sexta-feira, 1 de novembro de 2024
Encontrando a jovem capturada em uma fotografia de detidos em Gaza
Um grupo de dezenas de homens de Gaza detidos retratados em suas roupas íntimas, durante o que parece ser uma verificação israelense de armas e sinais de quaisquer ligações com o Hamas. Eles estão sentados ou agachados, entre eles, uma garotinha pode ser vista. É difícil vê-la na multidão de homens. Ela é a pequena figura mais para trás.
Os soldados ordenaram que os homens ficassem só de cueca. Até mesmo alguns dos mais velhos. Eles olham para cima, para quem quer que esteja tirando a fotografia. É quase certo que seja um soldado israelense.
A imagem parece ter sido publicada primeiro na conta do Telegram de um jornalista com fontes fortes nas Forças de Defesa de Israel.
Os homens parecem abjetos, medrosos e exaustos. A garotinha, que foi notada na foto por um produtor da BBC, está olhando para longe. Talvez algo fora do campo de visão da câmera tenha chamado sua atenção. Ou talvez ela simplesmente não queira olhar para os soldados e suas armas.
Os militares disseram às pessoas para pararem aqui. Prédios explodidos por bombas se estendem à distância atrás deles. Eles estão verificando os homens, em busca de armas, documentos, qualquer sinal de que eles possam estar ligados ao Hamas.
Muitas vezes o sofrimento desta guerra é encontrado nos detalhes de vidas individuais. A presença da criança, sua expressão enquanto ela olha para longe, é um detalhe que coloca tantas perguntas.
Acima de tudo, quem era ela? O que aconteceu com ela? A foto foi tirada há uma semana.
Uma semana de centenas de mortos, muitos feridos e milhares desalojados de suas casas. Crianças morreram sob os escombros de ataques aéreos ou porque não havia remédios ou equipe médica para tratá-las.
Trabalhando com o programa BBC Arabic Gaza Today, começamos a procurar pela criança. Israel não permite que a BBC ou outra mídia internacional acesse Gaza para reportar de forma independente, então a BBC depende de uma rede confiável de jornalistas freelancers. Nossos colegas abordaram seus contatos com agências de ajuda no norte, mostrando a fotografia em lugares para onde os deslocados tinham fugido.
Em 48 horas, a notícia retornou. A mensagem no telefone dizia: “Nós a encontramos!”
Julia Abu Warda, de três anos, estava viva. Quando nosso jornalista chegou à família na Cidade de Gaza - para onde muitos de Jabalia fugiram - Julia estava com seu pai, avô e mãe.
Ela estava assistindo a um desenho animado de galinhas cantando, difícil de ouvir por causa do zumbido ameaçador de um drone israelense sobrevoando.
Julia ficou surpresa por, de repente, ser o centro das atenções de um estranho.
"Quem é você?", perguntou o pai, brincando.
"Jooliaa", ela respondeu, esticando a palavra para dar ênfase.
Julia Abu Warda, de três anos, senta-se no colo do pai, enquanto ele olha para baixo. Há uma expressão cautelosa em seus olhos castanhos. Ela está vestida com um suéter cor de pêssego, com o cabelo em dois coques amarrados com pompons azuis.
A BBC encontrou Julia e seu pai, Mohammed, na Cidade de Gaza
Julia estava fisicamente ilesa. Vestida com um suéter e jeans, seu cabelo em coques presos por faixas florais azuis brilhantes. Mas sua expressão era cautelosa.
Então Mohammed começou a contar a história por trás da fotografia.
Cinco vezes a família foi deslocada nos últimos 21 dias. Cada vez eles estavam fugindo de ataques aéreos e tiros.
No dia em que a foto foi tirada, eles ouviram um drone israelense transmitindo um aviso para evacuação.
Isso aconteceu no distrito de Al-Khalufa, onde as IDF estavam avançando contra o Hamas.
“Houve fogo de artilharia aleatório. Fomos em direção ao centro do campo de refugiados de Jabalia, na estrada para o posto de controle.”
A família levou suas roupas, algumas latas de comida enlatada e alguns pertences pessoais.
No começo, todos estavam juntos. O pai de Julia, sua mãe Amal, seu irmão de 15 meses Hamza, um avô, dois tios e um primo.
Mas no caos, Mohammed e Julia foram separados dos outros.
“Eu me separei da mãe dela por causa da multidão e de todos os pertences que carregávamos. Ela conseguiu sair, e eu fiquei no lugar”, disse Mohammed.
Pai e filha finalmente seguiram adiante com o fluxo de pessoas saindo. As ruas cheiravam a morte. “Vimos destruição e corpos espalhados no chão”, disse Mohammed. Não havia como impedir Julia de ver pelo menos um pouco disso. Depois de mais de um ano de guerra, as crianças se familiarizaram com a visão daqueles que morreram de mortes violentas.
O grupo chegou a um posto de controle israelense.
“Havia soldados nos tanques e soldados no chão. Eles se aproximaram das pessoas e começaram a atirar acima de suas cabeças. As pessoas estavam se empurrando durante o tiroteio.”
Os homens foram obrigados a se despir até ficarem de cueca. Este é um procedimento de rotina enquanto a IDF procura por armas escondidas ou homens-bomba. Mohammed diz que eles foram mantidos no posto de controle por seis a sete horas. Na fotografia, Julia parece calma. Mas seu pai se lembrou de sua angústia depois.
“Ela começou a gritar e me disse que queria a mãe dela.”
A família foi reunida. Os deslocados estão amontoados em pequenas áreas. Os laços familiares são fortes. As notícias correm rápido na Cidade de Gaza quando os parentes chegam de Jabalia. Julia foi confortada pelas pessoas que a amavam. Havia doces e batatas fritas, uma guloseima que estava guardada.
Então Mohammed revelou ao nosso colega o profundo trauma que Julia havia sofrido, antes daquele dia do voo de Jabalia para a Cidade de Gaza. Ela tinha um primo favorito. O nome dele era Yahya e ele tinha sete anos. Eles costumavam brincar juntos na rua. Cerca de duas semanas atrás, Yahya estava na rua quando os israelenses lançaram um ataque de drone. A criança foi morta.
“A vida costumava ser normal. Ela corria e brincava”, ele disse. “Mas agora, sempre que há bombardeio, ela aponta e diz, ‘avião!’ Enquanto estamos presos, ela olha para cima e aponta para o drone voando sobre nós.”
Julia esfrega um dos olhos com a mão enquanto se inclina contra o pai, que a segura no colo. Mohammed é um jovem de cabelos escuros e barba aparada. Eles estão sentados em uma cadeira de plástico, do lado de fora.
O primo favorito de Julia, Yahya, foi morto na rua em um ataque de drone israelense
De acordo com a Unicef, agência das Nações Unidas para a infância, 14.000 crianças foram mortas na guerra.
“Dia após dia, as crianças pagam o preço por uma guerra que não começaram”, disse o porta-voz da Unicef, Jonathan Crickx.
“A maioria das crianças que conheci perderam um ente querido em circunstâncias muitas vezes terríveis.”
A ONU estima que quase todas as crianças na Faixa de Gaza — quase um milhão — precisam de apoio à saúde mental.
É difícil chamar uma criança como Julia de sortuda. Quando você pensa no que ela viu e perdeu e onde ela está presa. Quem sabe o que retornará em sonhos e memórias nos próximos dias. Agora ela sabe que a vida pode acabar de forma terrivelmente repentina.
Sua sorte está na família que fará tudo o que for humanamente possível — diante de ataques aéreos, tiroteios, fome e doenças — para protegê-la.
Gaza é o horror que não pode ser negado
As manchetes mudaram para o Irã, mas Israel continua matando de fome, bombardeando e expulsando a população do norte de Gaza. Enquanto a sociedade israelense como um todo ativou seu modo de negação, as imagens horripilantes – e a política, as declarações e a realidade por trás delas – estão fazendo com que alguns israelenses protestem contra crimes de guerra, ou até mesmo pronunciem a palavra genocídio.
Dália Scheindlin
Dália Scheindlin
Voto obrigatório, um velho e carcomido senhor
A abstenção de quase 30% no país nas eleições municipais assustou muita gente e despertou no Tribunal Superior Eleitoral a necessidade de se fazer um estudo profundo para saber as razões dessa acentuada ausência do eleitor.
Se somadas as quantidades de sufrágios em branco e nulos, a conta beira os 40% e, em números absolutos, mostra que vários candidatos perderam para o não voto.
Pela relevância dos dados e das motivações implícitas, a recusa à participação ativa foi um dos assuntos mais comentados nos balanços dos chamados recados das urnas.
Rivalizou com o sucesso da centro-direita, o mau desempenho da esquerda, a força das emendas parlamentares na reeleição e a constatação de que Luiz Inácio da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) não mandam na vontade das pessoas, mais interessadas na administração das respectivas cidades do que na briga dos chefes das torcidas da política nacional.
A encomenda do TSE para se estudar a abstenção nos detalhes sem dúvida é muito útil, pois uma vez concluído o trabalho vai se poder abordar o assunto com precisão, sem chutes nem ilações que possam distorcer as conclusões.
Não é necessário, porém, ir às profundezas sociológicas das raízes do Brasil para se chegar a alguns dos porquês de parcela crescente do eleitorado fazer do voto obrigatório —regido por regras de 1965, na ditadura— quase uma letra morta, quando em outro tempo já foi preferência nacional.
A cada nova pesquisa sobre o tema, porém, o facultativo ganha terreno e já representa a maioria. Segundo levantamento do Datafolha de 2020, 56% são contrários à obrigatoriedade.
Outra consulta feita em agosto de 2024, na capital paulista, registrou índice de 52%. Agora em outubro 34% dos paulistanos disseram ao mesmo instituto que não teriam votado se não fossem obrigados. A abstenção segue o ritmo de crescimento; foi de 16,2% em 2000, quase metade do índice atual.
O que está havendo? Antes de falar sobre o descrédito na política e o comportamento dos partidos, vamos a outras hipóteses menos dramáticas para explicar: o aumento da população maior de 70 anos de idade, que não é obrigada a votar e a cada vez maior facilidade para se justificar ausência.
Sobre esse segundo ponto, um parêntese: por que tenho de dizer ao Estado onde estou no dia da votação ou lhe dar satisfação sobre uma decisão privada de não exercer um direito?
E aqui chegamos aos partidos e aos políticos que muitas vezes tampouco se obrigam a dar satisfações aos cidadãos. Assumem atitudes —notadamente nos períodos de entressafra eleitoral— de total indiferença ao que lhes diz a sociedade.
Acontece, por exemplo, quando aprovam fundo eleitoral de R$ 5 bilhões, anistiam as próprias dívidas e se articulam para afrouxar a Lei da Ficha Limpa aprovada na pressão por um projeto de iniciativa popular. Isso para citar casos mais recentes. Ao longo da história (só da redemocratização) há uma coleção deles.
Cada vez mais livres de cobranças, desobrigados de prestar contas sobre a folha corrida dos candidatos escolhidos para concorrer, montados numa dinheirama pública cujos eventuais ilícitos são objeto de anistia autoconcedida, as agremiações partidárias viraram ilhas voltadas para seus interesses.
Caso precisassem atuar como entidades de direito privado que são, indo à luta para amealhar recursos e empenhar esforços para conquistar o eleitorado, não tivessem a reserva de mercado do voto obrigatório provavelmente outros galos cantariam na política nacional.
O Brasil está na vanguarda no sistema eletrônico de votação e apuração. Não faz sentido nem combina com tais avanços que se mantenha na retaguarda na relação do Estado com o cidadão que, se estimulado, poderia se transformar num eleitor mais bem disposto a ir às urnas. Ou se ausentar sem precisar se justificar.
Se somadas as quantidades de sufrágios em branco e nulos, a conta beira os 40% e, em números absolutos, mostra que vários candidatos perderam para o não voto.
Pela relevância dos dados e das motivações implícitas, a recusa à participação ativa foi um dos assuntos mais comentados nos balanços dos chamados recados das urnas.
Rivalizou com o sucesso da centro-direita, o mau desempenho da esquerda, a força das emendas parlamentares na reeleição e a constatação de que Luiz Inácio da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) não mandam na vontade das pessoas, mais interessadas na administração das respectivas cidades do que na briga dos chefes das torcidas da política nacional.
A encomenda do TSE para se estudar a abstenção nos detalhes sem dúvida é muito útil, pois uma vez concluído o trabalho vai se poder abordar o assunto com precisão, sem chutes nem ilações que possam distorcer as conclusões.
Não é necessário, porém, ir às profundezas sociológicas das raízes do Brasil para se chegar a alguns dos porquês de parcela crescente do eleitorado fazer do voto obrigatório —regido por regras de 1965, na ditadura— quase uma letra morta, quando em outro tempo já foi preferência nacional.
A cada nova pesquisa sobre o tema, porém, o facultativo ganha terreno e já representa a maioria. Segundo levantamento do Datafolha de 2020, 56% são contrários à obrigatoriedade.
Outra consulta feita em agosto de 2024, na capital paulista, registrou índice de 52%. Agora em outubro 34% dos paulistanos disseram ao mesmo instituto que não teriam votado se não fossem obrigados. A abstenção segue o ritmo de crescimento; foi de 16,2% em 2000, quase metade do índice atual.
O que está havendo? Antes de falar sobre o descrédito na política e o comportamento dos partidos, vamos a outras hipóteses menos dramáticas para explicar: o aumento da população maior de 70 anos de idade, que não é obrigada a votar e a cada vez maior facilidade para se justificar ausência.
Sobre esse segundo ponto, um parêntese: por que tenho de dizer ao Estado onde estou no dia da votação ou lhe dar satisfação sobre uma decisão privada de não exercer um direito?
E aqui chegamos aos partidos e aos políticos que muitas vezes tampouco se obrigam a dar satisfações aos cidadãos. Assumem atitudes —notadamente nos períodos de entressafra eleitoral— de total indiferença ao que lhes diz a sociedade.
Acontece, por exemplo, quando aprovam fundo eleitoral de R$ 5 bilhões, anistiam as próprias dívidas e se articulam para afrouxar a Lei da Ficha Limpa aprovada na pressão por um projeto de iniciativa popular. Isso para citar casos mais recentes. Ao longo da história (só da redemocratização) há uma coleção deles.
Cada vez mais livres de cobranças, desobrigados de prestar contas sobre a folha corrida dos candidatos escolhidos para concorrer, montados numa dinheirama pública cujos eventuais ilícitos são objeto de anistia autoconcedida, as agremiações partidárias viraram ilhas voltadas para seus interesses.
Caso precisassem atuar como entidades de direito privado que são, indo à luta para amealhar recursos e empenhar esforços para conquistar o eleitorado, não tivessem a reserva de mercado do voto obrigatório provavelmente outros galos cantariam na política nacional.
O Brasil está na vanguarda no sistema eletrônico de votação e apuração. Não faz sentido nem combina com tais avanços que se mantenha na retaguarda na relação do Estado com o cidadão que, se estimulado, poderia se transformar num eleitor mais bem disposto a ir às urnas. Ou se ausentar sem precisar se justificar.
Um Mundo
É um sonho ou talvez só uma pausa
na penumbra. Esta massa obscura
que ela revolve nas águas são estrelas.
Entre aromas e cores, um barco de calcário
prossegue uma viagem imóvel num jardim.
Vejo a brancura entre os astros e os ramos.
Dir-se-ia que o ser respira e se deslumbra
e que tudo ascende sob um sopro silencioso.
Nenhum sentido mas os signos amam-se
e o brilho e o rumor formam um mundo
António Ramos Rosa, "Acordes"
na penumbra. Esta massa obscura
que ela revolve nas águas são estrelas.
Entre aromas e cores, um barco de calcário
prossegue uma viagem imóvel num jardim.
Vejo a brancura entre os astros e os ramos.
Dir-se-ia que o ser respira e se deslumbra
e que tudo ascende sob um sopro silencioso.
Nenhum sentido mas os signos amam-se
e o brilho e o rumor formam um mundo
António Ramos Rosa, "Acordes"
Estudo alerta para riscos do aumento do lixo gerado pela IA
A crescente popularidade da inteligência artificial (IA) generativa deve resultar num aumento acelerado do lixo eletrônico ou e-lixo (e-waste), segundo estudo publicado na revista científica Nature Computational Science esta semana.
Os cientistas responsáveis pelo estudo calcularam que o e-lixo pode atingir um total de 1,2 milhão a 5 milhões de toneladas métricas até 2030, ou mil vezes mais do o total produzido em 2023.
"Descobrimos que o e-lixo gerado pela IA generativa, particularmente grandes modelos de linguagem, pode aumentar drasticamente, com potencial de atingir até 2,5 milhões de toneladas por ano até 2030, se não se adotar nenhuma medida de redução de resíduos", disse Asaf Tzachor, especialista em desenvolvimento sustentável da Universidade Reichman de Israel e coautor do estudo.
A pesquisa também oferece soluções para reduzir o lixo eletrônico, como estratégias para prolongar, reutilizar e reciclar hardware de IA generativa, que podem reduzir a geração residual entre 16% e 86%.
"Isso representa uma enorme oportunidade para reduzir o fluxo de resíduos, caso essas práticas sejam amplamente adotadas. Fica claro neste estudo que a natureza da crise do e-lixo é global, por isso é importante nos concentrarmos na gestão transfronteiriça do e-lixo", disse Saurabh Gupta, fundador da Earth5R, uma organização de sustentabilidade com sede na Índia. Ele não estava envolvido no estudo.
Toda vez que se joga fora um dispositivo eletrônico "desatualizado" ou quebrado, ele passa a ser considerado e-lixo. Podem ser computadores, smartphones, carregadores e cabos, brinquedos eletrônicos, automóveis e sistemas de servidores de grandes dimensões.
O e-lixo representa 70% do total de resíduos tóxicos produzidos em todo o mundo a cada ano, mas apenas 12,5% dele é reciclado. O contador em tempo real no portal de internet The World Counts mostra o quão rápido o e-lixo aumenta em todo o mundo.
"Reduzir o e-lixo é importante, porque o descarte inadequado gera liberação de materiais perigosos, como chumbo e mercúrio, que prejudicam os ecossistemas e a saúde humana", explica Gupta.
Os pesquisadores se concentraram no e-lixo produzido por algoritmos de IA generativa – os tipos de IA que geram textos, imagens, vídeos ou música a partir de grandes conjuntos de dados.
Estudos anteriores confirmaram a alta demanda de energia da IA. Estimativas do instituto de pesquisas SemiAnalysis sugerem que a IA poderá resultar em centros de dados que utilizam 4,5% da produção global de energia até 2030.
Segundo Tzachor, porém, não está tão claro quanto de e-lixo é produzido por programas de IA generativa, como o ChatGPT, incluindo todos os recursos computacionais necessários ao treinamento e uso de IA nos centros de dados.
Como a IA generativa depende de melhorias rápidas na infraestrutura de hardware e tecnologias de chip, há indícios de que ela gera mais e-lixo à medida que o hardware é atualizado ou substituído. "É muito mais fácil e econômico abordar os desafios do lixo eletrônico impostos pela IA agora, antes que eles cresçam para fora de controle", alerta Tzachor.
Os pesquisadores criaram um modelo para quantificar a escala do e-lixo nos centros de dados que dão suporte ao uso de modelos de IA generativa, como modelos de linguagem de grande porte (LLMs). Eles concluíram que o e-lixo pode atingir 5 milhões de toneladas por ano num cenário de crescimento acelerado da IA.
Mas, segundo Tzachor, essas estimativas são potencialmente modestas, devido à rápida transformação do ambiente de negócios da IA: "Fatores como restrições geopolíticas às importações de semicondutores e a rápida rotatividade de servidores podem intensificar a geração de e-lixo associado à IA generativa."
Ele observa ainda que o estudo incluiu apenas o e-lixo criado por sistemas de IA generativa, especificamente os grandes modelos de linguagem, e não outras formas de IA.
"O e-lixo do ecossistema de IA mais amplo é significativo. O estudo prevê que esse volume aumentará com a maior utilização da IA, criando um desafio ambiental que reunirá várias formas de inteligência artificial" aponta Gupta.
Necessidade de estratégias globais
O estudo estima que a implementação de estratégias de economia circular pode reduzir a geração de lixo eletrônico em 16% ou até 86%. Essas estratégias visam minimizar o desperdício e aumentar a eficiência do hardware de computadores.
Tzachor enumera três objetivos principais da estratégia: prolongar o uso do hardware para postergar a necessidade de novos equipamentos, reutilizar e remanufaturar componentes e extrair os materiais valiosos durante a reciclagem do hardware.
Gupta diz concordar plenamente com as conclusões do estudo: "A faixa de redução de 16% a 86% reflete o imenso potencial dessas estratégias, especialmente se apoiadas por políticas e amplamente implementadas em diferentes setores e regiões."
Segundo o especialista, sua organização, a Earth5R, já demonstrou quão eficazes podem ser as estratégias de economia circular: "Através de nossos programas de base e parcerias com empresas, já promovemos esforços locais de coleta e reciclagem de e-lixo que ajudam empresas e consumidores a gerir seus eletrônicos de forma sustentável."
Gupta enfatiza que o e-lixo é uma crise global requerendo estratégias de gestão equitativas e transfronteiriças para mitigar os danos ambientais e à saúde causados quando países ricos exportam seu lixo eletrônico para regiões de baixa renda.
Os cientistas responsáveis pelo estudo calcularam que o e-lixo pode atingir um total de 1,2 milhão a 5 milhões de toneladas métricas até 2030, ou mil vezes mais do o total produzido em 2023.
"Descobrimos que o e-lixo gerado pela IA generativa, particularmente grandes modelos de linguagem, pode aumentar drasticamente, com potencial de atingir até 2,5 milhões de toneladas por ano até 2030, se não se adotar nenhuma medida de redução de resíduos", disse Asaf Tzachor, especialista em desenvolvimento sustentável da Universidade Reichman de Israel e coautor do estudo.
A pesquisa também oferece soluções para reduzir o lixo eletrônico, como estratégias para prolongar, reutilizar e reciclar hardware de IA generativa, que podem reduzir a geração residual entre 16% e 86%.
"Isso representa uma enorme oportunidade para reduzir o fluxo de resíduos, caso essas práticas sejam amplamente adotadas. Fica claro neste estudo que a natureza da crise do e-lixo é global, por isso é importante nos concentrarmos na gestão transfronteiriça do e-lixo", disse Saurabh Gupta, fundador da Earth5R, uma organização de sustentabilidade com sede na Índia. Ele não estava envolvido no estudo.
Toda vez que se joga fora um dispositivo eletrônico "desatualizado" ou quebrado, ele passa a ser considerado e-lixo. Podem ser computadores, smartphones, carregadores e cabos, brinquedos eletrônicos, automóveis e sistemas de servidores de grandes dimensões.
O e-lixo representa 70% do total de resíduos tóxicos produzidos em todo o mundo a cada ano, mas apenas 12,5% dele é reciclado. O contador em tempo real no portal de internet The World Counts mostra o quão rápido o e-lixo aumenta em todo o mundo.
"Reduzir o e-lixo é importante, porque o descarte inadequado gera liberação de materiais perigosos, como chumbo e mercúrio, que prejudicam os ecossistemas e a saúde humana", explica Gupta.
Os pesquisadores se concentraram no e-lixo produzido por algoritmos de IA generativa – os tipos de IA que geram textos, imagens, vídeos ou música a partir de grandes conjuntos de dados.
Estudos anteriores confirmaram a alta demanda de energia da IA. Estimativas do instituto de pesquisas SemiAnalysis sugerem que a IA poderá resultar em centros de dados que utilizam 4,5% da produção global de energia até 2030.
Segundo Tzachor, porém, não está tão claro quanto de e-lixo é produzido por programas de IA generativa, como o ChatGPT, incluindo todos os recursos computacionais necessários ao treinamento e uso de IA nos centros de dados.
Como a IA generativa depende de melhorias rápidas na infraestrutura de hardware e tecnologias de chip, há indícios de que ela gera mais e-lixo à medida que o hardware é atualizado ou substituído. "É muito mais fácil e econômico abordar os desafios do lixo eletrônico impostos pela IA agora, antes que eles cresçam para fora de controle", alerta Tzachor.
Os pesquisadores criaram um modelo para quantificar a escala do e-lixo nos centros de dados que dão suporte ao uso de modelos de IA generativa, como modelos de linguagem de grande porte (LLMs). Eles concluíram que o e-lixo pode atingir 5 milhões de toneladas por ano num cenário de crescimento acelerado da IA.
Mas, segundo Tzachor, essas estimativas são potencialmente modestas, devido à rápida transformação do ambiente de negócios da IA: "Fatores como restrições geopolíticas às importações de semicondutores e a rápida rotatividade de servidores podem intensificar a geração de e-lixo associado à IA generativa."
Ele observa ainda que o estudo incluiu apenas o e-lixo criado por sistemas de IA generativa, especificamente os grandes modelos de linguagem, e não outras formas de IA.
"O e-lixo do ecossistema de IA mais amplo é significativo. O estudo prevê que esse volume aumentará com a maior utilização da IA, criando um desafio ambiental que reunirá várias formas de inteligência artificial" aponta Gupta.
Necessidade de estratégias globais
O estudo estima que a implementação de estratégias de economia circular pode reduzir a geração de lixo eletrônico em 16% ou até 86%. Essas estratégias visam minimizar o desperdício e aumentar a eficiência do hardware de computadores.
Tzachor enumera três objetivos principais da estratégia: prolongar o uso do hardware para postergar a necessidade de novos equipamentos, reutilizar e remanufaturar componentes e extrair os materiais valiosos durante a reciclagem do hardware.
Gupta diz concordar plenamente com as conclusões do estudo: "A faixa de redução de 16% a 86% reflete o imenso potencial dessas estratégias, especialmente se apoiadas por políticas e amplamente implementadas em diferentes setores e regiões."
Segundo o especialista, sua organização, a Earth5R, já demonstrou quão eficazes podem ser as estratégias de economia circular: "Através de nossos programas de base e parcerias com empresas, já promovemos esforços locais de coleta e reciclagem de e-lixo que ajudam empresas e consumidores a gerir seus eletrônicos de forma sustentável."
Gupta enfatiza que o e-lixo é uma crise global requerendo estratégias de gestão equitativas e transfronteiriças para mitigar os danos ambientais e à saúde causados quando países ricos exportam seu lixo eletrônico para regiões de baixa renda.
O jornalista e o bilionário
Marty Baron, editor-executivo do Washington Post de 2013 a 2021, está “excepcionalmente desapomtado” com o dono do jornal, Jeff Bezos. Foi Bezos quem o levou para dirigir a redação ao comprar o jornal mais importante da capital americana (e um dos mais lidos do país), há onze anos.
Enquanto Baron comandou a redação do Post, tudo correu aparentemente bem entre o editor veterano e o bilionário da tecnologia digital transformado em empresário da imprensa tradicional (Bezos criou e continua a ser o dono da Amazon, a loja digital que começou como uma livraria e hoje é um supermercado global que vende de tudo e mais um pouco). Mas as coisas mudaram desde a semana passada.
Baron não se conforma com a decisão do jornal de não mais escolher um candidato a presidente dos Estados Unidos para endossar. A mudança vale já a partir da próxima eleição do dia 5 de novembro, disputada cabeça a cabeça pela democrata Kamala Harris e pelo republicano Donald Trump.
“Não fico mais chocado com facilidade estes dias (…), mas estou profundamente desapontado”, ele disse ao repórter Isaac Chotiner, da revista New Yorker, em entrevista publicada na sua versão online. Além de desapontado, Baron está preocupado com o significado, para o país, do que ele considera uma demonstração de fraqueza do proprietário de um jornal como o Washington Post.
Embora a decisão tenha sido anunciada há uma semana pelo executivo-chefe da empresa dona do jornal, a responsabilidade pela subida no muro vem sendo atribuída por fontes diversas ao próprio Bezos.
A editoria de opinião do Post já tinha pronto um editorial comunicando o endosso a Kamala Harris, quando chegou a decisão de cima; o Post não publicaria o editorial de apoio a Harris e informaria aos leitores que o jornal não vai mais endossar candidatos à Presidência dos Estados Unidos — nesta eleição e nas eleições futuras.
“Isso é covardia, e a democracia será a vítima”, Baron fulminou pela rede social X (ex-Twitter). Para o antigo editor do jornal, Trump interpretará a decisão como uma abertura para tentar intimidar o Post no futuro. O episódio demonstraria falta de espinha dorsal por parte de uma instituição de imprensa que se tornou famosa por sua coragem.
Aqui é preciso algum contexto. O Washington Post, para quem não lembra (ou nem era nascida na época), ganhou fama internacional ao denunciar o escândalo Watergate nos anos 70 do século 20 — a espionagem clandestina do comitê de campanha da oposição Democrata por arapongas desastrados a serviço dos Republicanos, o partido do então presidente Richard Nixon.
Antes desse episódio, o jornal era uma gazeta provinciana e pouco reconhecida fora de Washington. Mas o Post não cedeu à pressão do governo; enfrentou Nixon e o establishment conservador na defesa de seu direito de expor as malfeitorias eleitorais dos Republicanos.
O trabalho investigativo dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, com o respaldo do então editor-executivo Ben Bradlee e da publisher Katherine Graham, fez deles celebridades globais. As reportagens da dupla sobre o envolvimento de auxiliares próximos de Nixon com a espionagem ilegal resultaram numa investigação do Senado, na abertura de um processo de impeachment e, afinal, na renúncia de Nixon.
Meio século mais tarde, outro ex-editor do Post se diz à New Yorker “excepcionalmente desapontado” com as decisões do proprietário mais recente. Não é assim que se lida com o peso institucional de um grande jornal, e isso pode ter consequências negativas para a própria democracia americana.
“Qualquer pessoa que possua uma organização de mídia precisa estar disposto a resistir a pressões intensas”, Baron observa. “E Bezos já demonstrou que é capaz e disposto a fazer isso” (aqui, o ex-editor se refere a outros confrontos passados entre o Post e Donald Trump por causa de matérias publicadas que desagradaram ao ex-presidente; ele reconhece que, nesses casos mais pontuais, Bezos deu respaldo total à redação e não cedeu às pressões de Trump).
“Agora, o que me preocupa é que haja um sinal de fraqueza”, adverte Baron. E Trump, ele observa, ao perceber fraqueza, vai bater mais forte no futuro.
O lema do Washington Post de Jeff Bezos é Democracy Dies in Darkness (A Democracia Morre Na Escuridão, numa tradução livre). Está estampado na página online de cadastramento de novos leitores e assinantes.
As palavras do lema foram lembradas, nos últimos dias, entre os jornalistas e o público leitor dos Estados Unidos, que reagiram com espanto e indignação à decisão do Post de não endossar um candidato à presidência do país — o que é uma tradição por lá. Mas a surpresa talvez possa ser vista como uma confirmação irônica do slogan.
Dezenas de milhares de leitores cortaram suas assinaturas do Washington Post nos últimos dias; editorialistas e membros do conselho editorial renunciaram a seus postos; e o próprio Marty Baron, em entrevistas, apontou para uma contradição significativa. A decisão de desistir do endosso a um candidato foi tomada pelo Post na hora errada, em cima de uma eleição presidencial crucial e disputadíssima, sem debate interno e sem tempo para discussão prévia.
Uma decisão tomada no escuro, portanto (esta conclusão é do escriba destas mal-traçadas, não de Baron). O próprio Bezos, entretanto, reconheceu esse erro de momento numa nota assinada que publicou no Post como explicação e apelo a que acreditemos em seus altos princípios. Se Trump afinal levar essa eleição, na lei ou no grito, e começar a pôr em prática as barbaridades políticas sugeridas na campanha, vai ser inevitável lembrar que, nas eleições dos Estados Unidos de 2024, a democracia começou a morrer quando o Washington Post apagou a luz.
Enquanto Baron comandou a redação do Post, tudo correu aparentemente bem entre o editor veterano e o bilionário da tecnologia digital transformado em empresário da imprensa tradicional (Bezos criou e continua a ser o dono da Amazon, a loja digital que começou como uma livraria e hoje é um supermercado global que vende de tudo e mais um pouco). Mas as coisas mudaram desde a semana passada.
Baron não se conforma com a decisão do jornal de não mais escolher um candidato a presidente dos Estados Unidos para endossar. A mudança vale já a partir da próxima eleição do dia 5 de novembro, disputada cabeça a cabeça pela democrata Kamala Harris e pelo republicano Donald Trump.
“Não fico mais chocado com facilidade estes dias (…), mas estou profundamente desapontado”, ele disse ao repórter Isaac Chotiner, da revista New Yorker, em entrevista publicada na sua versão online. Além de desapontado, Baron está preocupado com o significado, para o país, do que ele considera uma demonstração de fraqueza do proprietário de um jornal como o Washington Post.
Embora a decisão tenha sido anunciada há uma semana pelo executivo-chefe da empresa dona do jornal, a responsabilidade pela subida no muro vem sendo atribuída por fontes diversas ao próprio Bezos.
A editoria de opinião do Post já tinha pronto um editorial comunicando o endosso a Kamala Harris, quando chegou a decisão de cima; o Post não publicaria o editorial de apoio a Harris e informaria aos leitores que o jornal não vai mais endossar candidatos à Presidência dos Estados Unidos — nesta eleição e nas eleições futuras.
“Isso é covardia, e a democracia será a vítima”, Baron fulminou pela rede social X (ex-Twitter). Para o antigo editor do jornal, Trump interpretará a decisão como uma abertura para tentar intimidar o Post no futuro. O episódio demonstraria falta de espinha dorsal por parte de uma instituição de imprensa que se tornou famosa por sua coragem.
Aqui é preciso algum contexto. O Washington Post, para quem não lembra (ou nem era nascida na época), ganhou fama internacional ao denunciar o escândalo Watergate nos anos 70 do século 20 — a espionagem clandestina do comitê de campanha da oposição Democrata por arapongas desastrados a serviço dos Republicanos, o partido do então presidente Richard Nixon.
Antes desse episódio, o jornal era uma gazeta provinciana e pouco reconhecida fora de Washington. Mas o Post não cedeu à pressão do governo; enfrentou Nixon e o establishment conservador na defesa de seu direito de expor as malfeitorias eleitorais dos Republicanos.
O trabalho investigativo dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, com o respaldo do então editor-executivo Ben Bradlee e da publisher Katherine Graham, fez deles celebridades globais. As reportagens da dupla sobre o envolvimento de auxiliares próximos de Nixon com a espionagem ilegal resultaram numa investigação do Senado, na abertura de um processo de impeachment e, afinal, na renúncia de Nixon.
Meio século mais tarde, outro ex-editor do Post se diz à New Yorker “excepcionalmente desapontado” com as decisões do proprietário mais recente. Não é assim que se lida com o peso institucional de um grande jornal, e isso pode ter consequências negativas para a própria democracia americana.
“Qualquer pessoa que possua uma organização de mídia precisa estar disposto a resistir a pressões intensas”, Baron observa. “E Bezos já demonstrou que é capaz e disposto a fazer isso” (aqui, o ex-editor se refere a outros confrontos passados entre o Post e Donald Trump por causa de matérias publicadas que desagradaram ao ex-presidente; ele reconhece que, nesses casos mais pontuais, Bezos deu respaldo total à redação e não cedeu às pressões de Trump).
“Agora, o que me preocupa é que haja um sinal de fraqueza”, adverte Baron. E Trump, ele observa, ao perceber fraqueza, vai bater mais forte no futuro.
O lema do Washington Post de Jeff Bezos é Democracy Dies in Darkness (A Democracia Morre Na Escuridão, numa tradução livre). Está estampado na página online de cadastramento de novos leitores e assinantes.
As palavras do lema foram lembradas, nos últimos dias, entre os jornalistas e o público leitor dos Estados Unidos, que reagiram com espanto e indignação à decisão do Post de não endossar um candidato à presidência do país — o que é uma tradição por lá. Mas a surpresa talvez possa ser vista como uma confirmação irônica do slogan.
Dezenas de milhares de leitores cortaram suas assinaturas do Washington Post nos últimos dias; editorialistas e membros do conselho editorial renunciaram a seus postos; e o próprio Marty Baron, em entrevistas, apontou para uma contradição significativa. A decisão de desistir do endosso a um candidato foi tomada pelo Post na hora errada, em cima de uma eleição presidencial crucial e disputadíssima, sem debate interno e sem tempo para discussão prévia.
Uma decisão tomada no escuro, portanto (esta conclusão é do escriba destas mal-traçadas, não de Baron). O próprio Bezos, entretanto, reconheceu esse erro de momento numa nota assinada que publicou no Post como explicação e apelo a que acreditemos em seus altos princípios. Se Trump afinal levar essa eleição, na lei ou no grito, e começar a pôr em prática as barbaridades políticas sugeridas na campanha, vai ser inevitável lembrar que, nas eleições dos Estados Unidos de 2024, a democracia começou a morrer quando o Washington Post apagou a luz.
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