domingo, 7 de janeiro de 2018

Como nos tornamos o que hoje somos?

Durante a primeira metade do século passado e até algumas décadas atrás, numerosos escritores tentaram compreender o “caráter nacional” brasileiro. Uns o descreviam como otimista, alegre, bondoso e cordial; para outros seríamos justo o contrário: pessimistas, tristes, egoístas, violentos. Prepotentes para uns, subservientes para outros.

Tais tentativas nunca deram bons resultados, pela singela razão de que partiam de uma premissa insustentável: a de que o caráter de um povo seja imutável ao longo do tempo e possa ser retratado por meio de um traço ou de um pequeno conjunto de traços comuns.


Auxiliado por Francisco Almeida e Zander Navarro, o senador Cristovam Buarque retomou a questão mencionada de uma forma instigante e inovadora no livro “Brasil, brasileiros: por que somos assim?” (Editora Verbena, 2017). Na condição de organizadores, os três convidaram dezesseis autores renomados a responder a questão, oferecendo cada um sua definição daquele “assim” do título – sua imagem dos brasileiros como povo – e tentando explicar como se formaram nossos traços predominantes.

Por que somos como somos: eis a indagação que permeia os dezesseis ensaios. Não vou contar o fim do filme. Vou apenas insistir em minha tese de que todo povo é heterogêneo e mutável. Os traços que o definem mudam ao longo do tempo, em função das circunstâncias. Por exemplo: acho razoável dizer que a maioria dos brasileiros tem um jeito cordial, pacífico, avesso à violência, mas o fato é que, de umas três ou quatro décadas para cá, passamos a viver em redutos fortificados, protegidos por grades de ferro, muito arame farpado e cães que não brincam em serviço. Somos contraditórios; podemos ser ao mesmo tempo bondosos e cruéis.

Na economia, não somos aquele povo preguiçoso e sem iniciativa imortalizado por Mário de Andrade no romance “Macunaíma”; basta ver o pujante agronegócio que construímos no transcurso do último meio século. Somos, isso sim, uma gente impedida de empreender e trabalhar, pois até hoje não conseguimos nos livrar do Estado patrimonialista, essa máquina que nos reduz à impotência a fim de preservar o que alguns chamam de capitalismo de Estado e que eu prefiro chamar de capitalismo de compadrio, de corruptos e de burocratas incompetentes.

Os tons da campanha eleitoral

Como será a campanha eleitoral deste ano? Que prioridades comporão a agenda partidária? A resposta a estas questões exige, inicialmente, saber quais as diferenças entre o pleito deste ano e o de 2014. Vejamos: 1. Não serão permitidas doações aos partidos por empresas; 2. A campanha em rádio e TV terá a duração de 35 dias, enquanto a campanha de rua não poderá ultrapassar 45 dias. (Na anterior, durava 45 dias na mídia e 90 nas ruas). Teremos, portanto, uma campanha mais modesta do ponto de vista de recursos financeiros e mais curta que a anterior.

Sob essas mudanças, resta aos resta aos candidatos as alternativas: aumentar a visibilidade junto ao eleitorado; usar novos meios para cooptar eleitores, pois contarão apenas com as verbas a saírem do Fundo Especial de Financiamento de Campanha- FEFC – aprovado pelo Senado e pela Câmara, de cerca de R$ 1,7 bilhão. ( Em 2014, só para as candidaturas presidenciais as despesas somaram R$ 652 milhões, 13% do total gasto com as campanhas estaduais para governadores e deputados). Para este ano, a projeção é de um gasto de R$ 300 milhões na campanha presidencial, a metade da anterior.

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O cabresto financeiro curto e a diminuição do tempo de campanha elegem as coligações como a maior prioridade dos partidos que lançarão candidatos. Quanto mais ampla a coligação, maior tempo de mídia eleitoral. O rádio e a TV são os meios que propiciam a massificação do nome e dos programas dos candidatos. Lembrando: o PT deverá dispor de 5 minutos e 13 segundos e o PSDB, de 4 minutos e 11 segundos. Seis outros partidos – MDB, PP, PSD, DEM, PR, PSB – deverão dispor de 18 minutos e 12 segundos. Logo, o caminho que resta aos candidatos é procurar formar coligações com grandes e médios partidos, de forma a aumentar sua exposição na mídia.

A par dessa estratégia, a campanha deste ano deverá receber forte impulso das redes sociais, o que exigirá de partidos e candidatos a montagem de eficazes sistemas de comunicação eletrônica interativa. Nessa área, o deputado Jair Bolsonaro está hoje na dianteira, contabilizando 4.719.570 seguidores no Facebook e com 3,2 milhões de reações entre 23 de setembro e 23 de outubro passado, enquanto Lula, com 3.045.933 seguidores no Facebook, teve 1,1 milhão de reações; João Doria, com 1.060.737 seguidores, teve 1 milhão de reações. Os 12 nomes que hoje se apresentam como pré-candidatos somam 16,9 milhões de seguidores no Facebook, 6,2 milhões no Twitter e 1,7 no Instagram. Portanto, quem está com a máquina das redes a pleno vapor sai na frente daqueles que ainda engatinham na trilha eletrônica.

Após a formação de coligações e a organização da comunicação, nos meios massivos do rádio e TV e nas redes sociais, os candidatos haverão de mexer em outras pernas do marketing eleitoral. Como é sabido, o marketing político com foco em eleições se ampara em cinco eixos: pesquisa, discurso, comunicação, articulação e mobilização. O eixo de articulação abriga intensa agenda de contatos com os grupamentos eleitorais e com a própria teia política. Serão vitais a articulação social e a articulação política. A primeira abrange contatos de candidatos com a freguesia eleitoral (segmentos, categorias profissionais e classes sociais). Pano de fundo: a sociedade brasileira dá as costas à política, preferindo que organizações da sociedade civil a representem: associações, sindicatos, federações, grupos, núcleos, setores profissionais, movimentos etc. Pois bem, mapear esse universo e promover contatos diretos com a sociedade organizada constituem alta prioridade.

Ao lado desse marketing vertical/segmentado, os candidatos haverão de gastar sola de sapato em cidades-polo, vilas, bairros, periferias, centros etc. Trata-se do marketing horizontal, com foco nas regiões. Os candidatos à presidência precisam atentar para a geografia eleitoral. Quase 50% do eleitorado brasileiro se concentram em apenas 191 dos 5.568 municípios. A presença do candidato junto ao eleitor é imperiosa necessidade nesses tempos de descrédito. Trata-se de um momento para firmar compromissos, ouvir demandas, propor coisas viáveis e factíveis, mostrar-se por inteiro ao eleitor. A fosforescência dos programas eleitorais gera desconfiança do eleitor. Que, por sua vez, vai querer dizer verdades aos candidatos. A articulação se completa com a agenda voltada para os agentes políticos – deputados, prefeitos e vereadores -, exércitos de vanguarda de candidatos majoritários. São esses os grandes cabos eleitorais.

Já a perna da mobilização compreende as movimentações de massa, eventos programados para energizar as campanhas. Os comícios fazem parte desse eixo, mas hoje já não há tanto entusiasmo do eleitor para participar de tais eventos. E, como é sabido, os showmícios, que atraem e motivam as pessoas, continuam proibidos. Quanto ao discurso, é oportuno lembrar que o eleitor está vacinado contra promessas mirabolantes, programas fantasiosos. A descrença é tanta que mesmo propostas simples são jogadas no ouvido das dúvidas. É útil, porém, organizar um feixe de ideias fortes, extraídas de percepções sociais por meio de pesquisas, além de observações e sugestões dos eleitores.

Em suma, a campanha deste ano será mais objetiva, concisa e precisa na exposição de programas. A pequena visibilidade de alguns candidatos poderá ser fatal para sua “canibalização”(termo para designar massacre, perda de espaço etc) por parte dos candidatos mais visíveis. Os mais onipresentes – aparecendo em todos os lugares – estarão na dianteira de outros. ( É um desafio estar aqui, ali e acolá ). As redes sociais poderão ser meios para multiplicar a presença do candidato junto a eleitores próximos ou distantes. Usar as redes de modo que não cheguem a massacrar o seguidor – eis outro desafio a ser enfrentado. Por isso, os programadores das redes e os fornecedores de conteúdo deverão compor o batalhão de frente das campanhas.

Resta recitar o ditado: muita disposição, fé em Deus e pé na tábua.

Gaudêncio Torquato

Paisagem brasileira

Paisagem (1882), J. J. Telles Júnior

O primeiro contato com a pobreza

Vivi no bairro do Coq d'Or perto de ano e meio. Um dia , no verão , descobri que me restavam apenas quatrocentos e cinquenta francos e, além disso, nada mais do que os trinta e seis francos semanais que ganhava a dar lições de Inglês. Até aí, nunca pensara no futuro, mas agora dava-me conta de que precisava de fazer alguma coisa e depressa. Decidi pôr-me à procura de emprego e - por felicidade, como depois se verificou - tomei a precaução de pagar duzentos e cinquenta francos adiantados sobre o quarto. Com os restantes duzentos e cinquenta francos, além das lições de Inglês, podia aguentar-me um mês, e no espaço de um mês , acabaria por descobrir provavelmente um trabalho. Pensava arranjar um lugar de guia turístico nalguma companhia do sector ou talvez servir de intérprete. Mas uma série de azares impediu-me de o conseguir.

homeless
Um belo dia chegou ao hotel um jovem italiano que se dizia compositor. Era uma pessoa bastante ambígua, com as suas patilhas, que tanto podiam ser de "apache" como de intelectual, de modo que ninguém sabia ao certo como havíamos de o classificar. Madame F. não gostava do ar dele, e fê-lo pagar uma semana adiantada. O italiano pagou e ficou seis noites no hotel. Durante esse tempo, arranjou maneira de fabricar duplicações de certas chaves, e na última noite roubou doze quartos, entre os quais se contava o meu. Felizmente , não deu com algum dinheiro que eu tinha nos bolsos , de modo que não fiquei completamente liso. Fiquei precisamente com quarenta e sete francos - ou seja , sete xelins e dez pence.

Isto pôs fim aos meus planos de procurar trabalho. Tinha agora de viver à taxa de seis francos por dia , e de começo era uma coisa demasiado difícil para me deixar tempo bastante para pensar no que quer que fosse. Foi então que a minha experiência de pobreza começou - porque seis francos por dia, se não é a miséria está pelo menos muito perto dela. Seis francos é um xelim por dia , e pode-se viver com um xelim em Paris, se se souber como. Mas trata-se de uma arte complexa.

É bastante curioso, o primeiro contacto que travamos com a pobreza. Pensámos sempre muito, para começar, acerca da pobreza - foi ela o que tememos durante toda a vida, aquilo que sabíamos que nos iria acontecer ou mais cedo: mas quando acontece é completamente diferente, na sua configuração absolutamente prosaica. Pensávamos que ia ser muito simples; mas é extraordinariamente complicado. Pensávamos que ia ser terrível; é apenas sórdido e aborrecido. É a extraordinária baixeza da miséria, o que se descobre de início; os expedientes que implica, a mesquinhez intrincada, o poupar dos cotos de vela.

George Orwell

Medo, esperança e rancor

Início de ano é hora de esperança. E de resoluções para que ela se concretize.

Apesar do desalento diante de tantas preocupações e incertezas, será que vale a pena apostar na possibilidade de haver algum jeito? Aliás, incerteza foi uma das palavras dominantes nesta virada de ano. A começar pela insegurança econômica, sem se saber se essa ligeira melhora no quadro é só um voo de galinha, ou se os índices positivos vão se manter o suficiente para haver queda do desemprego e retomada de um desenvolvimento que melhore a vida de todos e permita reduzir a desigualdade.

Mas queremos todos ter esperança. Estamos precisando muito dela. Sua perda recente ainda causa dor.

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Em 2002, quando Lula se elegeu pela primeira vez numa eleição emocionante, o mantra era que a esperança venceu o medo.

Em 2005, quando começou a se revelar o mensalão — de cuja verdadeira extensão o país só iria tomar conhecimento detalhado em 2007, com o julgamento no STF — o choque da desilusão ainda era fraco diante da força da esperança acumulada. Permitia dúvidas. E durante algum tempo, foi possível dar um crédito e aceitar diferentes versões. A de que tudo era mentira, intriga da oposição. A de que sempre foi assim no Brasil. A de que o presidente tinha sido traído, vítima apunhalada pelas costas por companheiros em quem confiara.

A credulidade dos eleitores garantiu sua reeleição e levou o poste Dilma ao direito de ser chamada de presidenta. Incluindo novas emoções, a alimentar novas esperanças. Houve quem se comovesse com o fato de ser a primeira mulher a chegar ao cargo. De minha parte, lembro-me de que em sua posse tive nó na garganta com dois aspectos simbólicos, condensados em imagens solenes. A primeira era a da ex-presa, torturada pelo governo militar, que agora ia de militante a comandante em chefe das forças armadas, passando em revista tropas que não mais a prendiam, mas lhe apresentavam armas em saudação. A segunda foi quando o presidente do Uruguai, José Mujica, a abraçou, num enlace que reunia nossa ex-guerrilheira a um ex-Tupamaro. Lutadores pela liberdade chegavam ao poder.

Depois veio a disputa de novo mandato. O processo do mensalão já escancarara os meandros e antros de Brasília. O país já não tinha desculpas para ignorar onde se metera. Estava transparente. Não dava para fingir que não víamos aquilo que José Padilha batizaria de “o mecanismo”. Já sabíamos como era a linha de ação que estava no poder, e como nele pretendia se manter. Na campanha, vimos do que o marketing do João Santana era capaz. Muito mais do que receber dinheiro no exterior, como Duda Mendonça esmiuçara diante das câmeras no mensalão, agora se mentia e agredia o adversário com o desespero de quem tinha medo e percebia a esperança indo embora. Nos vídeos que a TV exibia, sumiam a comida na mesa e os livros nas mãos das crianças, e se sucediam ameaças inventadas contra quem ousasse pensar em votar em Marina Silva.

O provérbio fala em “além da queda, coice”. O que vimos foi “além da raiva, mentira”. Nascidas da desesperança e do medo de perder o poder. Só importava manter-se lá a qualquer preço. E hoje temos uma noção bem mais precisa de como foi alto esse preço pago adiantado — embora ainda estejamos longe de fechar a tampa de toda a roubalheira e chegar a somas finais, que sintetizem o prejuízo total aos cofres públicos e ao país. Só temos certeza é de que foi além da imaginação. E constatamos que o preço trazia Temer, vice dela transformado em presidente nosso, apoiado pelo quadrilhão que incluía corridinha com mala e mais uma sala cheia de dinheiro. E que Aécio não fora uma alternativa, mas apenas outro caso — com o mesmo linguajar chulo, a mesma promiscuidade com bandidos, as malas repletas que conhecíamos desde os aloprados.

No entanto, os votos de Ano Novo há pouco mostraram como a população percebe outro aspecto destes dias que estamos vivendo e que, igualmente fruto da desesperança, nos tem marcado nos últimos tempos. Tende a se acentuar neste ano de eleições que começa com data para um julgamento do próprio Lula, sob a ameaça de desrespeito à decisão judicial, mediante conclamação para reações violentas. Mas tanto pessoalmente quanto pela televisão, vimos pessoas que, ao desejarem paz em 2018, explicavam: “com menos raiva” ou “sem rancor”.

Dá um certo alento. Rancor é ressentimento raivoso que se guarda, fermentando no que Cora Rónai bem definiu como a densa baba do ódio. Desejar um país sem rancor é um bom voto para 2018, quaisquer que sejam em outubro os votos nas urnas. Já estamos fazendo besteira demais nesta nossa terra que segue aos trambolhões, enquanto a desigualdade se mantém, os políticos não fazem nada eficiente — e ainda atrapalham quem quer trabalhar. Não é bom para ninguém que a campanha eleitoral ( e o que dela resultar) se converta em um processo de vingança, em que o rancor vença a esperança.

A todos, feliz 2018. Com meus votos de “Fora, rancor!”

Ana Maria Machado

Em defesa do 'Gulp'!

Entre a redação desta coluna e sua publicação, não importa quantas horas transcorram, é certo que o presidente Michel Temer terá anunciado alguma urgente medida da qual, por impropriedade constitucional, política ou mesmo moral, foi logo obrigado a desistir. É o seu estilo — o do se colar, colou. Em sua retrospectiva de 2017, no dia 30 último, a Folha fez um levantamento desses recuos e ilustrou-o com uma foto em que Temer, em close, está claramente fazendo “Gulp!”.

O problema é: em 2018, a expressão “Gulp!” será assim tão clara? A palavra vem do inglês, e significa “engolir depressa, de uma só vez”. Nas histórias em quadrinhos, quando um personagem se arrepende de ter dito ou cometido alguma coisa, o balão o mostra fazendo “Gulp!”, como se ele a estivesse engolindo. Ou mostrava — porque acho que, de uns tempos para cá, ninguém mais faz “Gulp!”. Faz “Oops!”.

Pelo menos, só tenho lido e ouvido “Oops!” em legendas de charges políticas e artigos de jornal e dito por locutores de rádio e TV — pronunciado “Uups!”, claro, ou não seríamos uma aplicada colônia linguística. Nada contra “Oops!”, e só lamento porque acho “Gulp!” mais expressivo.

Assim como considero o clássico “Ha! Ha! Ha!”, para indicar uma gargalhada, muito mais nobre e dignificante do que os intermináveis “KKKKKKKKKKKK” com que as pessoas passaram a cacarejar por escrito pela internet. Estamos perdendo, inclusive, a riqueza de variações do “Ha! Ha! Ha!”, que eram o “He! He! He!”, o “Hi! Hi! Hi!”, o “Ho! Ho! Ho!” e o “Hu! Hu! Hu!”, cada qual representando um jeito de rir.

Temo que, a continuar essa tendência, não demoremos a trocar nossa eficiente interjeição de dor, “Ai!”, pela engessada “Ach!” dos americanos, e o nosso maravilhoso, quase cômico, som de espirro “Atchim!” pelo “Atchoo!” deles.

Flash mob brasileiro em shopping londrino

Maior 'projeto de reflorestamento da história' recupera menos de 5% do desmatamento da Amazônia

Uma área de pelo menos 4 milhões de hectares, equivalente ao tamanho da Suíça ou a 4 milhões de campos de futebol, foi destruída na Amazônia nas últimas décadas e essa degradação, segundo especialistas, criou um abismo difícil de ser reduzido até mesmo parcialmente - como pretende fazer um projeto alardeado como "incrivelmente audacioso" e "o maior da história" nesse campo.

A iniciativa, anunciada na abertura do festival de música Rock in Rio, em setembro, quer recuperar 30 mil hectares e devolver 73 milhões de árvores à floresta brasileira até 2023. A previsão é de que as ações sejam intensificadas em 2018.

A perspectiva significa, na prática, recompor 4,52% do que foi desmatado somente entre agosto de 2016 e julho de 2017 (6.624 quilômetros quadrados, mais de 600 mil hectares) e resolver 0,75% do desmatamento total acumulado que atinge uma área de pelo menos 4 milhões de hectares.



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"Apesar de ser sempre louvável que algo seja feito, ao invés da inação, o projeto é completamente insuficiente para compensar, minimamente, o que é destruído", diz o pesquisador senior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Antonio Donato Nobre.

O projeto prevê, entre outras, a utilização de uma técnica de semeadura chamada "muvuca", uma mistura de sementes espalhada na terra para tentar chegar o mais próximo possível ao comportamento da floresta.

A muvuca será usada principalmente nos primeiros hectares, como os da bacia do rio Xingu, e em outras cujas caraterísticas locais propiciam o uso da técnica.

O custo médio por hectare chega a ser 3 a 4 vezes menor do que os métodos mais tradicionais, como o plantio de mudas, diz Rodrigo Medeiros, da CI-Brasil. "Além da escala, o que torna o custo menor é o mix de técnicas que serão utilizadas, que vai desde a semeadura direta de sementes até a condução de regeneração natural", acrescenta.

Na maioria das áreas a mistura é semeada com a ajuda de máquinas. Nas menos extensas, é feita manualmente.

"Por meio dessa técnica, cada uma das espécies vai cumprindo uma função dentro do ecossistema, que vai desde ajudar a enriquecer o solo, até trazer mais diversidade, propiciar condições para que os dispersores de sementes (pássaros, insetos, répteis e mamíferos), possam entrar nessa área e o princípio básico é: tentar imitar a dinâmica da floresta. Imitar como ela faria por conta própria", descreve Junqueira, do Instituto Socioambiental.

Segundo ele, será possível ver que as sementes viraram floresta - ou caminham para isso - depois de três anos, quando as árvores estarão com um porte mais avantajado. Em 10 anos, estima, será possível identificar as espécies que predominam.
"Parte da solução"

Lançadas oficialmente à terra em novembro de 2016, as primeiras sementes da iniciativa começam a brotar na bacia do rio Xingu, onde 122,6 mil hectares de florestas foram desmatadas entre agosto de 2016 e julho de 2017.

Agora, 2 milhões de árvores estão sendo restauradas em uma área de 800 hectares.

"Hoje sabemos que no mínimo 4 milhões de hectares de florestas foram destruídos na Amazônia de maneira ilegal e desnecessária nas últimas décadas e precisam ser restaurados", diz Rodrigo Medeiros, vice-presidente da Conservation International para o Brasil (CI-Brasil), uma das entidades que conduzem o projeto. "Queremos ser parte dessa solução".

O reflorestamento é feito em parceria com o braço ambiental do Rock in Rio, o Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Socioambiental e o Banco Mundial.
Articulação

"A maioria das experiências anteriores de restauração registradas na Amazônia não alcançam 30 mil hectares, sem contar com o fato de que eram iniciativas singulares, sem a articulação que estamos promovendo agora", diz Medeiros.

Quando oficialmente anunciada, em setembro de 2017, o CEO da Conservation, M. Sanjayan, descreveu a iniciativa como "incrivelmente audaciosa".

A declaração foi propagada por diversos veículos nacionais e internacionais, e acrescentava: "Juntamente com uma aliança de parceiros, estamos realizando o maior projeto de restauração de florestas tropicais no mundo, reduzindo o custo de restauração no processo".

E a ideia, segundo o vice-presidente da Conservation no Brasil, é agregar mais parceiros e recursos para ampliar as ações.

"Temos um horizonte de 6 anos com recursos garantidos, mas não podemos esquecer que a meta assumida pelo Brasil no Acordo de Paris, com restauração, vai até 2030. Então, temos muito trabalho pela frente".

O acordo de Paris, que ele cita, é um compromisso mundial para reduzir a emissão de gases que causam mudanças no clima.

Por meio desse acordo, o Brasil quer restaurar 12 milhões de hectares de vegetação, até 2030 - número que corresponde a 60% dos 20 milhões de hectares estimados como passivo, ou tamanho do problema gerado pelo desmatamento em todo o território nacional. E isso vai além da Amazônia.

Medeiros considera que o objetivo do projeto que conduz é "grande" se comparado à escala do que foi feito anteriormente, mas admite que "pode parecer pequeno" se considerada "a escala do compromisso assumido pelo Brasil".

Embora não zere o passivo que existe, a expectativa é que os 30 mil hectares da iniciativa se somem a outros para que os 12 milhões pretendidos como parte do Acordo sejam atingidos.

A meta brasileira é chegar ao ano 2025 com emissões de gases 37% menores que em 2005 e alcançar 43% de queda em 2030.

Para isso, além de estimular o replantio e a restauração da vegetação, o governo se comprometeu a aumentar a participação de bioenergia sustentável na matriz energética para aproximadamente 18% e a alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz.

Hoje, energia eólica, energia solar e biomassa, que integram a lista das fontes renováveis, representam uma fatia somada de 16,75% da potência instalada, de acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

De novo apenas o ano

Pensando friamente na “política”, se enxerga que ela deveria aspirar ao bem comum, ser uma procura incessante pela convivência harmônica numa sociedade, baseada no respeito recíproco, na paz, na igualdade de oportunidades e na distribuição das benesses produzidas de forma a erradicar o sofrimento.

O quadro pintado pelos acontecimentos atuais é outro. Um festival de egoísmo e de dissimulações, que tem como objetivo tirar vantagens pessoais, que ignora as consequências e os horrores provocados a esmo.

Como feras vorazes, encardidas de baixezas, os principais ocupantes da cena são movidos pela sede de poder e riquezas e, ainda, impassíveis à penosa situação da população. Vida de nababos, em círculos tanto fechados quanto alienados. “Bom pra mim, o resto se dane”, sem compaixão para com seus semelhantes.


Os mecanismos da economia nacional se ressentem como se ressentiria um motor a gasolina alimentado com uma mistura de água, lama e apenas um pouco de derivado de petróleo com razoável octanagem. Regular o motor numa viagem é um exercício improvável, assim como subir o aclive da montanha.

As alternativas de escolha concedidas ao eleitor, pelas regras aprovadas pelo atual Congresso Nacional, são mínimas e ditadas pelo interesse da manutenção do status quo, varrendo outras possibilidades mais “democráticas”.

Com a manutenção das regras anteriores, ainda agravadas pela introdução de um financiamento público que concede privilégio aos ocupantes do Congresso Nacional, o resultado será obviamente o continuísmo. Ficaremos patinando por mais quatro anos entre mensalões e quadrilhões.

O próximo Congresso, com raras exceções, garante o atraso, a estagnação do potencial nacional, eternamente em briga com os vícios da desoladora carência de consciência coletiva. Fica evidente que um qualquer surto de progresso depende apenas de causas externas estupidamente favoráveis. E poderemos contar apenas com isso. A expectativa é ver o Brasil sangrando, como antes, perdendo a oportunidade de capitalizar seus esforços.

O sistema político brasileiro perdeu musculatura, é uma ameba e, psicologicamente, um débil sem rumo.

Para deixar o pântano mais propício a cobras e jacarés, o Congresso Nacional reeditou as regras eleitorais que levaram ao poder as figuras atoladas na Lava Jato. Concedeu, ainda, R$ 2,5 milhões a cada parlamentar para financiar sua campanha à reeleição e mais R$ 10 milhões de emendas parlamentares, gerou-se assim um desnível abismal entre duas categorias. Para o calouro nada, para o parlamentar tudo. Teremos um resultado de cartas marcadas.

Entende-se que, salvo milagre, não haverá uma renovação consistente para oxigenar o Congresso e o sistema político. A próxima legislatura promete congelar as esperanças de ajustar o Brasil.

Também não se enxerga um avatar na cena, alguém para induzir uma tomada de consciência, estimular um pacto nacional ou a chegada de um círculo virtuoso. O risco é continuar o espetáculo entre direita e esquerda, que se locupletam igualmente no poder.

Estamos à frente da inevitabilidade do continuísmo.

E lembrando Jean-Jacques Rousseau, teórico do iluminismo, “o poder deveria ser exercido pela vontade geral, pelo alcance do melhor para cada um. Por isso, subordina-se a liberdade individual ao Estado sob a condição de que todos façam o mesmo, quer dizer, respeitem as regras”. Embora a vontade particular tenda para interesses particulares, segundo o filósofo francês, a vontade geral tensiona a coletividade a escolher a fórmula mais desejável. Disso a necessidade do império da democracia.

Considera que os indivíduos se subordinam aos ditados do Estado, pagam os impostos, respeitam as leis em troca do bem maior e difuso. Só que no Brasil assiste-se à traição permanente por parte dos eleitos, interessados essencialmente na riqueza desregrada e no poder, atribuindo-se despudoradamente o desfrute do bem comum. Enquanto isso, a vontade geral é traída.

A democracia no Brasil ainda é uma miragem num ambiente desertificado pelo egoísmo e pela ignorância, que se associaram para erguer ao poder uma categoria maléfica, de “expertos”, que se apoderaram do esforço coletivo e contributivo e ainda usurparam as riquezas públicas em prejuízo da coletividade.

Perdidos? Não, é questão de escolhas possíveis e de tempo.

Entre a violência e a paciência, o sábio adota a última e sabe devotar a fidelidade aos princípios corretos confiando que, além de eternos, são os únicos que vencem as grandes guerras.

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Um reles suspeito

Na política, há três tipos de atores: os homens de bem, os homens que se dão bem e os homens que são flagrados com os bens. Temer considera-se um homem de bem. Mas o êxito que obteve no congelamento das duas primeiras denúncias criminais —uma por corrupção passiva, outra por obstrução à Justiça e organização criminosa— fez com que a plateia o enxergasse como um personagem que se deu bem.
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E o novo inquérito deixa no ar a hipótese do surgimento de uma terceira denúncia protagonizada por um suspeito de tomar posse de bens alheios. O Brasil, eterno país do futuro, merecia um enredo mais qualificado

O mando da eminência parda do governo Temer

O dono da palavra final e do dedo no suspiro – sujeito oculto nas sombras do poder no Planalto – que vetou o nome inicialmente escolhido pelo PTB para novo ministro do Trabalho – Pedro Fernandes, deputado pelo Maranhão – tem larga tradição no mandonismo oligárquico da política no País. Sem mandato atualmente, o manda- chuva de décadas ocupa cadeira de destaque na Academia Brasileira de Letras e tem livro novo na praça. É José Sarney, o cara da vez, novamente. Acredite se quiser.

Mesmo com o rápido “arranjo”, bem ao estilo do partido dos atuais donos do poder – onde a questão moral, aptidão e competência técnica e política, para o cargo, são o que menos importam – , o Palácio do Planalto confirmou para o posto a também parlamentar petebista Cristiane Brasil. Filha do presidente nacional do partido, detonador e condenado do Mensalão, Roberto Jefferson, que foi às lágrimas com o “resgate”, ao adiantar que a data da posse da herdeira dileta está marcada para a semana que vem.


A começar pelo sobrenome da nova escolhida, para comandar a pasta do Trabalho, tudo isso parece uma imensa e irônica encenação de tragicomédia anunciada. Antes do correr da cortina, para de novo esconder o palco do distinto público, no entanto, foi passado unguento nas pisaduras, mas o calo de sangue vai ficar incomodando muita gente pisoteada, ainda por um bom tempo. Já se sabe, (por denúncia do próprio convidado da primeira hora, do presidente da República, para ocupar o lugar deixado vago, de repente, pelo também deputado petebista Ronaldo Nogueira, na última quarta-feira, (27) do ano que passou – causando novos estragos no trôpego, e cada vez mais suspeito e metido em encrencas, ocupante atual do Pal&aacu te;cio do Jaburu, Michel Temer e sua tropa de comando do PMDB e outros penduricalhos partidários.

Para o rodado jornalista, estes episódios recuperam, das profundezas da memória, a inevitável recordação de uma história que meu saudoso pai costumava contar sobre coronéis oligarcas, patriarcas do velho estilo, ou com tinturas de modernidade, em seus diferentes modos de exercer poder político no Nordeste.

“Mi viejo”, – para usar expressão tão cara aos portenhos em seus tangos e escritos poéticos de referência respeitosa à figura paterna (que muito me agrada) – um honrado servidor público nascido nas barrancas do São Francisco, o rio da minha aldeia, até morrer defendeu, preservou, praticou e tentou sempre passar adiante ensinamentos sobre o valor da política feita com ética e honradez, principalmente quanto ao efetivo cumprimento dos compromissos de princípios e de gestão administrativa. Ele tinha rejeição congênita tanto a corruptos e corruptores, quanto ao mandonismo, no exercício de cargos ou funções em todos os escalões governamentais: federal, estaduais ou municipais.

Ficava mais indignado ainda com aqueles oligarcas com tinturas intelectuais, “metidos a sebo”, principalmente àqueles com assentos, também, na ABL: da Bahia ao Maranhão.

“O tipo que, diante de uma oferta de recursos para a construção de uma boa escola, um ginásio, um colégio, em seu estado e sua comunidade; ou frente à possibilidade de vingança imediata contra uma diretora escolar, que ele julgava contrariar seus interesses eleitorais e de aliados de partido, não pensava duas vezes: preferia mandar demitir a professora”, contava meu falecido pai. Na mesa das refeições com a família reunida em volta da mesa, ou nas rodas de conversas políticas de que tanto gostava de participar.

Ao ouvir um caso como este – cada vez mais comum nos temerários tempos que correm a caminho da implacável corrida pelo voto, que se anuncia neste ano de eleições majoritárias, a começar pela presidência da República, os irônicos franceses, seguramente diriam: “Amaldiçoado seja aquele que pensar mal destas coisas”.

Qualquer levantamento jornalístico rápido, feito com critério e isenção profissional, vai revelar que a deputada – sobre cujo nome recaiu a nova batida do martelo, do presidente da República, para pasta importante de seu ministério em desmoronamento, não é bem o que se poderia chamar de ilibada figura para o exercício de um posto de comando no mais alto escalão do poder público. É, para dizer o mínimo, parlamentar de atuação polêmica e complicada, com dúvidas no currículo que certamente cobrarão mais esclarecimentos à sociedade. E não só quanto às já sabidas suspeitas de receber propinas das empreiteiras OAS e Odebrecht, na Lava Jato, mas, também, em caso de relação trabalhista, no qual, segundo revelado pela G1/ O Globo, a an unciada futura ministra do Trabalho foi condenada.

Além disso, Cristiane Brasil não é unanimidade,em seu próprio partido, para ocupar o cargo que lhe caiu no colo depois da conversa de seu pai com o soturno mandatário atual . O El Pais revela, em sua edição brasileira, que três de quatro deputados do PTB ouvidos pela reportagem, disseram que a indicação dela não tem o aval da bancada, ao contrário de Pedro Fernandes, o desafeto do clã Sarney, no Maranhão. “Nem sequer fomos consultados”, afirmou um dos ouvidos por El Pais. A um grupo de repórteres que o esperava na saída da conversa com Temer, ainda tentando conter o pranto emocionado, o pai de Cristiane e chefe do PTB, explicou que o nome de sua filha não foi uma indicação: “Eu não indiquei. O nome dela surgiu”. É por coisas assim que nas barrancas do rio da minha aldeia se costuma dizer: “O tempo passa, e quanto mais passa o tempo e as coisas mudam, mais o Brasil fica mais parecido com o que sempre foi”. É por aí.

Para completar o sentido dessas palavras faltava Sarney. E sua insaciável fome de poder e de mandonismo, em décadas de presença déspota, evidente na vida de seu estado, do Nordeste e do País. Não falta mais: ele ressurgiu, neste episódio do veto ao adversário político, não na condição de simples “conselheiro de Temer” (como tem sido qualificado em alguns círculos do PMDB e da imprensa ), mas como poderosa eminência parda do governo em desalinho. Se disse, em conversas e em manchetes, que ele jogou a toalha e abandonou a política desde que desistiu de concorrer a mais um mandato em 2014. Acredite quem quiser.

Mas o fato, pra valer, é que ele segue atuante, e com sobras de mando, como acaba de demonstrar. Não aos gritos e ameaças barulhentas à moda dos velhos e superados coronéis nordestinos. Mas nas sombras palacianas, em silêncio e sutilmente. Um texto de 2014, publicado na Carta Capital, alias, traz uma definição que ainda hoje segue perfeita e atual: Sarney comporta-se (no mando) como um lorde inglês durante a ocupação da Índia”. Nada mais a acrescentar. Só a conferir.