segunda-feira, 22 de janeiro de 2018
As leis no lixo
Montesquieu, em seus pensamentos, ensinava: “Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se são executadas as que há, pois existem boas leis por toda a parte”. E Sólon, o filósofo grego, ao ser perguntado se outorgara aos atenienses as melhores, saiu-se com esta resposta: “dei-lhes as melhores leis que eles podiam aguentar”. As duas pequenas lições calham bem no momento vivido pelo país.
Primeiro, por refletir o estado geral de anomia que toma conta da Nação. A quebra da ordem ronda os espaços nacionais, puxando a anarquia, a desorganização do clima institucional e a instabilidade social, sob uma gigantesca teia de difamação, calúnia, troca de ofensas. Segundo, pela constatação de que o nosso acervo normativo, considerado um dos mais avançados do mundo, parece não ser suportado por importantes segmentos da sociedade.
Fatos recentes escancaram as observações acima. Uma greve de policiais no Rio Grande do Norte foi considerada ilegal pela Justiça, com a determinação de “imediato” retorno ao trabalho das categorias nela envolvidas. Um desembargador chegou a ordenar que os comandantes das forças policiais prendessem os responsáveis “por incitar, defender ou provocar a paralisação”. A decisão deveria ser cumprida de imediato sob pena de uma multa diária de R$ 100 mil, montante a ser rateado entre as entidades à frente da greve.
Nessa última quinta-feira, o sindicato dos metroviários de São Paulo deflagrou uma greve geral, tendo como motivo um protesto contra a privatização de duas linhas do sistema. Um desembargador do TRT decidiu que 80% da frota deveriam circular nos horários de pico e, em caso de descumprimento, estabeleceu uma multa diária de R$ 100 mil.
A planilha de multas determinadas pela Justiça, nos últimos anos, tem se avolumado. Em 2014, os metroviários fizeram uma paralisação de 5 dias. A Promotoria de São Paulo pediu na época a aplicação de uma multa equivalente a 3,33% do salário mínimo dos grevistas, perfazendo o montante de quase R$ 355 milhões de multa indenizatória. Houve, ainda, o pedido de bloqueio das contas bancárias do Sindicato dos Metroviários. Os pedidos não foram atendidos. Mas outras decisões do Judiciário no sentido de punir “greves abusivas” não têm sido cumpridas.
As greves na administração pública, particularmente em setores de serviços essenciais, como saúde, educação e mobilidade urbana, devem se pautar em parâmetros especiais, a partir de danos que trazem para as comunidades. Os casos continuados de greves na administração pública e a ausência de cumprimento de decisões de juízes acabam corroendo a imagem do próprio Judiciário, a quem não se pode negar o resgate de papel de protagonista central na atual quadra política vivenciada pelo país.
Nesse ponto, convém expor o paradoxo: ao mesmo tempo em que retoma sua posição de Poder admirado e aplaudido (o juiz Moro é considerado herói), sob apupos que a sociedade encaminha na direção dos outros dois Poderes – o Legislativo e o Executivo – o Judiciário tem colecionado decisões que vão direto para o lixo. Alguém pode objetar: o país vive um ciclo de grandes tensões, com julgamentos de altos empresários, executivos e atores da política em todas as instâncias da Justiça, dificultando aos Operadores do Direito – Ministério Público e Judiciário – o controle de todos os atos litigiosos. Tem procedência esse argumento ouvido aqui e ali? Ou se trata de esforço para “aliviar a barra” dos operadores do Direito?
A imagem de uma mulher de olhos vendados, carregando em uma mão a balança e em outra a espada, traduz a aplicação da justiça para todos, ou seja, não deve haver distinção entre simples e poderosos. A balança significa o instrumento para “pesar” o direito de cada um e a espada é a ferramenta para defender o que é justo. O simbolismo expresso pela Deusa Têmis chama a atenção. Mas, quando se registram casos de desobediência civil – como esses que se multiplicam na onda crescente de greves de servidores públicos – a impressão é de que a deusa, além de cega, parece surda. Não tem ouvido o clamor das comunidades pelo respeito à lei e à ordem, pela aplicação das decisões tomadas pelos quadros da Justiça.
A par do descumprimento de decisões judiciais, emerge a impressão de que tem faltado aos integrantes do Poder Judiciário humildade, ou algumas virtudes que Bacon descreve em seus ensaios: “os juízes devem ser mais instruídos do que sutis, mais reverendos do que aclamados, mais circunspectos do que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza”. Nesse ciclo de elevado protagonismo dos juízes, vale lembrar a velha sentença de que devem se resguardar de inferências desmedidas, falando apenas nos autos, evitando as luzes fosforescente da mídia e a ânsia por visibilidade. O individualismo parece ter baixado sobre o arquipélago judicial, a ponto de se aduzir, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal compõe-se de 11 ilhas, cada qual com brilho próprio.
Outra abordagem que se faz sobre o Judiciário, principalmente sobre os membros do STF, é a de que interfere nas funções de outros poderes, seja por meio de produção de normas – extrapolando o papel de interpretar a CF e adentrando o terreno do Legislativo – seja por meio do confronto às prerrogativas do Poder Executivo. É compreensível que, em tempos de intenso litígio, envolvendo figuras centrais da política e dos negócios, haja acentuada demanda sobre o Judiciário, com sobrecarga de processos nas instâncias judiciais. Os casos sob a égide judicial, por sua vez, disparam ampla cobertura dos meios de comunicação, despertando o gosto de aparecer na mídia por parte de integrantes do aparato investigativo. No Estado-Espetáculo, os atores são atraídos pelo palco midiático. Floresce, assim, o jardim de vaidades.
Por último, lembremos esta lição de Bacon: “ juiz deve preparar o caminho para uma justa sentença, como Deus costuma abrir seu caminho elevando os vales e abaixando montanhas”. Que a deusa Têmis faça bom uso da balança e da espada.
Gaudêncio Torquato
Primeiro, por refletir o estado geral de anomia que toma conta da Nação. A quebra da ordem ronda os espaços nacionais, puxando a anarquia, a desorganização do clima institucional e a instabilidade social, sob uma gigantesca teia de difamação, calúnia, troca de ofensas. Segundo, pela constatação de que o nosso acervo normativo, considerado um dos mais avançados do mundo, parece não ser suportado por importantes segmentos da sociedade.
Nessa última quinta-feira, o sindicato dos metroviários de São Paulo deflagrou uma greve geral, tendo como motivo um protesto contra a privatização de duas linhas do sistema. Um desembargador do TRT decidiu que 80% da frota deveriam circular nos horários de pico e, em caso de descumprimento, estabeleceu uma multa diária de R$ 100 mil.
A planilha de multas determinadas pela Justiça, nos últimos anos, tem se avolumado. Em 2014, os metroviários fizeram uma paralisação de 5 dias. A Promotoria de São Paulo pediu na época a aplicação de uma multa equivalente a 3,33% do salário mínimo dos grevistas, perfazendo o montante de quase R$ 355 milhões de multa indenizatória. Houve, ainda, o pedido de bloqueio das contas bancárias do Sindicato dos Metroviários. Os pedidos não foram atendidos. Mas outras decisões do Judiciário no sentido de punir “greves abusivas” não têm sido cumpridas.
As greves na administração pública, particularmente em setores de serviços essenciais, como saúde, educação e mobilidade urbana, devem se pautar em parâmetros especiais, a partir de danos que trazem para as comunidades. Os casos continuados de greves na administração pública e a ausência de cumprimento de decisões de juízes acabam corroendo a imagem do próprio Judiciário, a quem não se pode negar o resgate de papel de protagonista central na atual quadra política vivenciada pelo país.
Nesse ponto, convém expor o paradoxo: ao mesmo tempo em que retoma sua posição de Poder admirado e aplaudido (o juiz Moro é considerado herói), sob apupos que a sociedade encaminha na direção dos outros dois Poderes – o Legislativo e o Executivo – o Judiciário tem colecionado decisões que vão direto para o lixo. Alguém pode objetar: o país vive um ciclo de grandes tensões, com julgamentos de altos empresários, executivos e atores da política em todas as instâncias da Justiça, dificultando aos Operadores do Direito – Ministério Público e Judiciário – o controle de todos os atos litigiosos. Tem procedência esse argumento ouvido aqui e ali? Ou se trata de esforço para “aliviar a barra” dos operadores do Direito?
A imagem de uma mulher de olhos vendados, carregando em uma mão a balança e em outra a espada, traduz a aplicação da justiça para todos, ou seja, não deve haver distinção entre simples e poderosos. A balança significa o instrumento para “pesar” o direito de cada um e a espada é a ferramenta para defender o que é justo. O simbolismo expresso pela Deusa Têmis chama a atenção. Mas, quando se registram casos de desobediência civil – como esses que se multiplicam na onda crescente de greves de servidores públicos – a impressão é de que a deusa, além de cega, parece surda. Não tem ouvido o clamor das comunidades pelo respeito à lei e à ordem, pela aplicação das decisões tomadas pelos quadros da Justiça.
A par do descumprimento de decisões judiciais, emerge a impressão de que tem faltado aos integrantes do Poder Judiciário humildade, ou algumas virtudes que Bacon descreve em seus ensaios: “os juízes devem ser mais instruídos do que sutis, mais reverendos do que aclamados, mais circunspectos do que audaciosos. Acima de todas as coisas, a integridade é a virtude que na função os caracteriza”. Nesse ciclo de elevado protagonismo dos juízes, vale lembrar a velha sentença de que devem se resguardar de inferências desmedidas, falando apenas nos autos, evitando as luzes fosforescente da mídia e a ânsia por visibilidade. O individualismo parece ter baixado sobre o arquipélago judicial, a ponto de se aduzir, por exemplo, que o Supremo Tribunal Federal compõe-se de 11 ilhas, cada qual com brilho próprio.
Outra abordagem que se faz sobre o Judiciário, principalmente sobre os membros do STF, é a de que interfere nas funções de outros poderes, seja por meio de produção de normas – extrapolando o papel de interpretar a CF e adentrando o terreno do Legislativo – seja por meio do confronto às prerrogativas do Poder Executivo. É compreensível que, em tempos de intenso litígio, envolvendo figuras centrais da política e dos negócios, haja acentuada demanda sobre o Judiciário, com sobrecarga de processos nas instâncias judiciais. Os casos sob a égide judicial, por sua vez, disparam ampla cobertura dos meios de comunicação, despertando o gosto de aparecer na mídia por parte de integrantes do aparato investigativo. No Estado-Espetáculo, os atores são atraídos pelo palco midiático. Floresce, assim, o jardim de vaidades.
Por último, lembremos esta lição de Bacon: “ juiz deve preparar o caminho para uma justa sentença, como Deus costuma abrir seu caminho elevando os vales e abaixando montanhas”. Que a deusa Têmis faça bom uso da balança e da espada.
Gaudêncio Torquato
Anistia ampla aos corruptos é uma trama diabólica que o país não pode aceitar
Existem três institutos constitucionais que neste Brasil corrupto podem servir de instrumentos desmoralizadores da Justiça, causadores de revolta na população, expositores do país à censura e ao ridículo internacionais e contempladores de prêmios e benesses a perigosos malfeitores que jamais poderiam voltar ao convívio social. São eles: Anistia, Graça e Indulto. Estes últimos (Graça e Indulto) são prerrogativa do Presidente da República. E nesta última edição (Indulto Natalino de 2017) quase, quase, não se transformou em Anistia, que só pode ser concedida pelo Congresso Nacional, através de lei ordinária.
Por muito pouco — e graça à intervenção da procuradora-Geral da República, que foi ao Supremo Tribunal Federal e conseguiu suspender os efeitos e eficácia da malandragem que o presidente Temer usou ao editá-lo — o Indulto Natalino de 2017 não se transformou numa espécie de Anistia, travestida de Indulto.
A Anistia é um benefício que somente o Congresso Nacional pode conceder e implica no “perdão” à prática de um fato criminoso. Geralmente destina-se a crimes políticos, mas nada impede que possa também abranger todas as outras figuras de delitos. Sua concessão pode se dar antes do trânsito em julgado da condenação (Anistia Própria) e depois do trânsito em julgado (Anistia Imprópria).
A Anistia pode ser restrita (quando exige primariedade do agente, por exemplo); irrestrita (quando a todos os autores de crimes atinge, indistintamente, também chamada de Anistia comum ). E se o anistiado cometer novo crime não será considerado reincidente.
Por muito pouco — e graça à intervenção da procuradora-Geral da República, que foi ao Supremo Tribunal Federal e conseguiu suspender os efeitos e eficácia da malandragem que o presidente Temer usou ao editá-lo — o Indulto Natalino de 2017 não se transformou numa espécie de Anistia, travestida de Indulto.
A Anistia pode ser restrita (quando exige primariedade do agente, por exemplo); irrestrita (quando a todos os autores de crimes atinge, indistintamente, também chamada de Anistia comum ). E se o anistiado cometer novo crime não será considerado reincidente.
O leitor já imaginou que, no apagar das luzes da legislatura de 2018, Câmara e Senado venham aprovar uma lei para anistiar todos os que estão sendo indiciados, processados e já foram condenados pelos crimes oriundos do Mensalão, da Lava Jato e de todas as demais operações congêneres e daquelas derivadas? Se não imaginou, então passe a imaginar.
Será no final da legislatura de 2018, porque deputados e senadores, que não forem eleitos no próximo pleito de Outubro, nada têm a perder ao votar a favor da Anistia. E os que se elegeram (ou reelegeram) nem se importam com o mau conceito que os eleitores deles farão. Afinal de contas, todos ainda terão mandatos por mais 4 (deputados) e 8 anos (senadores) e eles sabem que o povo até se esquece em quem votou.
Não. Não é exercício de raciocínio. Não é futurologia. Não é “Fake News”. É verdade, tão verdadeira que Eduardo Cunha e Sérgio Cabral, para citar apenas dois condenados, não estão nem um pouquinho preocupados com os já anunciados 386 e 87 anos de condenação que, até aqui e por ora, a Justiça pode impor à dupla. Eles sabem que um rascunho de lei de Anistia já está sendo redigido.,revisado, e tudo às escondidas, até que o projeto de lei ordinária seja apresentado e votado em caráter de urgência urgentíssima.
Mas ainda existem dúvidas e embaraços tanto na Exposição de Motivos quanto nos artigos desta lei, tão indigna quanto seus autores e tantos quantos a aprovarem. Mas uma vez aprovada, muito pouco ou quase nada poderá ser feito para invalidá-la, visto que o Congresso é competente e soberano para criar esta monstruosidade.
E como arguir sua eventual inconstitucionalidade, se a própria Constituição, para tanto, autoriza e outorga uma espécie de soberania intocável ao Parlamento? Chega a ser quase um ato discricionário do Congresso. E todo ato discricionário só depende de conveniência e oportunidade de quem deseja baixá-lo ou editá-lo. E nada mais.
Vai aqui uma rápida antecipação do que já está sendo concretamente cogitado, exposto e motivado. Que nenhum dos crimes foi praticado mediante violência e que nenhum tiro foi disparado… Que o prejuízo foi apenas de ordem financeira, patrimonial, plenamente ressarcível… Que investigados, indiciados, processados, delatores, delatados e condenados não são criminosos comuns, mas figuras de relevância no cenário político e institucional e que, por razões que a própria razão desconhece, cometeram deslizes veniais… Que todos são seres humanos, também susceptíveis de cometerem erros… Que todos têm famílias constituídas, muitos com idades avançadas e que estão mergulhados em grande sofrimento…
Que o Estado Democrático de Direito não pode compactuar com “apedrejamentos” políticos contra os que dedicaram suas vidas à causa pública, ainda que tenham, neste ou naquele momento, nesta ou naquela ocasião, fraquejado, por um instante ou mesmo por repetitivos instantes… Que suas virtudes, tentos, realizações e conquistas em benefício do povo brasileiro não podem ser esquecidos, esmagados e superados por humanas faltas cometidas… Que proveito terá a Nação ao ver seus súditos e filhos encarcerados por poucos ou muitos anos, se contra eles não se aponta a menor periculosidade contra o próximo e o convívio social?
Isso e muito mais está em andamento, senhores leitores. Aqui não vai um “furo” jornalístico, porque quem escreve não é jornalista. Mas como advogado, aos 71 de idade, vida social, pessoal e profissional honesta, ilibada e jamais disposto a silenciar diante de um escandaloso ultraje que se desenha contra o povo, a Justiça, a ordem e o progresso de meu país, minha consciência ordena que é urgente que meus patrícios saibam da trama que está para acontecer. Mas não será legal? Sim, a Anistia, tal como aqui exposto, é instituto do Direito Constitucional. Mas nem tudo que é legal é moral. Exemplo: devedor de dívida prescrita não está legalmente obrigado a fazer o pagamento ao credor. E moralmente?
Será no final da legislatura de 2018, porque deputados e senadores, que não forem eleitos no próximo pleito de Outubro, nada têm a perder ao votar a favor da Anistia. E os que se elegeram (ou reelegeram) nem se importam com o mau conceito que os eleitores deles farão. Afinal de contas, todos ainda terão mandatos por mais 4 (deputados) e 8 anos (senadores) e eles sabem que o povo até se esquece em quem votou.
Não. Não é exercício de raciocínio. Não é futurologia. Não é “Fake News”. É verdade, tão verdadeira que Eduardo Cunha e Sérgio Cabral, para citar apenas dois condenados, não estão nem um pouquinho preocupados com os já anunciados 386 e 87 anos de condenação que, até aqui e por ora, a Justiça pode impor à dupla. Eles sabem que um rascunho de lei de Anistia já está sendo redigido.,revisado, e tudo às escondidas, até que o projeto de lei ordinária seja apresentado e votado em caráter de urgência urgentíssima.
Mas ainda existem dúvidas e embaraços tanto na Exposição de Motivos quanto nos artigos desta lei, tão indigna quanto seus autores e tantos quantos a aprovarem. Mas uma vez aprovada, muito pouco ou quase nada poderá ser feito para invalidá-la, visto que o Congresso é competente e soberano para criar esta monstruosidade.
E como arguir sua eventual inconstitucionalidade, se a própria Constituição, para tanto, autoriza e outorga uma espécie de soberania intocável ao Parlamento? Chega a ser quase um ato discricionário do Congresso. E todo ato discricionário só depende de conveniência e oportunidade de quem deseja baixá-lo ou editá-lo. E nada mais.
Vai aqui uma rápida antecipação do que já está sendo concretamente cogitado, exposto e motivado. Que nenhum dos crimes foi praticado mediante violência e que nenhum tiro foi disparado… Que o prejuízo foi apenas de ordem financeira, patrimonial, plenamente ressarcível… Que investigados, indiciados, processados, delatores, delatados e condenados não são criminosos comuns, mas figuras de relevância no cenário político e institucional e que, por razões que a própria razão desconhece, cometeram deslizes veniais… Que todos são seres humanos, também susceptíveis de cometerem erros… Que todos têm famílias constituídas, muitos com idades avançadas e que estão mergulhados em grande sofrimento…
Que o Estado Democrático de Direito não pode compactuar com “apedrejamentos” políticos contra os que dedicaram suas vidas à causa pública, ainda que tenham, neste ou naquele momento, nesta ou naquela ocasião, fraquejado, por um instante ou mesmo por repetitivos instantes… Que suas virtudes, tentos, realizações e conquistas em benefício do povo brasileiro não podem ser esquecidos, esmagados e superados por humanas faltas cometidas… Que proveito terá a Nação ao ver seus súditos e filhos encarcerados por poucos ou muitos anos, se contra eles não se aponta a menor periculosidade contra o próximo e o convívio social?
Isso e muito mais está em andamento, senhores leitores. Aqui não vai um “furo” jornalístico, porque quem escreve não é jornalista. Mas como advogado, aos 71 de idade, vida social, pessoal e profissional honesta, ilibada e jamais disposto a silenciar diante de um escandaloso ultraje que se desenha contra o povo, a Justiça, a ordem e o progresso de meu país, minha consciência ordena que é urgente que meus patrícios saibam da trama que está para acontecer. Mas não será legal? Sim, a Anistia, tal como aqui exposto, é instituto do Direito Constitucional. Mas nem tudo que é legal é moral. Exemplo: devedor de dívida prescrita não está legalmente obrigado a fazer o pagamento ao credor. E moralmente?
O que oferece o populismo?
Independentemente das possibilidades de manutenção deste quadro até a época da eleição, o que não acredito, é útil pensar no que elas oferecem ao distinto público.
À direita, Bolsonaro mostra uma carreira parlamentar de pouco brilho e muitas frases ofensivas. Em meio a esse quadro, porém, emerge claramente alguém adepto do Estado grande, forte e intervencionista, com vários traços militares. Parece acreditar em soluções tão bombásticas quanto superficiais. Curiosamente, mais recentemente está indicando um programa econômico liberal, que não casa com suas convicções e sua história. O que afinal oferece ao País? Dá para confiar no seu alegado liberalismo ou o que temos é o mais puro populismo, do tipo “confiem em mim e eu salvarei o País”.
Definitivamente, não acredito que sua postulação vá manter a força que aparenta ter hoje.
Por outro lado, temos a candidatura Lula que, antes de mais nada, tem que ser avaliada à luz de todo o período petista no poder, mais de treze anos. Não dá para apagar da história o governo Dilma, como se tenta.
À direita, Bolsonaro mostra uma carreira parlamentar de pouco brilho e muitas frases ofensivas. Em meio a esse quadro, porém, emerge claramente alguém adepto do Estado grande, forte e intervencionista, com vários traços militares. Parece acreditar em soluções tão bombásticas quanto superficiais. Curiosamente, mais recentemente está indicando um programa econômico liberal, que não casa com suas convicções e sua história. O que afinal oferece ao País? Dá para confiar no seu alegado liberalismo ou o que temos é o mais puro populismo, do tipo “confiem em mim e eu salvarei o País”.
Definitivamente, não acredito que sua postulação vá manter a força que aparenta ter hoje.
Por outro lado, temos a candidatura Lula que, antes de mais nada, tem que ser avaliada à luz de todo o período petista no poder, mais de treze anos. Não dá para apagar da história o governo Dilma, como se tenta.
Olhado desta forma, não deixa de ser surpreendente que se chegou a acreditar (e até a escrever teses) de que havia sido descoberto um novo modelo de crescimento. Na verdade, tratou-se de mais um experimento latino americano de populismo, alavancado a partir de um período de ganhos com preços de commodities, que naufragou gerando uma gigantesca crise a partir de 2014 e da qual só estamos saindo agora.
Todas as estratégias utilizadas se revelaram equivocadas, a começar do fato que a liderança ativa do governo, em aliança com os campeões nacionais, não resultou num crescimento sustentável. Os ditos campeões quebraram ou estão com severos problemas legais, que comprometem seu futuro. Essas empresas não têm agora maior relevância no cenário econômico.
As principais empresas estatais (e seus fornecedores) foram levadas à quase destruição pela proposição de projetos megalômanos (Petrobrás/refinarias) ou por regulações inadequadas, como o congelamento de preços de combustíveis e a MP 579, que arrasou o setor elétrico.
A indústria encolheu, apesar da utilização de todo o instrumental de políticas de proteção. Talvez o melhor exemplo disso tenha sido o caso da indústria naval. A partir de um gigantesco programa de investimentos da Petrobrás e de reserva de mercado criou-se grande demanda por embarcações, que seriam construídas no Brasil, por novos estaleiros geridos por empreiteiras fornecedoras do setor público. Nenhuma das empresas tinha qualquer experiência industrial. Algumas sequer tinham o terreno para construir o estaleiro!
Em meio à revolução tecnológica atual, caracterizada antes de tudo pelo avanço do conhecimento e das tecnologias da informação e digitais, o objetivo era fazer casco de navio, sem sequer dispor de soldadores e engenheiros experientes! Não podia mesmo dar certo.
A utilização de grandes eventos esportivos, como alavanca de crescimento, gerou muita corrupção, vários elefantes brancos e um humilhante 7x1.
Na política externa nos fechamos ao mundo e nos abraçamos à Venezuela e Angola, exemplos de progresso.
Tudo isso ocorreu junto com a destruição das finanças públicas (que vai levar muitos anos para ser consertada), a volta da inflação elevada e a implantação de uma governança pública que terminou num mar de processos, cíveis e criminais. Tudo culminando com a imposição da então ministra Dilma como candidata a presidente. Uma escolha estratégica mais infeliz é impossível.
Ademais, o ex-presidente Lula mostrou ao longo dos anos que não tem apego à ideia nenhuma pois, como se auto definiu, é uma metamorfose ambulante. Mostrou que, dependendo da plateia, pode ter uma fala de esquerda pela manhã e uma liberal à tarde.
Então, o que propõe para o País: uma agenda de esquerda, mais populismo e inflação, uma nova carta aos brasileiros?
Dá para acreditar em qualquer coisa que seja escrita ou prometida?
Todas as estratégias utilizadas se revelaram equivocadas, a começar do fato que a liderança ativa do governo, em aliança com os campeões nacionais, não resultou num crescimento sustentável. Os ditos campeões quebraram ou estão com severos problemas legais, que comprometem seu futuro. Essas empresas não têm agora maior relevância no cenário econômico.
As principais empresas estatais (e seus fornecedores) foram levadas à quase destruição pela proposição de projetos megalômanos (Petrobrás/refinarias) ou por regulações inadequadas, como o congelamento de preços de combustíveis e a MP 579, que arrasou o setor elétrico.
A indústria encolheu, apesar da utilização de todo o instrumental de políticas de proteção. Talvez o melhor exemplo disso tenha sido o caso da indústria naval. A partir de um gigantesco programa de investimentos da Petrobrás e de reserva de mercado criou-se grande demanda por embarcações, que seriam construídas no Brasil, por novos estaleiros geridos por empreiteiras fornecedoras do setor público. Nenhuma das empresas tinha qualquer experiência industrial. Algumas sequer tinham o terreno para construir o estaleiro!
Em meio à revolução tecnológica atual, caracterizada antes de tudo pelo avanço do conhecimento e das tecnologias da informação e digitais, o objetivo era fazer casco de navio, sem sequer dispor de soldadores e engenheiros experientes! Não podia mesmo dar certo.
A utilização de grandes eventos esportivos, como alavanca de crescimento, gerou muita corrupção, vários elefantes brancos e um humilhante 7x1.
Na política externa nos fechamos ao mundo e nos abraçamos à Venezuela e Angola, exemplos de progresso.
Tudo isso ocorreu junto com a destruição das finanças públicas (que vai levar muitos anos para ser consertada), a volta da inflação elevada e a implantação de uma governança pública que terminou num mar de processos, cíveis e criminais. Tudo culminando com a imposição da então ministra Dilma como candidata a presidente. Uma escolha estratégica mais infeliz é impossível.
Ademais, o ex-presidente Lula mostrou ao longo dos anos que não tem apego à ideia nenhuma pois, como se auto definiu, é uma metamorfose ambulante. Mostrou que, dependendo da plateia, pode ter uma fala de esquerda pela manhã e uma liberal à tarde.
Então, o que propõe para o País: uma agenda de esquerda, mais populismo e inflação, uma nova carta aos brasileiros?
Dá para acreditar em qualquer coisa que seja escrita ou prometida?
Margaret Atwood, traidora
Que una escritora que poderia gozar de um momento doce como Margaret Atwood salte à arena e contradiga algumas de suas ferventes admiradoras é algo de muito mérito. Não sei se tem razão, nestes tempos nos faltam dados e nuances, mas é preciso reconhecer sua coragem e honestidade. Atwood, a idolatrada autora de O Conto da Aia, tentava explicar esta semana em um artigo do jornal canadense The Globe and Mail, intitulado Am I a Bad Feminist?, por que tinha sido para ela uma questão de princípios assinar a carta pública na qual se pedia à Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá) uma investigação justa em relação às acusações de abuso sexual que haviam resultado na expulsão do escritor Steven Galloway, até então o diretor do prestigiado mestrado de escrita criativa daquela instituição. Recomendo a leitura na íntegra porque a questão tem tantos pontos em aberto que é quase impossível extrair uma frase de um texto que faz sentido se for lido do princípio ao fim.
Na realidade, o artigo da canadense é uma peça a mais de uma longa história que dá para uma serie de mistério em que só na terceira temporada se sabe se o acusado é culpado. O primeiro fato assombroso foi que tanto o suposto autor do abuso como as vítimas assinaram um acordo de confidencialidade com a direção universitária e a partir daí tudo se moveu em um inquietante clima de secretismo. Depois de meses de investigação, um juiz afirmou não ter visto indícios de abuso sexual. Esta sentença enfureceu ainda mais as pessoas que se voltaram então contra aqueles signatários que haviam exigido transparência. Atwood deixava claro que os escritores nem sequer defendiam a inocência do acusado, mas a presunção de inocência à que qualquer um tem direito. A romancista punha em dúvida essa inclinação popular de infausta memória pela qual basta ser acusado para se tornar culpado. Neste caso, a universidade se posicionou do lado dos que exigiam a expulsão imediata do docente, embora mais tarde tenha emitido um tímido comunicado solidário.
Como resultado de questão tão embaralhada e da torpeza da instituição levará tempo para se saber como agiu o senhor Galloway com duas de suas alunas. Porque nas muitas reportagens que a imprensa norte-americana dedicou ao assunto há desde testemunhas que o descrevem como um sujeito arrogante e boçal a outros que se referem a ele como uma pessoa colaboradora e prestativa. A controvérsia provocou tal convulsão no mundo cultural canadense que alguns dos primeiros signatários daquela carta que exigia transparência se renderam e retiraram seus nomes, por medo de serem tachados de cúmplices do abuso; Atwood, como feminista, acusada de traidora da causa. Ela se expressava nestes termos: “Quando a ideologia se converte em religião, qualquer um que não imita as atitudes extremistas é visto como um apóstata, um herege ou um traidor... Os escritores de ficção são particularmente suspeitos porque escrevem sobre seres humanos e as pessoas são moralmente ambíguas. O objetivo da ideologia é eliminar a ambiguidade.”
Não se pode dizer que a escritora, de 78 anos, viva fora do mundo, porque quando no dia seguinte veio a esperada resposta irada de alguns leitores, respondeu em mais de 30 ocasiões com um aprumo pedagógico invejável. Não defendia o abuso, repetiu várias vezes, mas a presunção de inocência.
Esta história que ainda não chegou a seu fim trouxe à minha mente de novo, como não, O Conto da Aia. Como sabem, foi escrita em 1985, e como Atwood explicou, na criação de universo tão asfixiante confluíram fatores bem diversos: suas visitas a países comunistas do Leste da Europa, as notícias sobre a queda da qualidade do sêmen no Ocidente e a radical oposição ao pornô de algumas correntes feministas norte-americanas. Além do antiecologismo da era Reagan.
Tudo interveio em sua criação, embora pelo especial momento que vivemos é lógico que haja imagens que agora nos pareçam inspiradas pelo terror islâmico, a era Trump, ou que o vejamos como um arrazoado contra a gestação por substituição. Creio que a própria autora deve ter se surpreendido ao observar como as leitoras jovens atualizaram a leitura de seu texto até transformá-lo mais que em uma distopia, como costuma ser definido, em uma certificação do presente. Na minha opinião, não só formada pelo romance, mas pelas palavras com que a autora o prologa tantos anos depois, Atwood está nos falando do totalitarismo, do silêncio irrespirável que impõe, de como a exigência da pureza acaba se transformando em terror, de como o medo de ser apontado como pecador nos conduz a uma delação que no momento nos salva e nos abriga no grupo dos escolhidos. Proibidos ficam o amor, o sexo e a sensualidade, que nada têm a ver com o abuso de poder e a subjugação. Disso falava Atwood e de não lançar irrefletidamente a primeira pedra contra a cabeça de um acusado.
Na realidade, o artigo da canadense é uma peça a mais de uma longa história que dá para uma serie de mistério em que só na terceira temporada se sabe se o acusado é culpado. O primeiro fato assombroso foi que tanto o suposto autor do abuso como as vítimas assinaram um acordo de confidencialidade com a direção universitária e a partir daí tudo se moveu em um inquietante clima de secretismo. Depois de meses de investigação, um juiz afirmou não ter visto indícios de abuso sexual. Esta sentença enfureceu ainda mais as pessoas que se voltaram então contra aqueles signatários que haviam exigido transparência. Atwood deixava claro que os escritores nem sequer defendiam a inocência do acusado, mas a presunção de inocência à que qualquer um tem direito. A romancista punha em dúvida essa inclinação popular de infausta memória pela qual basta ser acusado para se tornar culpado. Neste caso, a universidade se posicionou do lado dos que exigiam a expulsão imediata do docente, embora mais tarde tenha emitido um tímido comunicado solidário.
Como resultado de questão tão embaralhada e da torpeza da instituição levará tempo para se saber como agiu o senhor Galloway com duas de suas alunas. Porque nas muitas reportagens que a imprensa norte-americana dedicou ao assunto há desde testemunhas que o descrevem como um sujeito arrogante e boçal a outros que se referem a ele como uma pessoa colaboradora e prestativa. A controvérsia provocou tal convulsão no mundo cultural canadense que alguns dos primeiros signatários daquela carta que exigia transparência se renderam e retiraram seus nomes, por medo de serem tachados de cúmplices do abuso; Atwood, como feminista, acusada de traidora da causa. Ela se expressava nestes termos: “Quando a ideologia se converte em religião, qualquer um que não imita as atitudes extremistas é visto como um apóstata, um herege ou um traidor... Os escritores de ficção são particularmente suspeitos porque escrevem sobre seres humanos e as pessoas são moralmente ambíguas. O objetivo da ideologia é eliminar a ambiguidade.”
Não se pode dizer que a escritora, de 78 anos, viva fora do mundo, porque quando no dia seguinte veio a esperada resposta irada de alguns leitores, respondeu em mais de 30 ocasiões com um aprumo pedagógico invejável. Não defendia o abuso, repetiu várias vezes, mas a presunção de inocência.
Esta história que ainda não chegou a seu fim trouxe à minha mente de novo, como não, O Conto da Aia. Como sabem, foi escrita em 1985, e como Atwood explicou, na criação de universo tão asfixiante confluíram fatores bem diversos: suas visitas a países comunistas do Leste da Europa, as notícias sobre a queda da qualidade do sêmen no Ocidente e a radical oposição ao pornô de algumas correntes feministas norte-americanas. Além do antiecologismo da era Reagan.
Tudo interveio em sua criação, embora pelo especial momento que vivemos é lógico que haja imagens que agora nos pareçam inspiradas pelo terror islâmico, a era Trump, ou que o vejamos como um arrazoado contra a gestação por substituição. Creio que a própria autora deve ter se surpreendido ao observar como as leitoras jovens atualizaram a leitura de seu texto até transformá-lo mais que em uma distopia, como costuma ser definido, em uma certificação do presente. Na minha opinião, não só formada pelo romance, mas pelas palavras com que a autora o prologa tantos anos depois, Atwood está nos falando do totalitarismo, do silêncio irrespirável que impõe, de como a exigência da pureza acaba se transformando em terror, de como o medo de ser apontado como pecador nos conduz a uma delação que no momento nos salva e nos abriga no grupo dos escolhidos. Proibidos ficam o amor, o sexo e a sensualidade, que nada têm a ver com o abuso de poder e a subjugação. Disso falava Atwood e de não lançar irrefletidamente a primeira pedra contra a cabeça de um acusado.
A batalha de Porto Alegre
Longínqua é a época em que o PT se vestia de defensor de outra forma de participação política, procurando seduzir não somente os incautos do Brasil, mas também os do mundo. A soberba já naquele então desconhecia limites, mas apresentava-se com as sandálias da humildade.
Era o mundo da dita “democracia participativa” e da mensagem, no Fórum Social Mundial, de que um “outro mundo era possível”. Porto Alegre tornou-se o símbolo que irradiava para todo o País, e para além dele, transmitindo a imagem de uma grande solidariedade, de uma paz que o partido encarnaria.
Para todo observador atento, contudo, a farsa era visível. Porém foi eficaz: levou o partido a conquistar três vezes a Presidência da República. Mas deixando um rastro de destruição, com queda acentuada do PIB, inflação acima de dois dígitos, mais de 12 milhões de desempregados e corrupção generalizada. Dirigentes partidários foram condenados e presos a partir do “mensalão” e do “petrolão”. Antes, o partido tinha um currículo baseado na ética na política; hoje, uma folha corrida.
No dito orçamento participativo das administrações petistas de Porto Alegre já se apresentavam o engodo, a enganação e, sobretudo, o desrespeito à democracia representativa, tão ao gosto dos petistas atuais. Reuniões de 500 pessoas em bairros da cidade, nas quais um terço dos participantes era constituído por militantes, decidiam por regiões inteiras de mais de 150 mil ou mesmo 200 mil habitantes. Impunham uma representação inexistente, numa espécie de autodelegação de poder. O partido tudo instrumentava, arvorando-se em detentor do bem, o bem partidário confundido com o público.
Num Fórum Social Mundial, os narcoterroristas das Farc foram recepcionados no Palácio Piratini, sob o governo petista de Olívio Dutra. Lá, numa das sacadas do prédio, em outra ocasião, discursou, com sua arenga esquerdizante, Hugo Chávez, líder do processo que está levando a Venezuela a um verdadeiro banho de sangue, com a miséria e a desnutrição vicejando como uma praga – a praga, na verdade, do socialismo do século 21.
Eis o “outro mundo possível”, louvado pelos atuais dirigentes do PT. A vantagem hoje é a de que a máscara caiu. O partido, pelo menos, tem o benefício da coerência.
Era o mundo da dita “democracia participativa” e da mensagem, no Fórum Social Mundial, de que um “outro mundo era possível”. Porto Alegre tornou-se o símbolo que irradiava para todo o País, e para além dele, transmitindo a imagem de uma grande solidariedade, de uma paz que o partido encarnaria.
Para todo observador atento, contudo, a farsa era visível. Porém foi eficaz: levou o partido a conquistar três vezes a Presidência da República. Mas deixando um rastro de destruição, com queda acentuada do PIB, inflação acima de dois dígitos, mais de 12 milhões de desempregados e corrupção generalizada. Dirigentes partidários foram condenados e presos a partir do “mensalão” e do “petrolão”. Antes, o partido tinha um currículo baseado na ética na política; hoje, uma folha corrida.
No dito orçamento participativo das administrações petistas de Porto Alegre já se apresentavam o engodo, a enganação e, sobretudo, o desrespeito à democracia representativa, tão ao gosto dos petistas atuais. Reuniões de 500 pessoas em bairros da cidade, nas quais um terço dos participantes era constituído por militantes, decidiam por regiões inteiras de mais de 150 mil ou mesmo 200 mil habitantes. Impunham uma representação inexistente, numa espécie de autodelegação de poder. O partido tudo instrumentava, arvorando-se em detentor do bem, o bem partidário confundido com o público.
Num Fórum Social Mundial, os narcoterroristas das Farc foram recepcionados no Palácio Piratini, sob o governo petista de Olívio Dutra. Lá, numa das sacadas do prédio, em outra ocasião, discursou, com sua arenga esquerdizante, Hugo Chávez, líder do processo que está levando a Venezuela a um verdadeiro banho de sangue, com a miséria e a desnutrição vicejando como uma praga – a praga, na verdade, do socialismo do século 21.
Eis o “outro mundo possível”, louvado pelos atuais dirigentes do PT. A vantagem hoje é a de que a máscara caiu. O partido, pelo menos, tem o benefício da coerência.
A máscara caindo mostra com mais nitidez que a democracia representativa nada vale e que a violência é o seu significante. A mensagem de paz tornou-se mensagem de sangue. A presidente do partido não hesitou em afirmar que a prisão de Lula levaria a “prender” e a “matar gente”. A tentativa de conserto posterior nada mais foi do que um arremedo.
Conta o fato de ter ela expressado uma longa tradição marxista-leninista de utilização da violência, da morte, acompanhada, segundo essa mesma tradição, de menosprezo pelas instituições democráticas e representativas, na ocorrência atual, sob a forma de desrespeito aos tribunais. A democracia, para eles, só tem valor quando os favorece. Desfavorecendo-os, deve ser liminarmente deixada de lado. Mesmo que seja sob a forma jurídica de pedidos de liminares, para que a luta continue.
Não sem razão, contudo, o PT e seus ditos movimentos sociais consideram este dia 24 como decisivo, o de seu julgamento. Para eles, tal confronto se exibe como uma espécie de luta de vida e morte. Nela, ao jogar-se a candidatura de Lula à Presidência da República e caindo, em sua condenação, o ex-presidente na Lei da Ficha Lima, está em questão a “vida” do candidato e do seu partido. Este, aliás, escolheu identificar-se completamente com seu demiurgo, selando com ele o seu próprio destino. O resultado é uma batalha encarniçada, o seu desenlace constituindo-se numa questão propriamente existencial.
A imagem da “morte”, segundo a qual os militantes fariam sacrifício por seu líder, por não suportarem a prisão dele, nada mais faz do que revelar o profundo divórcio entre o partido e a democracia representativa, com as leis e suas instituições republicanas. Pretendem sujar a Lei da Ficha Limpa com o sangue de seus seguidores.
Assim foi na tradição leninista: os líderes mandavam os seguidores para o combate e a morte, permanecendo eles vivos; e depois, uma vez conquistado o poder, usufruindo suas benesses. O sangue do ataque ao Palácio de Inverno e a vitória da revolução bolchevique levaram aos privilégios da Nomenklatura, dominando com terror um povo que veio a ser assim subjugado.
Segundo essa mesma lógica “política”, sob a égide da violência, Lula e os seus dividem apoiadores e críticos nomeando os primeiros como “amigos” e os segundos, “inimigos”. Sua versão coloquial é a luta do “nós” contra “eles”, dos “bons” contra os “maus”, dos “virtuosos” do socialismo contra os “viciados” pelo capitalismo. Ora, tal distinção, elaborada por um teórico do nazismo, Carl Schmitt, é retomada por esse setor majoritário da esquerda, expondo uma faceta propriamente totalitária. Lá também a morte, o sangue e a violência eram os seus significantes.
O desfecho do julgamento do dia 24, estruturante da narrativa petista, será vital para o destino do partido. Em caso de condenação, o que é o mais provável, o partido continuará correndo contra o tempo, numa corrida desenfreada por meio de recursos jurídicos, procurando esgotar os meios à sua disposição do Estado Democrático de Direito.
Assim fazendo, tem como objetivo produzir uma instabilidade institucional que venha a propiciar-lhe a reconquista do poder, produzindo um fato consumado numa eventual eleição sub judice. Seria consumar a morte da democracia representativa, solapando seus próprios fundamentos.
Resta saber se o partido conseguirá, para a concretização de seu projeto, realizar grandes manifestações de rua. Se lograr, a democracia representativa correrá sério risco. Se malograr, o partido estará fadado a divorciar-se ainda mais da sociedade. A narrativa soçobraria na falta de eco.
Conta o fato de ter ela expressado uma longa tradição marxista-leninista de utilização da violência, da morte, acompanhada, segundo essa mesma tradição, de menosprezo pelas instituições democráticas e representativas, na ocorrência atual, sob a forma de desrespeito aos tribunais. A democracia, para eles, só tem valor quando os favorece. Desfavorecendo-os, deve ser liminarmente deixada de lado. Mesmo que seja sob a forma jurídica de pedidos de liminares, para que a luta continue.
Não sem razão, contudo, o PT e seus ditos movimentos sociais consideram este dia 24 como decisivo, o de seu julgamento. Para eles, tal confronto se exibe como uma espécie de luta de vida e morte. Nela, ao jogar-se a candidatura de Lula à Presidência da República e caindo, em sua condenação, o ex-presidente na Lei da Ficha Lima, está em questão a “vida” do candidato e do seu partido. Este, aliás, escolheu identificar-se completamente com seu demiurgo, selando com ele o seu próprio destino. O resultado é uma batalha encarniçada, o seu desenlace constituindo-se numa questão propriamente existencial.
A imagem da “morte”, segundo a qual os militantes fariam sacrifício por seu líder, por não suportarem a prisão dele, nada mais faz do que revelar o profundo divórcio entre o partido e a democracia representativa, com as leis e suas instituições republicanas. Pretendem sujar a Lei da Ficha Limpa com o sangue de seus seguidores.
Assim foi na tradição leninista: os líderes mandavam os seguidores para o combate e a morte, permanecendo eles vivos; e depois, uma vez conquistado o poder, usufruindo suas benesses. O sangue do ataque ao Palácio de Inverno e a vitória da revolução bolchevique levaram aos privilégios da Nomenklatura, dominando com terror um povo que veio a ser assim subjugado.
Segundo essa mesma lógica “política”, sob a égide da violência, Lula e os seus dividem apoiadores e críticos nomeando os primeiros como “amigos” e os segundos, “inimigos”. Sua versão coloquial é a luta do “nós” contra “eles”, dos “bons” contra os “maus”, dos “virtuosos” do socialismo contra os “viciados” pelo capitalismo. Ora, tal distinção, elaborada por um teórico do nazismo, Carl Schmitt, é retomada por esse setor majoritário da esquerda, expondo uma faceta propriamente totalitária. Lá também a morte, o sangue e a violência eram os seus significantes.
O desfecho do julgamento do dia 24, estruturante da narrativa petista, será vital para o destino do partido. Em caso de condenação, o que é o mais provável, o partido continuará correndo contra o tempo, numa corrida desenfreada por meio de recursos jurídicos, procurando esgotar os meios à sua disposição do Estado Democrático de Direito.
Assim fazendo, tem como objetivo produzir uma instabilidade institucional que venha a propiciar-lhe a reconquista do poder, produzindo um fato consumado numa eventual eleição sub judice. Seria consumar a morte da democracia representativa, solapando seus próprios fundamentos.
Resta saber se o partido conseguirá, para a concretização de seu projeto, realizar grandes manifestações de rua. Se lograr, a democracia representativa correrá sério risco. Se malograr, o partido estará fadado a divorciar-se ainda mais da sociedade. A narrativa soçobraria na falta de eco.
O mundo não vai acabar. Acho
Estão fazendo disso tudo um carnaval tentando por os blocos na rua, mostrar-se todos bem assanhados, rebolando na boquinha de um Tribunal. Digam-me sinceramente: na real, o que é que esse julgamento, o primeiro dos muitos de Lula que ainda teremos o prazer de ver e rever, mudará na sua vida? Por que tanta papagaiada em torno disso, como se fosse um julgamento muito do importante, de vida ou morte, mundial, histórico? Se confirmado pelos desembargadores, condenado, acaso ele vai para uma cadeira elétrica, guilhotina, ou vai ficar só sem sobremesa? Ou melhor, sem candidatura?
Acaso ele já estava eleito por antecipação, aclamação, bons serviços prestados anteriormente, premiação por nos ter dado a chance de aguentar a Dilma? Seria Lula alguma espécie em extinção? – isso até, pensando bem, poderia ser bom. Um Messias, ou Bessias? Seria Lula algum personagem mitológico, ser acima do bem e do mal e que, se condenado e não puder concorrer à Presidência, o país será riscado do mapa? Ou essa história está sendo tão repisada que talvez até haja quem realmente acredite – repito, caso os desembargadores confirmarem essa primeira sentença que há contra ele, em um julgamento- que a nossa democracia estará em risco? Oi, tão malucos?
E de tudo quanto é lado, esse exagero, que culmina agora com transmissão ao vivo via YouTube! Governador pedindo tropas. Manifestações programadas antes e no dia, telões em praças. Chuvas de abaixo-assinados. Só falta combinarem cor de roupa pró e contra, adereço de mão, pintura tribal.
Até quando teremos de, inclusive, ver e ouvir as patacoadas e reinações de Narizinho, a Gleisi, que agora preside o impoluto PT em sua desesperada tentativa de isentar o ex-presidente de seu triplex na prainha, que ainda nem é o Sítio do Pica-Pau amarelo, ou melhor, o sítio de Atibaia, outro capítulo mais adiante dessa interminável novela. E o Lindinho, o Lindbergh? O senador meia-boca, paraibano eleito pelo Rio de Janeiro que continuará sendo apenas conhecido como ex-líder estudantil cara pintada, e que conclama, insinua, ameaça, se esgoela, cria frases de efeito, se esmera em espalhar um clima de guerra, como se o caso pudesse mesmo ser de grande mobilização popular. O povo não está se mexendo nem para se coçar! De qual planeta essa gente desembarcou?
Para onde se olha, se não for para as quilométricas filas dos postos de saúde onde repentinas ondas e turbas exigem tomar vacina contra febre amarela até mesmo sem precisar, e o que já dizima pessoas que não podiam tomar e estão morrendo, só se escuta falar do tal julgamento. Um pandemônio que lida com a conhecida ignorância nacional misturada com notícias falsas, boatos e, ainda por cima, ameaças, inclusive aos juízes que decidirão o placar de três votos em Porto Alegre.
Nos nossos tempos ainda concorre, para piorar o terrorismo e nos infernizar, o Whatsapp que as pessoas gratuitamente vêm usando sem qualquer moderação e que continuando nessa toada será exterminado, pelo menos dos celulares de quem tem o que fazer. Por ali passam todas as sandices, inclusive de uma corrente dos que têm vivido só para odiar e passando da conta com suas adorações de bolsonaros e afins, estes sim bem perigosos para a democracia e para a nossa saúde.
Julgamentos, também acho, podem ser incríveis, emocionantes, mobilizar corações e mentes, mas desde que os crimes sejam ricos em seus roteiros e detalhes; os criminosos, mentes fascinantes nem que seja pela ousadia. Não casos de corrupção sórdida e pobre que revelem projetos de poder pessoais criados à base da miséria humana, do desprezo às boas práticas, que culminam em tríplex, pedalinhos decorados e outros bens pessoais de gosto duvidoso e às nossas custas.
Essa é só a primeira temporada dessa série.
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