domingo, 7 de janeiro de 2018

Maior 'projeto de reflorestamento da história' recupera menos de 5% do desmatamento da Amazônia

Uma área de pelo menos 4 milhões de hectares, equivalente ao tamanho da Suíça ou a 4 milhões de campos de futebol, foi destruída na Amazônia nas últimas décadas e essa degradação, segundo especialistas, criou um abismo difícil de ser reduzido até mesmo parcialmente - como pretende fazer um projeto alardeado como "incrivelmente audacioso" e "o maior da história" nesse campo.

A iniciativa, anunciada na abertura do festival de música Rock in Rio, em setembro, quer recuperar 30 mil hectares e devolver 73 milhões de árvores à floresta brasileira até 2023. A previsão é de que as ações sejam intensificadas em 2018.

A perspectiva significa, na prática, recompor 4,52% do que foi desmatado somente entre agosto de 2016 e julho de 2017 (6.624 quilômetros quadrados, mais de 600 mil hectares) e resolver 0,75% do desmatamento total acumulado que atinge uma área de pelo menos 4 milhões de hectares.



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"Apesar de ser sempre louvável que algo seja feito, ao invés da inação, o projeto é completamente insuficiente para compensar, minimamente, o que é destruído", diz o pesquisador senior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Antonio Donato Nobre.

O projeto prevê, entre outras, a utilização de uma técnica de semeadura chamada "muvuca", uma mistura de sementes espalhada na terra para tentar chegar o mais próximo possível ao comportamento da floresta.

A muvuca será usada principalmente nos primeiros hectares, como os da bacia do rio Xingu, e em outras cujas caraterísticas locais propiciam o uso da técnica.

O custo médio por hectare chega a ser 3 a 4 vezes menor do que os métodos mais tradicionais, como o plantio de mudas, diz Rodrigo Medeiros, da CI-Brasil. "Além da escala, o que torna o custo menor é o mix de técnicas que serão utilizadas, que vai desde a semeadura direta de sementes até a condução de regeneração natural", acrescenta.

Na maioria das áreas a mistura é semeada com a ajuda de máquinas. Nas menos extensas, é feita manualmente.

"Por meio dessa técnica, cada uma das espécies vai cumprindo uma função dentro do ecossistema, que vai desde ajudar a enriquecer o solo, até trazer mais diversidade, propiciar condições para que os dispersores de sementes (pássaros, insetos, répteis e mamíferos), possam entrar nessa área e o princípio básico é: tentar imitar a dinâmica da floresta. Imitar como ela faria por conta própria", descreve Junqueira, do Instituto Socioambiental.

Segundo ele, será possível ver que as sementes viraram floresta - ou caminham para isso - depois de três anos, quando as árvores estarão com um porte mais avantajado. Em 10 anos, estima, será possível identificar as espécies que predominam.
"Parte da solução"

Lançadas oficialmente à terra em novembro de 2016, as primeiras sementes da iniciativa começam a brotar na bacia do rio Xingu, onde 122,6 mil hectares de florestas foram desmatadas entre agosto de 2016 e julho de 2017.

Agora, 2 milhões de árvores estão sendo restauradas em uma área de 800 hectares.

"Hoje sabemos que no mínimo 4 milhões de hectares de florestas foram destruídos na Amazônia de maneira ilegal e desnecessária nas últimas décadas e precisam ser restaurados", diz Rodrigo Medeiros, vice-presidente da Conservation International para o Brasil (CI-Brasil), uma das entidades que conduzem o projeto. "Queremos ser parte dessa solução".

O reflorestamento é feito em parceria com o braço ambiental do Rock in Rio, o Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Socioambiental e o Banco Mundial.
Articulação

"A maioria das experiências anteriores de restauração registradas na Amazônia não alcançam 30 mil hectares, sem contar com o fato de que eram iniciativas singulares, sem a articulação que estamos promovendo agora", diz Medeiros.

Quando oficialmente anunciada, em setembro de 2017, o CEO da Conservation, M. Sanjayan, descreveu a iniciativa como "incrivelmente audaciosa".

A declaração foi propagada por diversos veículos nacionais e internacionais, e acrescentava: "Juntamente com uma aliança de parceiros, estamos realizando o maior projeto de restauração de florestas tropicais no mundo, reduzindo o custo de restauração no processo".

E a ideia, segundo o vice-presidente da Conservation no Brasil, é agregar mais parceiros e recursos para ampliar as ações.

"Temos um horizonte de 6 anos com recursos garantidos, mas não podemos esquecer que a meta assumida pelo Brasil no Acordo de Paris, com restauração, vai até 2030. Então, temos muito trabalho pela frente".

O acordo de Paris, que ele cita, é um compromisso mundial para reduzir a emissão de gases que causam mudanças no clima.

Por meio desse acordo, o Brasil quer restaurar 12 milhões de hectares de vegetação, até 2030 - número que corresponde a 60% dos 20 milhões de hectares estimados como passivo, ou tamanho do problema gerado pelo desmatamento em todo o território nacional. E isso vai além da Amazônia.

Medeiros considera que o objetivo do projeto que conduz é "grande" se comparado à escala do que foi feito anteriormente, mas admite que "pode parecer pequeno" se considerada "a escala do compromisso assumido pelo Brasil".

Embora não zere o passivo que existe, a expectativa é que os 30 mil hectares da iniciativa se somem a outros para que os 12 milhões pretendidos como parte do Acordo sejam atingidos.

A meta brasileira é chegar ao ano 2025 com emissões de gases 37% menores que em 2005 e alcançar 43% de queda em 2030.

Para isso, além de estimular o replantio e a restauração da vegetação, o governo se comprometeu a aumentar a participação de bioenergia sustentável na matriz energética para aproximadamente 18% e a alcançar uma participação estimada de 45% de energias renováveis na composição da matriz.

Hoje, energia eólica, energia solar e biomassa, que integram a lista das fontes renováveis, representam uma fatia somada de 16,75% da potência instalada, de acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

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