Younis. Uma vez que os palestinos forem empurrados para Rafah, restará apenas um lugar para fugir — o Egito. O Ministério de Inteligência de Israel, em um relatório vazado, pede a transferência forçada da população de Gaza para a Península do Sinai, no Egito. Um plano detalhado para deslocar intencionalmente os palestinos em Gaza e empurrá-los para o Egito está incorporado na doutrina israelense há cinco décadas. Dos palestinos em Gaza, 1,8 milhão já foram expulsos de suas casas. Uma vez que os cruzarem a fronteira para o Egito — algo que o governo egípcio e os líderes árabes estão tentando evitar, apesar da pressão dos EUA —, eles nunca mais voltarão.
Os ataques israelenses são gerados a uma taxa vertiginosa, muitos deles a partir de um sistema chamado “Habsora” — O Evangelho —, construído em inteligência artificial que seleciona 100 alvos por dia. O sistema de IA é descrito por sete oficiais de inteligência israelenses atuais e antigos em um artigo de Yuval Abraham nos sites israelenses +972 Magazine e Local Call, como facilitador de uma “fábrica de assassinatos em massa”.
Uma vez que Israel localiza o que presume ser um operativo do Hamas — a partir de um telefone celular, por exemplo –, bombardeia e atinge uma ampla área ao redor do alvo, matando e ferindo dezenas, e às vezes centenas de palestinos, afirma o artigo. “De acordo com fontes de inteligência”, diz a matériaa, “o Habsora gera, entre outras coisas, recomendações automáticas para atacar residências particulares onde vivem pessoas suspeitas de serem operativos do Hamas ou da Jihad Islâmica. Israel, então, realiza operações de assassinato em larga escala através do intenso bombardeio dessas casas”.
Cerca de 15 mil palestinos, incluindo 6 mil crianças e 4 mil mulheres, foram mortos desde 7 de outubro. Mais de 30 mil ficaram feridos. Mais de seis mil estão desaparecidos, muitos enterrados sob os escombros. Mais de 300 famílias perderam 10 ou mais membros. Mais de 250 palestinos foram mortos na Cisjordânia desde 7 de outubro, e mais de 3 mil ficaram feridos, embora a área não seja controlada pelo Hamas. O exército israelense afirma ter matado entre mil e 3 mil dos cerca de 30 mil combatentes do Hamas — um número relativamente pequeno, dada a escala do ataque.
A maioria dos combatentes da resistência se abriga em seu vasto sistema de túneis. O manual de Israel é a “Doutrina Dahiya”. A doutrina foi formulada pelo ex-chefe do Estado-Maior do exército de Israel (IDF), Gadi Eizenkot, que é membro do gabinete de guerra, após a guerra de 2006 entre Israel e o Hezbollah no Líbano.
Dahiya é um subúrbio ao sul de Beirute e uma fortaleza do Hezbollah. Foi bombardeado por jatos israelenses depois de dois soldados israelenses terem sido feitos prisioneiros. A doutrina postula que Israel deve empregar uma força maciça e desproporcional, destruindo infraestrutura e residências civis, para garantir a dissuasão.
Daniel Hagari, porta-voz das IDF, admitiu no início do ataque mais recente de Israel a Gaza que o “ênfase” seria “nos danos e não na precisão”. Israel abandonou sua tática de “bater no telhado”, onde um foguete sem carga explosiva pousava em um telhado para alertar aqueles dentro para que a deixassem. Israel também encerrou suas ligações telefônicas alertando sobre um ataque iminente.
Agora, dezenas de famílias em um prédio de apartamentos ou bairro são mortas sem aviso prévio. As imagens de destruição em massa alimentam a sede de vingança dentro de Israel após a humilhante incursão de combatentes do Hamas em 7 de outubro e o assassinato de 1.200 israelenses, incluindo 395 soldados e 59 policiais.
Há um prazer sádico verbalizado por muitos israelenses, quando falam sobre o genocídio e um aumento nos apelos pelo assassinato ou expulsão de palestinos – incluindo os que vivem na Cisjordânia ocupada e os que possuem cidadania israelense. A selvageria dos ataques aéreos e dos ataques indiscriminados, o corte de alimentos, água e medicamentos, a retórica genocida do governo israelense, tornam isso uma guerra cujo único objetivo é a vingança.
Nada disso será bom para Israel ou para os palestinos. Tudo alimentará uma conflagração geral no Oriente Médio. [O presidente francês Emmanuel Macron alertou no sábado que o objetivo de Israel de eliminar o Hamas podia desencadear uma década de guerra.] O ataque de Israel é a última medida desesperada de um projeto colonial que, tola e arrogantemente, pensa que pode esmagar a resistência de uma população indígena com genocídio.
Mas mesmo Israel não escapará das consequências de massacre nessa escala. Uma geração de palestinos, muitos dos quais viram a maioria (ou todos) dos membros de suas famílias serem mortas e suas casas e bairros destruídos, carregará consigo sede de justiça e retaliação ao longo da vida. Esta guerra não acabou. Ela nem sequer começou.
Mais frágil
Não sou melhor que
uma pedra, uma folha,
a madeira de uma ponte,
o pó das estradas.
Sou apenas mais frágil,
Senhor, pisa-me
com carinho.
Jamil Snege, "Senhor"
uma pedra, uma folha,
a madeira de uma ponte,
o pó das estradas.
Sou apenas mais frágil,
Senhor, pisa-me
com carinho.
Jamil Snege, "Senhor"
O sofrimento “intolerável” de Gaza
Não há que ter medo das palavras: o sofrimento humano em Gaza é “intolerável”. O que a presidente do Comité Internacional da Cruz Vermelha, Mirjana Spoljaric Egger, nos veio recordar é o óbvio: é inaceitável que os civis não tenham um local seguro para onde irem, que o cerco militar não permita assistência humanitária e que a população esteja condenada a morrer de fome, de falta de cuidados médicos ou num bombardeio ditado por inteligência artificial.
Sem locais seguros para se refugiar, a população de Gaza continua encurralada, obrigada a fugir de um lado para o outro, sem poder confiar nas indicações israelitas. A entrada dos tanques na Faixa de Gaza levou a uma fuga desesperada para o sul da região, junto à fronteira com o Egipto, mais uma vez sem garantias de protecção.
O governo israelita comprometeu-se a eliminar o Hamas, um objectivo inatingível, que pode traduzir-se pela eliminação da sua hierarquia. Mas qual é o preço que Israel está disposto a pagar por isso? Eliminar o Hamas não pode confundir-se com a eliminação da população de Gaza.
Nesta guerra, fala-se de “danos colaterais” como se os mesmos fossem inevitáveis. O bombardeio de duas escolas, nesta segunda-feira, onde se abrigavam habitantes deslocados, terá feito, pelo menos, 50 mortos. A confirmar-se, não há argumento militar que o justifique. O desejo de criar estragos tem-se sobreposto ao dever de precisão.
O secretário da Defesa dos EUA disse, lucidamente, que Telavive pode sofrer uma “derrota estratégica” se não limitar ao mínimo as baixas civis desta guerra porque, mesmo que a vença e atinja os seus objectivos, corre o risco de uma condenação generalizada. E Recep Tayyip Erdogan já deu um passo em frente, ao chamar a Benjamin Netanyahu o “assassino de Gaza” e ao falar em nome do povo muçulmano. De resto, Ancara já alertou para as “consequências graves” que podem resultar da tentativa israelita de capturar membros do Hamas em território turco.
Não será fácil a Netanyahu agir internamente em todas as frentes. O primeiro-ministro de Israel vai ter de responder a vários processos judiciais, nos quais está indiciado pela prática de corrupção, gerir a pressão para que se demita, por isto e pela alegada negligência ao desvalorizar os planos do Hamas para 7 de Outubro, enfrentar uma crescente onda de protestos para continuar a negociar o resgate dos reféns ainda nas mãos do Hamas e atingir os objectivos militares a que se propôs. Acossado por este lado e acossado pelo outro; por aliados e por uma base de apoio que tudo fará para levar esta guerra às últimas consequências, mesmo que o sofrimento que implique torne tudo isto ainda mais intolerável.
A Europa, que começou por passar um cheque em branco a Netanyahu após a barbaridade do Hamas, exibindo a sua indiferença perante qual seria a reacção israelita, começa agora a evidenciar sinais de maior sensatez. A presidente do Parlamento Europeu chamou a atenção, em Lisboa, para a necessidade de protecção de todos os civis no conflito e disse que a forma como Israel respondeu aos ataques do Hamas “importa”.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, avisou que uma operação militar para eliminar o Hamas pode demorar uma década, pelo que é favorável a um reatamento do cessar-fogo, e Josep Borrell, o alto representante para a Política Externa e de Segurança da União Europeia, defendeu que a solução para o conflito entre Israel e o Hamas só pode ser política, pelo que pediu ao Irão que use a sua influência para impedir “uma nova escalada na região”.
Mas é possível uma solução política com os actuais intervenientes, que nunca estiveram disponíveis para outra solução que não fosse de cariz militar? Veremos até onde irão os tanques israelitas, se irão ocupar o território e o que virá a seguir. São demasiadas incógnitas para provocar esperança.
A única esperança possível, neste momento, é persuadir as duas partes a suspenderem os combates, a retomarem negociações e a trocarem mais prisioneiros por reféns. Uma tarefa, essencialmente, para os EUA, a Casa Branca admitiu que estava a fazer um “esforço imenso” nesse sentido. Falta saber se serão ouvidos.
Dois meses depois do início da guerra, e quase 16 mil mortos depois, as conversações para um eventual cessar-fogo não podem ser interrompidas de forma irremediável, sob pena de o mesmo se prolongar até ao colapso total de Gaza.
Sem locais seguros para se refugiar, a população de Gaza continua encurralada, obrigada a fugir de um lado para o outro, sem poder confiar nas indicações israelitas. A entrada dos tanques na Faixa de Gaza levou a uma fuga desesperada para o sul da região, junto à fronteira com o Egipto, mais uma vez sem garantias de protecção.
O governo israelita comprometeu-se a eliminar o Hamas, um objectivo inatingível, que pode traduzir-se pela eliminação da sua hierarquia. Mas qual é o preço que Israel está disposto a pagar por isso? Eliminar o Hamas não pode confundir-se com a eliminação da população de Gaza.
Nesta guerra, fala-se de “danos colaterais” como se os mesmos fossem inevitáveis. O bombardeio de duas escolas, nesta segunda-feira, onde se abrigavam habitantes deslocados, terá feito, pelo menos, 50 mortos. A confirmar-se, não há argumento militar que o justifique. O desejo de criar estragos tem-se sobreposto ao dever de precisão.
O secretário da Defesa dos EUA disse, lucidamente, que Telavive pode sofrer uma “derrota estratégica” se não limitar ao mínimo as baixas civis desta guerra porque, mesmo que a vença e atinja os seus objectivos, corre o risco de uma condenação generalizada. E Recep Tayyip Erdogan já deu um passo em frente, ao chamar a Benjamin Netanyahu o “assassino de Gaza” e ao falar em nome do povo muçulmano. De resto, Ancara já alertou para as “consequências graves” que podem resultar da tentativa israelita de capturar membros do Hamas em território turco.
Não será fácil a Netanyahu agir internamente em todas as frentes. O primeiro-ministro de Israel vai ter de responder a vários processos judiciais, nos quais está indiciado pela prática de corrupção, gerir a pressão para que se demita, por isto e pela alegada negligência ao desvalorizar os planos do Hamas para 7 de Outubro, enfrentar uma crescente onda de protestos para continuar a negociar o resgate dos reféns ainda nas mãos do Hamas e atingir os objectivos militares a que se propôs. Acossado por este lado e acossado pelo outro; por aliados e por uma base de apoio que tudo fará para levar esta guerra às últimas consequências, mesmo que o sofrimento que implique torne tudo isto ainda mais intolerável.
A Europa, que começou por passar um cheque em branco a Netanyahu após a barbaridade do Hamas, exibindo a sua indiferença perante qual seria a reacção israelita, começa agora a evidenciar sinais de maior sensatez. A presidente do Parlamento Europeu chamou a atenção, em Lisboa, para a necessidade de protecção de todos os civis no conflito e disse que a forma como Israel respondeu aos ataques do Hamas “importa”.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, avisou que uma operação militar para eliminar o Hamas pode demorar uma década, pelo que é favorável a um reatamento do cessar-fogo, e Josep Borrell, o alto representante para a Política Externa e de Segurança da União Europeia, defendeu que a solução para o conflito entre Israel e o Hamas só pode ser política, pelo que pediu ao Irão que use a sua influência para impedir “uma nova escalada na região”.
Mas é possível uma solução política com os actuais intervenientes, que nunca estiveram disponíveis para outra solução que não fosse de cariz militar? Veremos até onde irão os tanques israelitas, se irão ocupar o território e o que virá a seguir. São demasiadas incógnitas para provocar esperança.
A única esperança possível, neste momento, é persuadir as duas partes a suspenderem os combates, a retomarem negociações e a trocarem mais prisioneiros por reféns. Uma tarefa, essencialmente, para os EUA, a Casa Branca admitiu que estava a fazer um “esforço imenso” nesse sentido. Falta saber se serão ouvidos.
Dois meses depois do início da guerra, e quase 16 mil mortos depois, as conversações para um eventual cessar-fogo não podem ser interrompidas de forma irremediável, sob pena de o mesmo se prolongar até ao colapso total de Gaza.
Quem se importará quando pouco ou nada mais restar de Gaza?
Uma vez, no final dos anos 1980, em Hamburgo, durante uma entrevista coletiva, perguntei ao presidente do Banco Central da Alemanha sobre as chances dos países africanos se desenvolverem. Não lembro por quê, mas a África estava na moda naquela ocasião.
Ele me olhou surpreso, e respondeu? “África? A África não tem a menor importância. Próxima pergunta”. Tinha pressa, e dali a duas horas uma reunião com diretores do banco em Berlim. Não perderia tempo a conversar sobre o continente mais pobre do mundo.
Esta é uma das vantagens do mundo globalizado e digital: há mais de 60 dias conversamos sem cessar sobre a carnificina promovida por Israel na miserável e superpovoada Faixa de Gaza. O legítimo direito de Israel à defesa escalou para o ilegítimo direito ao massacre.
O show de cinismo dos líderes das principais potências mundiais é vergonhoso e dá asco. Ante o crescente número de palestinos mortos, cerca de 18 mil a essa altura, 70% deles mulheres e crianças, renovam a todo instante seu apoio a Israel, mas sugerem moderação.
Israel agradece o apoio e continua a matar inocentes onde quer que estejam a pretexto de que os terroristas do Hamas se escondem por trás deles. É como se dissesse: sinto muito, mas vou matá-lo porque na sua cidade, no seu bairro, no seu prédio pode haver terroristas.
Pode haver, não obrigatoriamente há. Mas na dúvida, que morram todos. O Hamas, enquanto grupo organizado e bem armado, é cria de Israel que imaginou corrompê-lo como fez com a Autoridade Palestina, que finge governar a Cisjordânia, suposto território palestino.
Para vingar-se da invasão sangrenta do 7 de outubro e demonstrar suas boas intenções humanitárias, Israel ordenou aos palestinos de Gaza que se mudassem do Norte do enclave para o Sul. Mais da metade deles obedeceu para salvar a pele. Israel, agora, os mata no Sul.
Nesse ritmo, não ficará pedra sobre pedra em Gaza, e a população que restar quando a guerra chegar ao fim não terá onde viver, o que comer, onde se tratar. Dependerá da caridade internacional, e essa da pressão da volúvel opinião pública sempre ávida por novidades.
No mesmo dia que orientou o embaixador do seu país no Conselho de Segurança da ONU a vetar mais uma resolução que pedia um novo cessar-fogo em Gaza, o presidente americano Joe Biden voltou a pedir a Israel que proteja os civis palestinos.
Como seus apelos repetidos dia sim e outro também esbarram em ouvidos moucos, porque Biden não suspende a venda de armas de destruição em massa a Israel? Não: Biden briga com o Congresso para que libere mais uma ajuda de 14 bilhões de dólares a Israel.
Assim caminha a desumanidade.
Ele me olhou surpreso, e respondeu? “África? A África não tem a menor importância. Próxima pergunta”. Tinha pressa, e dali a duas horas uma reunião com diretores do banco em Berlim. Não perderia tempo a conversar sobre o continente mais pobre do mundo.
Esta é uma das vantagens do mundo globalizado e digital: há mais de 60 dias conversamos sem cessar sobre a carnificina promovida por Israel na miserável e superpovoada Faixa de Gaza. O legítimo direito de Israel à defesa escalou para o ilegítimo direito ao massacre.
O show de cinismo dos líderes das principais potências mundiais é vergonhoso e dá asco. Ante o crescente número de palestinos mortos, cerca de 18 mil a essa altura, 70% deles mulheres e crianças, renovam a todo instante seu apoio a Israel, mas sugerem moderação.
Israel agradece o apoio e continua a matar inocentes onde quer que estejam a pretexto de que os terroristas do Hamas se escondem por trás deles. É como se dissesse: sinto muito, mas vou matá-lo porque na sua cidade, no seu bairro, no seu prédio pode haver terroristas.
Pode haver, não obrigatoriamente há. Mas na dúvida, que morram todos. O Hamas, enquanto grupo organizado e bem armado, é cria de Israel que imaginou corrompê-lo como fez com a Autoridade Palestina, que finge governar a Cisjordânia, suposto território palestino.
Para vingar-se da invasão sangrenta do 7 de outubro e demonstrar suas boas intenções humanitárias, Israel ordenou aos palestinos de Gaza que se mudassem do Norte do enclave para o Sul. Mais da metade deles obedeceu para salvar a pele. Israel, agora, os mata no Sul.
Nesse ritmo, não ficará pedra sobre pedra em Gaza, e a população que restar quando a guerra chegar ao fim não terá onde viver, o que comer, onde se tratar. Dependerá da caridade internacional, e essa da pressão da volúvel opinião pública sempre ávida por novidades.
No mesmo dia que orientou o embaixador do seu país no Conselho de Segurança da ONU a vetar mais uma resolução que pedia um novo cessar-fogo em Gaza, o presidente americano Joe Biden voltou a pedir a Israel que proteja os civis palestinos.
Como seus apelos repetidos dia sim e outro também esbarram em ouvidos moucos, porque Biden não suspende a venda de armas de destruição em massa a Israel? Não: Biden briga com o Congresso para que libere mais uma ajuda de 14 bilhões de dólares a Israel.
Assim caminha a desumanidade.
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