segunda-feira, 8 de maio de 2023

Pensamento do Dia

 


Liberdade, uma sobrevivente

Em nome da liberdade, a História narra as maiores atrocidades cometidas pela humanidade. Em todos os episódios, a partes beligerantes arrogam-se defensores dos direitos das pessoas, do respeito à paz social e da autonomia das nações o que é uma mentira universal e atemporal.

O que sobressai é um sentimento disseminado de medo diante da prática da violência multifacetada. Legiões de imigrantes, que deixam sua terra, seus lares, laços afetivos e raízes ancestrais, são milhões de criaturas no oriente Médio, na África, na Ásia e na América central, em busca de proteção de suas vidas e de suas famílias.

Mesmo nas sociedades livres, movimentos liberticidas atuam, mais sutilmente, para enfraquecer as instituições democráticas de modo a saciar o apetite insaciável de lideranças populistas e autoritárias.


Para o filósofo inglês, John Locke (1632-1704), segundo Merquior, um protoliberal, os indivíduos “são perfeitamente livres para agir e dispor de suas posses do modo que achem apropriado (…) sem precisar perguntar a ninguém, nem depender da vontade de qualquer outro homem […] sem causar dano a outro em sua vida, saúde, liberdade ou propriedade”.

Desse ponto de partida, vem a lição de Bobbio que sintetiza os significados da liberdade como valor político: no conceito liberal, liberdade significa ausência de coerção; no conceito democrático, autonomia, o poder de autodeterminação o que incorpora a noção de controle. Ainda assim, o cidadão livre jamais deixou de sofrer ameaças e violências. A razão é simples: a liberdade, de alguma forma, impõe limitações ao exercício do poder.

No ambiente livre, “o antagonismo é fecundo”; o respeito à diversidade, inimigo mortal da intolerância e do debate das ideias, o caminho para o aperfeiçoamento social. No ambiente da opressão, sucede às dores, a quietude dos cemitérios.

Atualmente, a democracia, protetora e propulsora das liberdades, é flagrada, por parte da literatura, em estado de agonia seguida de morte pelo enfraquecimento das instituições que lhes dão suporte.

No Brasil, a democracia foi seriamente testada, em várias ocasiões e, nos recentes episódios, gravemente ameaçada. Porém, vem atravessando, ao lado da liberdade, “O Corredor Estreito” (Daron Acemoglu e James Robinson. Editora Intrínseca Ltda. RJ, 2020).

Este “Corredor”, definem os autores: “Limitado, de um lado, pelo medo e pela repressão dos estados despóticos, e, de outro pela violência e a barbárie que surgem em sua ausência, existe um corredor estreito para a liberdade […] O que o torna um corredor e não uma porta é o fato de que conquistar a liberdade é um processo […] A liberdade precisa do Estado e das leis. Mas não é cedida pelo Estado nem pelas elites que o controlam. É conquistado por pessoas comuns, pela sociedade […] A liberdade precisa de uma sociedade mobilizada, que participa da política, protesta quando necessário, e quando pode, vota para tirar o governo do poder”.

Neste sentido, recorro e me alinho aos argumentos do cientista político Marcus André Melo nos artigos da Folha, datados de 13/8/18, 01/10/18, 26/02/23, amparados em vários estudos, entre eles, de A. Little e Anne Meng, (co-autores), no ensaio de Kurt Weyland, e na recente obra de Larry Bartels, mencionada na coluna de 01/5/23, “A demanda imaginária por populistas”: não há evidências empíricas de um colapso das democracias.

Como diria o sábio Norberto Bobbio, a democracia no mundo jamais gozou de boa saúde, mas não está na beira do túmulo.

A crise do clima, fruto da cegueira

O mais recente relatório da Organização Meteorológica Mundial (OMM) em torno das mudanças climáticas é tão preocupante que chega a soar como um antecipado apocalipse que ameace a continuidade da vida no planeta. Mesmo assim, nos comportamos como cegos e surdos, sem entender (ou nem sequer perceber) que o horror que se avizinha é consequência de uma cegueira que nos torna insensíveis até àquilo que é visível a olho nu.

Dias atrás, este jornal publicou amplo resumo do relatório da OMM, com conclusões sobre a elevação da temperatura dos mares e o derretimento das geleiras. Em verdade, mais do que tudo, ali está uma advertência sobre o efeito estufa, que cresceu assustadoramente nas últimas décadas em razão do estilo de vida da sociedade de consumo, com a expansão do seu capitalismo predatório.


Agora, a Agência Espacial Europeia lançou outra advertência, que se soma à realizada pela Organização Meteorológica Mundial, ampliando ainda mais o perigo: nos últimos dez anos, a taxa de aumento médio do nível dos mares duplicouse por causa do derretimento das geleiras da Groenlândia e da Antártida.

A atividade dos mares se comporta como uma espécie de ferramenta de captação do calor do planeta e, com isso, alivia os efeitos catastróficos (ou, ao menos, os mais perniciosos) do efeito estufa. Paralelamente, porém, os mares geram efeitos em cadeia ao ameaçar os ecossistemas marinhos. Daí surge outro perigo, imperceptível a olho nu, mas igualmente grave.

O relatório da Organização Meteorológica Mundial é taxativo e deixa um alerta equivalente a uma advertência: “Enquanto a emissão de gases de efeito estufa cresce e muda a temperatura, a população mundial se vê afetada pelo clima extremo e seus graves efeitos”.

Aí estão, perto de nós, as recentes secas na Amazônia, onde antes chovia praticamente todos os dias (quase à hora certa) e os habitantes das grandes cidades, como Manaus e Belém do Pará, costumavam marcar encontros para “antes” ou “depois” da chuva.

Lá longe (demonstrando tratar-se de um fenômeno global), na outrora gélida Sibéria fez calor em pleno final de outono e início de inverno. E, ano a ano, os invernos vêm se apresentando cada vez menos frios.

No entanto, continuamos surdos às informações ou advertências geradas pelas observações científicas. Continuamos poluindo o ar com automóveis movidos a gasolina, ou caminhões e ônibus nutridos pelo poluente óleo diesel. Para agravar a situação, os carros elétricos continuam inacessíveis, pelo altíssimo preço de venda, além de não disporem de um sistema de abastecimento eficiente.

Além disso (e bem mais grave ainda), chegamos ao absurdo de gerar eletricidade através de usinas térmicas, abastecidas com o poluente carvão mineral. Pouco desenvolvemos a energia solar num país ensolarado pelos quatro pontos cardeais, de norte a sul, de leste a oeste.

Pouco nos valemos ou aproveitamos da energia eólica, como se não habitássemos um país com ventos intensos e extensos. Não nos interessamos em desenvolver as pesquisas sobre a capacidade de as ondas do mar gerarem eletricidade, mesmo vivendo num país com extenso litoral marítimo.

As florestas e os bosques continuam a ser tratados como um estorvo, quando – em verdade – são a grande dádiva que nos deu a natureza. Continuamos a destruir o verde da Amazônia, da Mata Atlântica e do Cerrado, sem nos preocuparmos sequer com o ritmo cada vez mais acelerado. Não respeitamos sequer a água (que fez nascer a vida no planeta), permitindo que o garimpo contamine com mercúrio os rios amazônicos.

Em nossas cidades, limpamos calçadas ou lavamos automóveis e regamos jardins com água tratada como potável. Não nos lembramos de recolher água das chuvas em calhas nas nossas residências para usá-la nessas circunstâncias. Com isso, acentuamos o desperdício daquilo que é mais precioso para a vida no planeta.

Porém – poderão perguntar – como fica aquele ínfimo núcleo dos que defendem que o clima do planeta é regido unicamente pelos ciclos solares que, por sua vez, incidem no maior ou menor aquecimento dos oceanos?

Dizem eles que, se houver um “ciclo de resfriamento”, como aconteceu com a Groenlândia no tempo dos vikings, seria “muito pior” do que um ciclo de aquecimento. O japonês Shigenori Maruyama e o canadense Timothy Oke estão à frente desse exíguo grupo, comparável aos chamados terraplanistas, que defendem que “a Terra é plana”, pois, “se não fosse assim”, os oceanos despejariam suas águas no além...

O mais aterrador e brutal das mudanças climáticas, porém, é o fantasma da fome no mundo inteiro. Sendo estáveis, as estações do ano incidem diretamente na agricultura. As mudanças climáticas, porém, interferem na produção agrícola, afetando as colheitas e nos privando dos alimentos básicos.

A conclusão é simplista, mas verdadeira: as mudanças climáticas regem o mundo e assim devem ser vistas.

Um excêntrico mundo novo nos espreita

Ondas de um grande estrondo percorrem o ar, com o cheiro de coisa podre se espalhando nos arredores. Cadáveres são empilhados nas esquinas. A peste do bolsonarismo desmorona com sua obsessão de crimes, fraudes e doenças que contaminaram e dividiram o país por quatro longos anos, período mais tenebroso de sua história. Quem acreditou nas trapaças e mentiras agora tapa o nariz, mas ainda quer fazer de conta que a vida política é assim mesmo, todos os políticos fedem, roubam e cometem crimes.

Com seu romance ‘Admirável Mundo Novo’, uma espécie de ficção cientifica distópica publicado em 1932, o escritor inglês Aldous Huxley antecipa o surgimento de uma sociedade alucinada pelo desenvolvimento de novas tecnologias, capazes de manipular psicologicamente as pessoas. A vertigem acontece durante o sono. Enquanto dormem, ouvem frases que se repetem, inculcando mensagens morais em seu inconsciente.

Estaremos no limiar de um mundo assim, grotesco, assombroso, excêntrico, em que as pessoas, em seu infortúnio, são induzidas a aceitar o que lhes é dito? Tornam-se indiferentes ou maleáveis, a ponto de venerar como líderes tipos desqualificados e mistificadores?

Há várias questões polêmicas em debate hoje no país, que envolvem desde a prisão do Jair pela prática sistemática de crimes e fraudes, planos econômicos, taxa exorbitante de juros, arcabouço fiscal, o assassinato de Marielle, a manipulação das fake news, com seu sinistro rastro de mentiras e ódio, até a invasão da inteligência artificial. Críticos alertam sobre os perigos das empresas que usam tecnologias invasivas que alimentam instrumentos populares, como o ChatGPT.

Nenhuma das questões, no entanto, é tão crucial para o futuro do país quanto a punição dos responsáveis pelo 8 de janeiro, nosso grande desafio. De seu julgamento depende a normalidade institucional, a continuidade da vida democrática, a liberdade de fazer escolhas, direitos e deveres assegurados.

Naquela tarde de 8 de janeiro, em Brasília, exibiu-se com despudorada desfaçatez o espetáculo grotesco de tentativa de golpe de Estado, com a invasão das sedes dos três poderes filmada pelos próprios delinquentes. As provas estão materializadas, executores, mandantes e inspiradores devidamente reconhecidos.

Sabemos que estavam lá pessoas que não aceitaram o resultado das eleições e defendiam a ruptura violenta da ordem democrática. O que é crime, nas palavras do ministro Luís Roberto Barroso, do STF. São nítidas as impressões digitais da gangue bolsonarista. Decorridos três meses, o país se encontra à espera de uma decisão inapelável do Supremo Tribunal.

Os brasileiros estão cansados de ver aquelas imagens pela televisão, celulares e computadores. Um bando de fanáticos com a camisa verde e amarela, destruindo o patrimônio público. A cada vez que reveem as imagens, sentem um arrepio passar pelo corpo. Uma reação de asco e indignação, semelhante à que temos diante de outra cena comum de violência urbana: um grupo de policiais militares armados imobilizando um cidadão negro desarmado. Estão na rua, diante de uma viatura. O negro tenta se soltar. Os policiais o arrastam e derrubam na calçada, imobilizam seus braços e o estrangulam pelo pescoço.

Este o excêntrico modelo de mundo novo que nos espreita. Nada tem de admirável. Os cidadãos que trabalham e amam a liberdade, dos intelectuais aos novos proletários entregadores de comida, esperam que a Justiça mande para a cadeia os autores dessa infame intentona de natureza fascista. Que agiram certos de que teriam a proteção e a cobertura de autoridades e de seus superiores nas Forças Armadas, assim como tem sido em nossa sangrenta história.

Ao final, todos seriam elogiados e promovidos, da mesma forma como foram os torturadores na ditadura militar de 1964. Ao término do regime, em 1985, voltaram para suas casas condecorados e anistiados.

É hora de levantar um clamor e dizer chega! Sem julgamento e punição dos envolvidos no 8 de janeiro tudo o mais desmorona. Este é o ponto de partida para manter o regime de liberdade, o arcabouço fiscal do Haddad, ajustar os juros do Banco Central que travam o crescimento e o emprego, e submeter à lei a mistificação das fake news, que servem à expansão do extremismo de direita.

Huxley criou o seu admirável mundo novo para nos encantar e advertir. Entre nós, o juiz Alexandre de Moraes, o Xandão, deve saber disto. Pelo menos assim tem agido, com determinação e vigor para fazer valer o cumprimento da lei, não importa se do agrado de um conservador, liberal, anarquista ou comunista.