Atitudes, situações e posições absurdas tornaram-se “normais”; este é um dos graves problemas brasileiros, raramente tratado por candidatos. São, por certo, questões espinhosas, mas se sequer se trata delas, como superá-las?
É absurdo que a certos criminosos seja garantida uma elevada renda vitalícia; aqui, isso tornou-se “normal”. Não é absurdo que há décadas paguemos “normalmente” carro e motorista para milhares de pessoas cujas rendas – pagas por nós – são elevadas? Não é absurdo que o dinheiro dos nossos impostos seja dilapidado em centenas de usos cujo objetivo principal é eleger os já eleitos? É “normal” que parte desses gastos seja desviada? Não é absurdo que “roubo” seja chamado de “desvio”?
“Normalmente” votamos numa pessoa e elegemos outra; absurdo, não? Parece “normal”, mas é absurdo parlamentares viajarem semanalmente entre suas bases e Brasília.
Ordem e conselhos “normalmente” deveriam defender o exercício da profissão, mas tornou-se “normal” o absurdo de defender profissionais, por suspeitos que sejam.
É “normal” o absurdo de parlamentares ficarem com parte dos salários de seus muitos assessores e nada lhes acontecer? A lentidão da Justiça, tão “normal”, não é um absurdo?
Parece que a lógica é: se magistrados que cometem crimes são “normalmente” “punidos” com aposentadoria bem remunerada, e liberdade para advogarem, por que deveria um eleito ser punido por roubar recursos públicos?
Como construir um país decente se essas questões sequer são postas para que candidatos a cargos públicos as respondam e digam o que pretendem fazer para tornar anormal esses absurdos?
O absurdo de 10% da população se apropriar de 43% da renda nacional tornou-se “normal”; combater essa absurdidade deveria ser “normal”, mas para muitos parece absurdo. É “normal” o absurdo de os governos não terem políticas eficazes para mudar essa realidade?
Exportar toneladas de grãos para alimentar porcos e frangos, e deixar a fome grassar aqui entre humanos é “normal”?
Há muitos outros aspectos “normais” da nossa realidade que são de total absurdez. Vale lembrar alguns: furar filas, o ônibus não passar nos horários previstos, lixo espalhado pelas ruas, milhares de assassinatos não esclarecidos! E há mais, muitos mais, mas não há espaço para listá-los todos.
As pessoas que praticam “normalmente” atos absurdos, que os aceitam como “normais” e por interesse pessoal evitam tratar desses temas, não se tornam também elas antissociais ou sociopatas? E não são elas que “normalmente” nos governam?
Uma reforma política ampla, essencial para tornar anormais essas absurdidades, só ocorrerá se feita pelo voto, para substituir os atuais sociopatas por pessoas dispostas a enfrentar temas espinhosos.
Estamos em vésperas de eleições. O seu candidato já se manifestou sobre esses temas? Não? Então procure outro!
Confrontada com uma inesperada e acelerada taxa de inflação, a sociedade brasileira vê-se diante de uma grande incógnita: até quando e até quanto vai o atual processo de aumento dos preços?
A pergunta é difícil de responder, pois a única certeza que se tem hoje é de que o preço a pagar implica sacrificar o PIB de 2022. Não à toa, as previsões de crescimento para o ano que vem caíram para abaixo da marca de 2% e isso deveria acender um sinal de atenção, pois deixa no ar a incerteza sobre a reação do governo diante de uma provável queda de popularidade em um ano de eleições.
Ou seja, do ponto de vista político institucional o horizonte de curto e de médio prazos revela-se absolutamente nebuloso. Do ponto de vista econômico, as mais pessimistas previsões poderão ser atenuadas pela melhoria das condições que têm afetado os preços da energia e o fornecimento de matérias-primas que atrapalham o processo produtivo.
É claro que muito do que se vive é resultado da pandemia, um fenômeno desconhecido há muitas gerações, com efeitos econômicos imprevisíveis. Não era plausível imaginar no auge da proliferação do covid-19 que de uma hora para outra, ainda em meio a um quadro de casos de contaminação, aqueles níveis de inflação tão baixos capturados até o início deste ano iriam galgar patamares cada vez mais altos com a rapidez que temos visto. Em apenas dez meses, o IPCA em doze meses pulou de 4,56% para 10,67% (o mesmo índice, curiosamente, colhido no final de 2015, quando a deterioração política levou ao impeachment da então presidente Dilma Rousseff).
O governo faz questão de enfatizar que a inflação não ressurgiu apenas no Brasil. De fato, ela está presente em vários países. Em alguns tem quebrado recordes, como é o caso dos Estados Unidos, onde o IPC subiu 6,2% em outubro, o maior nível em trinta e um anos. As características da economia brasileira, no entanto, fazem com que aqui a inflação tenha consequências piores.
Primeiro, deve ser destacada a questão da indexação, pois muitos preços ainda sofrem reajuste par e passo com a inflação passada. Depois do Plano Real, que acabou com a indexação formal dos salários (cerca de 60% dos preços) os contratos indexados automaticamente diminuíram bastante, mas ainda são relevantes, a começar pelo orçamento público que usa a inflação para corrigir tanto a arrecadação como os gastos. Mensalidade escolar, aluguéis e salário mínimo são outros preços atrelados umbilicalmente ao comportamento dos índices de preços.
Segundo, ainda que a indexação formal esteja mais restrita, a economia continua a conviver com o efeito da inércia sobre os preços. Tem a ver com aquele raciocínio de que as margens de lucro precisam ser garantidas a qualquer custo, o que leva a repassar a variação inflacionária para os preços finais. Isso é comum no setor de serviços onde não podem ser substituídos através da importação, se bem que ao câmbio atual nem mesmo os produtos físicos têm a alternativa da concorrência com os importados.
O IPCA do setor de serviços tem subido consistentemente desde o início deste ano. No acumulado de doze meses, passou de 1,51% em janeiro para 4,92% em outubro, com alta significativa nos serviços mais intensivos em trabalho. Ainda que não indexados, alguns salários têm sido reajustados em linha com a inflação passada, muito embora isso ainda não represente o grosso das atividades sindicalizadas.
Essas peculiaridades dificultam os prognósticos para a inflação e a situação se agrava ainda mais quando se introduz o fator expectativa na equação, algo que tem a ver com a percepção dos indivíduos e do mercado com respeito às variáveis que influenciam na alta dos preços.
A conjugação de fatores que lidam também com o subjetivo em um quadro de tantas incertezas e um regime de câmbio flutuante não ajudam a tarefa do BC.
Edmar Bacha, um dos poucos economistas que melhor conhece as idiossincrasias brasileiras, considera que a identificação das expectativas para o manejo da política monetária é uma questão quase impossível de ser solucionada porque não se sabe como são formadas. Essa dificuldade transparece nas equações do Banco Central que usam o componente das expectativas correlacionado à inflação passada. O fato objetivo é que o futuro da inflação na era Bolsonaro está exclusivamente nas mãos do BC e Bacha não tem dúvidas de que a autoridade monetária conseguirá segurar a alta dos preços mesmo com a possibilidade de provocar recessão.
“A questão é a que custo isso será feito e se será politicamente sustentável”, enfatiza ele, que não está de todo pessimista porque a economia ainda não entrou em processo de dominância fiscal - quando o aumento dos juros impacta a dívida pública a ponto de restringir a atuação do BC. “Tem risco de entrar, mas ainda não há indicação disso”, complementa.
A péssima distribuição de renda do país representa uma situação característica da qual o Brasil talvez seja o representante máximo e explicita outro motivo que faz a inflação ter efeito pior no país em comparação com outros.
A massa de gente que sobrevive com renda baixa, equivalente a cinco vezes a população de Portugal, sofre mais com a inflação do que o pessoal das camadas mais altas de renda, como se sabe. Dado o nível da pobreza, o impacto é gigantesco, com reflexos negativos no próprio crescimento pela retração da capacidade de consumir. De acordo com o IPEA, a inflação acumulada em doze meses para quem tem renda de até R$ 1.808 por mês atingiu 11,4% em outubro. Nessa perspectiva, o auxílio família tende a virar pó rapidamente.
Por tudo isso, nada indica que a trajetória econômica em 2022 seja um passeio reconfortante.
Em setembro de 2019 Paulo Guedes, ministro da Economia do Brasil, disse ao Congresso que poderia “fazer história” mantendo o Orçamento sob controle, acrescentando que “a classe política não deveria correr atrás dos ministros, implorando por dinheiro”. Agora, Guedes está apoiando uma dissimulada tentativa do governo de contornar o limite constitucional para os gastos públicos estabelecido em 2016, que foi um passo crucial para endireitar as finanças do país. Ele e Jair Bolsonaro, o presidente, conduzem o país não apenas a um retorno à incontinência fiscal, como também a outras mazelas econômicos que têm castigado o Brasil: aumento da inflação, altas taxas de juros e baixo crescimento. E as travessuras orçamentárias, por sua vez, criaram incerteza sobre o futuro do principal programa social do país.
Nas eleições de 2018, a aliança de Bolsonaro com Guedes, economista do livre mercado, contribuiu muito para persuadir empresários a apoiarem um ex-oficial do exército de extrema direita que nunca antes havia mostrado interesse pela economia liberal. Guedes prometeu uma reforma radical do inchado e ineficiente Estado brasileiro. Mas essa promessa resultou apenas em alguma economia no setor previdenciário, autonomia legal para o Banco Central e pequenas simplificações regulatórias. Agora o ímpeto por reformas deu lugar à corrida de Bolsonaro por dinheiro para comprar apoio político e popularidade.
Para evitar o impeachment por causa de sua má gestão da pandemia e dos crimes de sua família (o que eles negam), Bolsonaro se aliou ao Centrão, uma grande coalizão de conservadores congressistas. Quando a covid-19 atacou, o governo declarou “estado de calamidade”, permitindo-lhe oferecer grandes auxílios temporários, apesar do limite de gastos. Em 2020, a pobreza diminuiu no Brasil, contrariando a tendência regional, e a popularidade de Bolsonaro aumentou. Em março, o governo ganhou uma emenda constitucional de emergência, abrindo um buraco no teto de gastos, para permitir que pelo menos alguns pagamentos continuassem. Agora, a queda no índice de aprovação do presidente está reduzindo sua chance de um segundo mandato nas eleições do próximo ano.
Uma nova emenda constitucional abriria mais dois buracos. Permitiria ao governo atrasar pagamentos de precatórios judiciais (tais como as restituições de tributos cobrados em excesso). Além disso, exploraria a recente subida nos preços, indexando o orçamento à inflação anual de dezembro (provavelmente superior a 10%) em vez da de junho (8,4%). Essas mudanças dariam ao governo uma soma extra de R$ 100 bilhões (US $ 18,2 bilhões) para usar no próximo ano, avalia Marcos Mendes, ex-assessor econômico do Senado.
Parte desse dinheiro iria para o Auxílio Brasil, o reformulado programa de combate à pobreza que sucederá o Bolsa Família, o bem-sucedido esquema de combate à pobreza lançado em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas trará mais complexidade e incerteza, observa Marcelo Neri, especialista em pobreza da Fundação Getúlio Vargas. O governo elevou a média do benefício permanente em 18%, para R$ 217 por mês. No entanto, Neri aponta que a inflação havia corroído 32% de seu valor real desde 2014. Bolsonaro também prometeu um bônus temporário, de modo que todas as 17 milhões de famílias no programa receberão pelo menos R$ 400 por mês, mas apenas até dezembro de 2022. Não por acaso, isso acontece logo após as eleições.
Outra grande parte do dinheiro extra iria para causas menos dignas, incluindo cerca de R$ 18 bilhões para financiar obscuras emendas orçamentárias que permitem a execução de contratos públicos superfaturados a congressistas em troca de seu apoio a Bolsonaro. Essas foram algumas inovações idealizadas pelo Centrão. Esta semana, a maioria do Supremo Tribunal Federal considerou essas cláusulas secretas como ilegais. Isso não impediu que a Câmara dos Deputados aprovasse a emenda constitucional. Não está claro se isso será aprovado no Senado.
De qualquer maneira, haverá custos. A derrota colocaria em dúvida o financiamento do Auxílio Brasil no futuro. Mas seria uma vitória de Pirro. Quatro dos mais antigos assessores de Guedes renunciaram no mês passado porque se opuseram à emenda (a versão oficial foi por “motivos pessoais”). A preocupação com a política fiscal é o “principal combustível da inflação”, diz Zeina Latif, economista de São Paulo. O objetivo do teto de gastos era travar o implacável aumento dos gastos públicos que satisfaz os privilegiados, já que não são redistributivos nem eficientes para superar os gargalos que freiam o crescimento. Esse enfraquecimento mostra que Bolsonaro não é ruim apenas para o meio ambiente, para os direitos humanos e para a democracia, mas também para a economia do Brasil.The Economist
O povo brasileiro acordou no dia 15 de novembro de 1889 cheio de esperança com o futuro do País. A República havia chegado e nosso destino como Nação mudava de rumo
Hamilton Mourão celebrando a Proclamação da República
* A tal Proclamação se deu no Ministério da Guerra sem qualquer participação popular. O povo só começou a saber da deposição de D. Pedro II no fim da tarde daquele dia e apenas os jornais no dia seguinte noticiam a queda do Império
Eu também já fui brasileiro
Moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.
Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.
Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isto, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irónico mais não,
não tenho ritmo mais não.
Carlos Drummond de Andrade, "Alguma poesia"
Um aspecto tem passado algo despercebido em todo esse imbróglio sobre o novo valor do Auxílio Brasil (ex-Bolsa Família) e de onde virão os recursos: o assunto ter provocado a necessidade de aprovar uma emenda constitucional. Isso parece ter resultado de dois fatores: a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre os precatórios e o teto de gastos ter sido lá atrás introduzido na Constituição.
Tudo sempre guarda alguma explicação, mas é bastante anômalo que decisões simples de governo tenham passado a depender de mudar a Constituição. É um sintoma de várias coisas, antes de tudo de ter caducado a ordem constitucional construída em 1988. É sintoma também do grave enfraquecimento do Executivo. Uma tendência inaugurada pelas vicissitudes de Dilma Rousseff e acelerada no intervalo Michel Temer.
A eleição de Jair Bolsonaro representou um impulso à retomada da centralidade política do Palácio do Planalto, mas a tendência centrífuga retornou conforme o presidente se enfraquecia devido aos próprios erros políticos, especialmente na abordagem da Covid-19. E chegamos à situação atual, quando mexer nos programas sociais depende de PEC, e a rotina diária dos ministros do STF supõe passar o tempo desfazendo o que o governo faz.
A situação agrada a quem está na oposição pois vai levando à progressiva paralisia governamental, e também neutraliza as teóricas vantagens operacionais da maioria congressual. Antigamente, governar dava trabalho. Era preciso ganhar a eleição de presidente e formar base parlamentar sólida. Hoje em dia, basta eleger meia dúzia de deputados e recorrer ao STF quando o governo faz algo que desagrade à opinião pública.
É uma situação confortável para quem, na política, não tem perspectiva de poder formal e regular, e também para quem mais pode influenciar o ir e vir dos cordéis que movimentam a opinião pública. A dúvida é sobre a sustentabilidade. Um debate constante no Brasil é se as instituições estão funcionando. Estão funcionando sim, e funcionando tanto que o sistema de freios e contrapesos chegou ao estado da arte, com eficiência ótima: tudo travou.
A dúvida é como vamos sair da pasmaceira. Um caminho de sempre é a eleição presidencial. O problema: faz muito tempo a humanidade já sabe como transformar ovo cru em omelete, mas a rota inversa é um mistério que permanece insolúvel, desde sempre, aos mais brilhantes cérebros científicos. É ilusão imaginar que bastará eleger alguém para “as instituições” recolherem-se à casinha.
Mas História não é Biologia ou Química. Na História, o omelete pode voltar a ovo cru. Geralmente, situações assim são destravadas por alguém que acaba cortando o nó górdio. Uma coisa é certa, como já foi dito: o cenário crônico de paralisia política, baixo crescimento econômico e travamento institucional não permanecerá indefinidamente. Alguma transição virá. Há apenas duas dúvidas: quem a fará e como.
Umas coisas estranhas estão acontecendo no Brasil de hoje, e tenho até certa dificuldade de descrevê-las. Em muitos artigos, renascem as citações de alguns grandes intérpretes do país, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro, Victor Nunes Leal.
São quase sempre destinadas a enfatizar os velhos defeitos do Brasil que, apesar dos tempos, reaparecem com força: o conluio das elites políticas para transformar o Tesouro nacional em patrimônio de alguns, a associação com as elites regionais para preservar seu poder.
Parece que o Brasil ficou velho de repente e que não se deu conta. A jovem democracia se olha no espelho como Dorian Gray, personagem de Oscar Wilde, que vê no retrato as deformações da idade, de seu súbito envelhecimento. É tão perturbador que, às vezes, me pergunto se é apenas o velho ou o eterno Brasil que se revela diante de nós.
O fantástico exemplo do orçamento secreto é um sintoma de como viajamos para o passado. Foi denunciado há alguns meses, mas só agora as instituições brasileiras se dão conta de que quase R$ 20 bilhões de dinheiro público são gastos sem a necessária transparência. Como foi possível um mecanismo tão perverso durar tanto tempo?
A explicação mais direta é a que aponta para o enlace de Bolsonaro com o Centrão. É preciso lubrificar com muito dinheiro as engrenagens de apoio ao governo e, sobretudo, a disposição de se sentar em cima de tantos pedidos de impeachment.
Mas é curioso como Bolsonaro se declara conservador, mas, na prática, revive apenas os grandes erros do passado, conserva o que deveria ser ultrapassado. Se não é conservador, é apenas um reacionário, mas ainda assim a descrição ficaria incompleta.
Quando assumiu o governo, Bolsonaro disse uma frase enigmática: há muito o que destruir. Sua grande investida foi contra as estruturas de fiscalização e as próprias leis do meio ambiente. Desorganizou um trabalho de anos, restabeleceu um ritmo de desmatamento e queimadas que parecia sepultado.
Ao deparar com a pandemia, Bolsonaro iniciou a demolição do Ministério da Saúde, a ponto de entregá-lo a um general que não distingue um vírus de um rinoceronte e a curandeiros que propagam a cloroquina. O resultado se expressa no grande número de mortos pela Covid-19.
Na Cultura, Bolsonaro fez deliberadamente uma política de terra arrasada, fiel à frase do oficial franquista na Guerra Civil Espanhola: quando ouço a palavra cultura, tenho vontade de sacar minha arma.
Com a demissão em massa dos funcionários do Inep, tornou-se evidente que o processo destrutivo também avançou na educação, o que já era visível pelo nível dos ministros que escolhe para a pasta.
O que acontece com um país que regride à falta de transparência nos gastos públicos, devorados por vorazes quadrilhas parlamentares? O que acontece com um país, neste momento da História planetária, que estimula a destruição de seus recursos naturais e, consequentemente, aumenta o perigo de extinção da espécie humana?
Bolsonaro ainda tem apoio de muitos, não tantos como no passado. Mas ainda tem apoio, mesmo entre jornalistas que racionalizam suas loucuras, não tanto por admiração, mas por uma espécie de teimosia ideológica.
Nem todos enxergam a mesma paisagem em ruínas. Os militares, tão ciosos da segurança nacional, veem com complacência bonachona a dilaceração do tecido institucional.
Os generais no governo associavam o Centrão a um bando de salteadores. Agora são cúmplices silenciosos e, possivelmente, sorridentes do grande assalto aos cofres públicos.
Por tudo isso, o grande número de pessoas que podem salvar o Brasil dessa destrutiva regressão precisa compreender a gravidade do sentimento de perder um país, relevar disputas e rivalidades eleitorais e se dar conta do buraco em que nos metemos. É um perigo compreender tarde demais a dimensão da nossa crise.