terça-feira, 2 de maio de 2017
Tempo, tempo, tempo, tempo
O leitor pode — e deve — considerar lento o tempo da Justiça no Brasil, mas deve também, ou deveria, não embaralhar (ou condicionar) esse compasso arrastado (mas minimamente impessoal) ao ritmo fulanizado do calendário eleitoral. É essencial que não se confundam um e outro, e que não se pressionem ou intimidem, ou sairemos da República da impunidade para a da impunidade e do justiçamento.
Se os processos judiciais são demoradíssimos neste país, muito pior seria que de súbito se acelerassem apenas para dar respostas a demandas e expectativas eleitorais.
Vejamos o caso de Lula. Concordo que seja o líder de um projeto de poder criminoso-autoritário sem precedentes, trabalho diariamente para que a gravidade do assalto petista ao Estado brasileiro não caia na vala comum dos demais crimes revelados pela Lava-Jato, e creio que o ex-presidente será condenado em primeira instância ainda este ano; mas avalio — escrevi e reescrevo — que, apesar disso tudo, ele será candidato, e competitivo, em 2018. Não é torcida, por óbvio. É análise e projeção.
Essa leitura decorre também de haver simplesmente refletido sobre uma questão objetiva: estamos em maio de 2017, e Lula ainda não foi sequer condenado em primeira instância. Será, reforço; mas ainda não foi. No entanto, para que não possa concorrer no ano que vem, deverá estar condenado, também em segunda instância, até 1º de outubro de 2018, véspera da votação em primeiro turno.
Apertado, né?
Por favor, leitor: pense no relógio biológico brasileiro, no andamento habitual dos processos, nas múltiplas capacidades de recurso e procrastinação, e me responda se — com um ano e meio até lá — não é improvável que o ex-presidente esteja impedido de concorrer.
Fazer o quê?
O tempo da Justiça não pode correr excepcionalmente para punir alguém — mesmo que Lula. Enquanto isso, enquanto vibramos com o que supomos ser sua decomposição pública e o condenamos extrajudicialmente, ele vai se investindo de vítima e fundamentando a própria mitologia de herói.
Se os processos judiciais são demoradíssimos neste país, muito pior seria que de súbito se acelerassem apenas para dar respostas a demandas e expectativas eleitorais.
Vejamos o caso de Lula. Concordo que seja o líder de um projeto de poder criminoso-autoritário sem precedentes, trabalho diariamente para que a gravidade do assalto petista ao Estado brasileiro não caia na vala comum dos demais crimes revelados pela Lava-Jato, e creio que o ex-presidente será condenado em primeira instância ainda este ano; mas avalio — escrevi e reescrevo — que, apesar disso tudo, ele será candidato, e competitivo, em 2018. Não é torcida, por óbvio. É análise e projeção.
Apertado, né?
Por favor, leitor: pense no relógio biológico brasileiro, no andamento habitual dos processos, nas múltiplas capacidades de recurso e procrastinação, e me responda se — com um ano e meio até lá — não é improvável que o ex-presidente esteja impedido de concorrer.
Fazer o quê?
O tempo da Justiça não pode correr excepcionalmente para punir alguém — mesmo que Lula. Enquanto isso, enquanto vibramos com o que supomos ser sua decomposição pública e o condenamos extrajudicialmente, ele vai se investindo de vítima e fundamentando a própria mitologia de herói.
Governo Temer brinca de incendiário no campo
O governo de Michel Temer ainda não notou, mas viver em zona rural conflituosa é muito perigoso. A qualquer instante pode-se morrer. Há três meses, Temer mandou para o Diário Oficial portaria que esvaziou a Funai e criou um grupo com poderes para rever demarcações de terras indígenas. Nas pegadas dessa novidade, o presidente entregou ao correligionário Osmar Serraglio o Ministério da Justiça. Simpático ao agronegócio, Serraglio apressou-se em escolher um lado: ''O que acho é que vamos lá ver onde estão os indígenas, vamos dar boas condições de vida para eles, vamos parar com essa discussão sobre terras. Terra enche a barriga de alguém?''
Um novo texto foi divulgado na sequência pela equipe de Osmar Serraglio. É igualzinho ao primeiro. A única diferença é que o vocábulo “supostos” foi passado na borracha.
Depois que as demarcações de terras indígenas subiram no telhado, entidades do setor crivaram o governo de críticas. Mas Temer defendeu a portaria que lipoaspirou os poderes da Funai. Disse coisas definitivas sem definir muito bem as coisas: ''Houve estudos conducentes à pacificação da questão das terras indígenas com os fazendeiros. Isso tudo está sendo examinado, muito vagarosamente, com muito critério.''
Dias atrás, como uma espécie de abre-alas do ataque aos índios maranhenses, houve uma chacina num assentamento do Mato Grosso. Nela, um grupo de nove sem-terra foi passado nas armas (espingarda calibre 12 e facões). As execuções foram precedidas de tortura. Um dos mortos teve a orelha decepada.
A confusão entre índios, sem-terra e ruralistas não é invenção do gestão Temer. Entretando, se estiver interessado em se tornar parte da solução, convém ao governo desistir da ideia de acender o fósforo para mostrar que não há pólvora no barril.
Nesta segunda-feira, com atraso de um dia, ganhou as manchetes notícia sobre um ataque contra índios da tribo Gamela. A encrenca ocorreu nos fundões do Maranhão. Produziu 13 feridos. Entre eles um índio que teve as mãos decepadas e levou dois tiros. Em nota, a pasta de Serraglio disse que vai averiguar o que houve entre os “pequenos agricultores e supostos indígenas''. Supostos?!?
Um novo texto foi divulgado na sequência pela equipe de Osmar Serraglio. É igualzinho ao primeiro. A única diferença é que o vocábulo “supostos” foi passado na borracha.
Dias atrás, como uma espécie de abre-alas do ataque aos índios maranhenses, houve uma chacina num assentamento do Mato Grosso. Nela, um grupo de nove sem-terra foi passado nas armas (espingarda calibre 12 e facões). As execuções foram precedidas de tortura. Um dos mortos teve a orelha decepada.
A confusão entre índios, sem-terra e ruralistas não é invenção do gestão Temer. Entretando, se estiver interessado em se tornar parte da solução, convém ao governo desistir da ideia de acender o fósforo para mostrar que não há pólvora no barril.
Intimidação e insegurança
O governo Temer impôs R$ 40 bilhões em novas multas às empresas protagonistas do caso Lava-Jato. A iniciativa foi da Advocacia-Geral da União, órgão de assessoria do presidente da República.
As sanções têm um efeito prático, a intimidação dos executivos que confessam ou pretendem revelar seus crimes e parceiros políticos — acham procuradores federais e advogados dessas empresas, num raro consenso.
O volume de dinheiro cobrado pelo governo é suficiente para ameaçar a sobrevivência financeira de Odebrecht, Camargo Correa, OAS, Queiroz Galvão, UTC e Engevix. Numa comparação, supera em quatro vezes o valor que a Odebrecht, a maior empreiteira, se comprometeu a pagar, nos próximos 23 anos, no acordo com o Ministério Público Federal do Brasil, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, e a Procuradoria-Geral da Suíça.
Semana passada, o governo apresentou à Justiça a sexta ação de improbidade contra esse grupo de empresas, responsável por fraudes e corrupção em negócios da Petrobras realizados nas administrações Lula e Dilma.
As sanções incluem sete pessoas físicas, entre elas os principais dirigentes da Odebrecht e três ex-diretores da empresa estatal, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco e Renato Duque, que negocia uma delação premiada.
A Advocacia-Geral da União justifica: “A vontade da empresa é materializada pela vontade daquelas pessoas físicas que tomam as decisões. A pessoa física é o fio condutor da vontade da empresa”. Acrescenta: “Neste contexto, os administradores também devem responder pelas decisões que tomaram no comando.”
A argumentação contém uma novidade. O governo aderiu à lógica de que entidades (privadas ou públicas) devem ser tratadas como pessoas físicas, e seus dirigentes devem responder pela condução da vontade da empresa, fundação ou autarquia. Se aplicada à galáxia do setor público, pode revolucionar o manejo dos contratos de compras governamentais.
Essencial, porém, é a interferência política que pauta a silenciosa disputa de poder dentro do Estado brasileiro pela influência no rumo do caso Lava-Jato. Ela nasceu dentro do Palácio do Planalto há 20 meses.
Em novembro de 2015, Emilio Odebrecht levou ao governo Dilma o texto-base de uma Medida Provisória que instituía o acordo de leniência sem colaboração dos executivos. Desejava atenuar penas e perdas, oferecendo em troca a contenção de danos ao governo e aos sócios políticos. Dilma assinou a MP 703, que acabou sepultada pela reação pública.
Odebrecht, então, se rendeu. Listou R$ 10 bilhões em subornos em 12 países. Destacou pagamentos no Brasil a um terço dos ministros e senadores, metade dos governadores estaduais e duas centenas de deputados, prefeitos e vereadores.
Agora, sob Temer, assiste-se a um alinhamento de órgãos auxiliares do Executivo e do Legislativo (Advocacia-Geral e Tribunal de Contas da União) em confronto com o Ministério Público Federal, para pressionar empresas, cujos dirigentes encontram-se em confissão e delação dos associados políticos.
Além de deixar réus intimidados, esse conflito dentro do Estado produz insegurança sobre os acordos de leniência já assinados no Brasil, na Suíça e nos Estados Unidos.
José Casado
As sanções têm um efeito prático, a intimidação dos executivos que confessam ou pretendem revelar seus crimes e parceiros políticos — acham procuradores federais e advogados dessas empresas, num raro consenso.
O volume de dinheiro cobrado pelo governo é suficiente para ameaçar a sobrevivência financeira de Odebrecht, Camargo Correa, OAS, Queiroz Galvão, UTC e Engevix. Numa comparação, supera em quatro vezes o valor que a Odebrecht, a maior empreiteira, se comprometeu a pagar, nos próximos 23 anos, no acordo com o Ministério Público Federal do Brasil, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, e a Procuradoria-Geral da Suíça.
As sanções incluem sete pessoas físicas, entre elas os principais dirigentes da Odebrecht e três ex-diretores da empresa estatal, Paulo Roberto Costa, Pedro Barusco e Renato Duque, que negocia uma delação premiada.
A Advocacia-Geral da União justifica: “A vontade da empresa é materializada pela vontade daquelas pessoas físicas que tomam as decisões. A pessoa física é o fio condutor da vontade da empresa”. Acrescenta: “Neste contexto, os administradores também devem responder pelas decisões que tomaram no comando.”
A argumentação contém uma novidade. O governo aderiu à lógica de que entidades (privadas ou públicas) devem ser tratadas como pessoas físicas, e seus dirigentes devem responder pela condução da vontade da empresa, fundação ou autarquia. Se aplicada à galáxia do setor público, pode revolucionar o manejo dos contratos de compras governamentais.
Essencial, porém, é a interferência política que pauta a silenciosa disputa de poder dentro do Estado brasileiro pela influência no rumo do caso Lava-Jato. Ela nasceu dentro do Palácio do Planalto há 20 meses.
Em novembro de 2015, Emilio Odebrecht levou ao governo Dilma o texto-base de uma Medida Provisória que instituía o acordo de leniência sem colaboração dos executivos. Desejava atenuar penas e perdas, oferecendo em troca a contenção de danos ao governo e aos sócios políticos. Dilma assinou a MP 703, que acabou sepultada pela reação pública.
Odebrecht, então, se rendeu. Listou R$ 10 bilhões em subornos em 12 países. Destacou pagamentos no Brasil a um terço dos ministros e senadores, metade dos governadores estaduais e duas centenas de deputados, prefeitos e vereadores.
Agora, sob Temer, assiste-se a um alinhamento de órgãos auxiliares do Executivo e do Legislativo (Advocacia-Geral e Tribunal de Contas da União) em confronto com o Ministério Público Federal, para pressionar empresas, cujos dirigentes encontram-se em confissão e delação dos associados políticos.
Além de deixar réus intimidados, esse conflito dentro do Estado produz insegurança sobre os acordos de leniência já assinados no Brasil, na Suíça e nos Estados Unidos.
José Casado
Simulacro de controle ético
A Comissão de Ética Pública da Presidência da República (CEP) decidiu, por unanimidade, investigar a natureza das relações entre os ministros Moreira Franco, da Secretaria-Geral da Presidência, Eliseu Padilha, da Casa Civil, e Gilberto Kassab, de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, e a Odebrecht, empresa que está no epicentro do escândalo de corrupção desvelado pela Operação Lava Jato. Sobre os membros do primeiro escalão do Poder Executivo recaem suspeitas de desvios éticos e funcionais no relacionamento com a empreiteira.
Os pedidos de investigação de outros cinco ministros citados pelos delatores da Odebrecht – Aloysio Nunes Ferreira (Relações Exteriores), Bruno Araújo (Cidades), Helder Barbalho (Integração Nacional), Blairo Maggi (Agricultura) e Marcos Pereira (Indústria, Comércio Exterior e Serviços) – foram arquivados por Mauro Menezes, presidente da CEP, porque os supostos desvios éticos teriam sido cometidos quando os citados ainda não ocupavam cargos no Poder Executivo.
A decisão é alvissareira, sem dúvida, mas todos os brasileiros preocupados com o conflito de interesses e o combate à corrupção envolvendo agentes da alta administração pública devem, ao menos por ora, conter o entusiasmo. Desde que a Comissão foi criada, em 1999 – por inspiração de acordos multilaterais para o combate à corrupção celebrados pelo Brasil no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) –, o histórico de punições recomendadas por seus membros não corresponde à gravidade dos desvios éticos cometidos por servidores públicos de alto escalão apurados nestes 18 anos.
A Comissão tem sete integrantes designados pelo presidente da República para mandatos de três anos, que podem ser renovados uma única vez. São escolhidos entre brasileiros que preencham os requisitos de “idoneidade moral, reputação ilibada e notória experiência em administração pública”. O colegiado não tem o poder de demitir os funcionários públicos cujos desvios de comportamento investiga. Comprovado o desrespeito às normas contidas no Código de Conduta da Alta Administração Federal, a punição do servidor pode ir de uma simples advertência até a recomendação – apenas uma recomendação – de sua exoneração. Não se tem notícia de um caso em que a medida extrema tenha sido acatada.
A continuar desprovida do efetivo poder de punição administrativa proporcional à gravidade do desvio apurado, a Comissão de Ética Pública não passará, na prática, de um mero órgão de cunho orientador, privado do caráter dissuasório que a ajudaria a coibir a sucessão de desmandos que dia após dia, ano após ano, não param de estarrecer os cidadãos.
Não raro, casos que são amplamente noticiados pela imprensa e apurados por outros órgãos da administração pública, ou até mesmo pelo Poder Judiciário, demoram a ser objeto de investigação da CEP. E quando são, em geral, culminam em advertência pública – quando o servidor ainda está no exercício do cargo público – ou censura ética, quando já está fora da administração federal. São punições de pouquíssima serventia. Primeiro, porque uma vez disposto a cruzar a fronteira ética, o servidor já demonstra ter uma fratura moral incapaz de ser restaurada por uma mera advertência, punição que, aliás, não o impede de ocupar qualquer cargo na administração pública. Segundo, porque aos olhos da opinião pública a reprimenda é ineficaz.
Por servir apenas como um simulacro de fiscalização do comportamento ético das mais altas figuras da República, justamente aquelas de quem – pela importância vital dos cargos que ocupam – se espera nada menos do que eficiência, espírito público e retidão de caráter, a atuação da Comissão de Ética Pública tem sido praticamente irrelevante. Dificilmente seu comportamento mudará, no caso dos três ministros.
Os pedidos de investigação de outros cinco ministros citados pelos delatores da Odebrecht – Aloysio Nunes Ferreira (Relações Exteriores), Bruno Araújo (Cidades), Helder Barbalho (Integração Nacional), Blairo Maggi (Agricultura) e Marcos Pereira (Indústria, Comércio Exterior e Serviços) – foram arquivados por Mauro Menezes, presidente da CEP, porque os supostos desvios éticos teriam sido cometidos quando os citados ainda não ocupavam cargos no Poder Executivo.
A decisão é alvissareira, sem dúvida, mas todos os brasileiros preocupados com o conflito de interesses e o combate à corrupção envolvendo agentes da alta administração pública devem, ao menos por ora, conter o entusiasmo. Desde que a Comissão foi criada, em 1999 – por inspiração de acordos multilaterais para o combate à corrupção celebrados pelo Brasil no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) –, o histórico de punições recomendadas por seus membros não corresponde à gravidade dos desvios éticos cometidos por servidores públicos de alto escalão apurados nestes 18 anos.
A Comissão tem sete integrantes designados pelo presidente da República para mandatos de três anos, que podem ser renovados uma única vez. São escolhidos entre brasileiros que preencham os requisitos de “idoneidade moral, reputação ilibada e notória experiência em administração pública”. O colegiado não tem o poder de demitir os funcionários públicos cujos desvios de comportamento investiga. Comprovado o desrespeito às normas contidas no Código de Conduta da Alta Administração Federal, a punição do servidor pode ir de uma simples advertência até a recomendação – apenas uma recomendação – de sua exoneração. Não se tem notícia de um caso em que a medida extrema tenha sido acatada.
A continuar desprovida do efetivo poder de punição administrativa proporcional à gravidade do desvio apurado, a Comissão de Ética Pública não passará, na prática, de um mero órgão de cunho orientador, privado do caráter dissuasório que a ajudaria a coibir a sucessão de desmandos que dia após dia, ano após ano, não param de estarrecer os cidadãos.
Não raro, casos que são amplamente noticiados pela imprensa e apurados por outros órgãos da administração pública, ou até mesmo pelo Poder Judiciário, demoram a ser objeto de investigação da CEP. E quando são, em geral, culminam em advertência pública – quando o servidor ainda está no exercício do cargo público – ou censura ética, quando já está fora da administração federal. São punições de pouquíssima serventia. Primeiro, porque uma vez disposto a cruzar a fronteira ética, o servidor já demonstra ter uma fratura moral incapaz de ser restaurada por uma mera advertência, punição que, aliás, não o impede de ocupar qualquer cargo na administração pública. Segundo, porque aos olhos da opinião pública a reprimenda é ineficaz.
Por servir apenas como um simulacro de fiscalização do comportamento ético das mais altas figuras da República, justamente aquelas de quem – pela importância vital dos cargos que ocupam – se espera nada menos do que eficiência, espírito público e retidão de caráter, a atuação da Comissão de Ética Pública tem sido praticamente irrelevante. Dificilmente seu comportamento mudará, no caso dos três ministros.
A greve geral
“Não houve greve geral, houve paralisações de servidores e nos transportes, muita agitação e vandalismo”, disparou o Sueco
“No meu tempo, Saldanha, essa greve seria considerada um fracasso; cadê a classe operária? Greve foi a de 1953, em São Paulo. O que você acha, Chamorro?”, indagou o Sueco, como era conhecido Geraldo Rodrigues dos Santos, o Geraldão, um negro alto, de fala mansa e sorriso fácil. Santista, Geraldão era portuário e participou intensamente da greve que parou São Paulo e o Porto de Santos na década de 1950. Durante o regime militar, dirigiu o PCB na antiga Guanabara, na mais rigorosa clandestinidade, onde reencontrou os dois camaradas.
Geraldão vivia num “aparelho” na Favela da Maré, que somente alguns familiares e o motorista Dedé, que tinha um táxi, conheciam. O terceiro camarada na conversa vivia clandestino em Niterói, com o nome de Paulinho, onde organizava os trabalhadores têxteis e operários navais. Era ninguém menos do que Antônio Chamorro, um dos líderes da greve geral, ao lado da também tecelã Maria Sallas e do metalúrgico Eugênio Chemp.
“O Marighella chegou na redação do Notícias de Hoje, reuniu todo mundo e apresentou o plano de parar a capital, a ferrovia e o porto de Santos. Depois, pretendia abrir as sedes do partido na marra”, relata Saldanha, que já era jornalista. O PCB vinha de uma derrota eleitoral fragorosa para Jânio Quadros, que obtivera 285 mil votos na disputa pela Prefeitura da capital, na capital paulista, enquanto André Nunes Júnior, apoiado pelos comunistas, não chegara a 17 mil votos. A eleição havia acontecido três dias antes, em 22 de março. A tese parecia uma loucura do líder comunista, que, na década de 1970, viria a aderir à luta armada e acabou morto pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, durante a Operação Bandeirantes.
Naquele 25 de março, o PCB completava 31 anos. Chamorro e Maria Sallas lideravam uma assembleia de trabalhadores da indústria têxtil no Salão Piratininga, na rua da Moóca, na qual reivindicavam 60% de aumento salarial. Por causa da inflação, o apoio à greve foi quase unânime. No dia seguinte, encabeçados por Eugênio Chemp, os metalúrgicos aderiram à greve, lutavam por 800 cruzeiros a mais nos salários. No terceiro dia de greve, eram 70 mil operários concentrados no antigo hipódromo da Moóca. Piquetes de mil trabalhadores saíram em direção às demais fábricas de São Paulo, parando 70 empresas no dia seguinte. Houve repressão, mais de duas mil pessoas foram presas, Chemp quase levou um tiro. Uma tecelã e um metalúrgico foram feridos à bala. Mesmo assim, marceneiros, carpinteiros, padeiros, sapateiros, vidreiros, gráficos e até os trabalhadores da cervejaria Brahma pararam. Eram 300 mil operários de braços cruzados.
Chemp encerrava ali sua carreira paralela de craque do São Paulo Futebol Clube, onde até hoje figura na lista dos estrangeiros que mais brilharam no clube: 14 gols em 19 jogos, em oito vitórias, seis empates e cinco derrotas. Nasceu em Kiev, na Ucrânia, mas tinha nacionalidade uruguaia. Chamorro era brasileiro, descendente de espanhóis. O Brasil transitava do rural para o urbano com a industrialização de São Paulo, cuja capital passara a ser a maior cidade do país. No começo da década de 1950, mais de 1 milhão de trabalhadores fizeram greves, que traziam a novidade de lutar contra a carestia, ou seja, contra a inflação, e não apenas por aumentos salariais.
O Pacto de Unidade Intersindical (PUI), que resultou dessas greves, foi uma reação à CLT de Vargas e ao atrelamento dos sindicatos ao Ministério do Trabalho, que hoje as centrais sindicais estão defendendo, num período de expansão da indústria e do trabalho assalariado no campo; em contrapartida, havia inflação alta e superexploração do trabalho. Com o fortalecimento dos sindicatos, o movimento desaguou na greve geral de julho de 1962, quase dez anos depois, que resultou na conquista da lei do 13º salário, sancionada pelo presidente João Goulart. Mas voltemos à conversa entre os três amigos, sentados na beira de uma nuvem bem alta, lá no céu.
“O que você achou da greve, Geraldo?”, perguntou Saldanha. “Não houve greve geral, houve paralisações de servidores e nos transportes, muita agitação e vandalismo”, disparou o Sueco. “Só espero que ninguém morra”, completou Chamorro. Foi uma alusão ao Primeiro de Maio de 1953, comemorado no antigo hipódromo da Moóca, após a conquista de 32% de aumento salarial para praticamente todas as categorias grevistas.
A história é a seguinte: Um anarquista italiano, para abrilhantar a festa, resolveu saltar de paraquedas. Acontece que o equipamento não abriu e a festa virou tragédia. Revoltada, a família não queria um enterro de herói da classe operária. Os grevistas, porém, insistiram e fizeram, na marra, um funeral de gala. Bradavam: “O cadáver é nosso!”
“No meu tempo, Saldanha, essa greve seria considerada um fracasso; cadê a classe operária? Greve foi a de 1953, em São Paulo. O que você acha, Chamorro?”, indagou o Sueco, como era conhecido Geraldo Rodrigues dos Santos, o Geraldão, um negro alto, de fala mansa e sorriso fácil. Santista, Geraldão era portuário e participou intensamente da greve que parou São Paulo e o Porto de Santos na década de 1950. Durante o regime militar, dirigiu o PCB na antiga Guanabara, na mais rigorosa clandestinidade, onde reencontrou os dois camaradas.
A "Greve dos 300 mil" |
Seu amigo João Saldanha, o Souza, ficou famoso como comentarista esportivo e técnico da seleção brasileira de futebol, mas, na década de 1950, era dirigente do PCB no bairro paulista da Moóca, onde a greve começou. Fazia a ligação entre o líder comunista Carlos Marighella e o comando de greve. Durante a ditadura, deu cobertura para o velho amigo Geraldo, que andava com uma cápsula de cianureto no bolso para ingerir caso fosse preso. O Sueco havia jurado não delatar nenhum companheiro na tortura; preferiria morrer se fosse preso.
Geraldão vivia num “aparelho” na Favela da Maré, que somente alguns familiares e o motorista Dedé, que tinha um táxi, conheciam. O terceiro camarada na conversa vivia clandestino em Niterói, com o nome de Paulinho, onde organizava os trabalhadores têxteis e operários navais. Era ninguém menos do que Antônio Chamorro, um dos líderes da greve geral, ao lado da também tecelã Maria Sallas e do metalúrgico Eugênio Chemp.
“O Marighella chegou na redação do Notícias de Hoje, reuniu todo mundo e apresentou o plano de parar a capital, a ferrovia e o porto de Santos. Depois, pretendia abrir as sedes do partido na marra”, relata Saldanha, que já era jornalista. O PCB vinha de uma derrota eleitoral fragorosa para Jânio Quadros, que obtivera 285 mil votos na disputa pela Prefeitura da capital, na capital paulista, enquanto André Nunes Júnior, apoiado pelos comunistas, não chegara a 17 mil votos. A eleição havia acontecido três dias antes, em 22 de março. A tese parecia uma loucura do líder comunista, que, na década de 1970, viria a aderir à luta armada e acabou morto pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, durante a Operação Bandeirantes.
Naquele 25 de março, o PCB completava 31 anos. Chamorro e Maria Sallas lideravam uma assembleia de trabalhadores da indústria têxtil no Salão Piratininga, na rua da Moóca, na qual reivindicavam 60% de aumento salarial. Por causa da inflação, o apoio à greve foi quase unânime. No dia seguinte, encabeçados por Eugênio Chemp, os metalúrgicos aderiram à greve, lutavam por 800 cruzeiros a mais nos salários. No terceiro dia de greve, eram 70 mil operários concentrados no antigo hipódromo da Moóca. Piquetes de mil trabalhadores saíram em direção às demais fábricas de São Paulo, parando 70 empresas no dia seguinte. Houve repressão, mais de duas mil pessoas foram presas, Chemp quase levou um tiro. Uma tecelã e um metalúrgico foram feridos à bala. Mesmo assim, marceneiros, carpinteiros, padeiros, sapateiros, vidreiros, gráficos e até os trabalhadores da cervejaria Brahma pararam. Eram 300 mil operários de braços cruzados.
Chemp encerrava ali sua carreira paralela de craque do São Paulo Futebol Clube, onde até hoje figura na lista dos estrangeiros que mais brilharam no clube: 14 gols em 19 jogos, em oito vitórias, seis empates e cinco derrotas. Nasceu em Kiev, na Ucrânia, mas tinha nacionalidade uruguaia. Chamorro era brasileiro, descendente de espanhóis. O Brasil transitava do rural para o urbano com a industrialização de São Paulo, cuja capital passara a ser a maior cidade do país. No começo da década de 1950, mais de 1 milhão de trabalhadores fizeram greves, que traziam a novidade de lutar contra a carestia, ou seja, contra a inflação, e não apenas por aumentos salariais.
O Pacto de Unidade Intersindical (PUI), que resultou dessas greves, foi uma reação à CLT de Vargas e ao atrelamento dos sindicatos ao Ministério do Trabalho, que hoje as centrais sindicais estão defendendo, num período de expansão da indústria e do trabalho assalariado no campo; em contrapartida, havia inflação alta e superexploração do trabalho. Com o fortalecimento dos sindicatos, o movimento desaguou na greve geral de julho de 1962, quase dez anos depois, que resultou na conquista da lei do 13º salário, sancionada pelo presidente João Goulart. Mas voltemos à conversa entre os três amigos, sentados na beira de uma nuvem bem alta, lá no céu.
“O que você achou da greve, Geraldo?”, perguntou Saldanha. “Não houve greve geral, houve paralisações de servidores e nos transportes, muita agitação e vandalismo”, disparou o Sueco. “Só espero que ninguém morra”, completou Chamorro. Foi uma alusão ao Primeiro de Maio de 1953, comemorado no antigo hipódromo da Moóca, após a conquista de 32% de aumento salarial para praticamente todas as categorias grevistas.
A história é a seguinte: Um anarquista italiano, para abrilhantar a festa, resolveu saltar de paraquedas. Acontece que o equipamento não abriu e a festa virou tragédia. Revoltada, a família não queria um enterro de herói da classe operária. Os grevistas, porém, insistiram e fizeram, na marra, um funeral de gala. Bradavam: “O cadáver é nosso!”
Estranhos dias
Estranhos dias de um estranho país. Entenda por estranho todas as definições da palavra: atípico, fora do comum, diferente, misterioso, que não se conhece; que apresenta mistério, que tende a ser enigmático. Por fim, que causa um sentimento meio incômodo.
Por exemplo, vamos tomar a greve geral convocada para essa semana. Foram verdadeira, real e totalmente esquizofrênicos os dias anteriores - até o maior telejornal do país fez de conta de que não existia, que não tinha nada acontecendo - e, mais ainda, o dia da dita cuja.
Antes, o mundo se dividiu em: pessoas que não têm a menor ideia do que é uma greve geral; os que esqueceram que uma dessas da boa deve contar com uma soma de reivindicações que sejam da ampla maioria para funcionar, expressiva; até aos que associaram tudo apenas aos petistas ou aos preguiçosos ou aos que apenas queriam emendar o feriado. Era besteira de tudo quanto é lado. E até agora, horas depois, eu ainda não descobri exatamente a pauta política além dos sindicatos. Só sei que vivi para saber que quando centrais inimigas se unem é porque tem muito caroço no angu. E não é para o prato do trabalhador.
Os de sempre que apoiam os que foram e hoje estão em grandes apuros comemoraram vitória como se não houvesse amanhã e que alguma coisa vá mesmo mudar, além da queima de estoque de pneus, o prejuízo do comércio, os feridos, os ônibus-tocha, o festival de bombinhas de efeito moral e o sapecante gás pimenta (curiosidade: quanto custa cada lata dessas?). Ôpa-ôpa. Realmente conseguiram parar o país. Isso não dá para discutir, mas eles não podem acreditar que milhões de pessoas aderiram e os apoiam. Não tirem o pé do chão, por favor, não viajem nesse orgulho que os farão perder ainda mais o foco. E é preciso que haja oposição. Sempre. Mesmo que desordenada. Igual placa no metrô: deixe a esquerda livre.
Sim, parou tudo. Aqui em São Paulo não vi um ônibus na rua. Enfim, se pararam os transportes, ônibus, metrô, trem, muitas pessoas que não sabem nem onde estão parados mas que têm de bater ponto para comer, não puderam ir aos seus trabalhos e viraram ...grevistas! Ninguém perguntou a eles, como na igreja, no casamento: "É de sua livre e espontânea vontade a decisão de não comparecer ao trabalho hoje, em protesto contra... contra" ...
Contra o que mesmo que era?
Não me agridam, nem quem achou que não houve nada (houve sim), nem quem achou que foi o maior sucesso. Não foi. Está tudo muito estranho!
No mesmo dia era divulgado que 14 milhões e 200 mil pessoas estão desempregadas, e procurando trabalho, que é o que as coloca dentro dessas estimativas. Imaginem - e vocês conhecem, estão vendo, sentem na própria pele, os milhões que desistiram e estão se virando por conta própria, inventando novas formas de sobrevivência.
No mesmo dia também ficamos sabendo que o Brasil tem 17 mil sindicatos, garantidos por um dia de trabalho suado que até agora era tirado compulsoriamente do salário. Será por não quererem que acabe essa baixa fresca que as centrais se uniram? Será?
Já fomos mais legais que isso tudo, que estas picuinhas. Tudo agora racha. Num sei o que racha opiniões; num sei o que lá divide as pessoas. Tudo racha. Racha para lá. Racha para cá.
Maio chega sem graça, e com perspectivas de notícias tenebrosas vindas do Oriente que sacudiriam toda a humanidade. Mais dias estranhos e tumultuados vão sendo agendados, e cresce o desconforto com tudo. E a falta de opções para nada disso.
Marli Gonçalves
Marli Gonçalves
Temer usa o porrete para amansar o rebanho
O Diário Oficial da União publicará, hoje, mais uma leva de demissões de funcionários do segundo e do terceiro escalões do governo nomeados por indicação de políticos.
É a nova fase da operação “Só recebe quem dá” comandada pelo presidente Michel Temer para aprovar no Congresso a reforma da Previdência Social.
Temer é um conciliador por natureza, mas também sabe ser mal como um pica-pau quando lhe doem os calos. Resolveu apelar para o porrete contra aliados que lhe negam seus votos.
A situação da reforma poderia ficar pior se ele não reagisse. Os aliados de fato fiéis começaram a reclamar. Por que permanecer fiéis se os infiéis não são punidos? Que vantagem teriam?
A mais recente pesquisa Datafolha mostrou que sete em cada 10 brasileiros são contra a reforma da Previdência. O governo ficou em choque com isso. Trabalhava com outros números.
Uma coisa é os políticos terem sensibilidade para perceber o sentimento dos seus eleitores. Outra bem diferente é eles poderem dispor de números confiáveis que confirmam o que pressentiam.
Por mais explicações públicas que ofereça, o governo sabe que não converterá a opinião pública à defesa da reforma. Só lhe resta tentar converter a maioria necessária no Congresso para aprová-la.
Tem mais cargos e sinecuras a oferecer em troca de votos. Mas passa também a dispor do porrete.
É a nova fase da operação “Só recebe quem dá” comandada pelo presidente Michel Temer para aprovar no Congresso a reforma da Previdência Social.
Temer é um conciliador por natureza, mas também sabe ser mal como um pica-pau quando lhe doem os calos. Resolveu apelar para o porrete contra aliados que lhe negam seus votos.
A mais recente pesquisa Datafolha mostrou que sete em cada 10 brasileiros são contra a reforma da Previdência. O governo ficou em choque com isso. Trabalhava com outros números.
Uma coisa é os políticos terem sensibilidade para perceber o sentimento dos seus eleitores. Outra bem diferente é eles poderem dispor de números confiáveis que confirmam o que pressentiam.
Por mais explicações públicas que ofereça, o governo sabe que não converterá a opinião pública à defesa da reforma. Só lhe resta tentar converter a maioria necessária no Congresso para aprová-la.
Tem mais cargos e sinecuras a oferecer em troca de votos. Mas passa também a dispor do porrete.
Na rua, Doria atirou no chão as flore que recebeu de uma ciclista
A questão das ciclovias e de tudo quanto lhe diz respeito é da competência e atribuição das prefeituras. Neste sábado, João Doria (PSDB), prefeito de São Paulo, teve um encontro, casual ou fortuito, talvez, com ciclistas e moradores da cidade que o elegeram prefeito. Como mostrou a televisão, o encontro foi na via pública, quando Doria deixava o local onde houve uma solenidade no Japan House, centro cultural japonês, que contou com a presença do presidente Michel Temer. Ao encontro de Doria foram muitos ciclistas com flores em buquês. As flores eram em “homenagem aos mortos nas marginais”.
Noticia-se que desde 25 de janeiro último, quando a prefeitura de São Paulo autorizou maior limite de velocidade para os veículos, sete pessoas já morreram em acidentes nas marginais.
Em dado momento do encontro de Doria com os ciclistas, quando o prefeito estava perto de entrar no carro para ir embora, uma ciclista, Giulia Grillo, ofereceu a Doria um ramalhete de flores amarelas. Eram girassóis. Doria recusou. Então, dona Giulia, que não é nenhuma criança, mas uma bela senhora, delicadamente colocou o buquê de flores no painel do veículo em que o prefeito embarcou e que estava com o vidro da porta direita todo arriado. E Doria imediatamente pegou o buquê de flores do painel do carro e o jogou no chão da rua e seu motorista partiu, sem mais. Depois, a prefeitura distribuiu nota justificando que a atitude de dona Giulia foi “gesto invasivo e desnecessário”.
Este fato tem muitos significados. É certo que João Doria não teria agido assim, quando ainda candidato em busca de votos. Mas depois de eleito….
O gesto da educada ciclista também nada teve de “invasivo e desnecessário”. A privacidade do prefeito não foi invadida. Entregar flores a alguém não invade a privacidade de ninguém. Pelo contrário, é gesto nobre, gesto de admiração e carinho. É delicadeza pura. Mormente quando a pessoa é o prefeito de toda a imensa comunidade de munícipes paulistanos. Mais ainda quando se trata de um novato na política e que foi eleito já no primeiro turno. Quanto mais liderança um prefeito desfruta, muito maior deve ser o fino trato com o povo.
Quanto à “desnecessidade”, aí a questão é de foro íntimo. É preciso ter habilidades, sutilezas, refinamentos e muita sensibilidade para o convívio humano. E muito mais se exige do governante com seus governados, que são a razão de o governante existir. As flores de dona Giulia eram girassóis. Quando o Pequeno Príncipe viu as rosas no deserto do Saara, ele as achou belas. Mas as temeu, “porque elas têm espinhos que machucam”.
Mas os “girassóis” que Doria recusou e depois as atirou no chão da rua, não têm espinhos. É uma flor especial, porque está sempre voltada para o Sol, que não cansa de buscar e girar até encontrar o astro-rei para mostrar a sua beleza por inteiro.
O prefeito João Doria não deveria ter agido como agiu. Sua grosseria é que passou a ser notícia. Que desastre! O tiro saiu pela culatra. Por que o prefeito não recebeu o buquê de girassóis das mãos da cidadã, contribuinte, eleitora e dama Giulia Grillo? Por que não a ouviu e não a abraçou?. Se a beijasse, aí, então, é que teria externado o máximo carinho, o reconhecimento e total preparo para o cargo que ocupa e para o qual foi levado pelo voto da maioria dos eleitores paulistanos. E certamente pelo voto de dona Giulia, por que não?
Sim, porque os que estavam naquele local eram todos ciclistas, vestidos com roupa e equipamentos de ciclistas, todos com suas bicicletas e flores, muitas flores. Não eram adversários políticos. Não eram “black blocs”. Não promoviam protestos nem baderna. Foi um belo e expressivo encontro que o novel João Doria não entendeu e jogou no lixo. Ou melhor, no chão da rua.
Outra consequência do gesto insensato do prefeito é de ordem metafísica e transcendental. As flores eram “em homenagem aos mortos nas marginais”, disseram os ciclistas. É sempre perigoso quando somos materialistas, insensíveis, irreverentes, ingratos e autoritários em relação aos que nos precederam nesta passagem pela Terra.
Todos somos iguais. Nossas vidas são eternas. E a eternidade está no Espírito e não na carne, que tem começo e fim. Infeliz aquele que não soube aceitar e repartir com a Espiritualidade os cânticos, as solenidades, as homenagens, as reverências…flores e girassóis que os que transitam neste vale de lágrimas lhes prestam, lhes dedicam, lhes oferecem. Respeitemos a chamada Lei do Carma (ou Karma): aqui se planta, aqui se colhe. Prefeito João Doria, vá ao encontro de dona Giulia Grillo e lhe peça desculpas que o senhor será desculpado. Aqui e no Além.
Noticia-se que desde 25 de janeiro último, quando a prefeitura de São Paulo autorizou maior limite de velocidade para os veículos, sete pessoas já morreram em acidentes nas marginais.
Em dado momento do encontro de Doria com os ciclistas, quando o prefeito estava perto de entrar no carro para ir embora, uma ciclista, Giulia Grillo, ofereceu a Doria um ramalhete de flores amarelas. Eram girassóis. Doria recusou. Então, dona Giulia, que não é nenhuma criança, mas uma bela senhora, delicadamente colocou o buquê de flores no painel do veículo em que o prefeito embarcou e que estava com o vidro da porta direita todo arriado. E Doria imediatamente pegou o buquê de flores do painel do carro e o jogou no chão da rua e seu motorista partiu, sem mais. Depois, a prefeitura distribuiu nota justificando que a atitude de dona Giulia foi “gesto invasivo e desnecessário”.
O gesto da educada ciclista também nada teve de “invasivo e desnecessário”. A privacidade do prefeito não foi invadida. Entregar flores a alguém não invade a privacidade de ninguém. Pelo contrário, é gesto nobre, gesto de admiração e carinho. É delicadeza pura. Mormente quando a pessoa é o prefeito de toda a imensa comunidade de munícipes paulistanos. Mais ainda quando se trata de um novato na política e que foi eleito já no primeiro turno. Quanto mais liderança um prefeito desfruta, muito maior deve ser o fino trato com o povo.
Quanto à “desnecessidade”, aí a questão é de foro íntimo. É preciso ter habilidades, sutilezas, refinamentos e muita sensibilidade para o convívio humano. E muito mais se exige do governante com seus governados, que são a razão de o governante existir. As flores de dona Giulia eram girassóis. Quando o Pequeno Príncipe viu as rosas no deserto do Saara, ele as achou belas. Mas as temeu, “porque elas têm espinhos que machucam”.
Mas os “girassóis” que Doria recusou e depois as atirou no chão da rua, não têm espinhos. É uma flor especial, porque está sempre voltada para o Sol, que não cansa de buscar e girar até encontrar o astro-rei para mostrar a sua beleza por inteiro.
O prefeito João Doria não deveria ter agido como agiu. Sua grosseria é que passou a ser notícia. Que desastre! O tiro saiu pela culatra. Por que o prefeito não recebeu o buquê de girassóis das mãos da cidadã, contribuinte, eleitora e dama Giulia Grillo? Por que não a ouviu e não a abraçou?. Se a beijasse, aí, então, é que teria externado o máximo carinho, o reconhecimento e total preparo para o cargo que ocupa e para o qual foi levado pelo voto da maioria dos eleitores paulistanos. E certamente pelo voto de dona Giulia, por que não?
Sim, porque os que estavam naquele local eram todos ciclistas, vestidos com roupa e equipamentos de ciclistas, todos com suas bicicletas e flores, muitas flores. Não eram adversários políticos. Não eram “black blocs”. Não promoviam protestos nem baderna. Foi um belo e expressivo encontro que o novel João Doria não entendeu e jogou no lixo. Ou melhor, no chão da rua.
Outra consequência do gesto insensato do prefeito é de ordem metafísica e transcendental. As flores eram “em homenagem aos mortos nas marginais”, disseram os ciclistas. É sempre perigoso quando somos materialistas, insensíveis, irreverentes, ingratos e autoritários em relação aos que nos precederam nesta passagem pela Terra.
Todos somos iguais. Nossas vidas são eternas. E a eternidade está no Espírito e não na carne, que tem começo e fim. Infeliz aquele que não soube aceitar e repartir com a Espiritualidade os cânticos, as solenidades, as homenagens, as reverências…flores e girassóis que os que transitam neste vale de lágrimas lhes prestam, lhes dedicam, lhes oferecem. Respeitemos a chamada Lei do Carma (ou Karma): aqui se planta, aqui se colhe. Prefeito João Doria, vá ao encontro de dona Giulia Grillo e lhe peça desculpas que o senhor será desculpado. Aqui e no Além.
O beijo de Judas
Um beijo passou a designar a traição desde que os apóstolos tomaram o companheiro, caixa da campanha de Jesus, como bode expiatório.
Carlos Vereza, um dos mais notáveis e criativos atores brasileiros, acaba de estrear Iscariotes: A outra Face, tomando como referência solar de seu já memorável monólogo, não o beijo de Judas, nem o Judas que passou da Religião à História, mas um Judas de todo original, que relembra o vento nas oliveiras a embalar seus mais antigos sonos de menino que queria adormecer.
Seu personagem emblemático deu muito o que sentir e pensar à plateia que lotou o Teatro Pedro II, em Petrópolis, na serra fluminense, para a estreia nacional, no passado 21 de abril.
Nos terríveis eventos que teve Judas como personagem decisivo, a Última Ceia dá expressão a cada um dos treze e este número reforçou a mística de número do azar, que judeus tinham trazido das crendices da Babilônia, uma vez que o Código de Hamurábi, no século XVII a.C., já pulava do artigo 12 para 14.
Todos os apóstolos falharam, a partir de Pedro, aquele que seria o primeiro Papa, que antes que o galo cantasse negou o líder por três vezes na noite da prisão, na quinta-feira, depois que o candidato tinha sido aclamado rei no domingo anterior, o de ramos.
Desde então, ninguém poupou o traidor, nem mesmo Leonardo Da Vinci, que representou o falso amigo agarrado ao caixa e ainda derrubando o saleiro sobre a mesa da Última Ceia.
Assim, os símbolos da traição e do azar percorreram os séculos, até que em 2006 descobriu-se uma cópia do Evangelho de Judas, escrito em copta e logo transformado em estrela dos apócrifos.
É esta a versão abraçada por Carlos Vereza, não apenas como ator, mas também como autor do texto. Ele deslumbra os espectadores com um desempenho formidável, entre terno, arrebatador e trágico, preconizando, como fez questão de acrescentar depois da peça, que não quer fazer proselitismo nenhum, apenas dar a voz a Judas, a outro Judas, àquele Judas que pode ter sido o grande parceiro de Jesus na História da Salvação, pois que se dispôs a cumprir papel indispensável, que nenhum outro ser humano teve coragem de assumir.
Exegetas da Bíblia e da História já lidavam com a hipótese de que Judas tinha sido traído, ele nunca fora o traidor, daí seu desespero ao ver naufragar o projeto da tomada de poder.
Ao enforcar-se, abrindo o ventre sobre pedras quando se fez despencar do galho de uma árvore, Judas acrescentou um outro emblema à sua imagem de traidor, que é o de suicida.
Em nenhum momento no palco, Vereza faz qualquer vinculação explícita ao tema que toma conta do Brasil nos dias de hoje, mas, excelente ator que é, faz com que espectadores de todas as ideologias sintam e pensem sobre questões fundamentais.
A traição é uma delas. Com traições verdadeiras ou falsas, os delatores estão revelando ao distinto público que Judas pode não estar onde sempre esteve. E também pode ser que o descobrimento de quem seja o verdadeiro Judas demore muito mais tempo. O do Judas que dá étimo e mote a todos os significados pejorativos levou quase 2.000 anos, pois sua versão somente foi descoberta em 2006.
Carlos Vereza, um dos mais notáveis e criativos atores brasileiros, acaba de estrear Iscariotes: A outra Face, tomando como referência solar de seu já memorável monólogo, não o beijo de Judas, nem o Judas que passou da Religião à História, mas um Judas de todo original, que relembra o vento nas oliveiras a embalar seus mais antigos sonos de menino que queria adormecer.
Seu personagem emblemático deu muito o que sentir e pensar à plateia que lotou o Teatro Pedro II, em Petrópolis, na serra fluminense, para a estreia nacional, no passado 21 de abril.
Todos os apóstolos falharam, a partir de Pedro, aquele que seria o primeiro Papa, que antes que o galo cantasse negou o líder por três vezes na noite da prisão, na quinta-feira, depois que o candidato tinha sido aclamado rei no domingo anterior, o de ramos.
Desde então, ninguém poupou o traidor, nem mesmo Leonardo Da Vinci, que representou o falso amigo agarrado ao caixa e ainda derrubando o saleiro sobre a mesa da Última Ceia.
Assim, os símbolos da traição e do azar percorreram os séculos, até que em 2006 descobriu-se uma cópia do Evangelho de Judas, escrito em copta e logo transformado em estrela dos apócrifos.
É esta a versão abraçada por Carlos Vereza, não apenas como ator, mas também como autor do texto. Ele deslumbra os espectadores com um desempenho formidável, entre terno, arrebatador e trágico, preconizando, como fez questão de acrescentar depois da peça, que não quer fazer proselitismo nenhum, apenas dar a voz a Judas, a outro Judas, àquele Judas que pode ter sido o grande parceiro de Jesus na História da Salvação, pois que se dispôs a cumprir papel indispensável, que nenhum outro ser humano teve coragem de assumir.
Exegetas da Bíblia e da História já lidavam com a hipótese de que Judas tinha sido traído, ele nunca fora o traidor, daí seu desespero ao ver naufragar o projeto da tomada de poder.
Ao enforcar-se, abrindo o ventre sobre pedras quando se fez despencar do galho de uma árvore, Judas acrescentou um outro emblema à sua imagem de traidor, que é o de suicida.
Em nenhum momento no palco, Vereza faz qualquer vinculação explícita ao tema que toma conta do Brasil nos dias de hoje, mas, excelente ator que é, faz com que espectadores de todas as ideologias sintam e pensem sobre questões fundamentais.
A traição é uma delas. Com traições verdadeiras ou falsas, os delatores estão revelando ao distinto público que Judas pode não estar onde sempre esteve. E também pode ser que o descobrimento de quem seja o verdadeiro Judas demore muito mais tempo. O do Judas que dá étimo e mote a todos os significados pejorativos levou quase 2.000 anos, pois sua versão somente foi descoberta em 2006.
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